"Com as decisões nas mãos do atual Congresso, não
há democracia nem legitimidade. Por isso insisto em
eleições gerais"
por Luciana Genro
entrevistada por Gabriel Brito
Nota de resistir.info:
A publicação desta entrevista não significa um endosso
pleno ao seu conteúdo. A proposta de eleições gerais
apresentada por
Luciana Genro
não toca a questão de fundo que a antecede: a necessidade
de constituir um bloco de forças da verdadeira esquerda brasileira,
aquela que põe em causa o capitalismo. Não uma mera
coligação
eleitoreira que se desfaz no dia seguinte ao da votação, mas sim
um bloco de forças que perdure no tempo e possa crescer tanto no plano
eleitoral como no sindical e dos movimentos populares. O apodrecimento da
social-democracia lulista exige que o povo brasileiro constitua uma
força alternativa que seja a sua arma de combate e possa ser um
pólo de acumulação de forças. Assim, por muito
louvável que seja a proposta da deputada do PSOL, resistir.info
considera que no actual quadro partidário brasileiro em que a
classe dominante tem duas dúzias de partidos corruptos de aluguer e mais
todos os media corporativos a fazerem uma lavagem cerebral quotidiana
dificilmente novas eleições apresentariam resultados muito
diferentes dos actuais.
O Brasil continua em seu assombro quotidiano com os desdobramentos e novidades
da crise política. Após o esperado afastamento de Eduardo Cunha
da presidência da Câmara dos Deputados pelo STF, a semana
começou com a notícia da decisão do presidente interino da
casa, Waldir Maranhão, de anular, para logo voltar atrás, a
votação do impeachment de 17 de abril, a pedido da AGU (Advocacia
Geral da União). Foi sobre todo esse quadro, disputas subterrâneas
e possíveis saídas que conversamos com Luciana Genro, candidata
à presidência da República em 2014.
"Como fui e continuo sendo contra o impeachment, apoio a decisão
deste senhor, mas sei que ela não tem força real. E o povo, com
razão, não vê seriedade em nada. Enquanto as
decisões ficarem nas mãos destes parlamentares, deste Congresso
Nacional, não poderemos ter um caminho democrático. Por isso
insisto na ideia de eleições. Só assim as decisões
não ficarão apenas nas mãos da Câmara, do Senado e
do STF, mas, sim, nas mãos do verdadeiro titular da soberania, o
povo", analisou.
Na conversa, Luciana destaca as inconsistências do processo de
deposição da presidente Dilma, ao qual se contrapõe. No
entanto, pondera que o desgaste e falta de legitimidade também afetam
seu próprio governo.
"É preciso ter em conta que 70% da população
está a favor do impeachment. Isso é resultado de falta de
legitimidade do próprio governo Dilma também, cavada por ela
mesma, pelos seus próprios feitos ou malfeitos. Tem a ver com a
política econômica, o ajuste fiscal, a publicidade dos casos de
corrupção, que já existiam antes, mas foram mantidos ou
até aprofundados neste governo", mencionou.
Até por tal razão, Luciana ressalta que para os blocos dominantes
em choque a ideia das eleições gerais não vem a calhar,
uma vez que eles têm pouco ou nada a oferecer ao grosso da
população como saída da crise, exceto a
radicalização do ajuste fiscal e seus cortes
orçamentários. Pra completar, saúda o afastamento de
Eduardo Cunha, mas lamenta a falta de um clima de mobilização de
massas a levantar bandeiras favoráveis a políticas sociais e
econômicas mais inclusivas.
"Fica muito evidente que Cunha foi o instrumento de uma manobra
política. E lamentavelmente o STF assistiu impassível ao
andamento do processo, deixou correr, para, somente depois de aprovado,
destituí-lo. A destituição é importante, temos de
comemorar, porque é muito positivo que ele seja afastado do poder, mas
já cumpriu a função de produzir todo o processo de
transitar o poder para o PMDB e o PSDB, o que é o objetivo final do
impeachment".
A entrevista completa com Luciana Genro pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Imediatamente após o afastamento de Eduardo Cunha
pelo STF, o ministro da justiça, José Eduardo Cardozo, passou a
defender a anulação dos procedimentos de impeachment conduzidos
por Cunha. Como você analisa esse aspecto?
Luciana Genro:
Vejo que o Eduardo Cunha cumpriu um papel funcional para o sistema
político, em especial pelo acatamento do processo de impeachment. O fato
de ser réu no STF com certeza macula a condução e a
própria abertura do processo, um ato em si bastante
discricionário do presidente da Câmara. Desse modo, é justa
a reivindicação do Cardozo, mas considero difícil que seja
acolhida pela STF.
Correio da Cidadania: Como enxergou a decisão do presidente interino da
Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão, que nesta segunda aceitou
pedido da AGU de anulação da votação do impeachment
de Dilma no dia 17 de abril, seguida da reação de Renan Calheiros
de manter o rito no Senado e da revogação, ainda pela noite, de
Maranhão em relação à sua própria
decisão inicial?
Luciana Genro:
Tenho defendido a realização de eleições gerais.
