Retrato de uma mulher da elite

por José Sant Roz

A nova apoiante de Uribe. Esta é uma mulher que, neste sistema capitalista, costumamos chamar "com sorte". Filha de oligarcas, inteligente, ambiciosa, desperta e ágil, atraente pela sua vivacidade, prendada, mas que pela sua natureza chegou a um ponto em que se cansou horrivelmente de si mesma, de tudo o que uma vida comum lhe oferecia pela frente. Sua mãe, Yolanda Pulencio, foi uma ex rainha de beleza que chegou a ser miss Colômbia. Seu pai, Gabriel, foi ministro da Educação do governo do ditador Gustavo Rojas Pinilla (1953-1957). Matriculou-se em ciências políticas no Instituto de Estudos Políticos de Paris e, nos anos 80, casou-se com um dos seus colegas de curso, o diplomata francês Fabrice Delloye, pai dos seus dois filhos, Melanie e Lorenzo (dos quais nunca se ocupou). Como é típico de oligarcas, como Mario Vargas Llosa, adquiriu a nacionalidade francesa. E nos seus tempos de ócio e de grande aborrecimento dedicou-se a brincar na política colombiana. Quando lhe chegavam notícias, todos os dias, de que saltavam pelos ares, despedaçados, corpos de políticos conhecidos, ela se angustiava por não estar no centro desses cenários. Tudo o que houvesse desejado teria conseguido. Inclusive a Presidência da República não lhe parecia suficiente para a sua necessidade de reafirmação suprema: queria um reconhecimento global, claro e absoluto. Ela ansiava algo mais contundente, algo mais definitivo e que deixasse uma marca de dor intensa, de pena e de glória, ao mesmo tempo.

Após o atentado de 1989 contra o candidato presidencial liberal Luis Carlos Galán (muito amigo da sua mãe), começou a trabalhar como assessora no Ministério da Fazenda. Desgostosa e aborrecida, decidiu candidatar-se à Câmara de Representantes por Bogotá nas eleições de 1994. Em 1996, já convertida numa congressista, começou a sentir os prenúncios daquilo que mais ansiava: recebeu uma ameaça de morte e de sequestro, e preparou-se para a sua nova grande aventura. A primeira coisa que fez foi enviar os seus dois filhos para a Nova Zelândia, onde residia o seu ex-marido. Em 1988, eleita senadora, radicaliza a sua posição, organizando seu movimento político "Oxigeno". Ela queria ir muito mais longe que a sua mãe e ser a rainha dos grupos em armas. Iniciou então ataques muito bem estudados contra as FARC e contra os paramilitares, ao mesmo tempo que concertava reuniões com dirigentes de ambos os grupos. Ou seja, queimava-se pelas duas pontas. Viveu anos tormentosos, porque apesar das suas decididas e "valentes" declarações, nem a matavam nem a sequestravam. Parece que há uma forte superstição entre os grupos de sicários e assassinos na Colômbia de que matar mulheres traz má sorte. Com a típica posição dos "filhos do papá" que vemos hoje nos partidos da oposição na Venezuela (como "Primero Justicia") ela, juntamente com outros deputados, organizaram um grupo que se auto denominou "Os três mosqueteiros". Diziam ser os políticos de relevo, os de uma nova geração. Quando viu que já não tinha possibilidade de ser a Presidente dos colombianos, porque conseguiu apenas uns 53 mil votos (0,46%) dos 11 milhões de votos válidos, viu claríssimo: "quero apartar-me de tudo, não quero ver ninguém, desejo auto excluir-me. No caminho que levo jamais deixarei de ser o que sou, uma pária política. Odeio o silêncio, o horror ao vazio que significa a não presença do meu ser de maneira decidida e abaladora no mundo".

É totalmente falso que queira os seus filhos, quase nunca os via. Também tinha muito claro: qualquer coisa menos ser mãe, dedicar-se ao seu lar asfixiava-a e diminuía-a. E teve razão, por esse caminho jamais teria sido o que é hoje, pois até o Papa a recebe... Nunca cuidou deles, nunca lhes trocou uma fralda, nunca lhes deu um biberão. Não tinha tempo para isso nem queria.

O resto da história já em bem conhecido em toda a orbe. "Na noite de 22 de Fevereiro de 2002 ela chamou pelo seu telemóvel Néstor León Ramírez, alcaide por "Oxigeno" em San Vicente del Caguán, no departamento do Caquetá e bastião das FARC.

"Ela me disse que estava comigo nas boas e nas más horas e que ia San Vicente dar-me apoio", conta Ramírez.

"Disse-lhe que havia problemas no caminho, porque a guerrilha está a fustigar, mas ela era categórica e disse-me que a esperasse e que ia".

Betancourt junto com a sua companheira candidata à vice-presidencia, Clara Rojas, chegou a Florencia, a capital do Caquetá, e deslocou-se numa camioneta rumo a San Vicente cerca do meio dia de 23 de Fevereiro de 2002. Ali foram sequestradas. Sua companheira foi libertada seis anos depois.

Agora, quando a vemos tão fresca e tão doce, tão alegre e cheia de vida, como se compatibiliza isto com aquelas expressões das suas cartas comovedoras à sua mãe: "Não tenho vontade de nada porque aqui nesta selva a única resposta a tudo é que a vida aqui não é vida, é um desperdício lúgubre de tempo, não voltei a comer, o meu apetite acabou, o meu cabelo cai em grandes quantidades". Encenava. Equivocou-se na sua verdadeira vocação: a de actriz de telenovelas.

04/Julho/2008

O original encontra-se em http://www.resumenlatinoamericano.org , nº 1071

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
06/Jul/08