A nova Grande Depressão e a Índia
Ao longo dos últimos seis meses uma nova Grande Depressão
envolveu todo o mundo. Os círculos dirigentes mundiais e os media
internacionais têm estado a propalar que esta Depressão é o
resultado de uma mera crise financeira, provocada pela concessão
irresponsável dos bancos de empréstimos a pessoas pobres nos EUA.
Em consequência, eles começaram por afirmar que dentro de seis
meses a um ano começaria a recuperação, graças a
salvamentos governamentais e pacotes de estímulo de dimensão sem
precedentes.
Contudo, a crise avançou tão rapidamente que em poucas semanas
estas afirmações se desgastaram. O discurso sobre uma ruptura
sistémica entrou agora na linguagem do próprio establishment
dominante. Mesmo quando um George Bush na defensiva asseverava na cimeira do
G-20 que "A crise não foi um fracasso do sistema de mercado
livre", os seus homólogos francês e alemão foram
ácidos nas suas réplicas. O ministro das Finanças da
Alemanha declarou ao parlamento alemão: "O mundo nunca mais
será como foi antes da crise. Os Estados Unidos perderão o seu
estatuto de super potência no sistema financeiro mundial". "O
que estamos a ver agora", disse Raghuram Rajan, antigo economista chefe do
FMI, "é capitalismo em crise... mau não vejo um fim para o
capitalismo".
[1]
Explicações inadequadas
Os media têm avançado várias explicações para
a crise, sobretudo banais. Os jornais contam-nos que a crise foi o resultado de
um excesso de "cobiça". Mas a cobiça dificilmente
é um fenómeno novo. Na verdade, a teoria económica
ortodoxa baseia-se na suposição de que todo indivíduo
é ilimitadamente cobiçoso e de que a busca da cobiça
individual traz crescimento geral e maior bem-estar.
Outra explicação amplamente circulada, e igualmente
frívola, culpa as autoridades dos EUA por deixarem de salvar o banco
gigante de investimentos Lehman Brothers em Setembro de 2008. A bancarrota do
Lehman Brothers, afirma-se, apanhou os mercados de crédito e a crise
ficou fora de controle. Agora esta explicação é ouvida
menos frequentemente, pois verificou-se que virtualmente todo o sector
financeiro dos EUA estava realmente insolvente e exigia salvamento.
Dois outras explicações ofereciam alguma verdade, mas incompleta.
Primeiro, que o banco central do EUA, o Federal Reserve, manteve taxas de juros
anormalmente baixas por um longo tempo, encorajando uma explosão de
dívida e um boom insustentável naquela base. Segundo, que o
Federal Reserve e outras autoridades financeiras nos EUA, sob o encanto da
ideologia neoliberal, falharam em regular adequadamente o sector financeiro e
piscou os olhos para o que equivalia a esquemas de pirâmide financeira.
Estas explicações provocaram duas perguntas: Por que as
extremamente bem informadas autoridades do mais refinado sistema financeiro do
mundo promoveram uma tal bolha na economia? E como foram capazes de fazer isso?
Crise sistémica
A verdade é que isto não é simplesmente uma crise
financeira mas sim, mais fundamentalmente, uma crise do próprio sistema
capitalista. Para além de todos os complicados exercícios e
termos financeiros que cobrem a superfície desta crise, no centro da
mesma estão contradições que são inerentes ao
processo de acumulação capitalista. O crescimento inchado do
sector financeiro é de facto uma tentativa do capitalismo de adiar o
efeito destas contradições, considerando que o crash financeiro
é a reafirmação da sua centralidade.
No centro da crise também está a contradição entre
o imperialismo estado-unidense e o
povo
do Terceiro Mundo. Isto é exemplificado pelo facto de que o consumo dos
EUA, incluindo a sua gargantuesca despesa militar, está a ser financiado
a partir das poupanças da China, de outros países do Extremo
Oriente e dos produtores de petróleo do Golfo. Embora o imperialismo dos
EUA ainda seja dominante à escala mundial, a sua dominação
económica tem há muito estado em declínio, tendendo a
tornar esta extracção parasítica cada vez mais
insustentável. (Insurgências tenazes em países sob a
ocupação militar dos EUA tem desempenhado um papel significativo
no enfraquecimento ulterior da hegemonia estado-unidense, impedindo-o de
atingir os seus objectivos económicos estratégicos,
forçando-o a aumentar a sua despesa militar no estrangeiro e
aprofundando a sua dependência dos influxos estrangeiros.) O
desvanecimento do poder económico e político dos EUA
também está subjacente à crise actual.
Contudo, o padrão de comércio nos últimos anos
(défices comerciais gigantescos dos EUA, excedentes comerciais gigantes
de certos países do Terceiro Mundo) e o padrão perverso dos
fluxos financeiros (dos países pobres para os ricos) não foi
produzido pela elite dos EUA só por si mesma, mas sim com a ajuda das
elites do Terceiro Mundo; e as últimas também floresceram de
forma sem precedentes desde então. Estes padrões representam, num
sentido, uma amálgama entre as elites de diferentes mundos contra os
seus povos, os quais são os perdedores em todo o esquema.
A finalidade da produção sob o capitalismo é acumular
capital
Evidentemente, houve poderosas forças sociais a conduzirem os
desenvolvimento que resultaram no boom e no colapso. A nossa pesquisa para uma
explicação deve estender-se à natureza destas
forças.
Antes de tratar da crise financeira, é importante enfatizar um facto
centro acerca do capitalismo: Os capitalistas são
obrigados
a
acumular
cada vez mais riqueza. Contudo, a fonte da riqueza da classe capitalista
é a expropriação do valor excedente do trabalho no
decorrer da produção. Devido à sua
exploração pelos capitalistas, o consumo dos trabalhadores
é restringido. Assim, construída dentro do capitalismo há
uma contradição entre, por um lado, a pobreza e o consumo
restrito dos trabalhadores e, por outro, a tendência dos capitalistas a
manter-se a expandir as forças produtivas como se o seu único
limite fosse o poder absoluto de toda a sociedade para consumir. Esta
contradição provoca crises repetidas de
superprodução sob o capitalismo.
