por Michel Chossudovsky
O "Resgate Interno" do Banco de Chipre é um "ensaio
geral" do que está para vir?
Estará a ser encarado um "golpe de resgate interno" na
União Europeia e na América do Norte que poderá resultar
numa verdadeira confiscação dos depósitos bancários?
Em Chipre, todo o sistema de pagamentos foi afectado levando à
extinção da economia real.
Já não se pagam pensões e salários. O poder de
compra desapareceu.
A população está empobrecida.
As pequenas e médias empresas são empurradas para a
falência.
Chipre é um país com uma população de um
milhão de habitantes.
O que aconteceria se semelhantes procedimentos de 'apertar o cinto' fossem
aplicados nos EUA ou na União Europeia?
Segundo o
Institute of International Finance
(IIF) com sede em
Washington, que representa o consenso da instituição financeira
global, "a abordagem de Chipre em atingir depositantes e credores quando
os bancos falham, pode tornar-se um modelo para lidar com as falências em
toda a Europa". (
Economic Times
, 27/Março/2013).
Deve entender-se que, antes do massacre de Chipre, a confiscação
de depósitos bancários já havia sido contemplada em
vários países. Além disso, os poderosos actores
financeiros que provocaram a crise bancária em Chipre, são
também os arquitectos das medidas de austeridade socialmente
devastadoras impostas na União Europeia e na América do Norte.
Chipre constitui um "modelo" ou um cenário?
Serão "lições a aprender" por estes poderosos
actores financeiros, para serem aplicadas noutros sítios, numa fase
posterior, na paisagem banqueira da Zona do Euro?
Segundo o Instituto Internacional de Finanças (IIF), "os
depositantes atingidos" podem tornar-se na "nova norma" deste
projecto diabólico, servindo os interesses dos conglomerados financeiros
globais.
Esta nova norma é endossada pelo FMI e pelo Banco Central Europeu.
Segundo o IIF que constitui o órgão das elites banqueiras,
"os investidores deverão ter em consideração o que se
passa em Chipre
como um reflexo de como serão tratadas as futuras
tensões".
(citado em
Economic Times
, 27 de Março, 2013)
"Limpeza Financeira". Resgates internos nos EUA e na
Grã-Bretanha
O que está em jogo é um processo de "limpeza
financeira" em que os "bancos demasiado grandes para falir" na
Europa e na América do Norte (por ex., JPMorgan Chase, Goldman Sachs e
outros) expulsam e destroem instituições financeiras mais
pequenas, com a intenção de acabar por ocupar toda a
"paisagem bancária".
A tendência subjacente aos níveis nacionais e global é rumo
à centralização e concentração do poder da
banca, enquanto levam à queda terrível da economia real.
Os resgates internos
(bail-ins)
têm sido considerados em numerosos países.
Na Nova Zelândia, já em 1997, coincidindo com a crise financeira asiática, foi considerado um plano de cortes (haircut)
.
Há
disposições, tanto no Reino Unido como nos EUA, relativas à confiscação de depósitos bancários
. Num documento conjunto da Federal Deposit Insurance
Corporation (FDIC) e do Banco de Inglaterra, intitulado
Resolving Globally Active, Systemically Important, Financial Institutions
(Resolução
de Instituições Financeiras, Globalmente Activas, Sistemicamente
Importantes), foram avançados procedimentos explícitos pelos
quais "os credores iniciais da companhia falida", ou seja, os
depositantes de um banco falido, seriam transformados em "capital".
(Ver Ellen Brown,
Isto pode acontecer aqui
, Global Research, Março 2013)
O que isto significa é que o dinheiro confiscado das contas
bancárias seria usado para satisfazer as obrigações
financeiras do banco falido. Em compensação, os detentores dos
depósitos bancários confiscados tornam-se accionistas duma
instituição financeira falida à beira da bancarrota.
As poupanças bancárias seriam transformadas de um dia para o
outro num conceito ilusório de posse de capital. A
confiscação das poupanças seria executada sob o disfarce
de uma falsa "compensação" em termos de capital.
O que se pretende é a aplicação de um processo selectivo
de confiscação de depósitos bancários, com vista a
cobrar a dívida enquanto provoca a morte de instituições
financeiras "mais fracas". Nos EUA, o procedimento ultrapassaria as
disposições da Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) que
protege os detentores de depósitos contra as falências
bancárias:
Não se indica qualquer excepção para
"depósitos garantidos" nos EU, ou seja, os depósitos
inferiores a 250 mil dólares, depósitos que julgávamos
estarem protegidos
pela garantia da FDIC. E não se trata de esquecimento, visto que
é a FDIC que está a emitir a directiva. A FDIC é uma
companhia de seguros, financiada por prémios pagos por bancos privados.
