Brasil:
Documentos desclassificados lançam luz sobre o papel do governo
americano no golpe de 1º de Abril de 1964
(Atenção Venezuela de 2004)
Fita áudio do presidente Johnson urgindo a tomar "todos os passos
que pudermos" para apoiar a derrubada de João Goulart
O embaixador americano solicitou armamentos pré-posicionados para ajudar
os golpistas; Confirmação de operações encobertas
na retaguarda de demonstrações de rua, forças
cívicas e grupos de resistência.
Washington D.C., 31 de Março de 2004 - "Penso que podemos adoptar
todos os passos que quisermos, estarmos preparados para fazer tudo o que for
preciso, disse o presidente Johnson aos seus ajudantes quanto aos
preparativos para um golpe no Brasil em 31 de Março de 1964. No
40º aniversário do putsch militar, o National Security Archive
divulgou hoje documentos recentemente desclassificados sobre
deliberações políticas americanas e
operações destinadas a derrubar o governo de Goulart em 1 de
Abril de 1964. Os documentos revelam novos pormenores acerca da
prontidão americana para apoiar as forças golpistas.
Os documentos do arquivo incluem uma fita áudio desclassificada de
Lyndon Johnson a ser informado pelo telefone no seu rancho no Texas de como os
militares brasileiros mobilizaram-se contra Goulart. "Pus todas a gente
que tivesse alguma imaginação ou esperteza... [o directo da CIA
John] McCone... [secretário da Defesa Robert] McNamara" para ter
certeza de que o golpe ia para a frente, Johnson é ouvido a instruir o
subsecretário de Estado George Ball.
Entre os documentos há telegramas Top Secret enviados pelo embaixador
americano Lincoln Gordon, o qual pressionou vigorosamente Washington pelo
envolvimento directo no apoio aos conspiradores golpistas conduzidos pelo chefe
do Estado Maior do Exército general Humberto Castello Branco. "Se
a nossa influência for utilizada a fim de ajudar a impedir um grande
desastre aqui que pode tornar o Brasil a China da década de 1960
isto é o que tanto eu como todo os meus conselheiros senior
acreditamos que o nosso apoio deveria incidir", escreveu Gordon ao
Departamento de Estado, Casa Branca e responsáveis da CIA em 27 de
Março de 1964.
Para assegurar o êxito do golpe, Gordon recomendou "que fossem
tomadas medidas o mais breve possível para preparar a entrega
clandestina de armas de origem não-americana, a serem disponibilizadas
aos apoiantes de Castello Branco em São Paulo". Num telegrama a
seguir, desclassificado no mês passado, Gordon sugeriu que estas armas
fossem "pré-posicionadas antes do eclodir da violência"
a fim de serem usadas por unidades paramilitares e "militares amigos
contra militares hostis, se necessário". Para esconder o papel dos
EUA, Gordon recomendava que as armas fossem entregues através de
"submarino não identificado e serem desembarcadas à noite em
pontos isolados do litoral do estado de São Paulo a sul de Santos".
Os telegramas de Gordon também confirmam medidas encobertas da CIA
"para ajudar a fortalecer forças de resistência" no
Brasil. Isto incluiu "apoio encoberto para comícios de rua
pró-democracia... e encorajamento [de] sentimento democrático e
anti-comunista no Congresso, nas forças armadas, entre grupos de
trabalhadores e estudantes amigos, igreja e negócios". Quatro dias
antes do golpe Gordon informou Washington de que "podemos pedir um modesto
financiamento suplementar para outros programas de acção
encoberta no futuro próximo". Ele também pediu que os EUA
enviassem navios petroleiros com gasolina, gasóleo e lubrificantes (POL
na sigla em inglês) para facilitar as operações
logísticas dos conspiradores militares golpistas, e para instalar uma
força-tarefa naval a fim de intimidar apoiantes de Goulart e ficar em
posição de intervir militarmente se o combate se tornasse
prolongado.
