O reinado do poder confuso
(a América Latina na armadilha progressista)
A onda [dita] progressista está a ponto de cobrir o essencial da
geografia
latino-americana. Se López Obrador chegar a impor-se no México,
a velha direita neoliberal terá ficado reduzida a uns poucos
remanescentes dos anos 1990. Contudo, do ponto de vista dos interesses
económicos dominantes na região, muito pouco mudou. Tão
pouco verificaram-se melhorias no plano social. O processo de
concentração de rendimentos e empobrecimento maciço
continua a sua marcha. Ainda que se hajam produzido mutações
decisivas nas retóricas oficiais, agora praguejadas de alusões
humanistas e de críticas às multinacionais ou ao FMI (que
não se dão por achados e prosseguem o seu trabalho). O que
é na realidade o [dito] progressismo latino-americano? Que traços
definem um governo como tal? Em que se diferencia dos regimes anteriores?
Como pode ser que em Washington, onde governa a extrema direita, não
apareça nem o menor sinal de preocupação por estas
mudanças?
FRONTEIRAS DIFUSAS
Ensaiar uma tipificação da
centro-esquerda
regional não é tarefa fácil. Pululam sinais
híbridos, contraditórios, discursos opostos aos factos, promessas
incumpridas. Suas fronteiras são difusas. Em certos casos é
difícil estabelecer se alguns dos seus integrantes realmente pertencem
ou não a esse espaço. Sua heterogeneidade ideológica e de
origem política é desconcertante. Lula foi um dirigente
operário partidário do socialismo, ainda que apenas chegado ao
governo esclareceu que não era um homem de esquerda. Kirtchner na
década passada foi um decidido governador de província
neoliberal, amassou sua primeira fortuna durante a ditadura militar. Mas agora
decidiu apagar esse passado. Proclama-se progressista e recorda
longínquos antecedentes nebulosos na
"esquerda peronista"
(e aplica uma política favorável à hegemonia das
multinacionais). Bachelet é ao mesmo tempo
"herdeira"
do Partido Socialista de Salvador Allende e firme defensora do sistema
económico forjado sob a ditadura de Pinochet. E tanto ela como
Tabaré Vazquez (de antiga trajectória na esquerda e acompanhado
por funcionários ex-tupamaros) estão entre os mais fieis aliados
dos Estados Unidos.
Algo que marca quase todos eles é a dedicação
prioritária às manipulações mediáticas. O
mundo ilusório dos meios de comunicação é a
"terra firme"
cuja dinâmica determina boa parte dos seus actos. Toda essa venda e
revenda de ilusões raia um pragmatismo próximo à
imoralidade absoluta. Seu denominador comum é um certo esquerdismo
"cultural"
(moderado) combinado com políticas económicas conservadoras que
preservam as reformas neoliberais dos anos 1980-1990. Ainda que, em
matéria de política internacional, em alguns casos vão
mais além
dos discursos e praticam um jogo que afrouxa os laços tradicionais de
sujeição ao império e cria vínculos com outros
sistemas de poder. Por fim, a rápida decrepitude das
privatizações leva-os por vezes a reassumir o controle
público de algum sector deixado em ruínas, o que lhe permite
animar uns poucos shows
nacionalistas
(muito balizados).
Tanto jogo confuso despista aqueles que os avaliam seguindo padrões de
outras épocas. Dentre outras coisas, porque uma das suas fontes
(mediáticas) de legitimação é a
utilização inescrupulosa do passado, especialmente da
memória (remodelada) de rebeldias populares extintas. Exemplos: um
alto funcionário uruguaio que há várias décadas era
um jovem rebelde tupamaro escuda-se nesses antecedentes para justificar algum
acto de corrupção governamental ou a aceitação
"realista"
do saque realizado por empresas multinacionais; Kirchner rende repetidas
homenagens às
vítimas
da ditadura enquanto obedece fielmente à última exigência
do FMI e salda antecipadamente a mega-dívida argentina com essa
organismo (ao mesmo tempo, lança-lhe alguma crítica); um
funcionário do governo do Brasil recorda seu longínquo combate
contra o despotismo militar enquanto Lula decide rematar 13 milhões de
hectares de terras amazónicas ou o envio de tropas ao Haiti.