Para o capitalista, a finalidade da produção não é
criar valores de uso e sim acumular riqueza. Assim, uma vez que os lucros
começam a declinar devido à procura inadequada, o capitalista
corta no investimento e começa a restringir em trabalhadores. Uma
desaceleração geral de lucros ocorre inevitavelmente em algum
ponto quando o crescimento da capacidade produtiva da sociedade ultrapassa a
procura. Numa tal conjuntura todos os capitalistas retraem-se ao mesmo tempo;
as suas retracções levam mais uma vez a procura reduzida; isto
reduz os lucros outra vez e então dispara novas reduções
numa espiral em declínio de emprego, procura e investimento. A
busca pelo capitalista individual do seu lucro individual desse modo conduz
finalmente à supressão da produção social.
Na era do capitalismo competitivo, uma vez que os excessos de stocks haviam
sido depreciados e bastante valor destruído, os capitalistas em algum
ponto descobririam que era possível fazer alguns lucros investindo outra
vez, e todo o ciclo recomeçaria. Mas cada crise tornava claro que a
propriedade da classe capitalista dos meios de produção se
tornara uma barreira para o ulterior desenvolvimento das forças
produtivas. A natureza da produção era cada vez mais social; os
novos avanços das forças produtivas seriam possíveis
apenas sob a propriedade social dos próprios meios de
produção. Só então a produção seria
libertada das exigências da acumulação privada de riqueza e
seria, ao invés, destinada a cumprir, através da
criação planeada de valores de uso, as necessidades da sociedade
presente e futura.
A era do capital monopolista
A contradição básica do capitalista é intensificada
na sua etapa actual, ou seja, a do capitalismo monopolista, ou imperialismo, o
qual emergiu no fim do século XIX. A indústria na principais
economias do mundo era agora dominada por um pequeno número de
corporações gigantes controlando um excedente crescente. O
problema para estas firmas era encontrar meios para investir este capital com
um retorno atraente. Periodicamente, sem dúvida, novos estímulos
ao investimento ocorriam (e continuam a ocorrer, como por exemplo o
desenvolvimento da internet na década de 1990). Mas uma vez que uma onda
de investimento satisfazia a procura que lhe dera origem, o investimento
enfraquecia e a estagnação manifestava-se. A tendência a
longo prazo era rumo à estagnação. A super-capacidade e as
dívidas adquiridas durante o período do boom continuavam a
deprimir o investimento, daí a resistência do capital monopolista
a aceitar taxas de retorno mais baixas sobre o seu capital. A lógica
interna do próprio sistema não gerava forças para
revivê-lo. Isto foi ilustrado da forma mais gritante na Grande
Depressão, a qual perdurou por mais de uma década apesar do
desemprego generalizado, da queda nos salários e da
destruição de valor.
Na década de 1930, mesmo quando o mundo capitalista jazia nas
profundidades da Grande Depressão, a União Soviética
experimentava um crescimento industrial rápido. O povo nos países
capitalistas começava a perguntar porque o investimento do investimento
social nos seus próprios países era determinado pelos interesses
estreitos de especuladores financeiros e barões industriais, ao
invés de sê-lo por um plano social, quando este podia empregar
toda a força de trabalho e aumentar a produção. Esta ideia
colocava um desafio político ao sistema capitalista. A Depressão
assistiu à ascensão de movimentos progressistas no mundo todo
para derrubar a ordem existente e substituí-la por uma ordem alternativa.
Entre os países imperialistas, os EUA fracassaram em efectuar uma
recuperação real com o seu muito trombeteado mas realmente
limitado New Deal. Foi o capital monopolista alemão que teve êxito
em efectuar uma plena recuperação da economia alemã e o
pleno emprego da sua força de trabalho, recorrendo ao fascismo e
à guerra. A Segunda Guerra Mundial teve êxito em resolver o
problema do desemprego e da subutilização da capacidade produtiva
em todos os países imperialista durante algum tempo, pela
mobilização de toda a capacidade industrial e da força de
trabalho para a guerra, matando dezenas de milhões de pessoas,
destruindo capacidade produtiva e criando procura para reconstruir toda
espécie de activos físicos. Excepto por tais horrores, o
capitalismo não descobriu solução dentro de si
próprio para as suas crises subjacentes.
Recurso a diferentes meios de ultrapassar crises
Com o fim da Guerra, o excesso de capacidade reapareceu, assim como temores de
recessão. Além disso, o imperialismo estado-unidense sentia-se
ameaçado pela alta consideração mundial para com o papel
da União Soviética na Guerra, bem como pela aumento no apoio a
partidos comunistas na Europa. Contra este pano de fundo, os EUA ressuscitaram
políticas New Deal internamente e implementaram o Plano Marshall para
reconstruir a Europa em linhas capitalistas.
Num sentido, contudo, a paz nunca retornou: bem após a II Guerra
Mundial, as despesas militares continuaram a promover a procura
estado-unidense, com guerras regionais na Coreia, Vietname e alhures, bem como
a Guerra Fria. Outras formas de despesa governamental também cresceram.
Além disso, a promoção agressiva da indústria
automobilística e o consumismo desenfreado sustentaram a procura durante
um tempo considerável (o exército crescente no marketing e no
retalho somava-se a isto). Mas finalmente, desde a década de 70, o bloco
de economias imperialistas liderado pelos EUA voltou-se cada vez mais para a
expansão do sector financeiro como meio de estimular a economia.
[2]
O sector financeiro assim fez ao expandir toda a espécie de
dívida e especulação. A dívida familiar com casas,
carros e bens de consumo duráveis estimulava o consumo em massa. A
dívida do sector financeiro aumentava os fluxos de finanças para
vários mercados especulativos, elevava os preços das
acções e do imobiliário e portanto estimulava a actividade
da construção bem como os gastos do consumidor para aqueles cujas
acções ou casas se haviam valorizado.
O próprio sector financeiro criava emprego para um conjunto
apreciável de parasitas de altas remunerações. E a
dívida do governo financiava as inchadas despesas militares do
imperialismo estado-unidense, desde o Vietname até o Afeganistão.
