A crise financeira na Grécia e na União Europeia

– Os ricos não pagarão os seus impostos, de modo que o trabalho terá de fazê-lo

por Michael Hudson [*]

 
Primeiro atacaram os países bálticos, mas não me importei porque não sou lituano, nem letão nem estoniano.   Depois atacaram a Islândia, mas não me importei porque não sou islandês.   A seguir atacaram a Grécia, também não me importei porque não sou grego.   Por fim atacaram Portugal, mas então já era tarde demais para reagir.
29 de Maio, Grande Manifestação Nacional da CGTP-IN

Dívida externa da Grécia e de Portugal.
Riddle: Os desordeiros gregos seriam como o movimento Tea Party [NR] da América?
Resposta: Ambos rejeitam a captura do governo pela oligarquia financeira a fim de transferir o fardo fiscal para o trabalho. A diferença é que os Tea Partiers perderam a fé no governo. Isto, naturalmente, é exactamente o que quer a oligarquia financeira. Ao abandonar a esperança de ganhar controle eleitoral a fim de obter uma agenda fiscal justa, os Tea Partiers abandonaram um combate secular pela reforma para melhorar os governos e lhes dar poder para restringir a finança e a riqueza predatória. Ao deslizar para a extrema-direita do espectro político e ao actuarem principalmente com base em frustrações, eles sucumbiram a um desejo utópico de simplesmente "encolherem" o governo, que vêem a actuar contra os seus interesses.

Os lobistas financeiros estão a utilizar a crise grega como um objecto de lição para advertir acerca da necessidade de cortar gastos públicos com a Segurança Social e o Medicare. Isto é o oposto do que os manifestantes gregos estão a exigir: reverter a fiscalidade global afastando-a da propriedade e das finanças e em direcção ao trabalho, e dar prioridade às reivindicações financeiras do trabalho por pensões de reforma em relação às reivindicações dos pagos de obterem o pleno pagamento de centenas de milhares de milhões de dólares de precipitados maus empréstimos que recentemente foram reduzidos ao estatuto de lixo.

Os lobistas dos bancos sabem que o jogo financeiro está acabado. Eles estão a actuar para o curto prazo. O objectivo do sector financeiro é sacar tanto dinheiro de salvamentos quanto possa e fugir, com bónus anuais suficientemente grandes para actuarem como amos sobre o resto da sociedade depois de chegar o finalmente o Ajuste de Contas (Clean State). Menos gastos públicos com programas sociais deixarão mais dinheiro de salvamento para pagar os bancos pelas suas dívidas podres em ascensão exponencial que acabarão por não poderem ser pagas. É inevitável que empréstimos e títulos serão incumpridos na habitual convulsão da bancarrota.

Os trabalhadores gregos ainda não estão tão pessimistas para desistirem do combate. O que eles reconhecem e que os seus colegas americanos não o fazem é que alguém controlará o governo. Se o trabalho – os manifestantes – perderem o ânimo, o poder será entregue aos credores estrangeiros para que ditem a política pública. E quanto mais os interesses dos banqueiros forem atendidos, pior e mais sobrecarregada de dívida se tornará a economia. Os seus ganhos são comprados ao preço da austeridade interna. Os desembolsos escalonados do fundos de pensão gregos e os programas de gastos sociais do governo devem ser para reforçar o capital da banca alemã e de outros países europeus.

Esta visão geral já foi apresentada na periferia mais a Norte da Europa, onde desencadeou um masoquismo fiscal que os bancos esperam ver também na Grécia. Ao caírem sobre as suas espadas, os governos bálticos ficariam ciumentos e mesmo ressentidos por verem a Grécia resgatar a sua economia quando eles próprios fracassaram ao deixarem de repudiar as exigências arrogantes dos credores. "Visto da margem Leste da União Europeia, a austeridade que paira sobre a Grécia afligida pela crise é lida como notícia velha", escreve Nina Kolyako. [1] "Durante quase dois anos, os Estados bálticos da Lituânia, Letónia e Estónia executaram repetidas medidas draconianas, cortando despesas públicas e aumentando impostos para tentar sair de um buraco. "Aprendemos as lições muito penosamente, arduamente e efectivamente, que é preciso cuidar da situação fiscal muito atentamente", disse o primeiro-ministro lituano Andrius Kubilius à AFP numa entrevista recente. "Entendemos muito claramente que a consolidação fiscal era o único meio para sobrevivermos".