O NOVO CONTEXTO GLOBAL
A observação das recentes mudanças no contexto global pode
ajudar-nos a entender o progressismo latino-americano. Em pouco menos de cinco
anos os Estados Unidos perderam a imagem de super-potência
imbatível e agora afloram alianças, pólos de diferentes
pesos que tomam distância do império e que por vezes enfrentam-no.
A fantasia do
planeta norteamericanizado
vai-se esfumando. Emerge a China, que apesar da sua dependência
comercial do mercado norte-americano enfrenta a estratégia estadunidense
em numerosos países e temas decisivos do comércio global
(fornecimento de matérias-primas, investimentos, etc). No
coração da Ásia está a conformar-se uma
aliança económico-política entre a Rússia, a China
e o Irão, contrato multimilionários de venda de petróleo e
gás, investimentos em infra-estrutura, venda de armas, programas de
cooperação tecnológica, etc, vão tecendo uma rede
desgrenhada entre esses três países, atraindo numerosos estados da
periferia e deslocando interesses ocidentais. A Índia actua com um
certo jogo próprio, oscilando entre os Estados Unidos e as
nações emergentes da Ásia. A União Europeia mantem
sua amizade histórica com o império, mas com uma espécie
de distanciamento suave, muito prudente, manifestando por vezes seus
desacordos. O atolamento dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão
e suas crescentes dificuldades económicas (super-dívidas
pública e privada, défices comerciais e financeiros, etc)
demonstram suas debilidades estratégicas. A enfermidade do gigante
incita as feras em torno a dar-lhe mordidelas, roubar-lhe alguma presa ou
afastar-se da sua influência.
A hegemonia esmagadora dos anos 1990 não é substituída por
outra forma de polarização dura (como foi a bipolaridade na
época da Guerra Fria) e sim por uma situação muito
original (não tem paralelo na era moderna) de
despolarização que abre o passo para uma espécie de
multipolaridade frouxa
de futuro incerto. Enquanto a super-potência declina não emergem
centros dominantes de substituição. Amplos espaços do
sistema mundial aparecem assim submersos num capitalismo difuso, sem controle
imperialista forte (por parte de potências declinantes ou emergentes).
Além disso, o marco desta transformação não
é uma nova prosperidade geral do capitalismo e sim sua crise prolongada
que agora tende a agudizar-se.
Impulsionadas por esta realidade, numerosas burguesias periféricas
(especialmente na América Latina) combinam
inter-penetrações financeiras e produtivas extra-norte-americanas
com gestos de independência frente ao império. Isto poderia
fazer-nos recordar o mundo dos anos 1930, quando a oligarquia argentina (e
algumas outras da região) misturava sua tradicional anglofilia com
aproximações em direcção à Alemanha ou aos
Estados Unidos e alentava muitos dos seus políticos, militares e
intelectuais à aproximação às
"novas ideias"
(o fascismo) em detrimento das
"velhas"
(o liberalismo do século XIX). Mas o paralelo é, em grande
medida, falso. Este é outro planeta. No plano ideológico
não assistimos a tentativa de substituição dos paradigmas
burgueses e sim ao desprestígio dos existentes sem
renovações culturais (capitalistas) à vista. Do ponto de
vista económico não declina um velho império (Inglaterra)
acossado por outros mais jovens. Constatamos antes a
deterioração do grande barco estadunidense e provável
afundamento, por arrastamento, dos seus aliados e rivais.
INDEPENDÊNCIAS MODERADAS
As pequenas manobras por conta própria do Mercosul (liderado pelo
Brasil) devem ser inscritas neste novo contexto. Também as tontices
confusas de Evo Morales que, logo após a sua vitória eleitoral,
pode exibir o apoio de Cuba e da Venezuela, mas também da Espanha e
União Europeia, o visto bom de Bush, a amizade da China e da
Índia e a decisão do FMI de perdoar a dívida boliviana.
A autonomização prudente em relação aos Estados
Unidos da parte de alguns governos progressistas costuma combinar-se com a
aplicação de políticas económicas
reaccionárias, de consolidação do subdesenvolvimento.
Lula, Kirchner e Tabaré Vazquez são três bons exemplos
disso. Evo Morales na Bolívia com seu projecto de
"capitalismo andino-amazónico",
para além dos seus excessos verbais, surge objectivamente como um
renovador da Bolívia burguesa (presa na redes empresariais
multinacionais) ampliando o espectro de relações carnais com o
capitalismo global, o que seguramente, se conseguir alguns êxitos nos
seus objectivos, implicará mudanças importantes nas
relações internas de poder.
