A democracia de "mentirinha"
por João Pedro Stédile
[*]
"Essa forma de democracia de mentirinha, em que o povo não tem
poder nenhum de decidir sobre o seu futuro, não funciona mais."
O economista João Pedro Stedile, uma das principais lideranças do
movimento dos sem-terra no país, considera que a crise é muito
mais grave do que aparenta. A crise não seria apenas política,
segundo ele, mas também econômica e social. "É como se
o Brasil estivesse numa encruzilhada histórica. A crise que estamos
vivendo é muito grave, profunda e será prolongada", afirma o
coordenador nacional do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST). "Estamos numa crise de projetos para o país, uma crise de
destino do Brasil."
Em entrevista ao
Correio Braziliense
e ao
Estado de Minas,
Stedile explica porque, há duas semanas, durante uma
manifestação em Curitiba, chegou a decretar o fim do governo de
Luiz Inácio Lula da Silva. Aquele governo Lula que nós elegemos
em 2002 acabou. Agora, temos um governo Lula-Severino-Sarney-Calheiros.
Desde que estourou a crise, Stedile se dedica a correr o país para
animar a militância e alertar que não se pode apenas ficar
embasbacado com a enxurrada de denúncias que varre o noticiário.
É preciso, segundo ele, sair do imobilismo e deixar de lado a postura
passiva. Stedile vê, assim, uma possibilidade de superação
da crise: Estimular as lutas sociais e a mobilização de massas,
que é o único caminho capaz de alterar a correlação
de forças atual. A seguir, os principais trechos da entrevista. A
esquerda precisa rever seus métodos
O governo Lula acabou?
João Pedro Stedile:
O povo brasileiro votou em Lula para realizar mudanças. Durante a
campanha eleitoral, foram apresentadas promessas e, no entanto, nenhum dos
compromissos relacionados com as mudanças para o povo foi cumprido.
Depois veio a crise de 2005. E aí o governo faz uma reforma ministerial
que representou uma aliança ainda mais conservadora. Então,
quando disse que o governo Lula acabou, foi no sentido de que aquele governo
Lula que nós elegemos em 2002 acabou. Agora, temos um governo
Lula-Severino-Sarney-Calheiros.
Como a crise está sendo vista pelas lideranças do MST e pela base
do movimento?
Stedile:
Nossa base e a militância estão acompanhando a crise com muita
atenção e perplexidade, como todos os brasileiros. E estão
muito preocupados, primeiro pelos descalabros dos métodos que foram
utilizados. Mas sobretudo estamos preocupados pela paralisia política do
governo que isso causou. E estamos ainda mais preocupados porque o governo fez
um compromisso com a sociedade brasileira e com nossa base, se comprometendo a
acelerar a reforma agrária e assentar 400 mil famílias em quatro
anos. Até agora, a reforma agrária andou a passos de tartaruga, e
continuamos tendo mais de 130 mil famílias acampadas esperando o
cumprimento dos compromissos.
O que a crise do governo e do PT representa para a esquerda brasileira?
Stedile:
A crise que estamos vivendo é muito grave, profunda e será
prolongada. A crise não é só de ética ou de
corrupção. Estamos vivendo, em primeiro lugar, uma crise
econômica. A continuidade da política neoliberal não tirou
a economia da crise. Os resultados são medíocres. Os
únicos que estão ganhando dinheiro e estão faceiros
são os bancos, as multinacionais e quem se dedica à
exportação. Há também uma crise política,
porque o povo não acredita mais nos políticos. Essa forma de
democracia de mentirinha, em que o povo não tem poder nenhum de decidir
sobre o seu futuro, não funciona mais. Precisamos fazer uma reforma
política de fundo, que recupere formas de participação da
democracia direta, do direito do povo convocar plebiscitos, revogar mandatos
etc. E temos ainda uma grave crise social, que beira a barbárie, com a
falta de emprego, com aumento da violência, com a falta de
serviços públicos de saúde, educação e
transporte coletivo para os pobres. Estamos numa crise de projetos para o
país, uma crise de destino do Brasil.
Quais lições podem ser tiradas?
Stedile:
Muitas. Primeiro, é preciso que os partidos de esquerda revejam seus
métodos de fazer política. O que o Campo Majoritário
(grupo hegemônico dentro do PT) fez no partido foi utilizar os mesmos
métodos clássicos da direita: tentar ganhar
eleições apenas com dinheiro, com marketing. Caíram na
ilusão dos showmícios, dos Dudas da vida. E aí
saíram à cata de dinheiro para financiar um método
despolitizado, atrasado, que a direita sempre usou. Portanto, é preciso
recuperar os métodos corretos da política, que é a disputa
de idéias, que é elevação dos níveis de
consciência da população, que é estimular o debate e
a participação militante dos cidadãos.
O PT assumiu a Presidência como a promessa de tratar com mais
sensibilidade as demandas sociais, inclusive as colocadas pelo MST. Qual
será o impacto para o MST se a debacle do governo e do PT prosseguir?
Stedile:
Nosso papel, no MST e nos movimentos sociais, não é ficar apenas
embasbacados com as denúncias. Nosso papel é, em primeiro lugar,
fazer reuniões na base, reunir a militância, debater, entender o
momento que estamos vivendo. Tenho me dedicado a isso 24 horas por dia desde
que eclodiu a crise. E, a partir da compreensão correta do que realmente
está acontecendo, estimular as lutas sociais, a
mobilização de massas, que é o único caminho capaz
de alterar a correlação de forças atual. A crise se
resolve com debate político, com as massas e com
articulação de forças sociais que queiram mudanças
verdadeiras.
O original encontra-se no
Correio Braziliense,
de 08/Agosto/2005
Este artigo encontra-se em
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