Ao capitular na clássica síndrome de Estocolmo (literalmente neste caso, pois os bancos eram suecos), o governo da Lituânia zelosamente apertou tanto os parafusos que o PIB afundou mais de 17 por cento. Um afundamento semelhante ocorreu na Letónia. Os bálticos cortaram empregos e salários no sector público, impondo a pobreza ao invés dos níveis de prosperidade dos europeus ocidentais que haviam sido prometidos em 1991 depois de se tornarem independentes da Rússia.

Guerra de classe à escala global

Depois de o parlamento de Letónia ter imposto a austeridade em Dezembro de 2008, o protesto popular em Janeiro derrubou o governo (tal como o fez um protesto semelhante na Islândia). Mas o resultado foi meramente um outro "regime de ocupação" neoliberal dirigido em favor dos interesses da banca estrangeira. Assim, o que está a desdobrar-se é uma Guerra Social à escala global – não a guerra de classe imaginada no século XIX, mas uma guerra das finanças contra economias inteiras, contra a indústria, o imobiliário e os governos, assim como contra o trabalho. Isto está a acontecer do modo habitualmente lento em que ocorrem as grandes transições históricas. Mas, tal como em conflitos militares, cada batalha parece frenética e dispara zig-zags selvagens no mundo das bolsas de acções e títulos e nos mercados de câmbios.

Tudo isto são grandes notícias para os comerciantes de programas de computador. O compromisso dos fundos perdura apenas uns poucos segundos nestes dias quando os mercados financeiros são batidos acima e abaixo por vastas ondas de crédito desencadeadas por violentas tempestades no planeta financeiramente super-aquecido de hoje.

A distopia económica que se aproxima

A crise grega mostra quão longe o "ideal europeu" se afastou de 1957 quando os seis membros da Comunidade Económica Europeia (CEE) a constituíram. Por incitação dos EUA, a Grã-Bretanha e Escandinávia criaram a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) rival, com sete membros. Ainda assim, a promessa da Eurolândia – pelo menos antes de Maastricht e Lisboa – era elevar o trabalho à prosperidade da classe média, não de impor programas de austeridade tipo FMI da espécie que devastou países do Terceiro Mundo. A mensagem às economias endividadas é negra: "Caia morto". E eles obedientemente estão a cometer o suicídio económica (emulando o Japão nos Acordos Plaza de 1985) para endossar o Consenso de Washington – a guerra de classe das finanças contra o trabalho e a indústria.

O poder político, social, fiscal e económico está a ser transferido para a burocracia da UE e para os seus controladores financeiros do Banco Central Europeu (BCE) e do FMI, cujos planos de austeridade e programas anti-trabalho relacionados orientam governos para a liquidação do domínio público, da terra e riqueza do subsolo, das empresas públicas e para o comprometimento de receitas fiscais futuras para pagar países credores. Esta política já foi imposta à "Nova Europa" (as economias pós-soviéticas e a Islândia) desde o Outono de 2008. Está agora a ser imposta aos PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). Não é de admirar que haja tumultos!

Para observadores que não notaram a Islândia e a Letónia no ano passado, a Grécia é o mais novo e até agora o maior campo de batalha. Pelo menos a Islândia e os bálticos têm a opção de redenominar os empréstimos nas suas próprias divisas, reduzindo à vontade o valor (writing down) das suas dívidas externas e tributando a propriedade a fim de recapturar para o governo a receita que foi hipotecada a banqueiros estrangeiros. Mas a Grécia está trancada dentro da divisa da União Europeia, dirigida por responsáveis financeiros não eleitos que inverteram o significado histórico de democracia. Ao invés de o mais importante sector da economia – as finanças – serem sujeitas à política eleitoral, os bancos centrais (os lobistas designados dos banqueiros comerciais e de investimento) foram tornados independentes de limitações políticas.

De um modo verdadeiramente orwelliano, extremistas de direita na Europa e nos Estados Unidos (tais como o presidente do Fed, Ben Bernanke) chamam a isto a "marca da democracia". Isto é realmente o carimbo da oligarquia, retirando o controle sobre a distribuição de crédito da economia – e portanto, do planeamento – enquanto dá à alta finança um domínio total sobre programas de despesas públicas.

A Islândia, a Lituânia e agora a Grécia são os tiros de abertura na campanha global para reverter o grande programa de reforma democrática do século XIX e da Era Progressiva: tributação da terra e do "incremento imerecido" de ganhos em preços de imóveis, acções e títulos, e subordinação do sector financeiros às necessidades de crescimento económico sob direcção democrática. Esta doutrina ainda estava a ser seguida na era da tributação progressiva pós 1945 que assistiu à maior ascensão em padrões de vida e crescimento económico do século XX. Mas a maior parte dos países reverteu esta tendência fiscal a partir de 1980. Os cobradores de impostos "libertaram" receitas de obrigações públicas só para vê-las comprometidas a bancos por empréstimos mais altos a fim de aumentar os preços da propriedade.