A directiva chama-se um "processo de solução",
definido como
um plano que "será posto em prática na eventualidade da
falência de um segurador
" A única referência a
"depósitos assegurados" é em relação
à legislação existente no Reino Unido,
legislação que a directiva FDIC-BOE considera desadequada, dando
a entender que precisa de ser modificada ou eliminada. (Ibid)
Como os depositantes recebem uma falsa compensação, não
têm direito ao seguro de depósito da FDIC.
Proposta de confiscação de depósitos do Canadá
A declaração mais franca de confiscação de
depósitos bancários como meio de 'salvar os bancos' está
formulada num documento do governo canadiano recentemente publicado intitulado
"
Empregos, crescimento e prosperidade a longo prazo: Plano de acção económica 2013
".
Este plano foi apresentado à Câmara dos Comuns pelo ministro das
Finanças, Jim Flaherty, a 21 de Março, fazendo parte duma
proposta alegadamente "pré-orçamento".
Uma curta secção do relatório, intitulada "Quadro de
Gestão de Riscos para Bancos Internos Sistemicamente Importantes"
identifica o procedimento de resgate interno para os bancos oficiais do
Canadá. Não se menciona a palavra confiscação. O
calão financeiro serve para ofuscar a verdadeira intenção
que consiste essencialmente em roubar as poupanças das pessoas.
Sob o projecto canadiano de "Gestão de Riscos":
O Governo propõe-se implementar um regime de "resgate interno"
(bail-in)
dos bancos sistemicamente importantes.
Este regime será destinado a garantir que, na improvável
eventualidade de um banco sistemicamente importante esgotar o seu capital,
o banco possa ser recapitalizado e possa voltar a ter viabilidade
através da conversão muito rápida de determinados passivos
bancários em capital regulamentar.
Isso reduzirá os riscos para os contribuintes. O governo
consultará os accionistas sobre como melhor implementar um regime de
resgate interno no Canadá.
O que isto significa é que, se um ou mais bancos (ou cooperativas de
crédito) forem obrigados a "esgotar sistemicamente o seu
capital" para satisfazer as exigências dos seus credores, os bancos
serão recapitalizados através da "
conversão de determinados passivos bancários em capital
regulamentar
".
Esses "determinados passivos bancários" pertencem (em
calão técnico) ao dinheiro que devem aos seus clientes,
nomeadamente aos seus depositantes, cujas contas bancárias serão
confiscadas em troca de acções (capital) numa
instituição bancária "em falência".
"Isso reduzirá os riscos para os contribuintes" é uma
declaração sem sentido. O que isto significa realmente é
que o governo não fornecerá qualquer financiamento para compensar
os depositantes que são vítimas de uma instituição
bancária em falência, nem irá salvar a
instituição em falência.
Em vez disso os depositantes serão obrigados a abdicar das suas
poupanças. O dinheiro confiscado será assim utilizado pelo banco
para satisfazer as suas responsabilidades contraídas para com
importantes instituições financeiras de crédito. Por
outras palavras, todo este esquema é uma "rede de
segurança" para os bancos demasiado grandes para falirem, um
mecanismo que lhes possibilita, enquanto credores, sobrepor-se a
instituições bancárias menores, incluindo cooperativas de
crédito, enquanto aceleram o seu colapso ou a sua compra forçada.
Paisagem financeira do Canadá
A iniciativa da Gestão de Riscos do Resgate Interno é de
significado vital para todos os canadianos: uma vez aprovado pela Câmara
dos Comuns como fazendo parte do pacote orçamental, podem ser aplicados
os procedimentos do Resgate interno.
O governo conservador tem uma maioria parlamentar. Há muito boas
hipóteses de que o "
Plano de Acção Económica 2013
" que inclui o procedimento de Resgate interno seja aprovado.
Embora o Quadro de Gestão de Riscos do Canadá dê a entender
que os bancos do país "estão em risco", em especial os
que acumularam grandes dívidas (em consequência de
prejuízos líquidos), não está contemplada uma
aplicação generalizada do "Resgate interno" em todos os
domínios.
O provável cenário no futuro previsível é que os
"cinco grandes" bancos do Canadá, o Royal Bank do
Canadá, o TD Canada Trust, o Scotiabank, o Banco de Montreal e o CIBC
(todos eles tendo poderosos afiliados que operam na paisagem financeira dos
EUA) consolidarão a sua posição à custa dos bancos
mais pequenos (a nível da província) e das
instituições financeiras.
