Aprovado pelo Senado brasileiro:
Novo ataque à juventude pobre e trabalhadora

  • Redução da maioridade penal
  • por Renato Nucci Junior [*]

    . A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, que de maneira oportunista quer dar uma satisfação reacionária e retrógrada ao povo brasileiro para o problema da violência urbana, aprovou por 12 votos a 10 na tarde de 26 de abril o parecer do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), antigo PFL, partido que representa os interesses dos setores mais conservadores da elite brasileira, o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 18, que altera o artigo 228 da Constituição Federal, permitindo a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos em casos de crimes hediondos. Nessa categoria estão incluídas infrações como terrorismo, tráfico de drogas e tortura.

    O projeto ainda requer a aprovação em dois turnos no Senado Federal, por 2/5 dos senadores, antes de ir para votação na Câmara dos Deputados. Ainda que a tramitação legislativa permita que os movimentos de defesa das crianças e adolescentes ganhem tempo para articular manifestações de repúdio ao projeto, ele revela o quanto o povo brasileiro sofrerá com um Congresso Nacional conservador e reacionário, que não pensará duas vezes em aprovar outros projetos similares que atacarão os aspectos mais democráticos e progressistas da Constituição Federal e das leis infra-constitucionais. Basta lembrar que o governo Lula pretende, ainda este ano, apresentar ao Congresso Nacional, projetos que aprofundam o modelo neoliberal, como a reforma da previdência social e a reforma sindical e trabalhista que retirarão direitos duramente conquistados pelo povo brasileiro.

    No caso em tela, a redução da maioridade penal, o projeto atinge, além da Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, mais conhecido como ECA. Este representa um avanço na tentativa de garantir à juventude brasileira, composta majoritariamente por jovens proletários e pobres, condições dignas de vida e de acesso à educação, saúde, lazer e cultura. Desgraçadamente a burguesia brasileira e seus representantes políticos e sociais, incapazes de garantir ao conjunto do povo brasileiro uma vida digna, dado o padrão de acumulação capitalista baseado em uma superexploração dos trabalhadores, criou inúmeros obstáculos à aplicação do ECA em sua integralidade. O aspecto que mais se destacou no Estatuto desde sua aprovação, em 1990, com a ajuda dos grandes meios de comunicação, nunca foi o dos avanços democráticos e progressistas garantidos por ele aos jovens brasileiros. O que mais se privilegiou foi a garantia dada pelo Estatuto à inimputabilidade dos adolescentes infratores menores de 18 anos, prevista em seu artigo 104. Esta foi sempre tratada pelos adversários do ECA e pelos setores conservadores e reacionários da vida nacional, como um estímulo para que jovens delinqüentes praticassem crimes graves e hediondos tendo a certeza de que não sofreriam punições severas. Nesse aspecto, o ECA seria uma espécie de garantia à impunidade.

    Porém, inúmeros dados revelam que a maioria dos jovens infratores, cerca de 69% deles, segundo dados colhidos na página eletrônica da FEBEM paulista , órgão que sob a gestão tucana foi marcada pelas constantes rebeliões de internos revoltados com as torturas e maus tratos sofridos dentro da instituição, são primários, e apenas 29% são reincidentes. Outros dados demonstram que cerca de 75% dos atos infracionais cometidos por jovens e adolescentes são classificados como na categoria de roubo simples e qualificado, porte de armas, furtos e infrações de média gravidade (extorsão, dano, ato obsceno, violação de domicílio, tráfico, receptação, porte e uso de drogas). Apenas 14% representam crimes graves contra a vida, como estupro, seqüestro, latrocínio e homicídio. Estes dados revelam que a sociedade brasileira não está a ser ameaçada pela delinqüência juvenil. A maioria dos atos infracionais praticados por crianças e adolescentes, em sua maioria, são contra o patrimônio, o que pode ser reparado com medidas sócio-educativas. Aliás, é importante salientar que o ECA prevê medidas sócio-educativas proporcionais ao ato infracional praticado. Elas estão previstas em seu artigo 112, e vão de advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, chegando, no caso de atos infracionais de maior gravidade, à liberdade assistida, à inserção em regime de semi-liberdade e a internação em estabelecimento educacional.

