O misterioso e vergonhoso acordo militar Brasil-Estados Unidos
Como o PCB denunciou, Brasil e EUA assinaram um acordo militar que
vinha sendo negociado, desde o primeiro governo Lula, com o segundo governo
Bush. O último acordo militar entre os dois países havia sido
firmado em 1952, no clima da Guerra-Fria, tendo sido revogado em 1977, por
incrível que pareça, pela ditadura militar, no governo Geisel.
Como informamos uma semana antes, o acordo foi assinado em Washington,
no próprio Pentágono, no dia 12 de abril, por Nelson Jobim, o
todo poderoso ministro da Defesa de Lula, e Robert Gates, secretário de
Defesa de Obama.
O sigilo das negociações, os termos difusos e genéricos em
que o documento é habilmente redigido e, sobretudo, o precedente
vergonhoso obrigam as forças anti-imperialistas brasileiras a
articularem um amplo movimento pela revogação do acordo, por
parte do Presidente da República, que não pode continuar se
escondendo atrás do seu ministro da Defesa, como já fez
várias vezes, inclusive quando postergou a criação da
Comissão da Verdade e diluiu seus objetivos, inviabilizando a
punição dos torturadores antes mesmo da decisão do STF na
ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Logo na introdução, as partes declaram que a principal
razão do acordo é "o interesse comum na paz e
segurança internacionais", ou seja, o governo brasileiro se associa
expressamente à política do imperialismo norte-americano, para o
qual o conceito de paz e segurança internacionais manipulado na
cruzada contra o "narcoterrorismo" significa seu direito
unilateral de invadir e ocupar países, prender e torturar suspeitos,
impor instalações militares por todo o mundo, desestabilizar e
derrubar governos, promover o separatismo, a criminalização de
autoridades, crenças, religiões e costumes dos povos e
apoderar-se de suas das riquezas naturais.
O Brasil, ao dizer textualmente aos Estados Unidos que comunga os mesmos
interesses "na paz e segurança internacionais", dá a
esse país imperialista um cheque em branco para continuar atuando como a
polícia do mundo, por cima das instituições multilaterais!
Na América Latina, esta declaração soa como
traição, um sinal verde para a manutenção da Quarta
Frota, das sete bases na Colômbia, das dezenas de
instalações em outros países da região, muitas
delas em embaixadas e consulados estadunidenses. É um desrespeito aos
demais países da América Latina e ainda mais aos da
América do Sul, com os quais o Brasil criou, há menos de dois
anos, um
Conselho de Defesa
, corretamente sem qualquer participação dos EUA, no pressuposto
de que não se trata de um aliado, mas de um contumaz agressor dos
países da região, há mais de um século. Lula sabe
que, ao assinar um acordo militar com o inimigo número um de Cuba,
Venezuela, Bolívia e outros países, seus governos não
podem criticá-lo publicamente pois precisam de um certo respaldo do
Brasil para não cair no isolamento.
Apesar de setores governistas especialistas em "tapar o sol com a
peneira" declararem que o acordo não prevê
instalações militares em território brasileiro o certo
é que ele também não as proíbe.
O "combate ao terrorismo e ao narcotráfico", que justifica o
acordo militar Brasil/Estados Unidos, tem sido um pretexto para satanizar e
desestabilizar governos e organizações políticas e sociais
de todo o mundo e para promover intervenções militares.
Da leitura do acordo, verifica-se que é impossível levar a efeito
os objetivos anunciados, sem a existência de instalações
militares norte-americanas no nosso território nacional. A
tendência é que aqui se instale uma base de inteligência
para espionagem, à semelhança das existentes no Paraguai, Peru,
El Salvador e dezenas de países do mundo. Os EUA não precisam de
soldados fardados e armados em todos os países, pois são
deslocados para qualquer parte do mundo quase em tempo real. As
instalações serão para os "sujeitos ocultos" do
acordo: agentes da CIA, DEA, FBI, USAID e outros órgãos de
inteligência das polícias e das Forças Armadas dos EUA.