Como o dólar continuava a ser a principal divisa internacional, outros
países estiveram desejosos de emprestar aos EUA e isto sustentou o
crescimento da sua dívida nacional. Contudo, mesmo os altos gastos do
consumidor estado-unidense não podiam impedir a economia dos EUA de
experimentar um arrefecimento constante e a longo prazo, de taxas de
crescimento de 4,1 por cento na década de 1950 para 2,6 por cento na de
2000.
[3]
Nem tão pouco tal financiarização desenfreada podia
impedir um arrefecimento semelhante a longo prazo em todas as outras economias
imperialistas.
O processo de financiarização, exploração do
trabalho e parasitismo
Enquanto a desaceleração a longo prazo do crescimento do PIB
persistiu, as principais economias capitalistas tiveram êxito em provocar
uma outra espécie de mudança de rumo. Após a
recessão de meados da década de 1970, o capital nos EUA e na
Grã-Bretanha abraçou uma política de agressiva de abuso do
trabalho, na qual o esmagamento da greve dos controladores de tráfego
aéreo nos EUA (1981) e da greve dos mineiros no Reino Unido (1984.85)
foram marcos importantes. O processo de financiarização, e a
liberdade do capital para movimentar-se através de fronteiras, mais uma
vez fortaleceu as mãos do Capital contra o Trabalho. Estes
desenvolvimentos levaram a um aumento na fatia dos lucros e ao declínio
na fatia do rendimento do trabalho desde os princípios da década
de 1980 até à data.
[4]
Esta mudança, contudo, acabaria por agravar o problema subjacente da
procura.
Enquanto o sector financeiro tem sido capaz de sustentar alguma espécie
de crescimento nas economias imperialistas, ele não pode por si
próprio criar qualquer valor. O valor é criado na
produção. O sector financeiro cria e comercia direitos sobre
aquele valor. Em contraste, numa economia socialista a maior parte do sector
financeiro desaparece sem qualquer dano para a produção e o
consumo. Portanto o crescimento inchado do sector financeiro, e a sua
apropriação de uma fatia ainda maior do valor criado na
produção, representa o parasitismo final.
Com a explosão das finanças, a estrutura anterior do capitalismo
monopolista experimentou uma mudança. Quando as
corporações tornaram-se cada vez mais sujeitas à
ameaça de tomadas de controle por parte de empresários
financeiros, elas passaram a ser vistas cada vez mais como fardos de activos
para a compra e venda especulativa como nas florescentes
"fusões e aquisições", incluindo "compras
alavancadas"
("leveraged buy-outs)
de empresários financeiros. Dentro do capitalismo, o sector das
actividades financeiras tornou-se dominante.
Contudo, mesmo quando a financiarização sustentava o crescimento
nas economias imperialistas ela arruinava o resto do mundo. Em períodos
de expansão das economias imperialistas, fluxos voláteis de
capital especulativo inundava países do Terceiro Mundo; em
períodos de baixa, o capital retornava aos abrigos imperialistas
seguros, acima de tudo os EUA. No seu caminho de entrada, estes fluxos levavam
ao crescimento rápido nos preços das acções e do
imobiliário e a um crescimento distorcido e insustentável baseado
no consumo da elite destes países do Terceiro Mundo. No seu caminho de
saída, levavam ao colapso de preços de activos, ao esmagamento do
crédito, retracção e queda do valor da divisa. A tal ponto
que estes países são capazes de obter empréstimos
só na condição de subjugarem mais da sua economia ao
capital estrangeiro (ex.: privatizar activos tais como petróleo ou
telecomunicações, ou remover restrições a
investimentos estrangeiros no sector bancário). Grande parte do Terceiro
Mundo experimentou tais devastações do capital especulativo
internacional. Quanto maior a "globalização" destas
economias, maior a sua vulnerabilidade a tal devastação.
Desde meados da década de 1990 os EUA testemunharam dois grandes booms.
O primeiro, conhecido como "boom dotcom", foi alimentado pela
crença de que a "Nova Economia" (a
computorização generalizada de várias
funções de negócios e a revolução nas
comunicações, incluindo a Internet) resultaria em maior
produtividade e numa histórica expansão sustentada. O
investimento real (isto é, em activos físicos) atingiu o auge,
mas mesmo isto foi concentrado no sector financeiro. Os preços das
acções ascenderam a alturas absurdas. A bolha explodiu em 2000 e
a recessão começou em 2001. Contudo, o imperialismo
estado-unidense evadiu-se da recessão nuns poucos meses ao reduzir as
suas taxas de juros internas aos níveis mais baixos, empurrando
deliberadamente a expansão de empréstimos bancários para
habitação e expandindo os gastos militares do governo. O boom
dotcom, até então a maior bolha financeira da história,
foi substituído e ultrapassado de longo pela bolha habitacional. O total
da dívida contratada por entidades dos EUA quase duplicou durante o
boom; ela ascendeu a 2, 68 vezes o PIB em 2000, a 3,46 vezes o PIB em 2007.
[5]
Disse em 2003 Stephen Roach, economista chefe do Morgan Stanley: "O Fed
(bancos central dos EUA) tornou-se, com efeito, um soprador de bolhas em
série".
[6]
A enorme maré de liquidez que jorrava da economia americana no
período pós 2001 teve o efeito imediato de elevar a taxa de
crescimento da própria economia mundial. Ao aumentar a procura nos EUA,
ela aumentou as compras estado-unidenses de bens importados do resto do mundo.
Mais uma vez, com acesso fácil a fundos, investidores ricos nos
países imperialistas procuraram altos retornos no Terceiro Mundo. As
entradas de tais fundos nos mercados de acções e nos mercados
imobiliários do Terceiro Mundo levaram a taxas de crescimento
relativamente altas em muitos países do Terceiro Mundo, incluindo a
Índia. A evaporação destes fundos agora está a
levar ao mergulho súbito destas mesmas economias e esvaziou as inchadas
jactâncias de governantes da Índia e de outros países de
que as suas economias haviam-se tornado potências mundiais.
