As eleições municipais e a grande derrota do PT
os próximos passos da luta de classes no Brasil
Os mais de 144 milhões de eleitores foram às urnas nos dois
turnos no Brasil para eleger prefeitos e vereadores de 5.568 municípios.
País de dimensões continentais, com 8,5 milhões de km
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e mais de 200 milhões de habitantes, com enorme diversidade em termos
econômicos, sociais e regionais, as eleições municipais
representam um momento importante da luta política no País e um
termômetro para se avaliar o estado de ânimo da
população em relação à política
tradicional, muito embora essas eleições, por suas
especificidades locais e pela conjuntura de crise, não tenham refletido
exatamente a realidade da luta de classes no País. Isso porque essas
eleições ocorreram logo após as olimpíadas, ao
processo deimpeachment da presidenta Dilma Roussef, às denúncias
seletivas da Operação Lava a Jato, à avassaladora campanha
midiática de demonização do PT e de seus dirigentes,
além da assimetria econômica e midiática entre as
candidaturas.
Ressalte-se ainda que essas eleições foram realizadas em meio
à mais grave crise econômica, social e política do
último meio século, processo que se combinou com o fim de um
longo ciclo de lutas sociais no Brasil, que se iniciou no final da
década de 70 com as graves do ABC e que está se encerrando
dramaticamente tanto com o impeachment da presidente Dilma Rousself quanto com
a derrota do PT nestas eleições municipais. Além disso, em
meio à crise está também se desenvolvendo, muito embora
ainda de maneira embrionária, um novo ciclo de lutas que começou
com as extraordinárias jornadas de junho de 2013 e que segue seu curso
em busca de consolidação na conjuntura social e política.
Portanto, esse conjunto de fenômenos, aliados à reforma
política que reduziu o tempo de televisão dos partidos de
esquerda e a redução do tempo de campanha eleitoral,
contribuíram para ofuscar a disputa política eleitoral e tornaram
as eleições municipais meio mornas.
Mesmo assim as eleições constituíram-se em importante
posto de observação político para se aferir os principais
elementos da conjuntura e avançar na compreensão sobre os
próximos passos da luta social e política no Brasil. A partir
dessas considerações, pode-se dizer que dessas
eleições emergem quatro variáveis fundamentais da
conjuntura política brasileira: a) a grande derrota do Partido dos
Trabalhadores e seus satélites, bem como da política de
conciliação de classes; b) a vitória das forças
conservadoras, especialmente do PSDB (Partido da Social-Democracia Brasileira)
nas grandes cidades, especialmente nas capitais; c) o elevado número de
votos nulos, brancos e abstenções, que no geral foram maiores do
que os votos dados a muitos dos candidatos vitoriosos no primeiro turno; d) a
emergência bipolar da luta política nas duas principais capitais
do País, São Paulo e Rio de Janeiro, nas quais emergiram
vitoriosos o PSDB em São Paulo e a coligação PSOL-PCB, que
venceu no primeiro turno no Rio de Janeiro e perdeu no segundo;
A derrota anunciada do PT
A derrota do Partido dos Trabalhadores já era esperada pela grande
maioria das forças políticas brasileiras. O que surpreendeu foi a
profundidade do tombo, a extensão do fracasso e a qualidade do desastre
no segundo turno perdeu em todas as cidades em que disputou. Em 2012,
última eleição municipal, o PT dirigia 630 prefeituras,
onde obteve um universo de 17,2 milhões de votos, sendo parcela
expressiva destes em grandes cidades. Em 2016 o PT elegeu apenas 256 prefeitos
(queda de 59,4%), correspondente a 6,9 milhões de votos. Desse conjunto
de prefeituras, 57,4% são cidades com menos de 10 mil habitantes. O PT
era o terceiro partido com o maior número de prefeituras, caiu para
10º. lugar. Das 93 cidades com mais de 250 mil habitantes, o PT dirigia 14
delas em 2012. Nestas eleições, elegeu apenas um prefeito, no
primeiro turno, na cidade de Rio Branco, capital do Acre, único Estado
em que era governo e elegeu o prefeito. Perdeu as eleições em
Belo Horizonte, Fortaleza e Salvador, onde governava o Estado, e em todas as
cidades do ABC, berço do PT.
Mas o fracasso maior do PT não é quantitativo: é
qualitativo. No Estado de São Paulo, o mais industrializado do Brasil, o
PT possuía 72 prefeituras em 2012. Nas últimas
eleições ganhou apenas em oito, todas elas minúsculas
cidades, à exceção de Araraquara, de porte médio.
