O paramilitarismo na Colômbia, uma ferramenta do poder e uma fórmula em expansão na América Latina

por Lazaro Girardot

Quadro de Fernando Botero. É necessário que o povo latino-americano conheça o que foram e o que representam os grupos paramilitares na Colômbia, agora que os EUA, as oligarquias nacionais e as forças armadas procuram expandir este método repressivo, para conter as mudanças políticas progressistas que se vivem na América Latina. Demonstração com valor probatório em juízo desses propósitos foi a detenção, há pouco mais de um ano, pelos serviços de segurança da República Bolivariana da Venezuela, de mais de uma centena de paramilitares colombianos, que se preparavam para executar criminosas acções de desestabilização do poder popular, dirigido pelo coronel Hugo Chávez. Ou a reedição do Plano Condor com o assassinato e sequestro de dirigentes populares e de revolucionários em países vizinhos da Colômbia. E as pormenorizadas revelações sobre a conspiração que, nas instalações dos serviços de segurança colombianos, se prepara contra o governo venezuelano, por parte dos sectores reaccionários das duas repúblicas irmãs.

Neste mal chamado diálogo, que na realidade é um monólogo de compadres, o governo da Colômbia mostra a sua face verdadeira e aprova as bases para a inserção na vida institucional dos paramilitares. Entrega-lhes uma ampla zona do país, assegura-lhes a segurança, ignora a justiça, ao garantir que nenhum dos chefes paramilitares será capturado ou processado pelos crimes cometidos contra a população. Trata-se da impunidade total.

O terror foi institucionalizado. O estatuto anti-terrorista e demais leis repressivas permitem que as Forças Armadas do Estado executem, a coberto da lei, as atrocidades que antes realizavam através de mecanismos extra-institucionais. Os paramilitares colombianos, agora legalizados e perdoados, poderão ser exportados, para que reeditem a sua macabra missão contra outros povos da América Latina.

EM FUNÇÃO DE UMA CLASSE

Em função de uma classe, o Estado colombiano, como todos os Estados, não é impessoal. A sua roupagem institucional, jurídica, política e militar foi construída em função dos interesses de classe que representa, a saber, a oligarquia e a narco-oligarquia (no caso colombiano).

Ao longo da sua história foi "administrado" de forma monopolista e exclusiva por uma classe saída politicamente dos partidos liberal e conservador que, por sua vez, são a expressão eleitoral de camadas específicas da população: latifundiários, grandes comerciantes e industriais, financeiros, narcotraficantes, clero e, de uma forma geral, os sectores dominantes.

O papel do Estado foi, e continua a ser, o de desenvolver mecanismos e instrumentos (leia-se acção governativa) que lhe permitam adquirir e preservar privilégios para os sectores que representam ou, dito de outra modo, para garantir a sua dominação de classe.

Um desses mecanismos de governo a que recorreu a oligarquia é o terrorismo de Estado, através da utilização institucional, e extra-institucional, da violência e do terror como método de controlo social. A coluna vertebral desse terrorismo de Estado é, juntamente com a guerra suja, o paramilitarismo.

INSTRUMENTO DE ACUMULAÇÃO

Na Colômbia, o papel destes esquadrões da morte foi além de um "simples" mecanismo de repressão e converteu-se num instrumento de apropriação e conservação da riqueza. É isso que demonstra a relação proporcional entre o número de mortos e a redistribuição (concentração) da terra durante os anos cinquenta, por acção dos chamados "pássaros", ou "limpos", eufemismos então usados para designar os paramilitares.

A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi clara ao assinalar que a Colômbia é o país onde se assassina o maior número de sindicalistas. Sem dúvida, o principal método de "desenvolvimento do capitalismo" na Colômbia foi a violência exercida a partir do poder.

Entre as premissas da Doutrina de Segurança Nacional, três há que sustentam ideologicamente o paramilitarismo colombiano:

1- O conceito de "inimigo interno", no qual se enquadra todo o sujeito político ou social que se oponha ao estado de coisas existente.

2- A ideia de "tirar a água ao peixe", segundo a qual as organizações sociais e populares da população constituem a água em que se move o peixe insurrecto.

3- A mobilização e a vinculação da população para conter a ameaça à "segurança da nação", o que na Colômbia se define como "guerra integral".

A adopção pelo Estado colombiano de todo este ideário explica o extermínio de dirigentes e organizações populares colombianas. Os paramilitares enfrentam a população civil desarmada, não directamente a guerrilha, e, quando se vêem ameaçados por destacamentos de combatentes revolucionários, correm a esconder-se, de forma cobarde, nas instalações militares e policiais.

