O paramilitarismo na Colômbia, uma ferramenta do poder e uma
fórmula em expansão na América Latina
por Lazaro Girardot
É necessário que o povo latino-americano conheça o que
foram e o que representam os grupos paramilitares na Colômbia, agora que
os
EUA, as oligarquias nacionais e as forças armadas procuram expandir este
método repressivo, para conter as mudanças políticas
progressistas que se vivem na América Latina.
Demonstração com valor probatório em juízo desses
propósitos foi a detenção, há pouco mais de um ano,
pelos serviços de segurança da República Bolivariana da
Venezuela, de mais de uma centena de paramilitares colombianos, que se
preparavam para executar criminosas acções de
desestabilização do poder popular, dirigido pelo coronel Hugo
Chávez. Ou a reedição do Plano Condor com o assassinato e
sequestro de dirigentes populares e de revolucionários em países
vizinhos da Colômbia. E as pormenorizadas revelações sobre
a conspiração que, nas instalações dos
serviços de segurança colombianos, se prepara contra o governo
venezuelano, por parte dos sectores reaccionários das duas
repúblicas irmãs.
Neste mal chamado diálogo, que na realidade é um monólogo
de compadres, o governo da Colômbia mostra a sua face verdadeira e aprova
as bases para a inserção na vida institucional dos paramilitares.
Entrega-lhes uma ampla zona do país, assegura-lhes a segurança,
ignora a justiça, ao garantir que nenhum dos chefes paramilitares
será capturado ou processado pelos crimes cometidos contra a
população. Trata-se da impunidade total.
O terror foi institucionalizado. O estatuto anti-terrorista e demais leis
repressivas permitem que as Forças Armadas do Estado executem, a coberto
da lei, as atrocidades que antes realizavam através de mecanismos
extra-institucionais. Os paramilitares colombianos, agora legalizados e
perdoados, poderão ser exportados, para que reeditem a sua macabra
missão contra outros povos da América Latina.
EM FUNÇÃO DE UMA CLASSE
Em função de uma classe, o Estado colombiano, como todos os
Estados, não é impessoal. A sua roupagem institucional,
jurídica, política e militar foi construída em
função dos interesses de classe que representa, a saber, a
oligarquia e a narco-oligarquia (no caso colombiano).
Ao longo da sua história foi "administrado" de forma
monopolista e exclusiva por uma classe saída politicamente dos partidos
liberal e conservador que, por sua vez, são a expressão eleitoral
de camadas específicas da população:
latifundiários, grandes comerciantes e industriais, financeiros,
narcotraficantes, clero e, de uma forma geral, os sectores dominantes.
O papel do Estado foi, e continua a ser, o de desenvolver mecanismos e
instrumentos (leia-se acção governativa) que lhe permitam
adquirir e preservar privilégios para os sectores que representam ou,
dito de outra modo, para garantir a sua dominação de classe.
Um desses mecanismos de governo a que recorreu a oligarquia é o
terrorismo de Estado, através da utilização institucional,
e extra-institucional, da violência e do terror como método de
controlo social. A coluna vertebral desse terrorismo de Estado é,
juntamente com a guerra suja, o paramilitarismo.
INSTRUMENTO DE ACUMULAÇÃO
Na Colômbia, o papel destes esquadrões da morte foi além de
um "simples" mecanismo de repressão e converteu-se num
instrumento de apropriação e conservação da
riqueza. É isso que demonstra a relação proporcional
entre o número de mortos e a redistribuição
(concentração) da terra durante os anos cinquenta, por
acção dos chamados "pássaros", ou
"limpos", eufemismos então usados para designar os
paramilitares.
A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi
clara ao assinalar que a Colômbia é o país onde se
assassina o maior número de sindicalistas. Sem dúvida, o
principal método de "desenvolvimento do capitalismo" na
Colômbia foi a violência exercida a partir do poder.
Entre as premissas da Doutrina de Segurança Nacional, três
há que sustentam ideologicamente o paramilitarismo colombiano:
1- O conceito de "inimigo interno", no qual se enquadra todo o
sujeito político ou social que se oponha ao estado de coisas existente.
2- A ideia de "tirar a água ao peixe", segundo a qual as
organizações sociais e populares da população
constituem a água em que se move o peixe insurrecto.
3- A mobilização e a vinculação da
população para conter a ameaça à
"segurança da nação", o que na Colômbia se
define como "guerra integral".
A adopção pelo Estado colombiano de todo este ideário
explica o extermínio de dirigentes e organizações
populares colombianas. Os paramilitares enfrentam a população
civil desarmada, não directamente a guerrilha, e, quando se vêem
ameaçados por destacamentos de combatentes revolucionários,
correm a esconder-se, de forma cobarde, nas instalações militares
e policiais.
