Honduras: Contra a manobra do pacto de elites
Lutar pela volta de Zelaya para convocar a Constituinte!
Em Honduras, joga-se uma importante batalha que impactará a
correlação de forças da luta de classes entre o capital e
o trabalho na América Latina. As classes dominantes locais e o
imperialismo tentam se contrapor ao desejo de mudanças políticas,
econômicas e sociais das massas populares, para manter e se
possível ampliar a exploração dos trabalhadores, a
criminalização da pobreza e dos movimentos sociais, assim como o
saque às riquezas naturais da região.
Honduras mostra com clareza a ilusão de alianças com as chamadas
burguesias nacionais nos processos de luta por mudanças, mesmo nos
países em que o desenvolvimento das forças produtivas é
inconsistente. Manuel Zelaya não é um Chávez, um Evo e nem
mesmo um Rafael Correa; está longe de qualquer verniz socialista. Para
ser deposto, bastou-lhe querer mudar a Constituição conservadora
e incorporar o país à ALBA (Alternativa Bolivariana para as
Américas) - uma integração complementar e
solidária, não imperialista à busca de recursos e
alternativas capazes de mitigar injustiças sociais.
Honduras mostra também que, apesar de os EUA deterem a hegemonia mundial
(ainda que em processo de decadência), o mundo não é mais
unipolar. Tende a ser cada vez mais multipolar. O imperialismo estadunidense
não conseguiu consumar o golpe que patrocinou por debaixo do pano, em
articulação com o núcleo duro da oligarquia hondurenha.
O modelo do golpe não era original. Dois golpes anteriores se deram da
mesma forma: uma falsa renúncia do Presidente da República, sua
prisão de surpresa, sem processo, o translado em avião para fora
do país e a posse de um fantoche de confiança dos EUA e da
oligarquia local. O golpe em Honduras é um desempate; daí sua
importância. Num deles, no Haiti, conseguiram sacar do poder o Presidente
eleito, Aristides; na Venezuela, não conseguiram derrubar o Presidente
Chávez.
No caso hondurenho, houve erros na execução do plano golpista. O
maior deles foi a falta de uma satanização prévia de
Manuel Zelaya, para que a opinião pública mundial, manipulada
pela mídia única, compreendesse as razões do
golpe. Isto levou também a maioria esmagadora dos governos do mundo a
repudiar imediatamente o golpe, inclusive, alguns deles, para não
permitir que este tipo de golpe virasse uma jurisprudência
contra eles próprios.
Honduras mostra ainda que, principalmente em política externa, o
Presidente dos Estados Unidos não passa de um mero portavoz de luxo do
verdadeiro poder imperialista, formado pelo governo de fato, invisível,
composto por quadros do Departamento de Estado, do Pentágono, da CIA e
do complexo industrial-militar.
Enganam-se os que imaginam que há alguma divergência entre Obama e
Hilary Clinton, que parecem fazer movimentos diferentes. Na realidade, trata-se
de uma divisão de tarefas, em que o Presidente critica moderadamente o
golpe (para simular que representa mudança) e a Secretária de
Estado opera habilmente uma esperta tática para resolver a crise com uma
solução que, apesar do insucesso do golpe, contemple o mais
importante para os EUA e a oligarquia: os resultados políticos que
motivaram o golpe.
Confirmando um ditado popular brasileiro (filho feio não tem
pai), os EUA há mais de um mês simulam que não
têm nada a ver com o golpe nem com o histriônico
presidente de opereta, ganhando tempo para desmotivar a renitente
mobilização popular, inviabilizar o plebiscito sobre a reforma
constitucional, comprometer ou neutralizar Zelaya com acordos rebaixados e
criar as condições para um pacto de elites, um governo de
união nacional, que exclua os setores populares e garanta os
privilégios da classe dominante e do imperialismo.
Zelaya acaba alimentando este jogo, com seus erros e/ou
conciliações. Quando aceita uma negociação de
cartas marcadas, mediada por um ventríloquo do império, reconhece
na prática o governo golpista. Quando bravateia entrar no país e
recua, fortalece os golpistas e desanima a resistência.
Outros preços certamente serão cobrados nas
negociações: a ruptura com a ALBA e a manutenção
(quem sabe a ampliação), da estratégica base militar
ianque de Soto Cano. Afinal de contas, Honduras dispõe de grandes
reservas de petróleo e fica exatamente entre os dois países com
governos progressistas na América Central, articulados com a ALBA: El
Salvador e Nicarágua.
O objetivo principal desta tática é a eleição de um
tertius de consenso das elites, para unir o país
e legitimar o golpe. O títere de plantão será carta fora
do baralho. Já fez sua parte. A tarefa de convocar as
eleições pode ser cumprida pelo próprio Zelaya, que
voltaria ao país apenas para convocar as eleições, sem
direito à reeleição e à Constituinte. Seu
prêmio de consolação seria uma anistia e o direito de
concorrer no futuro. Há outras alternativas. O próprio Micheletti
pode convocar eleições antecipadas sem poder concorrer ou ainda
renunciar para que o Presidente da Corte Suprema assuma e as convoque. Para
apurar as responsabilidades do golpe, nada melhor que a criação
de uma comissão de notáveis, destinada apenas a
conciliar.
O plano é perfeito. Mas dois fatores podem derrotá-lo.
Um deles é a intensificação da mobilização
popular que, diante deste quadro, deve imediatamente acrescentar uma outra
bandeira, para além da volta do Presidente deposto. Hoje já
não basta ele voltar. Talvez seja o caso de a heróica
resistência popular hondurenha ligar a bandeira pela volta de Zelaya
à da realização do plebiscito sobre a Constituinte.
Até para poder continuar lutando por esta bandeira, caso o Presidente
volte apenas para operar o pacto de elites. A luta popular pode inclusive
assumir um patamar superior, como alternativa de poder.
O outro fator é a solidariedade internacional. Não apenas a
importante solidariedade atual de governos de países capitalistas e
organismos multilaterais, pois estes respaldarão imediatamente o pacto
de elites, inclusive o governo brasileiro, apesar de vir tendo uma
posição correta e firme pela volta de Zelaya. Refiro-me à
solidariedade internacionalista, única forma de contribuir para que a
solução da crise hondurenha faça avançar, e
não retroceder, o processo de mudanças.
É hora de as organizações políticas e sociais do
campo popular e de esquerda que atuam na América Latina
[1]
marcarem um grande e unitário evento, de preferência na
Nicarágua, não só para verbalizar a solidariedade dos
povos da região, mas sobretudo para, a partir de então, promover
atos unitários e simultâneos em toda a América Latina, de
respaldo a uma saída popular para a crise hondurenha.
(1) Centrais sindicais, Congresso Bolivariano dos Povos, Conselho Mundial da
Paz, Coordenadora Continental Bolivariana, entidades de solidariedade,
Federação Mundial da Juventude Democrática,
Federação Mundial das Mulheres, Federação Sindical
Mundial, Fórum de São Paulo, Movimentos Sociais, Partidos,
parlamentares e personalidades progressistas, Via Campesina etc.
[*]
Secretário Geral do PCB (Partido
Comunista Brasileiro)
;
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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