Desporto e mercantilização
Corrupção e espectáculo no Mundial de Futebol
por Marco A. Gandásegui
A corrupção que corrói a organização da Copa
Mundial de Futebol, inaugurada em São Paulo, não surpreendeu. O
que criou incerteza e preocupação nos círculos financeiros
foi a falta de capacidade política dos governantes desse país
para conter o descontentamento popular. Os gastos se controle em obras
suntuárias provocaram uma recusa generalizada da parte da
população. Há várias décadas a economia
mundial tende a passar de crise para crise. O sector produtivo que era o
motor do desenvolvimento cedeu o lugar às actividades financeiras
e especulativas. Em lugar de medir o crescimento económico com base na
produção, agora mede-se o "progresso" com base na
transferência das poupanças dos trabalhadores para os bancos.
Actualmente, tudo tem um preço, tudo se mercantiliza. "A
política deixou de ser um serviço e converteu-se num
negócio". O desporto não é excepção. Ao
contrário, converteu-se numa das áreas que mais riqueza gera.
Há um século os desportos foram sequestrados pelo crime
organizado (máfia e governo, associados) e postos ao serviço dos
ladrões que realizavam lucros extraordinários mediante
actividades ilícitas (as apostas e outras manobras). Aquilo que era
considerado próprio do "submundo", agora faz parte do mundo
dos negócios. Em fins do século XX, inclusive, os jogos
olímpicos foram profissionalizados para fins mercantilistas. Os atletas
competem por melhores remunerações. As sedes e suas autoridades
competem pelas comissões e pelo prestígio. Os financistas
competem pela apropriação dos milhares de milhões de
dólares que se investem nas obras e nos "sobrecustos".
O evento desportivo mais cotado é sem dúvida o dos Jogos
Olímpicos. Geram milhares de milhões de dólares que o
Comité Olímpico Internacional (COI) manobra com a banca
financeira mundial. O COI consegue, com esmero, projectar uma imagem que o
relaciona com seus fundadores dos fins do século XIX. Supostos
cavalheiros que tencionavam ressuscitar o espírito olímpico da
antiga Grécia: A cada quatro anos as cidades gregas suspendiam suas
guerras para que a sua juventude competisse em justas desportivas. Esse
espírito tão nobre foi esquecido.
No caso da Copa Mundial, a Federação Internacional de Futebol
(FIFA) tocou uma fibra que se converteu num dos negócios com mais
êxito. A FIFA factura anualmente vários milhares de milhões
de dólares. O Mundial que ela organiza no Brasil gerará quase 5
mil milhões de dólares, grande parte pela venda de direitos de
televisão à escala mundial. A FIFA cobra comissões por
todos os direitos vendidos pelos seus membros. Inclusive campeonatos nacionais
e regionais. Por cada camisola, meia ou ténis que se vende algo cabe
à FIFA. Do total de 5 mil milhões de dólares que
gerará o Mundial no Brasil, a FIFA fica com 90 por cento.
"DESAPOSSAR" O POVO BRASILEIRO
Os protestos das mais diversas organizações em todas as cidades
brasileiras são plenamente justificados. O governo está a
investir mais de 20 mil milhões de dólares na
construção de estádios, ampliação de
aeroportos e desenvolvimento de infraestrutura que beneficiará a FIFA,
os especuladores e financistas brasileiros e internacionais. Parafraseando o
sociólogo inglês David Harvey, o Mundial de Futebol serviu para
"desapossar" o povo brasileiro. Aqueles que protestam não
aceitam que suas riquezas e poupanças sejam entregues aos empreiteiros,
financistas e especuladores sem receber compensação alguma. Neste
saqueio sistemático, a FIFA serve só de intermediário.
Há que reconhecer que espectáculo que apresenta é fora de
série: Ronaldo, Messi, Neymar e tantas outras super-estrelas repartidas
em 32 equipes, 62 partidas num mês que a tecnologia de ponta leva ao
último rincão do mundo.
Os brasileiros obviamente não se opõem ao futebol nem ao Mundial.
São os penta-campeões, os melhores jogadores sobre a terra. Mas
recusam a forma tão arrogante como a FIFA e a banca internacional
chegaram ao seu país para saquear o seu povo com a aparente cumplicidade
do governo. A lição que é preciso aprender dos protestos
no Brasil é que o desporto não pode continuar a ser manipulado
pelos especuladores. Em 2016 o governo brasileiro enfrentará novamente o
povo por ocasião dos Jogos Olímpicos do Rio, onde novamente
serão feitos gastos que não beneficiam o povo desse país
sul-americano.
Ver também:
Mondial, J-1: les communistes brésiliens (PCB) dans la rue ... face à un ministre des Sports à l'étiquette "communiste" (PCdoB) !
A explosão social bate às portas do Brasil
, Edmilson Costa
A luta dos trabalhadores triunfa sobre o espectáculo
, James Petras
Mobilizações tomam as ruas do Brasil no primeiro dia da Copa do Mundo
, Marcela Belchior
O original encontra-se em
www.argenpress.info/2014/06/corrupcion-y-espectaculo-en-el-mundial.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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