Um caso de memória colectiva que o povo colombiano não
esquecerá é o extermínio físico do movimento
político União Patriótica, que demonstra claramente que,
neste país, o exercício do direito da oposição
política é penalizado legal e extrajudicialmente.
É abundante a legislação através da qual o Estado
procurou dar uma base jurídica e legal à existência dos
esquadrões da morte. Desde uma lei da república de 1968,
até aos regulamentos e manuais de guerra e combate do Exército,
que instruem claramente a força pública sobre a
criação e controlo destes grupos, e sobre o modo de envolver a
população civil na "defesa da nação" ou a
"segurança democrática", como lhe chamam as actuais
personagens do regime político.
Os actuais esquadrões da morte, que se autodenominam de Autodefesas
Unidas da Colômbia, foram criados como parte desta estratégia de
Estado, tem a sua origem em princípios dos anos oitenta e são
financiados com os florescente dinheiro do narcotráfico.
UMA POLÍTICA REPRESSIVA COM DOIS ROSTOS
Estamos, pois, perante uma política que não é nova, nem
estranha ao poder, uma política que foi aplicada pelos diferentes
governos como forma de evitar que o controlo da nação lhes saia
das mãos: a institucionalização da violência e a
criação, simultânea, de formas para-institucionais de
repressão, promovidas, organizadas e controladas pelos próprios
organismos do Estado.
O actual regime fascista instalado na Casa de Narino procura por todos os meios
atribuir um estatuto político aos paramilitares. Uns meses antes de se
iniciar esta farsa, chamada diálogo entre os paramilitares e o governo
colombiano, numa entrevista concedida à revista Semana, a 14 de Outubro
de 2002, um dos executores operacionais da política paramilitar
declarava:
"Queremos fazer saber ao governo e ao país que se já
não consideram útil a nossa presença, nesse caso
não seremos um obstáculo."
A mensagem:
"se já não consideram útil a nossa
presença",
permite intuir que o governo os considerou úteis, e quem mais indicado
para o dizer que um dos suas principais personagens? Pois estes
esquadrões da morte, que alguns tentaram eufemisticamente rebaptizar,
foram e são úteis a este e outros governos que, precisamente com
esse objectivo, os criaram.
Com razão dizia um jornalista que o número de soldados rurais e
camponeses que o governo de Uribe Velez se propôs criar, coincidia com
o crescimento numérico dos paramilitares.
AO SERVIÇO DA EXPANSÃO DO IMPÉRIO
A legislação e a política de segurança definida e
começada a executar pelo actual governo sintetizam as diferentes
estratégias de segurança e os modelos repressivos que os
"estrategos de segurança do Pentágono receitaram durante
décadas.
Um Estado forte na sua acção coerciva:
institucionalização das medidas de força, pagamento de
recompensas por delação, administração da
justiça pelos militares, criação de zonas especiais sob
controlo castrense, estatuto antiterrorista, legalização do
paramilitarismo, vinculação da população civil
à guerra, etc. Documentos com instruções não
faltam: Doutrina de Segurança Nacional, Documentos de Santa Fé 1
e 2, Estratégia para as Américas, Luta anti-drogas, Documentos de
Santa Fé 3 e 4, Luta contra o Terrorismo, etc.
Todas estas medidas estão dirigidas para decapitar as resistências
ao modelo de dominação imperial sobre a América Latina e
são aplicadas com particular violência pela burguesia colombiana.
Uma das funções que os gringos encomendaram a este governo
fascista e mafioso foi acelerar as medidas neoliberais para colocarem a
economia colombiana de acordo com as exigências da
globalização neoliberal que, na América Latina, se
concretiza através da imposição da zona de livre
comércio, o ALCA.
E assim foi cumprido: entre as empresas bandeira do património nacional
estão a Telecom e a Ecopetrol, as duas altamente rentáveis. E
tal como outras, objecto do apetite voraz do capital transnacional. Desde
1989, os diferentes governos insistiram na sua privatização, mas
tiveram sempre que adiar a sua entrega perante a oposição dos
trabalhadores.
No entanto, o actual governo com a sua "mão forte" (contra os
indefesos) conseguiu privatizar a primeira e está a preparar a oferta da
segunda, e com isso entregar os recursos naturais do país ao capital
privado. E nesses processos a mão assassina dos paramilitares esteve
sempre presente: amedrontando e exterminando a valente resistência dos
trabalhadores. E à metrópole gringa foi buscar, servilmente, as
fórmulas que deve aplicar e o dinheiro para uma guerra que permita aos
EUA criar as condições militares para o seu projecto de
anexação da América Latina.
Não é por acaso que as famosas zonas de
reabilitação ou de controlo militar, que o governo de Uribe Velez
decretou no início do seu mandato, coincidiram com o traçado do
oleoduto Caño Limón-Coveñas
, claro que excluindo as zonas
que tinham sido previamente militarizadas que, com a ajuda do dinheiro que os
EUA tinham destinado à protecção do oleoduto por onde
sugam o petróleo.