Vejam os dois primeiros artigos do acordo assinado por Nelson Jobim, em nome de
Lula, que está na íntegra no sítio eletrônico do
Ministério da Defesa (
www.defesa.gov.br
):
Artigo 1 - Escopo
O presente Acordo, regido pelos princípios de igualdade, reciprocidade e
interesse mútuo, em conformidade com as respectivas leis e regulamentos
nacionais e as obrigações internacionais das Partes, tem como
objetivo promover:
a) a cooperação entre as Partes em assuntos relativos à
Defesa, particularmente nas áreas de pesquisa e desenvolvimento, apoio
logístico, segurança tecnológica e aquisição
de produtos e serviços de Defesa;
b) a troca de informações e experiências adquiridas no
campo de operações e na utilização de equipamento
militar de origem nacional e estrangeira, bem como as relacionadas a
operações internacionais de manutenção de paz;
c) a troca de experiências na área de tecnologia de defesa;
d) a participação em treinamento e instrução
militar combinados, exercícios militares conjuntos e o intercâmbio
de informações relacionado a esses temas;
e) a colaboração em assuntos relacionados a sistemas e
equipamentos militares; e
f) a cooperação em quaisquer outras áreas militares que
possa ser de interesse mútuo das Partes.
Artigo 2 - Cooperação
A cooperação entre as Partes pode incluir:
a) visitas recíprocas de delegações de alto nível a
entidades civis e militares;
b) conversações entre funcionários e reuniões
técnicas;
c) reuniões entre as instituições de Defesa equivalentes;
d) intercâmbio de instrutores e pessoal de treinamento, assim como de
estudantes de instituições militares;
e) participação em cursos teóricos e práticos de
treinamento, orientações, seminários, conferências,
mesas-redondas e simpósios organizados em entidades militares e civis
com interesse na Defesa, de comum acordo entre as Partes;
f) visitas de navios militares;
g) eventos culturais e desportivos;
h) facilitação de iniciativas comerciais relacionadas à
área de Defesa; e
i) implementação e desenvolvimento de programas e projetos de
aplicação de tecnologia de defesa, considerando a
participação de entidades militares e civis estratégicas
de cada Parte.
Quando da assinatura do acordo, Robert Gates declarou, com justificável
orgulho: "Este acordo aprofundará a cooperação entre
Estados Unidos e Brasil em todos os níveis e mostrará como
efetivamente nós poderemos enfrentar desafios comuns na área de
segurança, quando trabalhamos em parceria".
Com o anúncio deste acordo militar veio à tona outro acordo,
também entre Brasil e EUA, tratando basicamente do mesmo tema, mas na
área de atuação da Polícia Federal brasileira. De
nossa parte, esta descoberta se deu apenas em função da
dissimulação de setores governistas que negavam o acordo militar
dizendo que ele era meramente policial.
Desenvolve-se no Brasil, desde 2008, um outro acordo Brasil/EUA, denominado
"MEMORANDO DE ENTENDIMENTO SOBRE CONTROLE DE NARCÓTICOS E
APLICAÇÃO DA LEI (*), ENTRE O GOVERNO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL E O GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA".
(*) não foi possível descobrir de que lei e de que
país se trata. Veja o acordo em:
http://www2.mre.gov.br/dai/b_eua_339.htm
.
Através desse acordo, os EUA concedem ao Brasil o total de 5,44
milhões de dólares para treinamento da Polícia Federal
brasileira em projetos que vão desde "Técnicas de
vigilância e agentes disfarçados", "Coleta,
processamento e disseminação de dados e inteligência",
"Combate ao crime urbano" e, o mais grave, "Treinamento em
ações Transfronteiriças", ou seja, as partes se
declaram no direito de invadir países limítrofes ao Brasil.
Além de o Brasil abrir mão de sua soberania ainda ameaça a
de nossos vizinhos.
O curioso é que este acordo, embora se refira a ações da
Polícia Federal brasileira, não é assinado pelo ministro
da Justiça à época, Tarso Genro, a quem estava afeta a
instituição policial. O acordo, assimetricamente, é
assinado pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim,
não com a então secretária de Estado dos EUA, Condolezza
Rice, mas com o embaixador norte-americano no Brasil na ocasião,
Clifford Sobel. Todos os bens e serviços (leiam-se armas e equipamentos
de espionagem) necessários ao cumprimento do acordo serão
adquiridos nos EUA e de lá enviados, com total isenção de
impostos e controles. Os agentes norte-americanos terão no Brasil
passaporte de pessoal diplomático.
