Brasil: Diferentes futuros
Duas situações em curso justificam que a sociedade brasileira
reabra a discussão sobre sua política para o petróleo. No
cenário internacional, os preços do barril mudaram de patamar,
com um salto de dez vezes em poucos anos de US$ 13 em 2001 para US$ 130
hoje , e não mostram tendência de queda. Há algum
componente especulativo nisso, mas também há elementos reais: o
mundo pode ter atingido o pico da capacidade de produção,
enquanto o consumo continua a crescer, não só pelo modelo de
economia que predomina nos países ricos mas pelo rápido
crescimento da China e da Índia, com suas enormes
populações.
É difícil precisar, na prática, o momento desse pico, mas
há muito se sabe que ele é inescapável. O petróleo
é um recurso não-renovável, e a produção de
qualquer campo segue uma curva em formato de sino. Como a soma dessas curvas
resulta sempre em outra curva com o mesmo formato, a produção
mundial, que é a soma da produção de todos os campos,
também terá a forma de sino. Há bons motivos para
acreditar que estamos assistindo à temida inflexão. O Energy
Watch Group, da Alemanha, afirma que a capacidade de produção
já passou do pico em 25 regiões importantes. Restariam poucas em
que ela ainda pode crescer. A busca de novas jazidas, aperfeiçoamentos
nas técnicas de extração e o uso misto de
combustíveis alternativos podem estender prazos, mas sempre à
custa de aumentos de custos. Diferentemente de 1972 (guerra entre Israel e
países árabes) e de 1979 (Revolução no Irã),
o atual choque de preços parece ser estrutural.
Ao mesmo tempo, confirmam-se as expectativas de que a Petrobras pode ter
encontrado campos submarinos de grandes dimensões. É um fato
excepcional: na contramão do mundo, o Brasil está às
vésperas de dar um salto à frente. Os mais otimistas falam em 90
mil milhões de barris, a serem somados aos 13 mil milhões em
reservas já comprovadas. Isso nos colocaria, subitamente, na quarta
posição mundial, atrás de Arábia Saudita,
Irã e Iraque. Formidável transformação, quando
vista em perspectiva histórica.
Todo cuidado é pouco: há riquezas benditas e riquezas malditas. A
regressão da capacidade produtiva de um país exposto a
súbita inundação de divisas externas é um
fenômeno bem conhecido, a famosa "doença holandesa".
Para ficar em petróleo, recordemos que México e Indonésia
torraram as suas reservas em poucos anos, permanecendo pobres e
periféricos. A Noruega fez o contrário: estabeleceu uma
estratégia cuidadosa de exploração, com forte
presença do Estado, tendo como referência os interesses gerais da
sociedade; com a bênção do petróleo, criou um fundo
para sustentar o desenvolvimento do país em longo prazo. Diferentes
opções, diferentes futuros.
A nossa legislação, que já era ruim -feita no auge do
encantamento neoliberal-, não dá conta das novas realidades. Os
campos são leiloados pela ANP (Agência Nacional do
Petróleo), e todo o óleo extraído passa a pertencer
às empresas vencedoras, que compram bilhetes premiados -graças a
50 anos de trabalho da Petrobras- e ganham o direito de exportar a quantidade
que desejarem, no ritmo que definirem, pagando impostos risíveis. Se, em
situações de emergência, tiverem que dar prioridade ao
mercado interno, entregam-nos o óleo ao preço vigente no mercado
internacional. O Brasil passa a importar petróleo brasileiro.
A lei atual nos impede de planejar, de forma racional, a
exploração de um recurso não-renovável,
estratégico, dotado de fortes implicações
geopolíticas. É preciso mudá-la. Há muitas
opções a serem debatidas. Porém, fundamentalmente, teremos
de decidir, nos próximos anos, se queremos ser México ou Noruega.
[*]
Cesar Benjamin , 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da
Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de
"Bom Combate" (Contraponto, 2006). O original encontra-se na
Folha de
S. Paulo
de 31/Maio/2008.
Cópia do original em
http://www.mre.gov.br/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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