Esse oleoduto é estratégico para os interesses energéticos
dos gringos, se tivermos em conta que é ele que, desde as
planícies orientais colombianas, muito perto das jazidas
petrolíferas venezuelanas, transporta o crude até ao Caribe, a um
lugar próximo do local em que se planeia o oleoduto que atravessa a
América Central rumo ao norte.
O papel que os EUA atribuíram à ajoelhada oligarquia colombiana,
representada por Uribe Velez, é o de verdugo do povo Latino-americano, o
de ponta de lança do seu projecto recolonizador de se apropriar dos
recursos energéticos e genéticos da região andina e
amazónica.
A recente edição dos textos de geografia para estudantes do sexto
ano das escolas norte-americanas são eloquentes: mostram a
Amazónia como um protectorado gringo salvo, segundo os textos, das
garras de
"oito países diferentes e estranhos, os quais são na sua
maioria, reinos de violência, tráfico de drogas, ignorância
e de povos sem inteligência, primitivos".
Diferentes são os níveis de resistência que os povos
latino-americanos opõem à voracidade gringa, salientando-se a
chegada à Venezuela de um governo que rompe com a tradicional
submissão às políticas estadunidenses, que reivindica a
sua soberania, exerce a democracia participativa e define uma via de
desenvolvimento económico diferente da ortodoxia neoliberal,
constituindo um enorme obstáculo para os interesses estratégicos
dos EUA na região.
Por isso, como seu dócil instrumento, utilizam o governo colombiano e os
seus paramitares para alimentar a conspiração contra o
legítimo governo venezuelano. Tal como o sanguinário José
Tomás Boves (1782-1814), Uribe Velez coloca os seus sicários ao
serviço do império.
A participação dos sectores do poder colombiano na
conspiração gringa contra o legítimo governo venezuelano
tem antecedentes claros. O imediato reconhecimento, pelo governo colombiano,
do governo golpista de 11 de Abril de 2002 e a protecção que
dão ao seu principal agente são provas, com valor
probatório em juízo, da sua cumplicidade com os conspiradores.
A proposta feita por alguns membros do senado colombiano, encabeçada
pelo filho do sinistro personagem que levou a Colômbia para uma guerra
que lhe custou 300 mil mortos, de pedir à OEA a aplicação
da carta democrática contra a Venezuela, é um facto mais,
demonstrativo do espírito intervencionista da oligarquia colombiana
contra o governo do país irmão.
Esta proposta surgiu de um membro do Congresso que, de acordo com o chefe de
turno da máfia narco-paramilitar, representa cerca de 35% dos seus
interesses. A cumplicidade, consciente e activa, das Forças Armadas
colombianas na paramilitarização da fronteira entre a
Colômbia e a Venezuela complementa o quadro da participação
do reaccionário poder colombiano contra a Venezuela.
Não é necessária muita perspicácia para compreender
as razões da reunião do chefe das Forças Armadas com
empresários e latifundiários venezuelanos na cidade de
Cucutá. A mesma casta que, na Colômbia, gerou tão
assassinas criaturas, coloca-as agora ao serviço dos seus irmãos
de classe.
O
complot
tem mais agentes: os maciços meios de
"informação" que, com mentiras e calúnias,
prestam grandes serviços ao império. Na Colômbia, como na
Venezuela, os detentores do monopólio da comunicação
converteram-se em porta-vozes oficiosos do anti-bolivarianismo.
"O problema contra-insurreccional da Colômbia radica nos
cidadãos que estão envolvidos na guerra" e sugere como
solução a criação de "forças
locais" com "civis que possam assegurar o terreno que o
exército deva abandonar para se concentrar noutras zonas, mobilizando e
organizando o povo para que seja o seu auxiliar na
contra-insurreição".
A obediência a esta política evidencia-se na criação
da milícia rural e na perversa política de instrumentalizar a
precariedade a que se levou esta população, convertendo-a num
negócio de delação. Que vergonha para a Pátria!
Os grupos paramilitares, esquadrões da morte ou grupos de
operações militares encobertas são instrumentos do poder,
desprovido de toda a ética e que, como todas as máfias,
desfazem-se dos seus sicários para não deixar vestígios.
Por isso o projecto paramilitar não só é útil como
é essencial ao poder na Colômbia.
No entanto, a implantação do terror, a
militarização da vida política do país e o
endurecimento da legislação repressiva, como formas de evitar a
expressão do descontentamento popular, não fizeram retroceder, e
muito menos desaparecer, o movimento popular; pelo contrário,
levaram-no a procurar novas e efectivas formas de organização e
acção, entre elas a luta armada, expressão da rebeldia
popular e da vocação do poder das suas organizações.
Tradução de JPG.
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