Após o colapso do boom das dotcom, a indústria nos países
imperialistas ficou com considerável capacidade inutilizada e permaneceu
arredia a empreender novos investimentos. Assim, apesar do crescimento
relativamente alto da economia durante a bolha habitacional, a indústria
nas economias imperialistas preferiu canalizar os seus lucros para o sector
financeiro ao invés da criação de activos físicos.
(Portanto, mesmo dois anos após os EUA serem considerados ter
saído da recessão de 2001, os empregos recusavam-se a crescer da
maneira que o fazem durante uma recuperação.) No Extremo Oriente,
a indústria, tendo sofrido o crash de 1997-98, recusou-se a investir.
Portanto a economia mundial sofria baixo investimento por um lado e consumo
desenfreado da economia dos EUA por outro.
Crise
A contradição entre a expansão do sector financeiro e a
estagnação do sector produtivo subjacente encontrou finalmente
expressão no colapso recente. O disparador específico para o
recente colapso financeiro foi uma "inovação" deste nos
EUA chamada "titularização"
("securitisation").
Um banco reuniria maços de empréstimos que havia feito e vendia
estes maços a investidores. Isto é, o investidor possuiria um
pedaço de papel conferindo-lhe uma fatia dos rendimentos que viriam para
o banco de um grupo particular de tomadores de empréstimo. Com este
método, os bancos recuperariam deste mercado de investidores a quantia
que haviam concedido como empréstimos habitacionais a outros, bem como
gordas comissões, e neste processo seria livre para expandir mais uma
vez a concessão de empréstimos. Estes títulos de papel
ofereciam aos investidores retornos mais altos do que outros lugares nos quais
eles pudessem investir o seu dinheiro. Mas eles foram apenas o ponto de partida
para um enorme edifício de dívida e especulação.
Vários outros títulos foram concebidos e emitidos por diferentes
instituições financeiras baseados no agrupamento conjunto de
rendimentos dos títulos originais; e novas apostas especulativas
centradas sobre o risco de incumprimento de vários grupos de tomadores
de empréstimos. Aqueles que compraram todos estes títulos tomaram
emprestadas enormes somas para poder fazê-lo. As finanças
ascenderam e assim o fez a economia baseada sobre isto. De acordo com algumas
estimativas, nos EUA, aproximadamente 80 por cento do aumento no emprego e
quase dois terços do aumento do PIB nos anos anteriores à crise
derivou directa ou indirectamente do sector imobiliário.
[7]
Desde a década de 1980, por outro lado, os salários nos EUA
(assim como no mundo todo) foram reprimidos por políticas neoliberais,
mesmo quando um elite minúscula acumulava riqueza sem paralelo. Esta
repressão salarial teria minado o consumo e levado a uma
depressão muito mais cedo se o consumo em massa não houvesse sido
sustido pela expansão colossal da dívida habitacional. À
medida que a expansão avançava, os bancos davam
empréstimos para segmentos cada vez mais pobres (o
"sub-prime"). Entretanto, toda aquela dívida em última
análise tinha de ser servida a partir de rendimento e a
estagnação nos rendimentos dos trabalhadores significava que eles
não podiam sustentar o serviço da dívida. Isto levou a uma
elevação da taxa de incumprimentos nos empréstimos
habitacionais. Por sua vez, o edifício gigante das finanças e da
especulação baseado naquela dívida estraçalhou-se.
Ou seja, a contradição subjacente do capitalismo reafirmou-se.
Exportação de poupanças do Terceiro Mundo para os EUA
No cerne da crise actual está igualmente a relação entre o
imperialismo, particularmente o americano, e o Terceiro Mundo. Um aspecto
importante desta relação nos últimos anos é o
grande influxo de capital de países do Terceiro Mundo China,
outras economias do Extremo Oriente e os exportadores de petróleo do
Golfo os quais sustentaram a expansão estado-unidense. Estes
países acumularam grandes excedentes comerciais; os seus bancos
centrais investem estes excedentes nos EUA, principalmente nos instrumentos de
dívida do seu governo. Estes fluxos cobrem o gigantesco défice de
transacções correntes dos EUA (isto é, o défice em
que os EUA incorrem no comércio de bens e serviços). Estes fluxos
de capital para os EUA não financiam apenas o seu défice de
transacções correntes; eles são tão grandes que
financiam mesmo o investimento gigante dos EUA no exterior.
[8]
E enquanto o investimento estrangeiro nos EUA nos títulos de divida do
governo tem baixo retorno, o investimento dos EUA no estrangeiro rende altos
retornos. Consequentemente, os EUA, apesar de serem um enorme devedor
líquido, ganham mais com os seus investimentos no estrangeiro do que
pagam aos outros pelos seus investimentos nos EUA. Nas palavras de Kenneth
Rogoff, antigo economista chefe do FMI, "Este enorme subsídio aos
contribuintes americanos é, sob muitos aspectos, o maior programa de
ajuda estrangeira do mundo".
[9]
(Parte do investimento estado-unidense no exterior está, naturalmente,
aplicado no Terceiro Mundo. Bancos centrais do Terceiro Mundo, como o RBI da
Índia, têm sido obrigado, por sua vez, a investir algo deste fluxo
de rendimentos em dívida do governo dos EUA uma hemorragia
múltipla.
Por que então países como a China, outros países do
Extremo Oriente e os exportadores de petróleo do Golfo compram
dívida do governo dos EUA? Isto deve ser visto no contexto da
dominação global dos EUA (um importante elemento da qual é
a sua supremacia militar esmagadora). Nesta base os EUA asseguraram o reinado
contínuo do dólar como a principal divisa internacional e
portanto asseguraram que constitua o grosso das reservas de câmbio
estrangeiras dos bancos centrais. Os EUA também têm utilizado a
sua influência como o maior importador do mundo para impor
condições aos maiores exportadores do mundo.