Das 39 cidades da Grande São Paulo, onde se encontra o cinturão
industrial do Grande ABC, o PT ganhou apenas em apenas uma pequena cidade. Mas
o fracasso maior foi na capital de São Paulo, maior cidade do
País, dirigida pelo prefeito do PT, Fernando Hadad. Nesta capital, o
candidato do PSDB ganhou as eleições no primeiro turno, um
fenômeno muito raro pelo menos nas últimas três
décadas. A derrota em São Paulo teve um sabor amargo adicional,
uma vez que o candidato do PT perdeu em todas as zonas eleitorais da cidade,
inclusive nos tradicionais bastiões da periferia, que sempre deram a
vitória à legenda de Lula da Silva.
A vitória dos conservadores
As forças conservadoras, especialmente aquelas ligadas aos usurpadores
atualmente no poder, foram amplamente vitoriosas nessas eleições
municipais. Souberam captar o sentimento da população contra a
corrupção, a aversão aos políticos e à
política em geral e, especialmente, o sentimento anti-PT de largas
parcelas da população, inclusive nos bairros populares,
estimulados evidentemente pela mídia corporativa, pela
Operação Lava a Jato
e pelas prisões midiáticas de vários dirigentes dessa
organização política. Independentemente das
manipulações da mídia, os conservadores aparentemente
poderiam se considerar legitimados nas eleições, uma vez que a
esquerda socialista não teve condições de captar esse
sentimento da população, devido à falta de recursos
financeiros e ausência de tempo de televisão, que os conservadores
tiveram de sobra, e certa distância do proletariado.
Mas o avanço das forças conservadoras não significa que
não haja contradições profundas entre as várias
frações das classes dominantes. Entre esses conservadores, o
grande vitorioso foi o PSDB, possivelmente por ser o partido mais
ideológico e mais programático da direita brasileira, seguido
pelo PMDB e outras legendas menores. O PSDB ganhou em 806 cidades e em sete
grandes capitais, inclusive na principal delas que é a capital de
São Paulo e o PT em uma somente. Nas 351 cidades médias, entre 50
mil e 200 mil habitantes, o PSDB novamente foi o grande vitorioso: ganhou em 70
delas, enquanto o PMDB elegeu 53 prefeitos e o PT apenas 13.
Esses dados demonstram a predominância do PSDB nas médias e
grandes cidades do País, onde se concentra o grosso do proletariado
brasileiro, o que também reflete a enorme erosão que o PT sofreu
entre os trabalhadores dos centros urbanos. Mas esse resultado, ao
contrário de levar tranquilidade às hostes da direita no poder,
gera uma enorme contradição, tanto no interior do próprio
PSDB quanto junto ao segundo maior partido que é o PMDB. A
vitória na capital paulista fortaleceu o atual governador e pretendente
a candidato a presidente em 2018, Geraldo Alckmin, que conseguiu eleger
prefeito um ilustre desconhecido. Se fortaleceu na disputa interna que
irá realizar com Aécio Neves e José Serra, outros dois
pretendentes a candidato a presidente.
Além disso, o PSDB ganhou um protagonismo muito grande junto ao atual
governo e praticamente deixou o PMDB sem opções reais para a
disputa em 2018, podendo contentar-se novamente apenas com a figura de vice na
chapa conservadora. O PSDB, pressionará o atual governo para acelerar a
política neoliberal e o ajuste fiscal, política que
entrará em choque com interesses longamente consolidados, inclusive das
oligarquias regionais e caciques locais, que necessitam dar algum tipo de
resposta às demandas da população, até mesmo por
necessidade de sobrevivência política. Com o aprofundamento da
crise, a radicalidade do ajuste fiscal e os protestos da
população estas contradições vão aprofundar
as divisões entre as frações burguesas.
O significado dos nulos, brancos e abstenções
Um dado curioso nas eleições brasileiras e, especialmente nestas
eleições, foi o aumento de votos nulos, brancos e
abstenções observados nas eleições municipais.
Mesmo relativizando-se que as abstenções não sejam
exatamente uma atitude de protesto, pois muitos podem estar fora de seus
domicílios eleitorais ou impossibilitados de votar, grande parte dessa
ausência significa um desleixo ou desprezo em relação
às eleições. No entanto, os votos nulos e brancos, na sua
maioria absoluta, são votos de protesto contra a ordem ou mesmo porque
esses eleitores não se sentem representados pela atual
institucionalidade e creem que nada será mudado com o processo
eleitoral. Se o voto não fosse obrigatório, as
abstenções, nulos e brancos seriam muito maiores.