Casas, edifícios de escritórios e companhias inteiras são valores independentemente do que os bancos emprestem. De modo que populações (e atacantes corporativos) responderam à comutação fiscal em favor das finanças contraindo empréstimos para comprar casas (e companhias) antes que preços fiquem ainda mais fora de alcance. E os impostos sobre o trabalho agora estão prestes a serem elevados para liquidar dívidas públicas resultantes da inflação de preços de activos e da ruína financeira que os cortes fiscais sobre a propriedade ajudaram a provocar. Esta é a causa das dívidas nacionais. Os governos têm incorrido em dívida em consequência de uma desoneração fiscal da riqueza em geral, não apenas do imobiliário.

Transferir o fardo fiscal para o trabalho

Seguindo os governos ocidentais na política de comutar o fardo fiscal da propriedade e das finanças para o trabalho, ao longo das últimas décadas, o governo grego é politicamente incapaz ou relutante em tributar a riqueza, ou até mesmo os profissionais com recursos. Mas os neoliberais culpam-no, assim como a outros governos devedores, por não vender bastantes terras e empresas públicas para colmatar o fosso. A dedução fiscal de encargos de juros tornou as privatizações a crédito isentas de impostos, de modo que os governos perderão os pagamentos dos utilizadores que antes recebiam – enquanto as populações pagam encargos de "portagem" mais elevados por serviços que até então eram públicos.

Tal como fez o governo dos EUA, ele emitiu títulos para financiar o défice resultante destes cortes fiscais. Os compradores destes títulos (principalmente bancos alemães) estão a exigir que os trabalhadores gregos (e agora também os contribuintes alemães) arquem com o fardo da perda de receitas fiscais. Os bancos alemães e outros bancos e possuidores de títulos europeus estão a ser reembolsados ao custo social de cortes drásticos em pensões e gastos sociais – e se possível, por mais privatizações liquidadas a preços de saldo.

Os tumultos na Grécia irromperam porque o trabalho entende que a maior parte da reportagem jornalística foge à confrontação. O crescimento nos salários reais diminuiu (e nos Estados Unidos congelou desde 1979). A propriedade de casas foi alcançada ao custo de os novos compradores assumirem uma dívida hipotecária para toda a v ida. E as economias pós soviéticas ganharam a sua liberdade política da Rússia só para ser tornarem insolventes, dependentes da direcção do FMI e da UE nas suas economias para obterem os empréstimos a fim de pagarem os seus banqueiros estrangeiros que sobrecarregaram de dívida o seu património habitacional, as suas empresas públicas, a sua indústria e a suas famílias.

Especuladores financeiros e possuidores de títulos têm conspirado para pedir apoio à UE, ao FMI e aos EUA a fim de receberem os seus ganhos antes dos crashes do jogo financeiro. A apropriação pode ser tornada mais rápida através do encolhimento das economias sob planos de austeridade estilo FMI. O desemprego está a elevar-se enquanto as economias entram ainda mais em dívida – não só dívida pública quando mercados em contracção levam a receitas fiscais cadentes, como também a dívida externa quando aumenta a dependência de importações.

Os credores estão a ser pagos deixando-os apropriarem-se do excedente económico, na forma de serviço de dívida a expensas de novo investimento de capital, de gastos em infraestrutura, de gastos públicos sociais e da elevação de padrões de vida. Economicamente, a insurreição grega é uma revolta contra a política de sacrificar a prosperidade para dessa forma pagar credores estrangeiros.

Ao nível político o combate é para salvar a Grécia de ser transformada num anti-Estado. A definição clássica de um "Estado" ou governo é a capacidade para cobrar impostos e emitir dinheiro. Mas a Grécia abdicou da sua autoridade fiscal em favor da UE e do FMI, os quais estão a dizer-lhe para violar o que teóricos políticos consideram como o Primeiro Dever de qualquer governo: actuar em favor do interesse nacional a longo prazo. O governo grego está a ser direccionado para actuar por conta do capital bancário e, na verdade, daqueles países estrangeiros empenhados em despojá-lo de activos, não para promover o crescimento a longo prazo.