Ao mesmo tempo, o actual padrão de comércio e de fluxos
financeiros também beneficia as elites de certos países do
Terceiro Mundo. O florescimento das exportações (na base da dura
exploração de trabalhadores) rende-lhes lucros ricos. Além
disso, o fluxo de fundos internacional ajuda-os de diversos modos. O capital
estrangeiro ao fluir para dentro de países do Terceiro Mundo promove a
procura do consumidor das classes altas e os lucros corporativos; e num clima
de fundos fáceis e baratos, os investidores globais estão
desejosos de financiar os sonhos globais de grandes capitalistas do Terceiro
Mundo, como os Tatas e Ambanis. Mesmo quando o facto da
exploração imperialista é tão rematado como nunca,
os seus contornos e padrões estão a mudar.
As poupanças que certos países do Terceiro Mundo estão a
exportar para os EUA são tornadas possíveis pela supressão
do consumo do seu próprio povo trabalhador (isto é, pagando
salários baixos aos trabalhadores, tributando e pagando pouco aos
camponeses). O mais gritante exemplo deste padrão é o da China, a
qual espantosamente poupa deste modo metade do rendimento nacional. São
tão altas as poupanças da China que apesar de ter a mais elevadas
taxa de investimento do mundo elas dispõe de poupanças excedentes
para exportar. No caso de outros países em desenvolvimento, as
poupanças excedentes que estão a ser exportadas não
são o resultado do aumento das poupanças e sim da queda do
investimento interno sob o domínio de políticas económicas
neoliberais. Na verdade, "há uma escassez global de investimento,
com o investimento tendendo a declinar"
[10]
mesmo durante o período anterior de alto crescimento. Portanto a
relação no centro da economia mundial é de parasitismo.
O imperialismo estado-unidense no declínio
Contudo, o imperialismo estado-unidense já ultrapassou o seu apogeu. A
sua última grande aposta foi sustentar o seu poder económico em
declínio pelo exercício do seu esmagador poder militar. O seu
objectivo foi não só a simples pilhagem da riqueza
petrolífera como também o controle deste recursos
estratégico, e a reafirmação da hegemonia do dólar
sobre a qual repousa o seu destino. Este exercício, planeado para ser
ágil e cirúrgico, ficou atolado numa inesperadamente forte e
tenaz resistência nacional nos países ocupados, fazendo com que os
EUA tenham de pagar uma factura militar cada vez maior.
Agora os EUA foram forçados a recentrar as suas energias
políticas inteiramente no resgate da sua economia naufragada, pelo que
necessita manter entradas contínuas de capital. Mesmo preservando a
grande fachada de liderança global, os EUA são forçados a
pedir a cooperação de outras potências em várias
esferas (a primeira viagem ao estrangeiro da secretária de Estado foi
à China, para pedir-lhe que continue a investir na dívida do
governo americano; ali ela teve de colocar tema de estimação dos
EUA em relação à China, os "direitos humanos",
em banho-maria). Os vários organismos económicos internacional
dominados pelos EUA FMI, Banco Mundial e Organização
Mundial de Comércio estão a cambalear sob o impacto da
crise actual e não estão em condições de assumir o
comando. Os fundos do FMI e do Banco Mundial são insignificantes em
comparação com a escala dos empréstimos requeridos. Quando
diferentes países correm para escorar as suas economias internas contra
a tempestade internacional, a agenda de "globalização"
da OMC foi posta de lado. Ainda mais importante: o reinado do dólar como
a principal divisa internacional, o qual tanto repousa sobre a hegemonia
estado-unidense no mundo como ajuda a manter esta hegemonia, agora
ficará sob um questionamento crescente devido aos próprios
esforços dos EUA para livrar-se da crise.
[11]
Como destaca Rogoff: "Uma grande expansão na dívida...
certamente tornará mais difícil para os EUA manter a sua
dominação militar, a qual tem sido um dos suportes do
dólar".
[12]
À medida que a crise se aprofunda, as tensões e conflitos entre
diferentes potências imperialistas, bem como outros países
capitalistas tais como a China, agudizar-se-ão, e novos blocos
emergirão. Quaisquer esforços americanos para reduzir o seu
enorme défice comercial exigiriam uma redução do mercado
de outros países, os quais não o abandonariam sem combate. Um
período de discórdia quanto a mercados está a assomar.
A gravidade da crise actual é comparável apenas à da
Grande Depressão da década de 1930. Como tal, ela tocou o dobre
de finados da era neoliberal. Mesmo que a ideologia neoliberal sobreviva de uma
forma modificada, e ela continuará a opor-se aos esforços das
outras escolas principais de teoria económica da classe dominante
(keynesianismo) para restaurar o crescimento, no futuro próximo ela
já não pode desfrutar a supremacia inquestionável que
detinha. Entretanto, ainda não é claro o que substituirá o
neoliberalismo não diluído, e no momento actual há
confusão e melancolia entre os ideólogos dos círculos
dirigentes nos principais países capitalistas.
Os estados capitalista outrora abraçaram abertamente
[13]
certos instrumentos keynesianos tais como o de o Estado promover a
procura agregada, e assim estimular o investimento privado, através do
gasto deficitário mas sem aceitar as percepções
mais sombrias de Keynes quanto à tendência inerente do capitalismo
à decomposição. Assim, enquanto Keynes, seguindo a
lógica da sua teoria, era forçado a reconhecer a necessidade de
"uma algo abrangente socialização do investimento", tal
nível de socialização é claramente
incompatível com o capitalismo. As perspectivas são negras para
um capitalismo que venha a emergir da crise actual com a
utilização de instrumentos keynesianos isolados.
Crise ambiental
Além disso, no sistema keynesiano, tudo o que importa é que a
despesa aumente, que os trabalhadores tenham emprego, e o crescimento
recomeçará/continuará. Keynes não só apoiava
explicitamente a ordem social existente como enfatizava que o que estava a ser
produzido e consumido não tinha relevância. Contudo, no
domínio do capitalismo e mais particularmente sob o imperialismo, o
carácter do crescimento tornou-se uma questão cada vez mais
premente para a sobrevivência da humanidade. Mesmo quando a crise mundial
do processo de acumulação capitalista chega a um máximo,
as crises mundiais criadas pelo processo de acumulação
capitalista estão a desenvolver-se rapidamente.
