Ceder ou lutar?
por Plinio de Arruda Sampaio
[*]
A catástrofe anunciada está à vista da
população. Mas esta, golpeada por seguidas desilusões com
as lideranças políticas, não reage
"Falta-nos a experiência de provas cruciais, como as que conheceram
outros povos cuja sobrevivência chegou a estar ameaçada. Mas
não ignoramos que nosso tempo histórico se acelera, e que a
contagem desse tempo se faz contra nós. Trata-se de saber se temos um
futuro como nação que conta na construção do devir
humano.
Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromper o
nosso processo histórico de formação de um
Estado-nação."
Começo com essa citação do livro
Brasil: A
Construção Interrompida,
de Celso Furtado, para retomar o
tema da greve na fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo
em uma perspectiva mais ampla.
Lembremos: após assembléia tumultuosa, os trabalhadores da Volks
aceitaram a proposta da fábrica: 3.600 demissões
voluntárias nos próximos meses. Aliviado, o governo Lula se
apressou em anunciar que liberará vultoso empréstimo do BNDES
para ajudar na modernização da empresa.
A proposta foi aprovada por cerca de 60% dos presentes. Proposta, aliás,
não é bem o termo. A palavra certa é chantagem, pois a
escolha foi entre demissão voluntária com benefícios
financeiros ou demissão sem nenhum benefício além do
estritamente estabelecido na legislação trabalhista.
Não se pode exigir que os trabalhadores da fábrica resistam
isolados a um movimento de caráter mundial. A indústria de todo o
mundo está se reciclando. O paradigma fordista foi superado por novas
tecnologias produtivas, e isso implica drástica redução de
postos de trabalho. O movimento é tão forte que a empresa se
julgou em condições de fazer uma ameaça: ou as
demissões seriam aceitas ou a fábrica seria fechada!
O governo reagiu de forma pífia. Em vez de repudiar a chantagem, se
limitou a anunciar, timidamente, que, se as negociações
fracassassem, poderia rever o empréstimo milionário que o BNDES
está dando à empresa, colaborando assim para substituir
trabalhadores por máquinas.
O meio sindical não se manifestou com a firmeza necessária, e a
igreja, outrora solidária e organizadora do auxílio-greve, ficou
quieta. Isolados ante o dilema "morte lenta com sedativo ou morte
súbita sem sedativo" um dilema que se repete hoje diante de
todos os grandes problemas brasileiros , os trabalhadores cederam.
Além da indignação que causa a petulância de uma
empresa que auferiu grandes lucros em nosso país durante mais de 40 anos
se beneficiando de inúmeros favores governamentais, o episódio
evidencia a magnitude das mudanças que estão ocorrendo no mundo
capitalista. As demissões fazem parte dessas mudanças e
demonstram, inequivocamente, que, cedendo às exigências dos
centros do capitalismo, o Brasil não conseguirá superar a
condição de economia periférica, dependente e subordinada.
Essa catástrofe anunciada está à vista de toda a
população. Mas esta, golpeada por sucessivas desilusões
com suas lideranças políticas, não reage. Está
totalmente anestesiada.
Isso transforma em verdadeiro estelionato eleitoral as promessas de dar emprego
à juventude e salários dignos aos trabalhadores sem que se
apresente uma alternativa à "estratégia da morte
lenta".
Rememoremos: em 1992, foram criadas as câmaras setoriais para negociar
entre os três "parceiros" trabalhadores, multinacionais
e governo a atenuação dos impactos da
globalização na indústria brasileira. Naquela
época, a Volkswagen empregava 18 mil trabalhadores e produzia 960
veículos/dia. Atualmente, emprega 11.900 e produz os mesmos 960
veículos/dia. Portanto, nesses 14 anos, a produção passou
de 14 para 21 veículos por trabalhador/ano. Ou seja, a produtividade
aumentou 50%, e o emprego encolheu 33%.
A indiferença com que a opinião pública acompanhou o drama
dos trabalhadores da Volkswagen revela que os brasileiros ainda não
perceberam que o mesmo se repetirá em todo o parque industrial do
país e que atingirá, com maior ou menor intensidade, todos os
trabalhadores brasileiros atuais e futuros.
Não se trata, portanto, de um problema dos trabalhadores daquela
empresa, dos operários da indústria automobilística ou
mesmo da classe trabalhadora. Trata-se de um problema nacional a requerer
não uma solução técnica -que não há-,
mas uma solução política, por meio de uma decisão
nacional soberana. Se não for capaz de tomá-la, o povo brasileiro
terá o mesmo trágico destino das estirpes condenadas que
García Márquez retratou em seu livro "Cem Anos de
Solidão".
[*]
Advogado, presidente da ABRA (Associação Brasileira de Reforma
Agrária) e diretor do
Correio da Cidadania
. Foi deputado
federal pelo PT-SP (1985-91) e consultor da FAO (Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação).
É o candidato do PSOL ao governo do estado de São Paulo.
O original encontra-se na
Folha de S. Paulo,
edição de 27/Setembro/2006.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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