Um caso de memória colectiva que o povo colombiano não esquecerá é o extermínio físico do movimento político União Patriótica, que demonstra claramente que, neste país, o exercício do direito da oposição política é penalizado legal e extrajudicialmente.

É abundante a legislação através da qual o Estado procurou dar uma base jurídica e legal à existência dos esquadrões da morte. Desde uma lei da república de 1968, até aos regulamentos e manuais de guerra e combate do Exército, que instruem claramente a força pública sobre a criação e controlo destes grupos, e sobre o modo de envolver a população civil na "defesa da nação" ou a "segurança democrática", como lhe chamam as actuais personagens do regime político.

Os actuais esquadrões da morte, que se autodenominam de Autodefesas Unidas da Colômbia, foram criados como parte desta estratégia de Estado, tem a sua origem em princípios dos anos oitenta e são financiados com os florescente dinheiro do narcotráfico.

UMA POLÍTICA REPRESSIVA COM DOIS ROSTOS

Estamos, pois, perante uma política que não é nova, nem estranha ao poder, uma política que foi aplicada pelos diferentes governos como forma de evitar que o controlo da nação lhes saia das mãos: a institucionalização da violência e a criação, simultânea, de formas para-institucionais de repressão, promovidas, organizadas e controladas pelos próprios organismos do Estado.

O actual regime fascista instalado na Casa de Narino procura por todos os meios atribuir um estatuto político aos paramilitares. Uns meses antes de se iniciar esta farsa, chamada diálogo entre os paramilitares e o governo colombiano, numa entrevista concedida à revista Semana, a 14 de Outubro de 2002, um dos executores operacionais da política paramilitar declarava: "Queremos fazer saber ao governo e ao país que se já não consideram útil a nossa presença, nesse caso não seremos um obstáculo."

A mensagem: "se já não consideram útil a nossa presença", permite intuir que o governo os considerou úteis, e quem mais indicado para o dizer que um dos suas principais personagens? Pois estes esquadrões da morte, que alguns tentaram eufemisticamente rebaptizar, foram e são úteis a este e outros governos que, precisamente com esse objectivo, os criaram.

Com razão dizia um jornalista que o número de soldados rurais e camponeses que o governo de Uribe Velez se propôs criar, coincidia com o crescimento numérico dos paramilitares.

AO SERVIÇO DA EXPANSÃO DO IMPÉRIO

A legislação e a política de segurança definida e começada a executar pelo actual governo sintetizam as diferentes estratégias de segurança e os modelos repressivos que os "estrategos de segurança do Pentágono receitaram durante décadas.

Um Estado forte na sua acção coerciva: institucionalização das medidas de força, pagamento de recompensas por delação, administração da justiça pelos militares, criação de zonas especiais sob controlo castrense, estatuto antiterrorista, legalização do paramilitarismo, vinculação da população civil à guerra, etc. Documentos com instruções não faltam: Doutrina de Segurança Nacional, Documentos de Santa Fé 1 e 2, Estratégia para as Américas, Luta anti-drogas, Documentos de Santa Fé 3 e 4, Luta contra o Terrorismo, etc.

Todas estas medidas estão dirigidas para decapitar as resistências ao modelo de dominação imperial sobre a América Latina e são aplicadas com particular violência pela burguesia colombiana.

Uma das funções que os gringos encomendaram a este governo fascista e mafioso foi acelerar as medidas neoliberais para colocarem a economia colombiana de acordo com as exigências da globalização neoliberal que, na América Latina, se concretiza através da imposição da zona de livre comércio, o ALCA.

E assim foi cumprido: entre as empresas bandeira do património nacional estão a Telecom e a Ecopetrol, as duas altamente rentáveis. E tal como outras, objecto do apetite voraz do capital transnacional. Desde 1989, os diferentes governos insistiram na sua privatização, mas tiveram sempre que adiar a sua entrega perante a oposição dos trabalhadores.

No entanto, o actual governo com a sua "mão forte" (contra os indefesos) conseguiu privatizar a primeira e está a preparar a oferta da segunda, e com isso entregar os recursos naturais do país ao capital privado. E nesses processos a mão assassina dos paramilitares esteve sempre presente: amedrontando e exterminando a valente resistência dos trabalhadores. E à metrópole gringa foi buscar, servilmente, as fórmulas que deve aplicar e o dinheiro para uma guerra que permita aos EUA criar as condições militares para o seu projecto de anexação da América Latina.

Não é por acaso que as famosas zonas de reabilitação ou de controlo militar, que o governo de Uribe Velez decretou no início do seu mandato, coincidiram com o traçado do oleoduto Caño Limón-Coveñas , claro que excluindo as zonas que tinham sido previamente militarizadas que, com a ajuda do dinheiro que os EUA tinham destinado à protecção do oleoduto por onde sugam o petróleo.