    Infelizmente, como a maioria dos atos infracionais cometidos por crianças e adolescentes são feitos por jovens proletários pobres e moradores de bairros populares, a opção do aparelho jurídico-repressor tem sido, não importa qual a gravidade do ato, o de encarcerar o pequeno infrator, tornando o sistema FEBEM em uma espécie de penitenciária juvenil. Dados do Sistema Nacional de Atendimento Sócio-Educativo (SINASE) de 2006 revelam um aumento para o período de 1996 a 2002 de 325% no número de jovens em privação de liberdade no Brasil. Só no estado de São Paulo, dirigido há mais de dez anos por sucessivos governos do PSDB, partido responsável pela implantação do projeto neoliberal no Brasil quando ocupou por dois mandatos a presidência da República com Fernando Henrique Cardoso, situam-se 39% dos jovens em privação de liberdade no Brasil. Os dados acima, sejam eles para o Brasil ou para o estado paulista, demonstram inequivocamente que prevalece uma visão punitiva na direita brasileira quanto à resolução do problema da violência urbana e da delinqüência juvenil.

    A perspectiva punitiva do problema da violência urbana ficou explícita no parecer do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) que aprovou a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Em primeiro lugar, o senador indica que é preciso avaliar a capacidade de discernimento do agente infrator. Ele conclui que a juventude contemporânea, pela quantidade de informações recebidas, é capaz de discernir a gravidade de seus atos. Atacando a Constituição Federal de 1988, atitude muito comum na direita brasileira, que quer eliminar da Carta Magna seus elementos mais democráticos e avançados, ele associa diretamente "o aumento da criminalidade em meio aos jovens e o uso crescente de menores por parte de quadrilhas organizadas", como causa da violência urbana. Depois, conclui que "os jovens são o grupo populacional que mais se envolve com o crime nos dias de hoje, e o direito penal constitucional não pode permanecer inerte e suspenso diante dessa realidade". Não existe qualquer questionamento sobre as causas sociais e econômicas da violência principalmente entre os jovens. Há só uma preocupação com os aspectos fenomênicos do problema, para o qual a solução é a saída punitiva. O combate à criminalidade, desse modo, tanto entre a juventude como entre os adultos, passa unicamente por um endurecimento das penas e por condições prisionais mais rígidas, eliminando entraves legais que possam garantir alguma regalia, seja para o adulto criminoso como para o jovem infrator.

    Desde o princípio da aplicação do projeto neoliberal no Brasil, os trabalhadores e o povo brasileiro em seu conjunto vem sendo vítima de um profundo ataque aos seus direitos sociais, trabalhistas e democráticos conquistados nos últimos vinte anos. Estes passam pela privatização das empresas estatais, desmonte dos serviços públicos, desmonte de uma rede pública de proteção social, retirada dos direitos trabalhistas, diminuição dos investimentos públicos em saúde e educação, aumento das taxas de desemprego e de subemprego, concentração de renda, etc. O resultado não poderia ser outro, senão um aumento nos índices de violência urbana, o que preocupa especialmente a classe média, cujo pavor de perder seu patrimônio a torna permeável ao discurso reacionário e conservador que exige medidas punitivas cada vez mais severas de combate à violência. Portanto, os ataques desferidos pela burguesia brasileira através de seus representantes parlamentares, como o da redução da maioridade penal e as reformas previdenciária e trabalhista, têm um mesmo sentido: na incapacidade de alterar o modelo econômico neoliberal para um outro que altere as aviltantes condições de vida em que está submetida a população brasileira, a burguesia opta por uma política regressiva de ataques a todas e quaisquer conquistas de caráter democrático e popular. Todas são embaladas por uma mesma lógica, a de garantir um Estado mínimo quando se trata de atender aos interesses da maioria da população, mas a de ser máximo quando é para atender o interesse dos grandes grupos capitalistas nacionais e internacionais.

    Desse modo, combater qualquer alteração legal que possa punir a juventude proletária brasileira que comete atos infracionais, é parte componente essencial da luta contra o projeto neoliberal. A juventude brasileira não merece cadeia, mas, uma vida digna.

    Campinas, 26/abril/2007.

    [*] Militante do movimento popular e sindical de Campinas (estado de São Paulo) e dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
    29/Abr/07