Para se ter uma ideia da extensão de ausentes, nulos e brancos vale
dizer que esses votos superam os votos dos primeiros colocados no primeiro
turno em 10 capitais do País, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte (nesses dois últimos municípios a soma superou o
primeiro e o segundo colocados juntos), Curitiba, Porto Alegre, Belém
Porto Velho, Campo Grande, Cuiabá e Aracaju. Em outras 11 capitais, a
soma de abstenções, nulos e brancos foi maior que o segundo
colocado nas eleições. Essa rejeição,
principalmente pelo segmento mais jovem do eleitorado, significa uma
série crise de representação, uma vez que largas parcelas
da população não se sentem representadas pela atual
institucionalidade política e expressam seu desapontamento dessa forma.
Outro indicador do desencanto com a institucionalidade ou com a podridão
da política brasileira, com os processos de corrupção e o
balcão de negócios em que se transformou o Parlamento e o
Executivo brasileiro, é a desistência de milhões de jovens
de se alistarem (solicitar o título de eleitor) para as
eleições. Entre 2012 e 2016 ocorreu uma queda de cerca de 9% na
emissão de títulos para jovens entre 16 e 17 anos. Nos primeiros
seis meses de 2016 (último dado do TSE) apenas cerca de 40% de jovens
dessa faixa etária foram aos tribunais eleitorais solicitar o
título de eleitor, o que demonstra o desprezo da juventude pelo processo
eleitoral brasileiro.
A bipolaridade dialética
Com todas as ressalvas possíveis, o resultado das
eleições, especialmente nas duas principais cidades do
País, São Paulo e Rio de Janeiro, demonstrou também uma
bipolaridade dialética em perspectiva, ou seja, condensaram em seus
resultados as contradições e perspectivas da luta política
no Brasil. Em São Paulo, o PSDB teve uma vitória acachapante no
primeiro turno, um fato inédito pelo menos nas últimas três
décadas. O PSDB, por ser o mais programático da direita
brasileira, expressou o poder das várias frações da
burguesia, uma vez que é em São Paulo que está, tanto
física quanto economicamente, o seu Comitê Central, mais
precisamente situado na Avenida Paulista.
Paralelamente, o Rio de Janeiro também expressou o polo oposto da
disputa política nestas eleições. A
coligação PSOL-PCB, aliada aos movimentos sociais, à
juventude e à intelectualidade progressista, com a candidatura de
Marcelo Freixo, do PSOL, conseguiu derrotar os candidatos do atual prefeito
carioca, do governo do Estado e do governo federal e passar para o segundo
turno, num processo no qual as condições da disputa eram as mais
adversas possíveis. O candidato Marcelo Freixo não tinha os
recursos financeiros que os outros candidatos possuíam, não tinha
tempo de televisão (apenas 11 segundos), enquanto os outros candidatos
apareciam diariamente na TV. Mas Freixo possuía uma ferramenta que os
outros não tinham, que era a militância guerreira que ao longo da
campanha disputou nas ruas e de casa em casa o voto popular e conseguiu
resultado que poucos acreditavam que ocorreria.
No entanto, no segundo turno, Freixo cometeu um grave erro político:
após reunião com empresários, fez uma carta à
população, a exemplo do que fez Lula em 2002, se comprometendo a
respeitar os contratos estabelecidos pela Prefeitura, não aceitar
indicação de partidos políticos e nomear apenas
técnicos para o seu secretariado. Uma atitude inteiramente
contraditória a toda a campanha realizada no primeiro turno. Não
conseguiu o apoio daqueles que não votarem nele no primeiro turno e
desarmou e desestimulou a militância que foi o eixo central de sua
campanha no primeiro turno. O resultado dessa virada de última hora foi
a derrota para um candidato obscurantista, ligado à Igreja Universal do
Reino de Deus.
De qualquer forma, como São Paulo e Rio de Janeiro representam os dois
polos principais da luta política no Brasil, mesmo com a derrota de
Freixo, há elementos que possibilitam indicar as perspectivas da luta de
classes no País. Em São Paulo, firmou-se a burguesia, agora
dominando tanto o governo estadual quanto o municipal. Vão exercitar a
política neoliberal pura, sem tergiversação, com a
criminalização dos movimentos sociais e a repressão contra
os trabalhadores e as manifestações de rua, que deverão
aumentar à medida em que o governo for anunciando o saco de maldades
contra os trabalhadores e a juventude para privilegiar o grande capital,
especialmente os rentistas. Na capital paulista está o grande
bastião burguês e todo seu aparato para enfrentar o próximo
período da luta de classes.