Como fui e continuo sendo contra o impeachment, apoio a decisão deste
senhor, mas sei que ela não tem força real. E o povo, com
razão, não vê seriedade em nada. Enquanto as
decisões ficarem nas mãos destes parlamentares, deste congresso
nacional, não poderemos ter um caminho democrático. Por isso
insisto na ideia de eleições. Só assim as decisões
não ficarão apenas nas mãos da Câmara, do Senado e
do STF, mas, sim, nas mãos do verdadeiro titular da soberania, o povo.
Correio da Cidadania: De toda forma, o impeachment está no Senado e
Renan Calheiros pretende fazê-lo continuar a avançar. Como
você resume esse processo? Acha legítimo?
Luciana Genro:
Não é legítimo. Inclusive, travei debates com quem
defendeu o impeachment como golpe, com a visão de que a ideia de
"golpe" precisaria ser respondida de maneira muito mais
enfática e dura do que o próprio governo e o PT fizeram. Mas se a
palavra é utilizada apenas para definir um processo ilegítimo de
impeachment, sem respaldo popular, sem criticidade, já que na verdade
foi uma manobra das castas políticas, vimos, sim, um tipo de golpe, no
sentido de uma manobra das elites políticas e judiciais porque o
Supremo também colaborou com o processo ao dar-lhe aura de legalidade.
Mas é evidente que careceu de legitimidade, em especial por ter sido
conduzido por um réu, e levará à presidência da
República Michel Temer, uma figura absolutamente desprovida de
legitimidade e também alvo e suspeito das mesmas coisas pelas quais a
Dilma foi acusada, no caso, as pedaladas fiscais. Por isso foi um processo
ilegítimo.
Porém, é preciso ter em conta que 70% da população
está a favor do impeachment. Isso é resultado de falta de
legitimidade do próprio governo Dilma também, cavada por ela
mesma, pelos seus próprios feitos ou malfeitos. Tem a ver com a
política econômica, o ajuste fiscal, a publicidade dos casos de
corrupção, que já existiam antes, mas foram mantidos ou
até aprofundados neste governo.
Dessa forma, sigo defendendo a ideia de que a melhor saída são as
eleições gerais, tanto para o Congresso Nacional como ao governo
central, a fim de conferir legitimidade e representação populares
maiores para a condução do país em meio à crise
econômica e política.
Correio da Cidadania: Com tais argumentos, considera que a ideia de
eleições gerais pode prevalecer?
Luciana Genro:
Não é um caminho provável porque vemos que nenhum dos
grandes partidos defende essa saída. O PT quer manter a Dilma enquanto
PMDB e PSDB querem chegar ao poder sem passar pelo crivo popular. Para eles,
eleições são completamente disfuncionais, porque teriam de
discutir quais seriam as saídas econômicas da crise. E as
saídas que PT, PSDB e PMDB defendem são muito parecidas: ajuste
fiscal. Talvez o ajuste do PT não seja tão duro quanto o
defendido pelos outros dois. Inclusive é o motivo pelo qual descartam o
PT, dado que, diante de tamanha fraqueza do governo, não se consegue
aplicar o ajuste em seu todo.
De toda forma, eleições gerais obrigariam que se colocasse em
pauta a discussão a respeito de quem deveria pagar a conta da crise.
Isso leva o PT ao discurso de que qualquer proposta que não seja o
cumprimento do mandato da Dilma seria golpe. E o Temer inclusive diz agora que
novas eleições seriam um golpe, coisa que o próprio PT
disse tempos atrás sobre a proposta.
Porém, na realidade, numa democracia o povo é o verdadeiro
titular da soberania nacional. Assim, não precisa ser escravo de
decisões passadas. Cabe ao povo decidir quando se pode destituir o
governante do poder que lhe foi delegado. Por isso a ideia de referendo
revogatório, que existe em alguns países, seria adequada ao
momento. Não querem levar em conta as pesquisas que aferem a vontade
popular, ainda que este não seja o único instrumento para se
medir o ânimo da população em favor da mudança de
governo, mas é justo um referendo revogatório.
Obviamente, a imensa maioria decidiria por novas eleições. Mas,
infelizmente, não é a vontade das castas políticas, seja a
que comanda o governo no momento, sejam aquelas que entrariam em seu lugar
indiretamente.
Correio da Cidadania: Aprofundando esse aspecto, por que tais castas teriam
tantas reservas a se submeterem ao voto popular e preferem mais uma
"solução por cima" na história do país,
mesmo levando em conta a antipatia que um ajuste fiscal mais duro poderia
gerar? Ainda com tal ajuste, não largariam em vantagem diante da
desmoralização pela qual passa o PT e das
manifestações contra Dilma que marcaram seu segundo mandato?
Luciana Genro:
Primeiramente, porque a oposição não dispõe de
figuras de carisma e representatividade popular. Nem Serra, nem Aécio,
inclusive envolvido frequentemente nas denúncias de
corrupção na Lava Jato, e tampouco o Temer, cuja popularidade
não passa de 2%, muito parecida com a minha própria mas
não tenho nem 1%, ou 0,1% da mídia com que ele conta diariamente,
além do poder. Mesmo assim, Temer não tem força
política para se submeter a eleições e vencê-las.