Embora seja amplamente sabido que a CIA esteve envolvida na acção
encoberta contra Goulart que levou ao golpe, seus arquivos operacionais sobre a
intervenção no Brasil permanecem classificados para
desgosto dos historiadores. O analista do arquivo Peter Kornbluh pediu
à Agência que "levantasse o véu do segredo de um dos
mais importantes episódios da intervenção americana na
história da América Latina" por meio da completa
desclassificação dos registos das operações da CIA
no Brasil. Tanto as administrações Clinton como Bush efectuaram
significativas desclassificações sobre os regimes militares no
Chile e na Argentina, observou ele. "A desclassificação dos
registos históricos sobre o golpe de 1964 e os regimes militares que se
seguiram promoveria os interesses americanos no fortalecimento da causa da
democracia e dos direitos humanos no Brasil e no resto da América
Latina", afirmou Kornbluh.
Em 31 de Março, mostram os documentos, Gordon recebeu um telegrama
secreto do secretário de Estado Dean Rusk declarando que a
administração decidira mobilizar imediatamente uma força
tarefa naval para tomar posição junto à costa brasileira,
despachar petroleiros da US Navy "transportando POL" de Aruba, e
montar uma ponte aérea de 110 toneladas de munições e
outros equipamentos inclusive "CS agent" um gás
especial para controle de multidões. Durante uma reunião de
emergência na Casa Branca em 1 de Abril, de acordo com um memorando da
CIA sobre a conversação, o secretário da Defesa Robert
McNamara disse ao presidente Johnson que a força tarefa já
navegava e que um petroleiro da Esso com gasolina de aviação e
para motores estaria em breve na vizinhança de Santos. Uma ponte
aérea de munições, relatou ele, estava ser preparada em
New Jersey e podia ser enviada para o Brasil dentro de 16 horas.
Tal apoio militar americano ao golpe militar demonstrou-se
desnecessário. As forças de Castello Branco conseguiram derrubar
Goulart muito mais depressa e com muito menos resistência armada dos que
os decisores políticos americanos esperavam. Em 2 de Abril, agentes da
CIA no Brasil telegrafavam a dizer que "João Goulart, o deposto
presidente do Brasil, deixou Porto Alegre cerca das 13 horas locais rumo da
Montevideo".
Os documentos e telegramas referem-se às forças do golpe como
"a rebelião democrática". Após a tomada de
poder pelo general Castello Branco, os militares governaram o Brasil até
1985.
Nota: Os documentos estão em formato PDF. Será preciso
descarregar e instalar o
Adobe Acrobat Reader
, gratuito, para vê-los.
Ouça/Leia os documentos
1) Audio tape da Casa Branca, presidente Lyndon B. Johnson a discutir o golpe
iminente com o subsecretário de Estado George Ball, 31 de Março
de 1964.
Este clipe áudio está disponível em vários formatos:
Windows Media Áudio - High bandwidth (7.11 MB)
Windows Media Audio - Low bandwidth (3.57 MB)
MP3 - (4.7 MB)
Nesta fita de 5:08 minutos obtida junto à Biblioteca Lyndon Baines
Johnson, o presidente Johnson é registado a falar ao telefone do seu
rancho no Texas com o subsecretário de Estado George Ball e o
secretário assistente para a América Latina, Thomas Mann. Ball
informa Johnson acerca da situação dos movimentos militares no
Brasil para derrubar o governo de João Goulart que os
responsáveis americanos encaram como de esquerda estreitamente associado
ao Partido Comunista Brasileiro. Johnson dá a Ball sinal verde para
apoiar activamente o golpe se o reforço americano for necessário.
"Penso que devemos dar todos os passos que pudermos, estarmos preparados
para tudo o que for necessário fazer", ordena ele. Numa aparente
referência a Goulart, Johnson declara "simplesmente não
podemos aguentá-lo"
("we just can't take this one")
. "Eu iria mais além e poria meu pescoço um pouco para
fora"
("I'd get right on top of it and stick my neck out a little")
, recomendou a Ball.