Na primeira semana deste mês, realizou-se no Rio de Janeiro uma
Conferência Internacional Antidrogas. No encerramento, o Diretor Geral da
Polícia Federal brasileira, Luiz Fernando Correa, e a Chefe da DEA
(Agência de Combates às Drogas dos EUA, umbilicalmente ligada
à CIA), Michelle Leonhart, deram uma entrevista à imprensa, em
torno dos acordos a que chegaram as duas instituições. Houve
tão grande coincidência de pontos de vista que os dois usaram
literalmente a mesma frase, quando afirmaram que as fronteiras não podem
ser usadas como barreiras para a ação dos órgãos de
repressão. Anunciaram também a instalação de outros
escritórios da DEA no Brasil, além dos que já funcionam em
São Paulo e Brasília, em sintonia com a CIA e outros
órgãos de inteligência dos EUA.
Na sequência, o atual ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto,
anunciou que ainda este ano serão instaladas onze bases da
Polícia Federal/Força Nacional em todas as fronteiras com todos
os nossos onze países vizinhos.
O vínculo entre drogas e terrorismo, tema de destaque na
Conferência, tem sido vastamente usado pelo imperialismo, para satanizar
governos, povos e resistências populares e para criminalizar os
movimentos sociais e a pobreza. Recente matéria no jornal
Brasil de Fato,
sob o título
"A farsa da guerra contra as drogas"
, revela que a maioria dos assassinados pela repressão no México,
onde este tipo de acordo está em vigor, não tem qualquer
vínculo com o narcotráfico. Trata-se de um extermínio da
população pobre.
Certamente, um dos novos escritórios do DEA/CIA no Brasil será
instalado no Rio de Janeiro, para esconder e exterminar a pobreza, pensando nos
turistas que virão às Olimpíadas e à Copa do Mundo,
além de favorecer a especulação imobiliária, que
está de olho grande na construção de condomínios
fechados nos lindos morros com vista deslumbrante, hoje habitados por pobres. O
grande pretexto é que nestes morros se localizam os pontos de varejistas
[retalhistas] revendedores de drogas para a classe média e a burguesia.
Esses pontos de venda ("bocas de fumo"), disputados à bala por
quadrilhas concorrentes, são abastecidos pelos verdadeiros traficantes
de drogas e armas, poderosos e impunes, que vivem em endereços nobres e
aparecem nas colunas sociais e até nos parlamentos, quando resolvem
comprar mandatos eletivos para garantir impunidade.
Há várias especulações sobre esses acordos, para
além da questão militar. É forte a hipótese de ser
uma moeda de troca em razão da possível opção do
governo brasileiro pela compra dos aviões-caça franceses, em
detrimento dos equivalentes da Boeing. Segundo outras fontes, o acordo inclui a
venda aos EUA de aviões Super Tucanos fabricados pela EMBRAER.
O ministro Nelson Jobim está cada vez mais forte no governo Lula. No
início deste ano, setores que sustentam o governo diziam que Jobim quis
"dar um golpe" em Lula, vetando a criação da
Comissão da Verdade, prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos.
Tudo para insinuar que Lula é a favor da Comissão da Verdade e
Jobim atrapalhou! Chegaram inclusive a ensaiar uma tímida campanha
"Fora Jobim", como se este não fosse nomeado e prestigiado por
Lula. Ao contrário, Lula vem dando cada vez mais força ao seu
ministro da Defesa, tendo inclusive editado medida provisória criando
mais de 200 (duzentos) cargos comissionados de nomeação exclusiva
do ministro da Defesa e outra outorgando a ele uma atribuição que
sempre foi historicamente da Presidência da República, ou seja,
plenos poderes para nomear com autonomia os comandantes das Forças
Armadas.
Jobim tem viajado muito, para ir às compras no mercado de armas. Na
Alemanha, comprou dezenas de tanques e os colocou na fronteira sul do Brasil
com nossos
hermanos
bolivianos, argentinos e paraguaios. Em Israel, comprou aviões
não tripulados, para espionagem e inteligência contra grupos
insurgentes e o crime organizado. Da Rússia, acabam de chegar os
primeiros "tanques voadores" MI-35, comprados para a FAB. É
bom lembrar que, por proposta de Jobim, Lula, em 2009, autorizou expressamente
a FAB a exercer nas fronteiras brasileiras o poder de polícia. Os A-H2,
como foram rebatizados os MI-35 no Brasil, são tanques aéreos
para operações antiguerrilha e contra alvos móveis em
terra. Estão sendo instalados estrategicamente nas fronteiras na
Amazônia, ou seja, com o Peru, o Equador, a Venezuela e a Colômbia.
Para esta, Jobim vende armas brasileiras, incluindo munição e
Super Tucanos, e firmou acordos para auxiliar o governo de direita a monitorar
grupos insurgentes (leia-se FARC), inclusive com a colaboração do
Sivam, sistema de radar que opera na região amazônica.