Contudo, as audácias
"patrióticas"
ou
"sociais"
do progressismo são muito limitadas porque, ao contrário dos
anos 1930, hoje o capitalismo como realidade mundial é basicamente um
grande depredador financeiro. Sua
"cultura"
não é a da grande indústria militarizada ou de outro
signo e sim a dos negócios especulativos de curto prazo, os golpes de
mão financeiros, o saque veloz de países. Nada mais longe do
capitalismo global do século XXI que os projectos de reconversão
produtiva (recomposições semicoloniais,
industrializações periféricas, etc). Isto inclui a
degeneração gangteril das (lumpen)burguesias locais.
Alguns governos progressistas costumam referir-se aos seus antepassados
nacionalistas burgueses (Getúlio Vargas no Brasil, Peron na
Argentina)... Não tem nada a ver. Assim como a
prostituição não é uma forma de
libertação da mulher, a diversificação de
negócios à escala internacional tão pouco é a
independência da sociedade periférica. Cada novo amo-investidor
traz as suas próprias perversões, a degradação
deixa de ter uma única referência externa para estender-se a um
leque flutuante de aves de rapina.
O neoliberalismo latino-americano foi a expressão de uma dupla
decadência (apesar das suas invocações quanto ao
milénio de prosperidade da economia de mercado), decadência do
capitalismo mundial que ingressava em pleno na era da hipertrofia financeira, e
do capitalismo regional que deixava atrás suas últimas
ilusões produtivistas (de industrialização acelerada, de
modernização agrária, etc) para ingressar no parasitismo
pela mão de Menem, Salinas de Gortari ou Fujimori. Agora o progressismo
exprime uma dupla degradação maior: no plano internacional
marcado pelo delírio militarista do império, sua profunda
deterioração institucional e económica, e o estalar
político e social da União Europeia (com baixas taxas de
crescimento), uma megacrise energética à vista, etc. E ao
nível regional a tentativa de gestão da agonia neoliberal.
REALISMO NORTE-AMERICANO
Mas esses modestos espaços de autonomia são também o
resultado da flexibilidade da diplomacia norte-americana. Ironias da
história: a era
"democrata"
de Clinton coincidiu na América Latina com governos de
"direita",
a época ultraconservadora de Bush coincide com a extensão do
progressismo. É que os anos 1990 foram os das grandes reformas
privatizadoras. A recolonização consumou-se naquele momento,
agora já não resta quase nada para privatizar. Estes não
são tempos de
"reformas"
neoliberais e sim de preservação do sistema, de
governabilidade,
afectada pelas consequências catastróficas daquelas
mudanças (explosão da indigência, crise dos serviços
públicos desnacionalizados, desprestígio dos actores
políticos, do sistema judicial, em suma, da institucionalidade
burguesa). Na maioria dos países as camarilhas abertamente neoliberais
não estão em condições de governar. Sua
presença no poder provocou sublevações populares desde o
fim da década passada, como na Bolívia, Equador ou Argentina ou o
crescimento de movimentos sociais ameaçadores como no Brasil. A
alternativa conservadora viável passou a ser o progressismo.
Por outro lado, o império dedicado a uma gigantesca
operação de conquista e controle militar na Ásia Central e
Médio Oriente não está em condições
de abrir uma segunda mega frente militar na América Latina, menos ainda
quando no espaço asiático está a sofrer sérios
reveses.
Ambos os motivos levaram a diplomacia norte-americana a uma estratégia
de
"retaguarda flexível"
na América Latina, contemporizadora com certos discursos altaneiros e
uma ou outra
picardia
sem consequências graves (por agora). O
realismo político
prevaleceu. Os falcões de Washington tiveram de auto-controlar seus
delírios fascistas.
DEBILIDADES E EQUÍVOCOS CONVERGENTES
O progressismo não é o resultado da ascensão de novos
sistemas de poder e sim o produto de diversas debilidades e equívocos
convergentes. Em primeiro lugar aparecem as burguesias locais,
transnacionalizadas, sem outro projecto senão a reprodução
do parasitismo, sem partidos políticos conservadores medianamente
estável e respeitados (crise de legitimidade). A seguir as
forças armadas, que não se recompuseram dos seus passados
ditatoriais, entrelaçadas com redes mafiosas e diversos sistema de
corrupção e demarcadas, desestruturadas em parte pela
estratégia que os Estados Unidos aplicaram à região desde
os anos 1980 (conseguindo debilitar os estados latino-americanos). Em terceiro
lugar, o império perdeu força global e, em consequência,
já não está em condições de impor suas
decisões a cem por cento. Em quarto, as outras potências
(União Europeia, China, Japão) intervêm na região
com diferentes graus de incidência, mas em nenhum caso perfilam-se como
forças imperialistas dominantes.
