Bem-vindo ao inferno do G-20
Líderes mundiais lutam com um turbilhão de questões
complexas e candentes quando se preparam para cimeira de 30 de Novembro
A
cimeira G-20
em Buenos Aires, em 30 de Novembro, poderia atear um
incêndio mundial talvez literalmente. Vamos começar com a
guerra comercial EUA-China. Washington nem mesmo começará a
discutir comércio com a China no G-20 a menos que Beijing proponha uma
lista bastante pormenorizada de potenciais concessões.
A atitude dos negociadores chineses não é de todo negra. Alguma
espécie de acordo poderia ser alcançada sobre um terço das
exigências estado-unidenses. O debate sobre outro terço poderia
seguir-se. Mas o último terço está absolutamente fora dos
limites devido a imperativos chineses de segurança nacional, tal
como a recusa a permitir a abertura do mercado interno de
computação
cloud
à competição estrangeira.
Beijing nomeou o vice-primeiro-ministro Liu He e o vice-presidente Wang Qishan
para supervisionar todas as negociações com Washington. Eles
enfrentam uma tarefa árdua: atravessar o limitado espaço de
atenção do presidente Donald Trump.
Acima de tudo, Beijing exige um "responsável"
("point person")
com autoridade para negociar em nome de Trump considerando o
congestionamento de mensagens mistas que emanam de Washington.
Agora compare isto com a
mensagem
vinda do instituto de investigação fantasticamente chamado
Pensamento Xi Jinping sobre Socialismo com Características Chinesas para
uma Nova Era, sob a alçada da Escola do Partido do Comité Central
do Partido Comunista da China (PCC): os EUA começaram a
"fricção comercial" essencialmente "para perturbar
o aperfeiçoamento industrial da China".
Este é o consenso no topo
E o choque está destinado a ficar pior. O
vice-presidente Mike Pence acusou a China
de "imiscuir-se na democracia americana", na "diplomacia da
dívida", na "manipulação da divisa" e no
"roubo de IPs". O ministro dos Negócios Estrangeiros em
Beijing descartou tudo isto como
"ridículo"
.
É instrutivo prestar atenção ao que o ministro dos
Estrangeiros Wang Yi
disse
ao Council on Foreign Relatlions tão diplomaticamente quanto
possível: "A China seguirá um caminho de desenvolvimento
diferente das potências históricas". E a China não
procurará hegemonia.
Do ponto de vista da Estratégia de Segurança Nacional dos EUA,
isso é irrelevante; a China tem sido falsamente acusada de competidora
brutal e mesmo uma ameaça. O presidente Xi Jinping não se
dobrará às exigências comerciais de Washington. Assim
aguarda-se uma possível não-reunião entre Xi e Trump em
Buenos Aires.
A ameaça de um primeiro ataque nuclear
As coisas parecem mais hirsutas na frente russa. Apesar de toda a
paciência taoísta do ministro dos Estrangeiros Sergy Lavrov,
círculos diplomáticos em Moscovo estão exasperados pelas
graves ameaças americanas como a de a US Navy impor um
bloqueio
para restringir o comércio de energia russo. Ou pior: o
ultimato
de que a Rússia deve cessar de desenvolver um míssil que,
segundo Washington, viola o Tratado Intermediate Range Nuclear Forces (INF),
caso contrário o Pentágono o destruirá.
Isto é tão sério quanto parece porque equivale a
comprometer-se com um primeiro ataque nuclear dos EUA.
Em paralelo, o presidente da BP, Bob Dudley, disse na conferência Oil &
Money em Londres que quaisquer sanções adicionais dos EUA contra
companhias de energia russas de topo seriam desastrosas. "Se
sanções fossem aplicadas à Rosneft ou à Gazprom ou
à Lukoil como as que foram aplicadas à Rusal, virtualmente seriam
encerrados os sistemas de energia da Europa, é algo de uma coisa extrema
a acontecer", disse ele.
Na frente dos BRICS, a Rússia e a Índia habilmente manobraram por
conta própria e conseguiram esborrachar o planeamento
geoestratégico dos EUA contra os três principais pólos de
integração da Eurásia: Rússia, China e Irão.
O Quarteto EUA, Japão, Austrália, Índia fora
concebido para tolher a China no Índico-Pacífico e em paralelo
confinar a margem de manobra da Rússia. O Quartelo
não está exactamente em excelente forma
depois de a Índia ter decidido
comprar
sistemas anti-mísseis S-400 russos.