2) Departamento de Estado, Telegrama Top Secret do Rio de Janeiro, 27 de Março de 1964
O embaixador Lincoln Gordon escreveu este extenso telegrama, com cinco partes,
aos mais altos responsáveis pela segurança nacional do governo
americano, incluindo o director da CIA John McCone e os secretários da
Defesa e de Estado, Robert McNamara e Dean Rusk. Ele proporciona uma
avaliação no sentido de que o presidente Goulart está a
trabalhar com o Partido Comunista Brasileiro para "tomar poder
ditatorial" e urge os EUA a apoiarem as forças do general Castello
Branco. Gordon recomenda "uma entrega de armas clandestina" aos
apoiantes de Branco bem como um carregamento de gasolina e gasóleo para
ajudar no êxito das forças do golpe e sugere que tal apoio seja
complementado por acções cobertas da CIA. Ele também
pressiona a administração a "preparar-se sem demora contra a
contingência de necessária intervenção aberta numa
segunda etapa".
3) Departamento de Estado, Telegrama Top Secret do emb. Lincoln Gordon, 29 de Março de 1964
O embaixador Gordon actualiza altos responsáveis dos EUA acerca da
deterioração da situação no Brasil. Neste
telegrama, desclassificado em 24/Fev/2004 pela Biblioteca Presidencial LBJ, ele
reitera "múltipla" necessidade de ter um carregamento secreto
de armas "pré-posicionadas antes do desencadear da
violência" para serem "usadas pelas unidades paramilitares que
trabalham com grupos militares democráticos" e recomenda uma
declaração pública pela administração
"para reassegurar o grande número de democratas no Brasil de que
não somos indiferentes ao perigo de uma revolução
comunista aqui".
4) CIA, telegrama da Intelligence Information sobre "Planos de conspiradores revolucionários em Minas Gerais," 30 de Março de 1964
A estação da CIA no Brasil transmitiu este relatório de
campo das fontes de inteligência em Belo Horizonte que declarava
brutalmente "uma revolução pelas forças anti-Goulart
certamente avançará esta semana, provavelmente nos
próximos poucos dias". O telegrama transmite
informação sobre planos militares para "marcha em
direcção ao Rio". A "revolução",
previa a fonte de inteligência, "não será resolvida
rapidamente e será sangrenta".
5) Departamento de Estado, Telegrama secreto para emb. Lincoln Gordon no Rio, 31 de Março de 1964
O secretário de Estado Dean Rusk envia a Gordon uma lista das
decisões da Casa Branca "tomada a fim de estar em
posição de prestar assistência no momento apropriado
às forças anti-Goulart se for decidido que isto deva ser
feito". As decisões incluem o envio de petroleiros americanos
carregados com gasolina, gasóleo e lubrificantes de Aruba para Santos,
Brasil, reunir 110 toneladas de munições e outros equipamentos
para as forças pró-golpe, e despachar uma brigada naval incluindo
um porta-aviões, vários destroyers e navios de escolta para
ficarem posicionados ao longo da costa do Brasil. Várias horas depois,
um segundo telegrama é enviado a emendar o número de navios e as
datas em que estarão a chegar à costa brasileira.
6) CIA, Memorando secreto da conversação sobre "Reunião na Casa Branca a 1 de Abril de 1964. Assunto-Brasil," 1 de Abril de1964
Este memorando de conversação regista uma reunião de alto
nível, mantida na Casa Branca, entre o presidente Johnson e os seus
principais ajudantes da segurança nacional sobre o Brasil. O vice-chefe
da CIA das operações no Hemisfério Ocidental, Desmond
Fitzgerald registou a informação dada por Johnson e a
discussão sobre o progresso do golpe. O secretário da Defesa
relatou acerca dos movimentos da força tarefa naval rumo ao Brasil, e as
armas e munições a serem reunidas em New Jersey para reabastecer
os conspiradores golpistas se necessário.
7) CIA, Telegrama da Intelligence Information sobre "Partida de Goulart de Porto Alegre para Montevideo", 2 de Abril de 1964
A estação da CIA no Brasil relata que o deposto presidente
João Goulart deixou o Brasil para o exílio no Uruguai às
13 horas de 2 de Abril. A sua partida assinala o êxito do golpe militar
no Brasil.
O original encontra-se em
http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB118/index.htm#docs
Este documento encontra-se em
http://resistir.info
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