Como se vê, trata-se de um reaparelhamento das Forças Armadas
voltado mais para o Brasil atuar como país imperialista do que para nos
proteger do imperialismo.
Aliás, Jobim teve uma outra grande vitória este mês. A
apuração dos crimes dos torturadores praticamente morreu, junto
com o Supremo Tribunal Federal (STF). Os enterros se deram no mesmo dia. As
impressões digitais do governo apareceram na pomposa sala do
"supremo tribunal". Com base em pareceres da Advocacia Geral da
União e do Procurador Geral da República e relatório e
votos dos ministros mais ligados a Lula, a "suprema corte" absolveu
os torturadores que, daqui a pouco, estarão pedindo
indenizações iguais às daqueles que foram torturados por
eles!
Estes acordos militares Brasil/EUA põem por terra os argumentos de que a
política externa brasileira é progressista. Alguns chegam a ponto
de a qualificar anti-imperialista. Na verdade, a política externa
brasileira é a política do Estado burguês brasileiro, que
tem como objetivo principal fazer do Brasil uma potência capitalista em
âmbito mundial, como parte, ainda que subalterna, do sistema
imperialista. Em cada episódio na arena internacional, o Brasil adota
uma posição ditada pelo pragmatismo de abrir mercado para as
já chamadas "multinacionais brasileiras". Muitas vezes,
inclusive, a ação do governo brasileiro coincide com a postura
mais progressista, como é o caso de Cuba, Venezuela, Bolívia e
Irã, países cujos mercados interessam à burguesia
brasileira. Em outros casos, também em nome dos negócios, o
Brasil patrocina a entrada de Israel no MERCOSUL, comanda as tropas da ONU que
respaldaram um golpe no Haiti, faz vista grossa às bases
norte-americanas na Colômbia e agora assina acordos militares com os
maiores inimigos de todos os povos.
O fato de um governo mais à direita vir a exercer a mesma
política externa do Itamaraty, no sentido de fazer do Brasil uma
potência capitalista, mas com decisões mais conservadoras e mais
alinhadas aos EUA, não confere à política externa atual
qualquer caráter anti-imperialista, muito menos anti-capitalista. Para
aqueles que apóiam Lula e se proclamam de esquerda seria mais honesto
afirmar que a política externa atual é "menos ruim" do
que a que seria praticada pela direita. Isto, pelo menos, os estimularia a
pensar em alternativas à esquerda, para não ficar eternamente
evitando o "mal maior".
Até durante a ditadura, a política externa brasileira tinha uma
certa autonomia (nunca antagônica, como até hoje) em
relação aos interesses do imperialismo. Os ideólogos do
Itamaraty, à época, chamavam a nossa política externa de
"pragmatismo responsável", chegando à ousadia de
revogar um acordo militar com os EUA, em 1977. Não por qualquer verniz
anti-imperialista, mas porque Geisel negociava um acordo nuclear com a Alemanha
e os EUA já vinham dando sinais de que não precisavam mais das
ditaduras militares na América Latina, iniciando a
transição para uma outra forma mais suave e sutil de ditadura da
classe burguesa, o "estado democrático de direito". Até
porque, com a Operação Condor, já haviam fragilizado as
forças revolucionárias do continente, com o assassinato de
milhares de quadros em todos os países, principalmente no Cone Sul.
Nelson Jobim é muito mais que um ministro do Governo Lula: ele é
um dos principais quadros da burguesia brasileira. Foi Presidente da
Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal. Não se
envolverá nesta campanha eleitoral. Em 2011, continuará no
Ministério da Defesa ou em outro posto estratégico do governo,
com Dilma ou com Serra. Assim como Henrique Meirelles, presidente do Banco
Central (ex-Presidente do Banco de Boston), que ganhou de Lula status de
ministro. Continuará no comando da política econômica, com
os Mantegas da vida.
Jobim e Meirelles estavam na reunião em que Lula apresentou aos antigos
os novos ministros, após a saída da maioria daqueles, para
disputar as eleições de 2010. Na sua despedida aos que ficaram
ministros (a maioria esquentando a cadeira para a volta dos titulares), Jobim e
Meirelles, dos poucos que ficaram a pedido de Lula, ouviram da colega Dilma na
hora de sua despedida: "Até breve!".
[*]
Secretário Geral do Partido Comunista Brasileiro
O original encontra-se em
www.pcb.org.br
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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