O Rio de Janeiro, por sua vez, aponta em outra direção,
independentemente do resultado do segundo turno. A coligação
vitoriosa da esquerda no primeiro turno foi justamente aquela que não
abriu mão de seus princípios e buscou o apoio na esquerda
socialista, nos movimentos sociais e na juventude. Não se rendeu
às conveniências da velha política nem aos acordos com os
inimigos de classe. Buscou sua energia e vitalidade nos trabalhadores e na
juventude e assim demonstrou que é possível, mesmo dentro das
restritivas regras burguesas, abrir caminhos para um terceiro campo, aquele que
rejeita a política de conciliação de classe e enfrenta a
burguesia confiando nas forças da transformação social.
Por isso, a derrota de Freixo no segundo turno mais uma vez prova que no atual
momento da luta de classes no País não há espaço
para a conciliação de classe. Quem quiser se colocar à
altura da luta de classes e buscar soluções para uma alternativa
anticapitalista e classista para o Brasil terá que manter
coerência no discurso e na prática.
Os novos caminhos da luta de classes
Passada as eleições, a luta de classe segue seu curso, muito
vezes por caminhos tortuosos que as próprias classes em disputa
não conseguem vislumbrar plenamente. As eleições foram
apenas uma imagem distorcida no espelho da realidade brasileira. A verdadeira
disputa vai se dar a partir agora. Embriagados pelo resultado das urnas, os
conservadores vão avançar com mais truculência pela senda
da barbárie social, com medidas cada vez mais impopulares, como o ajuste
fiscal por 20 anos (a ironia é que até lá quase todos eles
estarão mortos, mas isso mostra seu instinto de classe), a reforma da
previdência, a reforma trabalhista, e reforma educacional, entrega do
petróleo do pré-sal para as multinacionais, imaginando que o
resultado das urnas legitimaram os interesses da burguesia e dos rentistas
perante a população.
Esquecem-se, todavia, que em toda luta há um contraponto
dialético. No caso brasileiro, esse contraponto é o proletariado
urbano, a juventude das grandes metrópoles e o povo pobre dos bairros,
justamente os setores que mais sofrerão com as medidas antipopulares do
governo. Também se esqueceram de que já há uma
indignação generalizada na sociedade contra esse governo
(não refletida nas urnas, em função das
distorções da campanha eleitoral), que se manifesta nas
ocupações que até agora já atingem mais de 1.200
escolas, universidades e institutos federais de ensino, nas
manifestações de rua, nos estádios de futebol, nos
espetáculos musicais e teatrais, além de outros locais
públicos, e até nos aeroportos quando as pessoas encontram
figurões do governo e os escracham publicamente.
Essa indignação ainda difusa em algum momento irá buscar
referências organizativas, como já se ensaiou embrionariamente na
recente passeata da
Frente Povo Sem Medo,
que reuniu cerca de 100 mil pessoas em São Paulo. Não se pode
esquecer que o Brasil é um País à beira de um ataque de
nervos, com uma sociedade cansada do caos urbano, em função da
precária mobilidade social; das terríveis condições
da saúde pública; da violência e o assassinato de jovens
pretos e pobres da periferia das grandes cidades; do desemprego que atinge
atualmente mais de 12 milhões de trabalhadores e suas famílias; e
da indignação contra a corrupção e a velha
política.
Todo esse caldeirão social em ebulição vai esquentar ainda
mais à medida em que os trabalhadores, aposentados, a juventude e o povo
pobre dos bairros forem tomando consciência da profundidade dos ataques
da burguesia contra seus direitos e garantias. Nesse momento a luta de classes
vai alcançar um novo patamar. Nenhum governo pode dirigir um País
por muito tempo sem legitimidade social. Mais de 60% da população
estão contra esse governo. A hora em que o proletariado indignado com o
desemprego, o corte de salários, redução das
aposentadorias, as privatizações, tudo isso sendo feito para
transferir recursos públicos para saciar o apetite voraz de uma elite
parasitária rentista e do grande capital, então teremos a disputa
real nas ruas, nos locais de trabalho, estudo e moradia. Não está
descartado um levante social contra o governo usurpador. Esse momento
poderá chegar muito antes do que imaginam os pessimistas.
18/Novembro/2016
[*]
Secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
O original encontra-se em
https://pcb.org.br/portal2/12654
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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