A tudo o que foi dito, que poderíamos denominar
"debilidade dos de cima",
devemos associar uma dualidade complexa
"nos de baixo".
Ao longo da década actual estalaram rebeliões, estendeu-se uma
multiplicidade de formas de protesto, de organizações sociais,
que em alguns casos apontaram para além do neoliberalismo. Na
Bolívia, por exemplo, em meados do século passado o povo
insurgente exigia um
"governo operário e popular",
na Argentina a exigência popular entre fins de 2001 e princípios
de 2002 era
"que se vayan todos"
(juizes, políticos, transnacionais...), no Equador as
mobilizações sociais derrubaram vários presidentes.
Contudo, essas rebeldias não conseguiram destruir os sistemas de
poder... as massas avançam, golpeiam, ultrapassam, ameaçam,
acossam mas finalmente retiram-se ou demonstram bem sua incapacidade para
superar a crise. É nesse ponto em que as instituições do
sistema conseguem recompor-se e travam o descontentamento, o poder
burguês sobrevive, ainda que para isso se veja obrigado a vestir uma nova
indumentária que enfeita com vistosos apliques
"esquerdistas"
e símbolos extraídos do folclores popular, enquanto lança
no caixote do lixo uns quantos políticos desprestigiados.
Um dos instrumentos dessa renovação política é a
incorporação no sistema de poder de quadros e estruturas sociais
de esquerda que abandonam com diferentes ritmos velhos princípios a fim
de entrar no universo das
"mudanças possíveis",
ou seja, ínfimas, superficiais. O PT do Brasil ou a Frente Ampla do
Uruguai realizaram um longo caminho de integração nas
instituições. Cada passo para cima, cada vitória
eleitoral, os ia comprometendo cada vez mais com a governabilidade do regime (o
processo não constituiu nenhuma novidade, repetia antigas
comédias reformistas). Na Argentina tratou-se de uma sucessão de
cooptações de quadros amaciados pela adversidade (ou sua
"recordação" deformada) desde os 1980 com Alfonsin,
inclusive sob Menem e naturalmente desde a chegada de Kirchner.
O panorama é completado por uma espécie de equívoco que
ajuda a reprodução da farsa. Cuba, uma velha
revolução que resiste com êxito ao sítio imperial e
a Venezuela, uma revolução nova em plena busca de caminhos
pós-capitalista, burlam em parte a tentativa de isolamento regional a
que a Casa Branca os quer submeter, atando acordo e abraços amistosos
com alguns dos governos progressistas, aproveitando os espaços
entreabertos de autonomia. Essas manobras estão praguejadas de
prolixidades, rasteiras, efeitos positivos e passos em falso. Os Estados
Unidos não podem opor-se de maneira brutal ao referido jogo porque
correm o risco de encurralar mais do que o conveniente seus amigos
progressistas e por vezes fazem-se de distraídos (nem sempre). Por sua
parte, os governos progressistas empregam a fundo as imagens
cubano-venezuelanos no seu empreendimento de captura e
domesticação da esquerda, ainda que por vezes cometam
estupidezes. Exemplo: certas manobras
(por encomenda)
de desestabilização desses países (assim foi o
"caso Hilda Molina",
em que o governo de Kirchner tentou criar problemas interno-externos a Cuba,
seguramente em coordenação com o Departamento de Estado
norte-americano).
A ESQUERDA ATOLADA
O progressismo pode mostrar sua arte da confusão com um alto grau de
impunidade (até o presente) porque em numerosos casos manipulou ou
marginalizou uma esquerda
culturalmente frouxa
que não pode superar formas ideológicas fracassadas, obsoletas,
e compreender plenamente as transformações produzidas no
último quarto de século. Como não saldou teoricamente
suas contas com o passado permitiu que os sistemas de poder pudessem aproveitar
essa brecha para bloquear seu desenvolvimento, recapturar
erupções populares, neutralizar ou devorar muitas das suas
estruturas novas ou velhas. Isto coloca "temas" cujo tratamento
excede os limites desta nota mas que, de qualquer modo, é útil
enunciar alentando assim um debate estratégico iniludível.