Além do acordo do S-400, companhias russas construirão seis
reactores nucleares adicionais na Índia, a um custo de US$20 mil
milhões cada um, ao longo da próxima década. A Rosneft
assinou um acordo de 10 anos para vender à Índia 10
milhões de toneladas de petróleo por ano. E a Índia
continuará a comprar petróleo do Irão, pagando por ele em
rupias.
Na frente da UE, tudo gira em torno da Alemanha. Em Berlim há poucas
ilusões acerca do futuro vacilante da UE. A economia alemã
centrada na exportação está focada na Ásia. A
Alemanha está a redobrar a solidificação de um modelo
estilo asiático algumas grandes empresas que são
campeãs nacionais capazes de turbinar exportações. O
mercado dos EUA sob ventos protecionistas agora é apenas
uma reflexão tardia.
Trópicos tóxicos
E então há a tragédia brasileira. O presidente
Maurício Macri arruinou a Argentina com um choque neoliberal. A
nação é agora refém do FMI.
Um cenário possível é um G-20 no qual a Argentina
aprenderá como tratar com um fascista a liderar seu vizinho
próximo e parceiro comercial importante, o Brasil.
Antigo paraquedista, Jair Bolsonaro pode ser xenófobo e misógino,
mas certamente não é nacionalista. O "Messias" tropical
auto-apregoado saúda rotineiramente a bandeira dos EUA. Seu sucessor
económico é um Chicago Boy que quer vender o país
para deleite dos "investidores" e peritos em "mercado"
desde Nova York e Zurique até Rio e São Paulo.
Esqueçam a criação de empregos ou mesmo a tentativa de
resolver imensos problemas sociais do Brasil: desigualdade social aguda,
investimentos prementes em saúde e educação,
insegurança urbana. A única "política" de
Bolsonaro é armar a população no estilo
Mad Max
.
Para Bolsonaro tudo deveria estar sob o reino absoluto de um mercado
"livre"
Hobbesiano
. Esqueçam acerca de qualquer possibilidade
uma intervenção moderada do Estado nas complexas
relações entre o Capital e o Trabalho.
Isto é o cume de um processo complexo desencadeado anos atrás no
Brasil através de
think tanks
tais como a
Atlas Network
, cargas de dinheiro e, por último mas não menos importante, um
tsunami evangélico/neo-pentescostalista.
Os pilares da carnificina brasileira são poderosos interesses do
agro-business e da exploração mineral, os tóxicos media
"de referência" brasileiros, evangélicos, um sector
financeiro totalmente subserviente à Wall Street, a indústria de
armas, o judiciário completamente politizado, a polícia, os
serviços de inteligência e as forças armadas.
E as estrelas do espectáculo são naturalmente o conjunto
Boi-Bíblia-Bala com os seus montes de membros no Congresso
supervisionados pela Deusa do Mercado.
O neoliberalismo nunca ganha eleições no Brasil. Assim, o
único meio de implementar "reformas" é através de um
sub-Pinochet. Aguardem devastação social-ambiental generalizada,
matança indiscriminada de líderes rurais e índios
brasileiros, uma absoluta prosperidade para a indústria de armas, bancos
a celebrarem o Natal toda semana, repressão cultural abissal,
desnacionalização total da economia e trabalhadores e
pensionistas a pagarem por todas estas "reformas". Chamem a isto
negócios como de costume.
As tendências fascistas de Bolsonaro foram normalizadas não apenas
pelos poderes do Brasil. O ministro dos Negócios Estrangeiros da
Argentina, Jorge Faurie, qualificou-o como um político de
"centro-direita".
Beijing e Moscovo devido aos BRICS e a UE em Bruxelas
estão estarrecidos pelo afundamento do Brasil dentro deste
turbilhão. A Rússia e a China contavam com um Brasil forte
contribuindo para um mundo multipolar durante o período de Lula, o qual
era uma importante força condutora do BRICS.
Para a UE, é difícil tolerar um fascista a liderar seu principal
parceiro comercial na América Latina e o cerne do Mercosul. Para o Sul
Global como um todo, a implosão do Brasil, um dos seus líderes,
é uma tragédia absoluta.
Agora imagine Washington como um furioso compêndio de ameaças e
sanções. Uma UE fracturada ao máximo denunciando o
não-liberalismo asiático enquanto impotente para combater a
"ascensão dos deploráveis" em casa. Os BRICS em
desordem, com dois num confronto grave com Washington, um fora do jogo e um em
cima do muro entre os quatro primeiros. A Casa de Saud a apodrecer a
partir de dentro. O Irão nem mesmo na mesa do G-20. Hora de cantar
Que mundo maravilhoso
.
15/Outubro/2018
[*]
Jornalista, brasileiro.
O original encontra-se em
www.atimes.com/article/welcome-to-the-g-20-from-hell/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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