Fase de ruptura do sistema financeiro mundial em 2008
O agravamento rápido das consequências da crise sistémica
global à medida que se desenrola sua fase de impacto
[1]
leva doravante os investigadores do LEAP/E2020 a considerar que o sistema
financeiro mundial contemporâneo entrará na sua fase de ruptura no
decorrer do ano de 2008.
Os indicadores de acompanhamento da crise mostram que a partir de agora
já não são apenas as falências de alguns grandes
estabelecimentos financeiro (e numerosos mais pequenos), primeiro nos Estados
Unidos e depois no resto do mundo, que são de temer nos próximos
meses (cf.
GEAB Nº 19
), mas que é o próprio sistema
financeiro mundial que fica estruturalmente atingido.
A repetida incapacidade da rede de bancos centrais mundial em dominar a
penúria de crédito
("credit crunch")
com o pano de
fundo do afundamento dos dois pilares históricos do sistema financeiro
mundial contemporâneo (a economia americana que entrou em recessão
e o US dólar em decomposição), reflecte a emergência
acelerada de forças centrífugas no seio deste mesmo sistema.
Com efeito, já não se trata somente da competência dos
banqueiros centrais ou da amplitude das acções de
correcção postas em execução. Esta época
está ultrapassada desde o fim do Verão de 2007. Segundo
LEAP/E2020, assiste-se a partir de agora a uma divergência crescente de
interesses económicos entre os diferentes componentes do sistema
financeiro global.
O fracasso programado da última tentativa iniciada pelo Federal Reserve
dos EUA, visando coordenar uma acção conjunta dos principais
bancos centrais para alimentar os bancos em dólares americanos
[2]
, é quanto a isto totalmente revelador. Esta acção visa
essencialmente restaurar a confiança no sistema de duas maneiras:
restabelecendo nomeadamente o mercado interbancário hoje moribundo,
demonstrando através do exemplo a existência de uma
"força de choque comum" dos bancos centrais mundiais;
permitindo aos grandes estabelecimentos financeiros em perigo virem
reabastecer-se anonimamente de dólares americanos, em troca de activos
valorizados ao preço do mercado de vários meses atrás (ou
seja, quando eles ainda valiam alguma coisa)
[3]
.
O primeiro objectivo evidentemente prevalece uma vez que sem um re-arranque do
mercado interbancário o refinanciamento dos bancos em perigo não
faria senão conceder-lhes um adiamento de alguns meses. Ora, já
é certo que o objectivo visado não é atingido
[4]
. O
LIBOR
(London Interbank Offered Rate, taxa de referência do mercado
monetário), indicador por excelência do estado do mercado
interbancário, não se moveu dos seus níveis mais elevados
[5]
. E, em termos "psicológicos", o declínio generalizado
das bolsas mundiais, após o anúncio da acção dos
bancos centrais, prova que se alguma mensagem foi passada é de que a
situação dos grandes bancos americanos é nitidamente pior
do que aquilo que fora anunciado nos últimos meses
[6]
.
Portanto, para a equipe LEAP/E2020, já se confirmou que depois de ter
perdido o controle da evolução das taxas de juros (cf. GEAB
Nº 16), o Federal Reserve dos EUA acaba de perder dois outros atributos
essenciais que caracterizavam o sistema financeiro mundial pós-1945:
sua credibilidade de actor voluntarista que podia modificar as tendências
pesadas dos mercados (8), e sua capacidade para organizar e arrastar o conjunto
dos bancos centrais mundiais conforme o seu ritmo e os seus objectivos. Dessa
forma, o Federal Reserve acaba de perder a capacidade de pilotar por si
só o sistema financeiro mundial, capacidade que havia adquirido
após 1945.
Se os mercados financeiros actualmente estão sensíveis sobretudo
à perda do primeiro atributo (9), os investigadores do LEAP/E2020
consideram que é a perda do segundo (e sua consequência em termos
de pilotagem do sistema) que contem o germe da ruptura do sistema financeiro
mundial no decorrer do próximo ano, provavelmente no Verão de
2008, quando as consequências a recessão estado-unidense
começarão a sentir-se plenamente e quando asiáticos e
europeus se verão definitivamente constrangidos a impor as suas
próprias escolhas ao "piloto do Fed".
DIVERGÊNCIAS ENTRE BANCOS CENTRAIS
Neste número 20 do Global Europe Anticipation Bulletin (de
Dezembro/2007), nossa equipe pormenoriza as características das
divergências crescentes entre as estratégias dos quatro grandes
bancos centrais (Federal Reserve, Banco Central Europeu, Banco da Inglaterra,
Banco Nacional Suíço).
Estas evoluções cruciais, num momento em que as
consequências da recessão americano ainda não mostraram a
sua amplitude (na Ásia e nos Estados Unidos, em particular), ilustram o
aumento rápido das forças centrífugas que vão,
segundo as nossas antecipações, conduzir a uma ruptura do sistema
financeiro mundial contemporâneo no Verão de 2008.
Esta ruptura traduzir-se-á por múltiplas consequências
desastrosas para os principais estabelecimentos financeiros mundiais, em
particular aqueles que ainda não compreenderam o sentido da
evolução em curso e que, portanto, permanecem fortemente
implicados no sistema dólar em vias de implosão. Estas
estabelecimentos experimentarão, num grau infinitamente mais forte, a
mesma sorte que os bancos que não viram a chegada da crise das subprimes
e estão hoje à beira do desastre
[10]
.