Acredito que eles não têm essa figura de apelo popular e
força real, de forma que querem mesmo chegar ao poder sem passar pelo
voto. E porque, para reiterar, a eleição abre o debate sobre
soluções reais de saída da crise. Jamais vão ganhar
eleição dizendo a verdade do que pretendem fazer no governo, isto
é, cortar direitos trabalhistas, dos aposentados, desvincular receitas
destinadas à saúde e educação, cortar outros
benefícios sociais, enfim, fazer ajustes que recaiam nas costas dos
trabalhadores e da classe média.
Se eles dissessem a verdade do que pretendem numa eleição, e o
que os mercados exigem, não venceriam. Por isso, no momento de crise
econômica, e quando o sistema capitalista exige ajuste nas costas do
trabalhador pra se reciclar, a única transição
viável é o impeachment sem eleição, com o Temer a
comandar o país durante dois anos e realizar tal projeto. Assim, seu
governo tentaria recuperar a economia à custa dos trabalhadores para, em
2018, os candidatos em especial do PSDB, alternativa burguesa mais
consistente chegarem prometendo recuperação do emprego, do
salário etc. E isso eles não podem prometer agora.
Correio da Cidadania: Voltando à figura de Eduardo Cunha, que certamente
fará parte da memória de um momento histórico da
política brasileira, como enxerga seu afastamento da presidência
da Câmara, a partir de decisão do STF, e sua obra política?
Luciana Genro:
Foi lamentável o STF ter demorado tanto para tomar uma decisão
que já parecia bastante óbvia há vários meses. O
procurador geral da República, Rodrigo Janot, já tinha demorado
para solicitar seu afastamento, mas, quando o fez, estava muito maduro e
evidente que o Cunha se utilizava do cargo para impedir o andamento do processo
contra ele próprio na Câmara e também aproveitava para
barganhar, tanto com o governo quanto com a oposição. A barganha
acabou assestada com a oposição de direita para dar início
ao processo de impeachment, coisa que depois ele não quis fazer em
relação ao Temer, que mereceria o mesmo processo caso se
considerem as pedaladas fiscais uma razão para a
destituição da Dilma.
Portanto, fica muito evidente que Cunha foi o instrumento de uma manobra
política. E lamentavelmente o STF assistiu impassível ao
andamento do processo, deixou correr, para somente depois de aprovado
destituí-lo. A destituição é importante, temos de
comemorar, porque é muito positivo que ele seja afastado do poder, mas
já cumpriu a função de produzir todo o processo de
transitar o poder para o PMDB e o PSDB, o que é o objetivo final do
impeachment.
Correio da Cidadania: Considera que se abre brecha para anular outras
decisões comandadas por Eduardo Cunha, tidas por parte do público
como socialmente regressivas ou até ilegais, em seu quase ano e meio de
presidente da Câmara? Ou na prática isso será quase
impossível?
Luciana Genro:
Preciso diferenciar meu desejo da análise fria dos fatos. Meu desejo
é que se pudesse reverter, que o governo e o PT se dessem conta de que a
melhor forma de impedir a manobra de levar Temer ao poder sem votos era a
convocação do referendo revogatório e
eleições gerais. Mas não vejo que alguma dessas coisas
vá se realizar.
Avalio que o impeachment já é inevitável, vamos nos
defrontar com um governo sem legitimidade, mas com muita unidade da burguesia a
seu redor. E tal unidade vai ajudar o Temer a conquistar certa estabilidade
política. Porque tanto os grandes veículos de
comunicação, em especial a Globo, como os demais partidos
conservadores vão trabalhar por tal estabilização.
A única forma de evitar seria através de uma grande
mobilização popular, outro junho de 2013, com bandeiras claras de
exigência de democracia real, processos de participação
popular mais direta etc. No entanto, com o atrelamento de grande parte dos
movimentos sociais à política do governo e do próprio PT,
vejo como difícil o surgimento de um movimento popular com a
força necessária para mudar os rumos do momento.
Correio da Cidadania: Para finalizar, qual grau de importância você
atribui às mulheres no desgaste da imagem de Cunha, até que se
chegasse ao seu afastamento?
Luciana Genro:
As mulheres cumpriram um papel fundamental nos últimos meses e em
especial no último ano da conjuntura. Alguns disseram ser uma primavera,
mas é mais que isso. É todo um levante feminista e antimachista,
que demonstrou como estamos em estado permanente de rebelião contra o
machismo. Qualquer medida ou proposta que aparece na mídia e nas redes
sociais para atacar direitos das mulheres vem sendo veementemente combatida.
Com certeza, a mobilização das mulheres também colaborou
para o desgaste da imagem do Cunha e mostrou como sua permanência no
poder colocava em risco direitos que já conquistamos e outros tantos que
queremos conquistar, já que ele se constituía como
obstáculo também nessas frentes.
10/Maio/2016
O original encontra-se em
www.correiocidadania.com.br/...
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
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