Por um lado, a produção da mais básica necessidade da
vida, o alimento, está ameaçada pela falta de
investimento, pelo desvio da terra para utilizações não
agrícolas e produções agrícolas para usos
não alimentares (ex.: biocombustíveis) e pela grave
degradação do ambiente. Por outro lado, a natureza do actual
crescimento económico é em si própria ambientalmente
insustentável. A adição das secções mais
ricas em alguns países do Terceiro Mundo à categoria de
"consumidores de classe mundial" está a salientar quão
insustentável isto é. Se, por alguma magia, o consumo no Terceiro
Mundo pudesse ser elevado ao nível daquele nos países
imperialistas, e mantendo o mesmo padrão, isto multiplicaria o consumo
de recursos naturais e agravaria enormemente a produção de
resíduos e a degradação ambiental.
Este padrão de consumo predatória e destrutivo foi criado pelo
capitalismo monopolista a fim de criar mercados e com isso facilitar a sua
própria acumulação de capital. Ele nada tem a ver com as
necessidades físicas das pessoas, o seu sentimento de felicidade e
segurança, ou o desenvolvimento das suas capacidades. Tudo isto pode ser
melhor preenchido com um padrão de consumo radicalmente diferente.
Contudo, isso exigiria um sistema social diferente, baseado na
produção para as necessidades do povo, o socialismo.
Impacto sobre o Terceiro Mundo
A atenção mundial é focada nos desenvolvimentos
dramáticos e nos enormes pacotes de salvamento nos países
imperialistas, e na verdade o povo trabalhador daqueles países
imperialistas está destinado a experimentar grande sofrimento. Mas o
maior impacto imediato desta crise será sofrido no Terceiro Mundo. Nos
últimos anos, economistas, colunistas e líderes políticos
propalaram a noção de que as economias do Terceiro Mundo haviam
"desconectado" do mundo desenvolvido, e continuariam a crescer mesmo
quando estas últimas estagnassem.
[14]
A teoria da desconexão agora foi enterrada. Naqueles países do
Terceiro Mundo que experimentaram um desenvolvimento industrial relativamente
maior, a queda nas exportações, bem como a queda na procura
interna (devida à queda em entradas de capital), estão a levar a
reduções em escala muito grande. Ainda mais: o vasto campesinato
do Terceiro Mundo está a ser devastado por um crash nos preços de
commodities agrícolas (quando a procura se retrai e quando especuladores
abandonam seus investimentos a fim de compensar perdas em outros mercados
financeiros). Tudo isto só pode piorar a fome prolongada de investimento
agrícola e, por sua vez, a crise alimentar mundial.
Se bem que seja teoricamente possível que estes país reorientem
as suas economias para a promoção da procura interna e assim
gerar um mercado para o crescimento industrial contínuo, a economia
politica destes países (isto é, a natureza da classe dominante
nos mesmos, a forma como o excedente social é gerado, apropriado e
redistribuído) apresenta um obstáculo a tal
reorientação. Pois uma tal reorientação exigiria
uma grande transferência de recursos para o povo trabalhador, o que teria
a oposição das classes dominantes.
Este período de agitação e declínio da hegemonia
estado-unidense, por outro lado, apresentará grandes oportunidades para
o avanço das lutas dos povos e das forças que combatem por uma
ordem social alternativa tanto nos países capitalistas avançados
como, mais ainda, no interior do Terceiro Mundo. Isto, no momento em que a
crise convence os povos do mundo da irracionalidade e barbárie do
capitalismo. A emergência de irrupções militantes
anti-Estado na Grécia, a greve geral de trabalhadores franceses, as
manifestações na Islândia culminando na queda do governo, a
ocupação de uma fábrica em Chicago pelos trabalhadores e
manifestações de trabalhadores na Rússia e na China
são arautos de lutas de classe iminentes.
O estouro da bolha indiana
O PIB da Índia cresceu em 2003-08 no ritmo mais rápido de
qualquer período de cinco anos. As suas taxas de investimento subiram
para níveis comparáveis a de economias do Extremo Oriente. Os
valores das suas acções mais do que quadruplicaram. Financiado
pela banca internacional o sector privado corporativo da Índia
começou a adquirir empresas além-mar. E a elite dos
negócios e da política do país começou a
envaidecer-se considerando-se como a classe dominante de uma nova
superpotência económica.
No espaço de tempo de uns poucos meses tudo mudou. O crescimento do PIB
está em queda e o sector manufactureiro caiu num mergulho; as firmas
indianas mais famosas estão a ter perdas e a cancelar investimentos
planeados; o mercado de acções entrou em crash;
aquisições no estrangeiro estão a demonstrar-se pesos
mortos atados aos pescoços de muitas corporações; e o
convencimento da elite dirigente evaporou-se.
À economia indiana, tal como se desenvolveu historicamente, falta uma
dinâmica interna poderosa tal como a que emergiria de uma procura interna
saudável e amplamente dispersa. Especialmente a partir da década
de 1980, ela virou-se cada vez mais para entradas de capital estrangeiro a fim
de promover o seu crescimento. Portanto ela é sistemicamente
vulnerável. Na última vez em que o fluxo de capital estrangeiro
(na forma de empréstimos) secou, em 1990-91, a economia indiana sofreu
um mergulho. Ela foi forçada a submeter-se ao "ajustamento
estrutural" dirigido pelo FMI a fim de conseguir novos empréstimos.
Desde então, a sua vulnerabilidade aumentou muitas vezes pois ela
"globalizou-se", tanto na esfera comercial como financeira.
O recente episódio de alto crescimento da Índia (2003-08) foi
principalmente o resultado do mar de liquidez dos EUA. Uma
inundação de capital especulativo estrangeiro entrou na
Índia através de vários caminhos, com influxos
líquidos de capitais elevando-se a um pico de US$108 mil milhões
em 2007-08. Estes influxos alimentaram uma elevação aguda na
concessão de empréstimos bancário a consumidores das
classes média e alta para a compra de casas e automóveis. Isto
por sua vez alimentou a procura em todo um conjunto de indústrias.