O documento do Governo dá a entender que o Resgate interno poderá
ser usado selectivamente "na eventualidade improvável de que um
[banco] deixe de ser viável". O que isto sugere é que pelo
menos um ou mais dos "bancos menores" do Canadá será
objecto de um resgate interno. Esse procedimento levará inevitavelmente
a uma maior concentração do capital bancário no
Canadá, em benefício dos maiores conglomerados financeiros.
Deslocação das cooperativas de crédito e
instituições bancárias cooperativas a nível de
província
Há uma importante rede de mais de 300 cooperativas de crédito e
instituições bancárias cooperativas a nível de
província, incluindo a poderosa rede Desjardins em Quebec, a Vancouver
City Savings Credit Union (Vancity) e a Coastal Capital Savings na
Colúmbia britânica, a Servus em Alberta, a Meridian em
Ontário, as caixas populares em Ontário (afiliadas de
Desjardins), entre muitas outras, que poderão ser alvo de
operações selectivas de "Resgate interno".
Neste contexto, o que é provável que venha a acontecer é
um significativo enfraquecimento das instituições financeiras
cooperativas a nível provincial, que têm uma relação
de governação para com os seus membros (incluindo conselhos
representativos) e que, no presente contexto, oferecem uma alternativa aos
Cinco Grandes bancos oficiais. Segundo dados recentes, há mais de 300
uniões de crédito e
caixas populares
no Canadá que são membros da "União Central de
Crédito do Canadá".
Novo normal: Padrões internacionais que governam a
confiscação de depósitos bancários
O "
Plano de Acção Económica 2013
" do Canadá reconhece que o proposto
quadro de Resgate interno
"será consistente com reformas noutros países e
padrões chave internacionais". Nomeadamente, o padrão
proposto de confiscação de depósitos bancários
conforme descrito no documento governamental canadiano é consistente com
o modelo contemplado nos EUA e na União Europeia. Este modelo é
actualmente a "essência" (à porta fechada) de diversos
encontros internacionais que reúnem governadores de bancos centrais e
ministros das Finanças.
O organismo regulador envolvido nestas consultas multilaterais é
Financial Stability Board (FSB) com sede em Basileia, Suíça, e
organizado pelo Banco de Pagamentos Internacionais (BIS, na sigla em
inglês) (imagem à direita). Acontece que o FSB é presidido
pelo governador do Banco do Canadá, Mark Carney, que foi recentemente
nomeado pelo governo britânico director do Banco de Inglaterra a partir
de Junho de 2013.
Mark Carney, enquanto governador do Banco do Canadá, foi fundamental no
projecto das disposições do Resgate interno dos bancos oficiais
do Canadá. Antes da sua carreira na banca central, foi executivo
sénior na Goldman Sachs, e desempenhou um papel de bastidores na
implementação dos resgates externos a bancos e das medidas de
austeridade nos EUA.
O mandato do FSB seria coordenar os procedimentos de resgate interno, em
ligação com as "autoridades financeiras nacionais" e os
"órgãos internacionais de estabelecimento de standards"
que incluem o FMI e o BIS. Não é nada que surpreenda: os
procedimentos de confiscação de depósitos no Reino Unido,
nos EUA e no Canadá, atrás examinados, são
extraordinariamente semelhantes.
"Resgates internos" de Bancos vs. "Resgates externos" de
bancos
Os resgates externos
(bailouts)
são "pacotes de salvamento" pelos quais o governo atribui uma
parte significativa das receitas estatais a favor de instituições
financeiras falidas. O dinheiro é canalizado dos cofres do Estado para
os conglomerados bancários.
Nos EUA, em 2008-2009, foi canalizado um total de 1,45 milhões de
milhões de dólares para instituições financeiras da
Wall Street, fazendo parte dos pacotes de resgate de Bush e de Obama.
Estes resgates externos foram considerados como uma categoria
de facto
de despesas governamentais. Exigiram a implementação de medidas
de austeridade. Juntamente com aumentos enormes nas despesas militares, os
resgates externos foram financiados através de cortes drásticos
em programas sociais incluindo a Medicare, a Medicaid e a Segurança
Social.
Em contraste com o Resgate externo, que é financiado a partir do
erário público, o "Resgate interno"
(bail-in)
exige a confiscação (interna) dos depósitos
bancários. Os resgates internos são implementados sem a
utilização de fundos públicos. O mecanismo regulador
é instituído pelo banco central.
No início do primeiro mandato de Obama em Janeiro de 2009, Obama
anunciou um resgate externo da ordem dos 750 mil milhões de
dólares, que se somou ao resgate externo de 700 mil milhões de
dólares atribuídos pela última administração
Bush ao abrigo do Troubled Assets Relief Program (TARP).