Paralelamente, para os depositantes e os investidores, este período de
ruptura implicará riscos de perdas consideráveis à imagem
dos dois outros períodos de ruptura anteriores (1929 e os anos seguintes
[11]
, e 1973 e o fim da década de 1970). Para os nossos investigadores, a
ruptura em curso é de uma envergadura ainda mais forte dada a
importância desproporcionada tomada pela esfera financeira na economia
contemporânea. A equipe do LEAP/E2020 retorna mais adiante, neste
número 20 do GEAB, a este aspecto e às protecções
possíveis.
Daqui até ao Verão de 2008 será possível discernir
mais claramente as modalidades de reorganização do sistema
financeiro mundial na fase de reorganização que se seguirá
necessariamente à sua fase de ruptura. Segundo a nossa equipe, é
certo que os europeus (a zona Euro essencialmente), juntamente com o
Japão e a China, terão de entender-se com a Rússia e os
países petrolíferos para estruturar um novo sistema.
A evolução será muito dolorosa para os Estados Unidos (e
todos os operadores relacionados) pois é inevitável que o novo
sistema não será mais organizado em seu proveito como foi o caso
destes últimos sessenta anos. A futura administração
americana, que tomará as rédeas do país em Janeiro de
2009, terá portanto uma tarefa prioritária na sua agenda: gerir
o melhor possível esta transformação histórica,
portadora de novos constrangimentos económicos e financeiros, num fundo
de economia em recessão. Europeus e asiáticos deverão ter
em mente este elementos a fim de evitar que a ruptura se transforme em caos.
15/Dezembro/2007
Notas:
(1) Ver nomeadamente o GEAB N°18 para o sequenciamento da fase de impacto
da crise.
(2) Em troca de não importa que tipo de contrapartidas ou quase, e no
anonimato. É uma iniciativa próxima do pânico e da
salvação dos bancos com fundos públicos americanos. Para
mais pormenores ver as informações no sítio web da
Reserva Federal dos EUA
.
(3) Por meio desta esperteza o Federal Reserve americano espera ganhar tempo
pois seria preciso um milagre para que estes activos recuperassem o valor que
lhes era atribuído até o Verão de 2007. Com efeito, como
são empréstimos que o Federal Reserve faz aos bancos, estes
são supostos reembolsá-los no decorrer de 2008. Ou então
fazer como o Northern Rock no Reino Unido, afundar e dilapidar pelo mesmo golpe
dezenas de milhares de milhares de dólares dos contribuintes americanos.
É muito instrutivo quanto a isto ler a
tabela de valorização dos activos
aceite pelo Fed para a sua
acção de refinanciamento dos bancos. Constata-se ali que o Fed
vai emprestar 70 ou 80 centavos por cada dólar de activos que o mercado
avalia hoje em menos da metade deste valor (cf. GEAB Nº 19).
(4) Fonte :
Reuters
, 14/12/2007
(5) Fonte :
Bloomberg
, 13/12/2007
(6) Para além dos anúncios quotidianos de novas provisões
destinadas a perdas ligadas aos subprimes ou outros CDOs, a
FDIC
(Federal
Deposit Insurance Corporation, que garante até US$100 mil os
depósitos nos bancos filiados a este sistema de seguro federal) indica
no seu comunicado de 28 de Novembro último que rendimento
líquidos dos bancos americanos baixou 28,7 mil milhões de
dólares no terceiro trimestre de 2007.
(7) Ver aqui a lista dos principais bancos comerciais americanos.
(8) Quanto a isso, ler o artigo muito interessante de Paul Krugman no
International Herald Tribune
, 14/12/2007.
(9) E ao facto de que o anonimato oferecido aos bancos que vierem
refinanciar-se junto ao Fed impede de saber qual estabelecimento está em
risco sério de falência. Aqui o Fed tenta evitar o "efeito
Northern Rock".
(10) A este respeito, o LEAP/E2020 deseja indicar que o Lehman Brothers, um dos
dois grandes bancos americanos juntamente com o Goldman Sachs, evitou a
derrocada dos subprimes desembaraçando-se deles a partir do fim de 2006,
é igualmente o único grande estabelecimento financeiro
internacional em que um dirigente da sua filial londrina contactou directamente
com a nossa equipe desde a Primavera de 2006, a fim de conhecer melhor os
fundamentos das nossas antecipações sobre a crise dos subprimes.
Nós anunciámos, com efeito, desde Fevereiro de 2006, a
explosão da bolha imobiliária americana e as suas
consequências financeiras, o que nos valeu uma reputação
sulfurosa nos meios financeiros tradicionais. Convém notar que a maior
parte dos outros grandes estabelecimentos financeiros americanos e europeus que
nos contactaram a seguir fizeram-se a partir da Primavera de 2007, ou seja,
quando já era demasiado tarde para reagir. Esta anedota dá um
bom exemplo da utilidade da antecipação num sistema complexo como
o mundo no qual vivemos: poder agir antes que um problema se ponha pois quando
ele se põe geralmente já é demasiado tarde para resolver.
Neste caso, isto pode fazer a diferença entre ganhar um lucro de US$886
milhões no 4º trimestre, como a Lehman Brothers (fonte:
CNN/Money
)
ou, em alternativa, anunciar que se deve injectar US$49 mil milhões para
salvar da falência alguns dos seus fundos de investimento como o
Citigroup (fonte:
CNN/Money
).
(11) Convém ler o
documento de trabalho nº197
do Banco de
Pagamentos Internacionais (Banque des Règlements Internationaux),
intitulado "130 anos de cooperação entre bancos centrais: a
perspectiva do BRI", redigido por Clauido Borio e Gianni Toniolo. Ele
proporciona uma perspectiva histórica muito necessária para
avaliar as turbulências que aguardam o sistema financeiro global.
[*]
Global Europe Anticipation Bulletin. Comunicado público Nº 20, de
15/Dezembro/2007.
O original encontra-se em
GEAB Nº 20
Este comunicado encontra-se em
http://resistir.info/
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