Esse oleoduto é estratégico para os interesses energéticos dos gringos, se tivermos em conta que é ele que, desde as planícies orientais colombianas, muito perto das jazidas petrolíferas venezuelanas, transporta o crude até ao Caribe, a um lugar próximo do local em que se planeia o oleoduto que atravessa a América Central rumo ao norte.

O papel que os EUA atribuíram à ajoelhada oligarquia colombiana, representada por Uribe Velez, é o de verdugo do povo Latino-americano, o de ponta de lança do seu projecto recolonizador de se apropriar dos recursos energéticos e genéticos da região andina e amazónica.

A recente edição dos textos de geografia para estudantes do sexto ano das escolas norte-americanas são eloquentes: mostram a Amazónia como um protectorado gringo salvo, segundo os textos, das garras de "oito países diferentes e estranhos, os quais são na sua maioria, reinos de violência, tráfico de drogas, ignorância e de povos sem inteligência, primitivos".

Diferentes são os níveis de resistência que os povos latino-americanos opõem à voracidade gringa, salientando-se a chegada à Venezuela de um governo que rompe com a tradicional submissão às políticas estadunidenses, que reivindica a sua soberania, exerce a democracia participativa e define uma via de desenvolvimento económico diferente da ortodoxia neoliberal, constituindo um enorme obstáculo para os interesses estratégicos dos EUA na região.

Por isso, como seu dócil instrumento, utilizam o governo colombiano e os seus paramitares para alimentar a conspiração contra o legítimo governo venezuelano. Tal como o sanguinário José Tomás Boves (1782-1814), Uribe Velez coloca os seus sicários ao serviço do império.

A participação dos sectores do poder colombiano na conspiração gringa contra o legítimo governo venezuelano tem antecedentes claros. O imediato reconhecimento, pelo governo colombiano, do governo golpista de 11 de Abril de 2002 e a protecção que dão ao seu principal agente são provas, com valor probatório em juízo, da sua cumplicidade com os conspiradores.

A proposta feita por alguns membros do senado colombiano, encabeçada pelo filho do sinistro personagem que levou a Colômbia para uma guerra que lhe custou 300 mil mortos, de pedir à OEA a aplicação da carta democrática contra a Venezuela, é um facto mais, demonstrativo do espírito intervencionista da oligarquia colombiana contra o governo do país irmão.

Esta proposta surgiu de um membro do Congresso que, de acordo com o chefe de turno da máfia narco-paramilitar, representa cerca de 35% dos seus interesses. A cumplicidade, consciente e activa, das Forças Armadas colombianas na paramilitarização da fronteira entre a Colômbia e a Venezuela complementa o quadro da participação do reaccionário poder colombiano contra a Venezuela.

Não é necessária muita perspicácia para compreender as razões da reunião do chefe das Forças Armadas com empresários e latifundiários venezuelanos na cidade de Cucutá. A mesma casta que, na Colômbia, gerou tão assassinas criaturas, coloca-as agora ao serviço dos seus irmãos de classe.

O complot tem mais agentes: os maciços meios de "informação" que, com mentiras e calúnias, prestam grandes serviços ao império. Na Colômbia, como na Venezuela, os detentores do monopólio da comunicação converteram-se em porta-vozes oficiosos do anti-bolivarianismo.

"O problema contra-insurreccional da Colômbia radica nos cidadãos que estão envolvidos na guerra" e sugere como solução a criação de "forças locais" com "civis que possam assegurar o terreno que o exército deva abandonar para se concentrar noutras zonas, mobilizando e organizando o povo para que seja o seu auxiliar na contra-insurreição".

A obediência a esta política evidencia-se na criação da milícia rural e na perversa política de instrumentalizar a precariedade a que se levou esta população, convertendo-a num negócio de delação. Que vergonha para a Pátria!

Os grupos paramilitares, esquadrões da morte ou grupos de operações militares encobertas são instrumentos do poder, desprovido de toda a ética e que, como todas as máfias, desfazem-se dos seus sicários para não deixar vestígios. Por isso o projecto paramilitar não só é útil como é essencial ao poder na Colômbia.

No entanto, a implantação do terror, a militarização da vida política do país e o endurecimento da legislação repressiva, como formas de evitar a expressão do descontentamento popular, não fizeram retroceder, e muito menos desaparecer, o movimento popular; pelo contrário, levaram-no a procurar novas e efectivas formas de organização e acção, entre elas a luta armada, expressão da rebeldia popular e da vocação do poder das suas organizações.

Tradução de JPG.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

06/Jan/06