Dirigir os países a favor dos seus credores

Está em causa se países serão dirigidos em favor de credores ou de objectivos populares na colheita dos benefícios do crescimento económico. Uma pressão oligárquica por empréstimos do FMI-UE para salvamento de bancos estrangeiros e especuladores de títulos a expensas do trabalho grego (os contribuintes do futuro) destina-se a fazer com que o trabalho ao invés do capital financeiro assuma a perda de débitos atrasados do governo resultantes de riqueza não tributada. O objectivo é permitir aos bancos estrangeiros evitarem ter de pagar o preço por actuarem como possibilitadores na drenagem do mercado interno. A política do governo é para ser retirada das mãos dos eleitores e subordinada ao FMI e à UE a actuarem como instrumentos da finança internacional.

Isto cria um estado de coisas no qual nem a Grécia nem a CE são "estados" ou "governos" no sentido político tradicional. A burocracia da UE e do FMI não é eleita. E na medida em que o seu plano financeiro ditado do estrangeiro tiver êxito, o capital da economia será despojado e a social-democracia entrará em colapso.

No domingo, 9 de Maio, eleitores alemães exprimiram a sua ira quanto ao papel do governo no salvamento de banqueiros alemães (eufemisticamente chamado salvamento "da Grécia") a expensas de contribuintes alemães. O Banco Central Europeu (BCE) não está a criar a criar dinheiro do nada e sim a onerar governos nacionais). Os social-democratas alcançaram o partido da União Democrata Cristã (CDU) da chanceler Angela Merkel no Reno Norte-Westphalia. Obtendo apenas pouco mais de um terço dos votos – um bocado menos do que os social-democratas (e mais de 10 pontos percentuais abaixo da última eleição, da qual 4 pontos foram perdidos exactamente na última semana quando o pacote de salvamento foi promovido pela sra. Merkel) – a CDU perdeu a sua maioria na casa superior do parlamento alemão.

Muitos eleitores alemães podem ter-se perguntado se tributar os pobres para pagar os ricos envolvidos em usura foi realmente tão "cristão" quanto o partido pretende ser. Ou talvez estivessem preocupados em que da cobrança de impostos da Alemanha uma fatia de aproximadamente US$30 mil milhões sejam para pagar como salvamento de banqueiros – dos quais nem todos são amados na Alemanha, mesmo quando são alemães. E alguns sem dúvida vêem o jogo como um engano financeiro por parte de políticos cúmplices do sector bancário.

O engano

Os lobistas financeiros da Europa utilizaram a crise como uma oportunidade para promover uma vasta série de salvamentos. Para bancos da Suécia e da Áustria, a UE aprovou uma extensão de €60 mil milhões da facilidade de balança de pagamentos já posta em vigor para ajudar a Hungria, Roménia e Lituânia a manterem em dia as suas dívidas aos bancos, respectivamente, austríacos e suecos. Para contornar o princípio do não-salvamento na Eurozona, esta lei de salvamento especial baseia-se no Artigo 122.2 do Tratado da UE que permite empréstimos a governos em "circunstâncias excepcionais". [2]

Se dermos à sra. Merkel crédito quanto ao seu entendimento da teoria económica em acção, então devemos acusá-la de mentir com todos os seus dentes. O problema da dívida báltica é crónico e estrutural, não "excepcional". A sra. Merkel também deve saber que ela está a ser enganosa ao pretender ajudar a Letónia com a oferta de empréstimos que a UE limita explicitamente ao apoio da taxa de câmbio do lat, não para desenvolvimento interno. A divisa externa é para cobrir o custo dos pagamentos hipotecários em euros dos lituanos aos bancos suecos e à compra de alimentos e manufacturas para os consumidores lituanos que os governos da UE subsidiam enquanto deixam os bálticos num estado de dependência económica e financeira.

A Letónia está a ser vitimizada, não ajudada. O objectivo é dar a bancos suecos um pouco mais de tempo para se manterem a arrecadar pagamentos sobre empréstimos que virão a apodrecer na devida altura. Divisas externas gastas para facilitar serviços de dívida privada a bancos estrangeiros tornam-se uma dívida nacional, a ser pagar pelos contribuintes lituanos. Este empréstimo da UE é portanto um exercício de neo-colonialismo nu.

Será que a mudança tardia dos eleitores alemães em apoio da coligação vermelho-verde (sociais-democratas com verdes e partidos de esquerda) impedirá alguma coisa? Provavelmente não. O presidente grego Papandreou submeteu-se ao desmoronamento apesar de ser o cabeça da Internacional Socialista. Assim a questão é se a Grécia está realmente derrotada, destinada a ver as suas despesas públicas, pensões, cuidados de saúde, padrões escolares e de vida retrocederem do mesmo modo que nos países bálticos. Eles têm sido um experimento em planeamento central neoliberal. Se eles forem um exemplo do que o futuro vai trazer, o mundo em breve verá uma onda de emigração grega, estilo báltico.