O total dos dois programas foi uma quantia espantosa de 1,45 milhões de
milhões de dólares a ser financiados pelo Tesouro dos EUA (de
notar que a quantia real da "ajuda" financeira em liquidez aos bancos
foi significativamente maior do que 1,45 milhões de milhões de
dólares). A somar a esta quantia, as verbas da defesa para financiar a
economia de guerra de Obama (ano fiscal de 2010) foram uns espantosos 739 mil
milhões de dólares. Nomeadamente, o conjunto dos resgates
externos aos bancos mais a defesa (2,189 mil milhões de dólares)
quase devoraram a totalidade das
receitas federais que no ano fiscal de 2010 atingiram 2,381 mil milhões
de dólares.
Notas de conclusão
O que se passa é que os resgates externos dos bancos já
não funcionam. No início do segundo mandato de Obama, os cofres
do estado estão vazios. As medidas de austeridade chegaram a um beco sem
saída.
Agora são os resgates internos dos bancos que estão a ser
contemplados em vez dos "resgates externos dos bancos".
Os grupos de rendimentos médios e mais baixos que invariavelmente
estão endividados não serão o alvo principal. A
apropriação dos depósitos bancários visará
essencialmente os grupos de rendimentos acima da média e mais altos que
têm depósitos bancários significativos. O segundo alvo
serão as contas bancárias das pequenas e médias empresas.
Esta transição faz parte da evolução da crise
económica global e do impasse subjacente à
aplicação das medidas de austeridade.
O objectivo dos actores financeiros globais é eliminar competidores,
consolidar e centralizar o poder da banca e exercer um controlo abrangente
sobre a economia real, as instituições do governo e as
forças armadas.
Mesmo que os resgates internos sejam regulamentados e aplicados selectivamente
a um número limitado de instituições financeiras falidas,
uniões de crédito, etc., o anúncio de um programa de
confiscação de depósitos pode levar a uma "corrida
aos bancos" generalizada. Nesse contexto, nenhuma
instituição bancária será considerada como segura.
A aplicação de procedimentos de Resgate interno, envolvendo a
confiscação de depósitos (mesmo quando aplicada local ou
selectivamente) criará um caos financeiro. Interromperá o
processo dos pagamentos. Os salários deixarão de ser pagos. O
poder de compra entrará em queda. Deixará de haver dinheiro para
investimentos em fábricas e equipamentos. Os negócios de pequena
e média dimensão serão levados à falência.
A aplicação de um Resgate interno na UE ou na América do
Norte iniciará uma nova fase da crise financeira global, um
aprofundamento da depressão económica, uma maior
centralização da banca e da finança, uma
concentração crescente do poder corporativo na economia real em
detrimento das empresas a nível regional e local.
Por seu turno, toda uma rede bancária global, caracterizada por
transacções electrónicas (que governam os
depósitos, os levantamentos, etc.) para não falar de
transacções em dinheiro nos mercados de acções e de
mercadorias poderá ser objecto de significativas
perturbações de natureza sistémica.
As consequências sociais serão devastadoras. A economia real
mergulhará em consequência do colapso no sistema de pagamentos.
As possíveis perturbações no funcionamento de um sistema
monetário global integrado poderão dar origem a um renovado
colapso económico global assim como à queda do comércio
internacional de mercadorias.
É importante que as pessoas em toda a parte, na União Europeia e
na América do Norte, nacional e internacionalmente, actuem de forma
coordenada contra as diabólicas conspirações dos seus
governos que agem em nome dos interesses financeiros dominantes
na implementação de um processo selectivo de
confiscação de depósitos bancários.
02/Abril/2013
N.T.
Resgate interno
(bail-in)
ocorre perante uma bancarrota, quando os reguladores têm
possibilidade de impor os prejuízos aos obrigacionistas, deixando
intactos outros credores de estatura semelhante.
Resgate externo
(bail-out)
significa uma injecção de liquidez dada a um banco falido ou
próximo da falência, para liquidação dos seus
compromissos de curto prazo, normalmente dada pelo governo que assume o
controlo do banco.
Medicare
é um programa nacional de seguro social, administrado pelo governo
federal dos EUA desde 1965, que garante o acesso ao seguro de saúde aos
americanos maiores de 65 anos e pessoas mais novas com incapacidades, assim
como os que sofrem de determinadas doenças.
Medicaid
é o programa de saúde dos Estados Unidos para
determinadas pessoas e famílias com rendimentos e recursos baixos.
Ver também:
Isto pode acontecer aqui
, de Ellen Brown
O original encontra-se em
www.globalresearch.ca/the-confiscation-of-bank-savings-to-save-the-banks/5329411
.
Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.