Argentina: desestabilização oligárquica
por La Jornada
Desde há duas semanas a Argentina encontra-se acossada por uma revolta
da direita, que capitalizou o descontentamento dos produtores agrícolas
diante do aumento nos impostos às exportações de soja e
girassol. Os agricultores bloquearam auto-estradas por todo o país,
provocaram desabastecimento nas cidades e, nestas, seus aliados das classes
altas e médias urbanas recorrem a uma prática tristemente
célebre no Cone Sul: o
cacerolazo
[NR]
contra o governo.
Para por as coisas em perspectiva, é importante recordar que o grosso da
produção agrícola argentina não está nas
mãos de camponeses pobres e sim de empresários agro-exportadores
e de médios e pequenos proprietários. Os primeiros são
indivíduos ricos que fizeram as suas fortunas por meio da
exploração de peões e do pagamento de impostos
ridiculamente baixos, ou inclusive por meio da evasão fiscal. Deve-se
assinalar, também, que entre este sector e os interesses especuladores
das cidades, a chamada "pátria financeira", há uma
tradição de vínculos políticos estreitos que
constituiu o suporte principal das ditaduras que ensanguentaram e assolaram
esse país no passado recente. Um terceiro elementos que se deve levar
em consideração é a reiterada e crescente inconformidade
desses sectores oligárquicos financeiros, agrários e
políticos com os governos de Néstor Kirchner e de Cristina
Fernández.
Assim, ao ritmo do ruído de caçarolsa, configura-se uma ofensiva
desestabilizadora disfarçada de descontentamento popular, na qual
confluem os velhos elementos do golpismo sul-americano e as tentativas de
asfixar as cidades. Não seria estranho ver, no futuro próximo,
fenómenos de instabilidade monetária e cambial. O guião
é muito conhecido: foi aplicado pela primeira vez no Chile contra o
governo constitucional de Salvador Allende, foi replicado, com variantes
maiores e menores, em diversos países do Cone Sul.
Não se deve omitir o facto de que, em paralelo a esta crise artificial
na Argentina, as direitas locais tentaram a desestabilização dos
governos progressistas da Bolívia, Equador e, naturalmente, da
Venezuela, onde chegaram inclusive à consumação de um
golpe de Estado que tinha por objectivo suprimir a presidência
democraticamente eleita de Hugo Chávez.
Seria ingénuo supor que nesta onda de fenómenos
desestabilizadores contra governos que em diferentes graus tomaram
distâncias das receitas económicas neoliberais, e que marcaram com
clareza políticas destinadas a recuperar as respectivas soberanias
nacionais, esteja ausente o tradicional componente comum do golpismo na
América Latina: a ingerência estado-unidense.
Com efeito, ao longo do século passado Washington estimulou
invariavelmente os descontentamentos, supostos ou reais regionalistas,
das classes médias e altas, dos âmbitos financeiros e,
naturalmente, das transnacionais contra governos que tentaram reconduzir
a economia para a satisfação mínima das necessidades
populares ou que pretenderam fazer das suas respectivas independências
nacionais algo mais que um formalismo histórico.
[NR] Táctica utilizada pela direita chilena contra o governo da Unidade
Popular. O Presidente Salvador Allende dizia que as damas que assim procediam,
nas ruas, nunca haviam lavado uma panela.
Ver também
Retenciones, dólar alto, inflación y rentabilidad agrícola en Argentina. ¿De qué se queja el campo?
Ante el paro agrario y la movilización de la derecha
O original encontra-se em
http://www.jornada.unam.mx/2008/03/27/index.php?section=opinion&article=002a1edi
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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