Entradas de capital especulativo estrangeiro inflaram grandes bolhas no mercado
de acções e no sector imobiliário, resultando em que
magnatas industriais indianos e barões do imobiliário fossem
avaliados (na base da alta conduzida pela especulação nos
preços das acções e da propriedade) como estando entre os
homens mais ricos do mundo. As indústrias para satisfazer o consumo da
elite, desde companhias de aviação a bens duráveis,
incharam. Todas estas indústrias são de capital intensivo e criam
pouco emprego (com a excepção parcial da
construção).
Enquanto isso, os sectores que empregam a esmagadora maioria da força de
trabalho, e que fornece a maior parte dos bens de consumo em massa,
nomeadamente a agricultura e a indústria de pequena escala, foram
privadas de investimento e mesmo de crédito para fundo de maneio; eles
estagnaram ou mesmo retrocederam durante o boom do sector corporativo. Portanto
o emprego e os salários estagnaram durante longo tempo durante a
expansão. Quando finalmente começaram a subir a seguir a um boom
sustentado da construção, a escassez de alimentos (o resultado no
sub-investimento na agricultura), juntamente com a especulação em
commodities agrícolas, levou a altas elevações de
preços, arrancando grande parte dos ganhos de rendimento do povo
trabalhador.
Após o estouro da bolha da economia internacional, assim aconteceu
também com a bolha da economia da Índia. Prevê-se que as
entradas de capital líquido venham a cair de US$10 mil milhões em
2008-09 uma queda de 91 por cento. O índice Bombay Stock Exchange
(Sensex) caiu de 20.873 em 08/Janeiro/2008 para 8.541 em 20/Novembro/2008, e
tem permanecido neste último patamar desde então. As taxas
mensais de crescimento industrial despencaram de 9,8 por cento em Agosto/2007
para -2 por cento em Dezembro/2008.
[15]
A classe dominante indiana vê esta crise como sendo exclusivamente de
liquidez e lucratividade do sector corporativo privado. Assim, ela adoptou um
conjunto de medidas para assegurar o fluxo de fundos bancários para o
sector corporativo compensar a redução de entradas externas;
efectuou novos afrouxamentos de restrições ao investimento
institucional estrangeiro (IIE) e ao investimento directo estrangeiro (IDE) em
diferentes sectores; fez concessões fiscais amplas e deu
subsídios à exportação; forçou as
instituições financeiras do sector público a apoiarem
preços de acções através de compras; promoveu
procura para o imobiliário e indústrias automobilísticas
forçando bancos do sector público a tornarem mais baratos e mais
facilmente disponíveis empréstimos para casas e
automóveis; e reduziu drasticamente o preço do combustível
para aviação a fim de ajudar companhias aéreas privadas
(em contraste com a moderada redução nos preços do
gasóleo e da gasolina). Houve apenas duas medidas de gastos directos em
2008-09 e ambas foram insignificantes: Rs 200 mil milhões [3,01
mil milhões] de gastos adicionais do Governo Central e um aumento do
limite que os governos dos estados podem tomar emprestado.
Contudo, num implacavelmente rigoroso clima para lucros, não é
provável que estas medidas disparem um novo boom de investimento do
sector corporativo privado, especialmente porque o último boom
terá deixado firmas com excesso de capacidade. Ao invés disso, os
fundos e concessões serão utilizados pela grandes firmas para
sustentar a sua precária em alguns casos perigosa
posição financeira (exemplo: muitas das firmas
imobiliárias podem na realidade estar insolventes, uma vez que se
considere a queda nos preços dos terrenos). Ao mesmo tempo, estas
medidas reduzirão rendimentos fiscais, desviarão crédito
bancário dos sectores que dele precisam com urgência,
subsidiarão consumo de luxo (tal como viagens aéreas e
automóveis) e permitirão novos controles estrangeiros em sectores
até agora restringidos.
O alto crescimento dos últimos tempos não foi em si mesmo de
qualquer beneficio para o povo, uma vez que os empregos e rendimentos que, de
um modo mesquinho, proporcionou com um mão retirou-a com a outra.
Além disso, o crescimento foi baseado em cada vez mais enviesamento da
economia em direcção à procura da elite, alimentadas por
entradas do estrangeiro; isto não podia sustentar-se para sempre. (A
classe dominantes e os seus economistas imaginaram sem dúvida que a
economia da Índia, e mesmo a sua vida política, poderia
"desconectar" permanentemente das condições da maioria
do seu povo.) Finalmente, embutido no padrão deste crescimento
rápido houve toda espécie de actividades económicas
indesejáveis, dissipadoras e mesmo danosas, tais como a
proliferação de automóveis e viagens aéreas,
infraestrutura urbana para automóveis, cuidados de saúde
corporativos, retalho organizado, agricultura corporativa,
usurpação de terra agrícola pelo imobiliário,
privatização da água e de outros recursos naturais, e
assim por diante.
Se bem que o povo como um todo não haja beneficiado deste padrão
de crescimento, o colapso do mesmo provocará um golpe imediato para
muitos na forma de reduções de trabalhadores e de
preços agrícolas deprimidos para camponeses. Centenas de milhares
de trabalhadores estão a ser reduzidos no sector exportador
têxtil e vestuário, polimento de diamantes, bens de couro,
turismo, etc. Lay-offs e reduções também estão a
caminho em vários sectores destinados a satisfazer a procura da elite e
da classe média, tais como automóveis, hotéis, companhias
de aviação, bens duráveis e, acima de tudo,
construção. Os preços no produtor de commodities
agrícolas, que há apenas sete ou oito meses estavam em
ascensão, estão agora destinados a cair com o enfraquecimento da
procura e a transmissão de sinais de preço internacionais para a
Índia; o campesinato está em outro longo período de
preços deprimidos. (Mas a tendência a longo prazo de fraco
crescimento da produção agrícola, e o domínio do
comércio privado sobre as commodities agrícolas, levou a que os
preços dos alimentos permanecessem altos; de facto, a
inflação no preço de alimentos chegou mesmo a subir nos
últimos meses.) Como instituições financeiras quase
insolventes no Ocidente tentam aguentar-se pela liquidação dos
seus investimentos no Terceiro Mundo, as saídas de capital da
Índia têm aumentado. A rúpia caiu de Rs39,37 por
dólar em Janeiro/2008 para aproximadamente Rs52 hoje.