Primeiro, o bloqueio ideológico
[1]
que impede a esquerda de converter-se em catalisadora das rebeldias populares
e de promover o avanço de práticas autónomas
[2]
articuladas, impulsionando a ultrapassagem revolucionário dos de baixo,
acossando, desestruturando o poder burguês apontando para a sua
destruição. Prisioneira dos paradigmas jacobinos vitoriosos com
a Revolução Russa e a seguir sensivelmente deformados, não
pode superar o anquilosamento aparelhista que lhe permitiu conectar
positivamente com a nova pluralidade popular. Produto da última
modernização capitalista (e da sua crise) onde irrompem milhares
de organizações, iniciativas, ensaios de ruptura, de
reconstrução cultural, de sobrevivência, exercendo um alto
nível de desconfiança perante as estruturas hierárquicas,
centralizadas de maneira autoritária. O desafio é construir
concretamente, sobre o terreno das confrontações anti-sistema,
esquerdas revolucionárias cuja meta não seja o controle da
insurgência (com a esperança ilusória de conduzi-la
à vitória) e sim o seu impulsionamento, sua
promoção democrática. Talvez tenha sido isso o que faltou
na Bolívia nas duas últimas sublevações (deixando o
caminho livre para o reformismo). Essa carência também foi notada
na Argentina de 2001-2001, provavelmente não com vista a uma
revolução no curto prazo e sim para o início de um
processo de desestabilização prolongada e crescente do regime.
Não se trata de uma
adaptação
aos novos tempos e sim de uma mutação cultural apoiada na
crítica radical do autoritarismo.
Em segundo lugar, a reinstalação superadora do projecto
revolucionário, diferenciado-o não só das ilusões
reformistas como também dos gradualismos basistas que evitam o tema do
Poder, ou seja, da confrontação integral com o sistema.
Não se trata de elaborar construções autistas e sim
respostas revolucionárias à crise do capitalismo (incluindo sua
recente conformação neoliberal mas aprofundando a revolta para
além da mesma até chegar às raízes do regime).
Esta não é uma época de reconfiguração
positiva do mundo burguês (como foi a era keynesiana) e sim da sua
decadência, evidente na América Latina onde as estruturas sociais
elitizadas e controladas por mecanismos de saque não permitem
"melhoras"
duradouras. E muito menos desenvolvimentos integradores de capitalismos
nacionais,
populares, "sérios", etc, desde o conto kirchnerista do
capitalismo nacional e popular ou o exagero folclórico de Evo Morales e
o seu
capitalismo andino-amazónico,
até a gestão astuta do existente apontando para a sua
modificação no longuíssimo prazo (Bachelet, Tabaré
Vazques, Lula).
Em terceiro lugar, o enfrentamento, a ruptura total, sem
conciliações de nenhum tipo com o espectro progressista. Que
deve deixar de ser considerado o mal menor ou o amigo inconsequente e passar a
ser localizado no campo dos inimigos do povo. Isso implica uma complexa
construção teórica e prática da
confrontação com o sistema de poder e sua estrutura
institucional, o desenvolvimento de forças populares
extra-institucionais.
Se a função histórica do progressismo é adiar,
corromper, travar a erupção do potencial insurgente das bases
populares, o papel da esquerda revolucionária deveria ser forjado em
torno da articulação de vastas operações de
destruição da ordem estabelecida, de libertação da
energia social aprisionada pelas estruturas burguesas. A palavra chave
é
Revolução.
[*]
Economista, autor de
Capitalismo senil: A grande crise da economia global
,
jorgebeinstein@yahoo.com
.
------------
[1]
Utilizo o termo "ideologia" no pior sentido da palavra, ou seja,
consciência falsa, reducionista, simplificadora da realidade que se
auto-proclama compreensão total (sem contradições) da
mesma.
(2) Ou seja,
"autopraxis",
libertadora dos oprimidos e destruidora do Poder opressor, tal como Marx
empregava o conceito.
Do mesmo autor:
Os primeiros passos da megacrise
Pensar a decadência
A vida depois da morte: A viabilidade do pós-capitalismo
Os primeiros passos da megacrise
A trágica experiência do Nafta
Os Estados Unidos no centro da crise mundial
As más notícias da petroguerra
A segunda etapa do governo Kirchner
Este ensaio encontra-se em
http://resistir.info/
.
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