A narrativa delirante de Mário Centeno

– O auto-elogio sem limites
– As mentiras e a criação do “paraíso” em Portugal enquanto foi ministro
– A utilização indevida de meios públicos para se auto-promover
– O Banco de Portugal transformado em “porta giratória” para o próximo emprego

Eugénio Rosa [*]

O Banco de Portugal divulgou em 4/9/2023 um texto com 4 pgs. com o titulo “ Banco de Portugal divulga análise do Governador Mário Centeno”. Portanto, é uma análise pessoal do governador e não do Banco de Portugal. Quem tenha a paciência de a ler ficará certamente surpreendido pelo delírio e irrealismo da análise, pela sua falta de aderência à realidade, pelas mentiras que tem, pela forma como MC se vê. Tudo isso certamente movido pelo desejo sem limites de se promover, provavelmente com o objetivo de abrir portas para um novo emprego, já que deve considerar acha que o cargo de governador do Banco Portugal não é suficientemente remunerado (17473€/mês e OUTRAS benesses) nem corresponde ao “status” que pensa merecer. Mas para que o leitor não pense que estamos a exagerar ou somos criticistas analisa-se as partes significativas dessa peça narrativa.

O paraíso português nas palavras de Mário Centeno. “No final do primeiro semestre de 2023, a economia portuguesa destacava-se entre as suas congéneres europeias. Contas públicas entre as mais equilibradas; endividamento público e privado numa trajetória de redução; e um sistema financeiro estável e aliado da economia. Para aqui chegar, o país mudou estruturalmente. Investiu na educação, reforçou o investimento produtivo e reestruturou o setor financeiro.

E como se todo este delírio já não fosse suficiente Mario Centeno apresenta como explicação para todo este “êxito”, a ação do governo enquanto foi ministro. Vale a pena lê-la pelo irrealismo que mostra, e por revelar como Mário Centeno está fora da realidade portuguesa e vive numa outra dimensão criada pela sua imaginação. Para isso transcrevemos alguns extratos para o próprio leitor se aperceber do estado mental de Mario Centeno. Aqui estão para leitura: “ Desde 2015 crescemos 17% e convergimos com a área do euro, que cresceu 13%. Depois de atingir um máximo em 2019, a atividade económica recuperou rapidamente da pandemia. Em 2023, a atividade, o emprego e os salários estão em máximos, colocando a economia de novo acima dos valores potenciais. …. Estamos a acumular e a reter capital humano qualificado. … A acumulação de fatores produtivos estende-se ao investimento, que nos últimos oito anos cresceu 48%, acima dos 25% da área do euro, sustentado em critérios de exigência e rentabilidade. O investimento privado cresceu 54%, e em 2022 representava quase 90% do total. ….Não menos importante, o investimento público tornou- se mais exigente e produtivo, sendo a capitalização da Caixa Geral de Depósitos um exemplo destacado….Em paralelo, a incorporação do conhecimento tecnológico tem promovido organizações mais produtivas e adaptadas a uma economia globalizada…”

E como se tudo isto já não fosse suficiente remata com a seguinte tirada para caraterizar a situação do país: O espírito de solidariedade e rigor traduz-se numa redução da percentagem de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social, com valores inferiores aos da Alemanha ou França, e em contas públicas em equilíbrio, eventos raros na nossa história e no atual contexto europeu” – o que reflete a sua miopia e insensibilidade pelo aumento da pobreza que alastra pelo pais visível para todos menos para ele.

A DIFERENÇA DA RIQUEZA CRIADA POR HABITANTE ENTRE PORTUGAL E A UE E ZONA DO EURO AUMENTOU ENTRE 2013 E 2022, O QUE PROVA QUE A AFIRMAÇÃO DE CENTENO DE CONVERGENCIA NO PERIODO 2015-2019 É FALSA

O quadro 1, com dados do Eurostat do PIB per capita a preços correntes nos países da UE e na Zona Euro mostra que, contrariamente ao que escreveu Mário Centeno no documento de auto glorificação, Portugal não convergiu nem para a Zona Euro nem mesmo para a UE; pelo contrário, a diferença entre a riqueza criada por habitante em Portugal e a média dos países da UE e da Zona Euro no lugar de diminuir aumentou entre 2013 e 2022, incluindo no período 2015-2019. A convergência de que fala Mario Centeno não corresponde à verdade. Os dados oficiais do Eurostat confirmam que Mário Centeno não fala verdade.