O salvamento foi do princípio da pilhagem

Isso evidentemente é o que os mercados de acções por todo o mundo previram quando levantaram voo na manhã de segunda-feira com a notícia do salvamento de um milhão de milhões de dólares por parte da Europa. O que realmente foi salvo foi o princípio de que as economias deveriam ser pilhadas de modo a que o capital financeiro possa dominar. Mas o combate certamente ainda não está acabado. Ele escalará no resto de 2010, porque é nada menos do que uma tentativa para repelir a luta histórica do século XIX e XX para substituir o poder da propriedade e dos interesses financeiros pelos princípios da tributação progressiva e da empresa pública.

Será realmente a isto que a civilização ocidental é suposta estar a levar? Confrontados por parlamento controlados por aristocracias, os reformadores do século XIX procuravam tomá-los em prol da democracia. A economia política clássica era um programa de reforma para tributar o "almoço gratuito" das rendas da terra, das rendas de monopólio e da extracção financeira de juros. John Maynard Keynes celebrou este programa com a expressão gentil de "a eutanásia dos rentistas".

Mas os interesses estabelecidos (vested interests) retaliaram. Ao chamarem a social-democracia e a regulação pública de "estrada para a servidão", eles estão a tentar lançar as economias da Europa na estrada da servidão pela dívida (debt peonage). Ao contornarem governos eleitos nacionais para impor o Consenso de Washington, o FMI e instituições da UE ganharam controle fiscal e económico sobre governos e suas políticas fiscais para cortarem impostos sobre a riqueza – e tomarem empréstimos para financiar os resultantes défices fiscais.

Os Tea Partiers da América e os rebeldes anti-impostos abandonaram o combate para reformar governos. Esmagados pela dívida da qual não vêem nenhuma escapatória, eles pedem impostos mais baixos – e estão desejosos de ver os escalões mais elevados tornarem-se os beneficiários principais numa mudança fiscal ainda mais regressiva. Confrontados com a corrupção do Congresso por parte de lobistas a actuarem em favor dos interesses estabelecidos, rejeitam o próprio governo e procuram segurança em comunidades locais fechadas. Vêem o Congresso e parlamentos por todo o mundo a perderem autonomia para o FMI, a UE e outras organizações do Consenso de Washington a procurarem impor austeridade e mudança do fardo fiscal para cima do trabalho e a indústria, e para fora da propriedade e das finanças predatórias.

O único meio de impedir uma mudança fiscal regressiva e o esmagamento pela dívida é ganhar controle de governos em nome do espírito das reformas económicas clássicas e da Era Progressiva. Pelo menos é por isto que os trabalhadores gregos estão a rebelar-se. Alguém deve controlar o governo e se as forças democráticas abandonarem o combate o sector financeiro apertará as suas tenazes.

A semana passada foi apenas o princípio deste drama. A resposta por parte das economias pós-soviéticas, as quais retiveram as suas próprias divisas, está para vir no próximo Verão ou Outono.

11/Maio/2010

. [*] Autor de America's Protectionist Takeoff 1815-1914

Notas
[1] "Austerity drives are old news for Baltic States", Baltic Course, May 10, 2010. http://www.baltic-course.com/eng/analytics/?doc=26683 )
[2] Ben Hall, "Governments to control loan guarantee scheme", Financial Times, May 10, 2010, http://www.ft.com/cms/s/0/dd695f76-5c19-11df-95f9-00144feab49a.html .

[NR] Tea Party: movimento político de direita nos EUA iniciado em 2009, constituído sobretudo por sectores da pequena e média burguesia afectados pela crise. As suas manifestações incidem sobretudo em questões fiscais. O nome do movimento inspira-se no incidente de 16 de Dezembro de 1773, em que cidadãos americanos abordaram três navios da East Indian Company atracados no porto de Boston e lançaram ao mar as suas cargas de chá. O acontecimento ficou conhecido como o "Boston Tea Party". Foi uma reacção ao Tea Act de 1773, aprovado pelo Parlamento a fim de salvar a British East India Company da bancarrota. Este diploma eliminava quase todos os impostos sobre o chá, permitindo que chegasse a um baixo preço aos consumidores americanos e assim afastando do negócio os contrabandistas da colónia.


O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=19107

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
13/Mai/10