Entretanto, o que o colapso assinala é que este crescimento era em si
próprio inviável. O facto de o "crescimento" ter gerado
tão magro emprego no seu momento de pico limitará a
extensão do dano que o seu colapso pode provocar. Além disso, o
potencial cancelamento de alguns grandes investimentos tais como a
apropriação de terras em zonas económicas especiais
(ZEEs), ou os projectos de destruição de emprego com o retalho
organizado de facto beneficiarão o povo. A redução
do tráfego aéreo seria certamente uma coisa boa. E a
solução para o problema da natureza não remunerativa da
agricultura indiana não é criar um outro boom especulativo.
Exactamente ao inverso da preocupação da classe dominante da
Índia, a preocupação do povo indiano não é
descobrir meios de atrair novos fluxos de capital estrangeiro ou de reinflar a
bolha corporativa na economia. Ao contrário, estes esquema vão
directamente contra o seu interesse. O interesse do povo está em fazer
reivindicações imediatos tais como as que se seguem: Investimento
estatal, e apoio, na agricultura e actividades relacionadas; crédito,
apoio financeiro e outra assistência necessária (inputs,
marketing) a pequenos produtores não agrícolas (pequena e micro
indústria, artesanato/bordados); um aumento maciço na
geração de emprego directo pelo Estado; a
universalização do Sistema de Distribuição
Pública (em três sentidos: cobertura real de todas as áreas
e famílias; provisão de condições plenas para uma
família; e inclusão de todas as necessidades básicas,
não meramente de cereais); universalização e um
nível decente de cuidados de saúde pública;
construção de escolas adequadas com emprego de um contingente
completo de professores qualificados; assegurar habitação
adequada para as massas urbanas; e muitas outras medidas como essas.
Ao mesmo tempo, o interesse do povo está em exigir que a economia do
país não fique mais subjugada aos fluxos de capital estrangeiro,
ou orientada para a procura externa ou procura de luxo ao custo do
genuíno desenvolvimento nacional e democrático. E finalmente,
como a longo prazo a escassez de emprego persiste, a exigência dos
camponeses de acesso à terra e outros activos rurais para cultivo deve
vir fortemente à tona.
Naturalmente, isto equivale a exigir uma mudança da própria
política económica. Nos tempos de hoje, quando a crise global
desacredita o próprio sistema capitalista, a exigência de uma tal
mudança ganhará círculos cada vez mais vastos de aderentes
nestes países. O papel dos estudantes sinceros de economia
política é explicar ao povo as causas reais da crise actual, e a
necessidade de lutar por uma política económica que possa dirigir
o excedente social do país para o cumprimento das necessidades sociais
reais do presente e do futuro.
Março/2009
Notas:
1. Interview in
Asian Age,
22/12/08.
2. Harry Magdoff e Paul Sweezy, Stagnation and the Financial Explosion, 1987.
3. John Bellamy Foster e Fred Magdoff, "Financial Implosion and
Stagnation: Back to the Real Economy", Monthly Review, December 2008.
4. Ellis, Luci e Kathryn Smith, "The global upward trend in the profit
share", BIS Working Papers no. 231, 2007, e International Labour Office,
Global Wage Report, 2008-09 confirm the downward trend in wage share.
5. US Federal Reserve Flow of Funds Accounts, citado em Harish Damodaran,
"Getting 'real' about financialisation", Hindu Business Line,
6/10/08.
6. "Endless bubbles", 20/6/03.
7. Joseph Stiglitz, "Will the dam break in 2007?", Project Syndicate,
2006.
8. Em 2007, dos fluxos de capital bruto para os EUA de US$2,1 milhões de
milhões, US$731 mil milhões foram para financiar o défice
de transacções correntes; os investidores estado-unidenses
reciclaram US$1,3 milhão de milhões destes influxos como
investimentos no exterior. Kristin Forbes, "Underlying determinants of
global currency usage", Peterson Institute of International Economics,
2008.
9. "Betting with the house's money",
Guardian,
7/2/07. Além disso, como observa Krugman, "O encanto da
situação da América é que as nossas dívidas
externas são na nossa própria divisa. Isto significa que
não teremos a espécie de espiral financeira da morte que a
Argentina experimentou, na qual um peso em queda provocou as dívidas do
país, as quais eram em dólares, para inchar de valor em
relação aos activos internos".
New York Times,
19/1/08.
10. Rogoff, op. cit.
11. Os compradores da dívida do governo dos EUA estão cada vez
mais preocupados porque o crescimento desenfreado de tal dívida
levará a uma queda drástica do dólar e portanto no valor
dos seus haveres.
12. "America will need $1,000 billion bail-out",
Financial Times,
17/9/08.
13. Não há dúvida, os EUA já praticam um tipo de
remédio keynesiano invisível desde 2001, ao incorrer em
défices orçamentais, mesmo quando fazem falsos elogios ao
neoliberalismo.
14. Ao mesmo tempo eles relacionam qualquer melhoria de crescimento no Terceiro
Mundo a maior "globalização" a qual implicaria
maior integração, e portanto correlação de taxas de
crescimento, com os países desenvolvidos.
15. De facto, devido a aumentos nas taxas de juros e a uma
desaceleração de empréstimos aos consumidores por parte
dos bancos a partir do segundo semestre de 200 6, as taxas de crescimento
industrial têm estado a deslizar já desde o princípio de
2007 uma indicação de quão pesadamente a procura
industrial dependia do crédito barato e fácil para o consumidor.
[*]
Research Unit for Political Economy, com sede em Mumbai. Email:
rupeindia@rediffmail.com
ou
rupeindia@yahoo.co.in
. Nossos agradecimentos Nirmal Chandra e Jacob Levich pelos seus penetrantes
comentários à primeira versão.
O original encontra-se em
http://www.rupe-india.org/47/depression.html
Este ensaio encontra-se em
http://resistir.info/
.
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