Nas duas últimas colunas à direita (as coloridas a amarelo) encontram-se as diferenças entre o PIB por habitante em Portugal e o PIB por habitante médio da UE e em relação ao da Zona Euro a preços correntes . E a conclusão que se tira é que as diferenças têm aumentado de uma forma continua, o que prova que o PIB por habitante de Portugal no lugar de convergir para o da U.E. e o da Zona Euro tem divergido cada vez mais.

Quadro 1.

O PIB por habitante de Portugal em 2013 era inferior ao da UE em -9710€; em 2015 em - 10150€; em 2019 em -10470€ e, em 2022, em -12000€. Por outro lado, o PIB por habitante de Portugal era inferior em 2013 ao da Zona Euro em -12940€; em 2015 em -13480€; em 2019 em -13920 € e, em 2022, -15240€. Entre 2013 e 2022, o PIB por habitante aumentou em Portugal +6990€, enquanto na U.E. cresceu +9280€ e na Zona Euro +9290€. Perante estes dados do Eurostat conclui-se que Portugal no lugar de ter convergido para a Zona Euro e para a UE tem divergido e de uma forma continua. E isto verificou-se também no período 2015-2019, ou seja, o referido por Mario Centeno o que prova que a Mario Centeno não fala a verdade quando se refere à convergência para a Zona Euro quando foi ministro.

Mesmo utilizando valores do PIB por habitante PPP, em que se anula o efeito da diferença de preços (PIB PPP), a afirmação de Mario Centeno continua a não ser verdadeira. Segundo o Eurostat, em 2015, o PIB por habitante PPP de Portugal era inferior ao da UE em -6179€; em 2019 era já inferior em -6699€ e, em 2022, em -8058€. A diferença em relação à Zona Euro é maior: em 2015 -8099€; em 2019: -8458€ e, em 2022, em -9457€. O desejo em se glorificar leva Mario Centeno a não respeitar a verdade enganando os portugueses.

No período 2016/2019, com Mario Centeno a média das taxas de crescimento em Portugal foi 2,75%, enquanto da UE foi 2,18%. Mas 2,75% sobre um PIB per capita de 23200€, que é o de Portugal, representa um crescimento de 640€, enquanto um aumento de 2,18% sobre um PIB per capita de 35290€, que é o da UE, já representa um crescimento de 769€. A manipulação de Centeno com as taxas de crescimento fica assim clara e a convergência referida por ele transforma-se em aumento da divergência.

CONTRARIAMENTE AO QUE AFIRMA MÁRIO CENTENO, PORTUGAL FOI O PAIS QUE MENOS INVESTIU NO PERIODO EM QUE MÁRIO CENTENO FOI MINISTRO DAS FINANÇAS, O QUE CAUSOU UMA PROFUNDA DEGRADAÇÃO DOS EQUIPAMENTO PÚBLICOS E IMPEDIU A MODERNIZAÇÃO DO APARELHO PRODUTIVO NACIONAL

O quadro 2 (dados do Eurostat) mostra o volume de investimento privado e publico, medido em percentagem do PIB, na União Europeia. Na Zona Euro e em Portugal no período 2011-2022.

Quadro 2- Investimento privado e público em % do PIB
na UE, na Zona Euro e em Portugal, 2011-2022

Quadro 2.

Como revelam os dados do Eurostat mais uma vez Mário Centeno mente, quando afirma que em Portugal “a acumulação de fatores produtivos estende-se ao investimento, que nos últimos oito anos cresceu 48%, acima dos 25% da área do euro”, pois Portugal é o país da UE e da Zona Euro em que o investimento privado e publico tem sido mais baixo o que tem tido consequências dramáticas para o país em termos de crescimento económico e desenvolvimento causando o seu atraso crescente. E foi precisamente durante o “reinado” de Mário Centena que o investimento publico, alavanca do investimento privado, foi reduzido para valores irrisórios (entre 1,5% e 1,8% do PIB , quando na UE a média foi de 3% do PIB, e na Zona Euro 2,8% do PIB). Para reduzir o défice e divida publica da forma como o fez , Mario Centeno impôs cortes brutais no investimento publico, nomeadamente no SNS, e no poder de compra dos trabalhadores da Função Pública com as consequências dramáticas que o País e os portugueses estão ainda a sofrer.

O CORTE BRUTAL NO INVESTIMENTO PUBLICO FEITO POR CENTENO E SUCESSORES É UMA CAUSA DO ATRASO CRESCENTE DO PAIS E DO AGRAVAMENTO DAS CONDIÇÕES DE VIDA DA POPULAÇÃO (SNS, Escola pública, etc)

O investimento publico em qualquer país é fundamental não só para garantir melhores condições de vida para a população, mas também em termos de crescimento económico e desenvolvimento do país. Em primeiro lugar, porque torna a população mais saudável e, portanto, mais produtiva; em segundo lugar, porque é base do aumento de qualificação da população indispensável para o aumento da produtividade e da riqueza produzida; em terceiro lugar, porque cria as infraestruturas (hospitais, escolas , universidades, estradas, caminhos de ferro, transportes públicos, pontes, etc) indispensáveis ao crescimento e económico; finalmente, porque é uma alavanca importante ao aumento investimento privado. E o que acontece com Mário Centeno é que ou não compreende ou recusa-se a compreender o papel fundamental do investimento. O quadro 3 torna ainda mais claro as consequências dramáticas dessa política de mero contabilista interessado apenas em conseguir um saldo positivo que tantos danos casou e continua a causar ao país

Quadro 3 – FBCF (Novo Investimento Publico, coluna2),
Consumo de Capital Fixo Publico (o que desaparece devido ao uso e a obsolescência -3)
no período 2016-2022

Quadro 3.

Como revelam os dados do INE, durante o “reinado” de Mario Centeno o valor do investimento publico que desapareceu pelo uso e obsolescência, foi superior ao novo investimento publico em 8893 milhões €. O Estado nem compensou como novo investimento o que deixou de existir. Infelizmente tal prática altamente nociva continuou com os ministros Leão e Medina. A degradação e a falta de equipamentos públicos é dramática. Hospitais que não se construíram e que não passam do papel (Oriental, Seixal, Sintra, Alentejo e agora o do Sudoeste), ou que estão à espera há anos de obras de reabilitação ou alargamento, dezenas e dezenas de escolas degradadas que não são reabilitadas (enquanto isso Costa vai à Ucrânia prometer a reconstrução de escolas em toda uma região – o que não faz no seu pais), Plano ferroviário que não é cumprido, um novo aeroporto que nunca mais sai do papel, um pais incapaz de utilizar de uma forma eficiente e atempada os fundos comunitários disponibilizados pela UE, uma administração pública degradada e incapaz de satisfazer os cidadãos em serviços essenciais; etc. É este o paraíso de que fala Centeno.

OS SALÁRIOS EM PORTUGAL CONTINUAM A SER METADE DA MÉDIA DOS DA UE E DA ZONA EURO

Segundo Centeno “ a atividade, o emprego e os salários estão em máximos, colocando a economia de novo acima dos valores potenciais. …. Estamos a acumular e a reter capital humano qualificado”. Comparemos este delírio de Mário Centeno com a dura realidade que os dados do Eurostat do quadro seguinte traduzem:

Quadro 4.

A pergunta que se coloca para reflexão dos leitores é esta:   Com esta diferença nos salários entre Portugal e a média dos países da UE e da Zona Euro será possível reter trabalhadores altamente qualificados em Portugal?

MARIO CENTENO QUER MAIS DO MESMO APESAR DO DESASTRE PARA O PAIS DA SUA GESTÃO COMO MINISTRO

E como se tudo isto já não fosse suficiente, Mario Centeno termina o seu documento com um apelo ao governo para que continue com a política que tem conduzido o país a um atraso crescente, nos seguintes termos: “ A política orçamental deve continuar a orientar-se pela noção de que não se alterou aquilo que há cinco anos não era financiável. O peso da despesa permanente na economia continua acima de 2019, mas deve reduzir- se para garantir a sustentabilidade ao longo do ciclo económico. A estabilidade financeira e a previsibilidade dos modelos de negócios potenciam o investimento. Compete aos decisores honrar estes princípios”.

09/Setembro/2023

[*] edr2@netcabo.pt

O original encontra-se em www.eugeniorosa.com.

Este artigo encontra-se em resistir.info

11/Set/23