Capitalismo financeiro x capitalismo industrial
A nossa economia está a evoluir para algo diferente do que a maioria
das pessoas imagina. O sistema emergente tem parca relação com o
que os livros de texto académicos descrevem, para não falar do
que os políticos prometem.
Os problemas de hoje são também diferentes daqueles que marxistas
e outros críticos vêm há muito denunciando. É
verdade, a luta de classes foi posta em marcha novamente desde o colapso do
comunismo soviético. Mas o capital industrial assim como o Trabalho
são vítimas de ataque numa guerra mortífera do capital
financeiro contra o capital industrial e até contra o poder dos governos
de manter controlo sobre as economias nacionais.
Marx foi demasiado optimista?
Em face desta nova forma de guerra económica, as fundações
do capitalismo estão a provar ser mais fracas do que Marx acreditava.
Poderíamos até desejar nostalgicamente que o sistema ainda
mantivesse a promessa que tinha para Marx e os seus contemporâneos
vitorianos.
Desde a altura que os socialistas cunharam o termo 'capitalismo', a meio do
século XIX, a palavra foi usada principalmente como uma invectiva. No
entanto, para Marx significava a etapa histórica que precedia o
socialismo uma etapa que parecia prometer quase automaticamente a
travessia para um mundo melhor. O papel histórico do capitalismo era
preparar o mundo para o socialismo através da integração
das economias nacionais de todo o mundo num mercado único, cujas
corporações empresariais cresceriam tanto em escala que acabariam
por constituir virtualmente um planeamento. Tudo o que faltaria ao socialismo
seria tomar conta de um sistema industrial preparado e mobilizar os seus
excedentes económicos para elevar as massas da Humanidade.
As teorias das etapas de desenvolvimento são inerentemente optimistas no
sentido que o passo evolucionário seguinte parece estar impresso
embrionariamente na molécula de DNA da sociedade (na verdade, da
civilização). Marx até apoiava o comércio livre com
o argumento de que este aceleraria este processo evolutivo. Inimigo da
burocracia, via os governos dos seus dias dominados pelas aristocracias
latifundiárias, nobrezas militarizadas ou satrápias coloniais. A
sua tendência era actuar contra obstáculos reaccionários ao
organismo económico que tentativa evoluir, inclinados como estavam a
defender interesses especiais através de direitos adquiridos que
retinham controlo político sobre os processos fiscal e legislativo.
No que concerne ao sector financeiro, as fraudes e corrupção que
caracterizaram a especulação dos caminhos-de-ferro americanos e
os "aguamentos" de acções, os fracassos dos grandes
investimentos internacionais nos canais do Suez e do Panamá levaram
à ruína os accionistas que subscreveram originalmente estes
projectos. Mas isto parecia ser simplesmente parte das dores de crescimento do
capitalismo industrial. No fim, esperava-se que a racionalidade vencesse. No
3º volume de
O Capital
(editado após a sua morte por Engels), Marx
exprimiu uma fé optimista em que o capital financeiro se subordinaria ao
capital industrial. Descreveu o sistema bancário como uma
'invólucro', agindo cada vez mais como o braço planeador dentro
do capitalismo industrial, levando a economia mundial a aproximar-se do
socialismo internacional.
Na Inglaterra, John Hobson descobriu que a raiz principal do imperialismo era a
expansão do capital financeiro. A deflação da
dívida levou ao sub-consumo nas economias industriais, obrigando a
expansão financeira a tomar a forma de uma competição por
colónias como esferas de influência, apesar de a maioria das
trocas e investimento continuarem a estar centrados nos próprios
países industriais principais, pois era aí que estava a maior
parte do dinheiro.
Na América, imperadores da finança e os reis do
imobiliário que eles entronizaram, predominavam sobre os capitães
da indústria. Thorstein Veblen analisou como as relações
pecuniárias a sua estrutura financeira e monetária
distorceram o sistema económico, afastando-o do modo como deveria ser
racionalmente gerido por engenheiros. Na Alemanha, cujas estruturas
bancária e industrial se tornaram mais estreitamente integradas do que
na Inglaterra e nos Estados Unidos, em 1910 o socialista Rudolf Hilferding
cunhou a expressão "capitalismo financeiro".
Enquanto a Inglaterra se encaminhava para a entrada da Grande Guerra, Herbert
Somerton Foxwell escreveu uma série de artigos para o
Economic Journal
em que exprimia a sua preocupação acerca da vantagem industrial
que a Europa continental ganhava sobre o seu próprio país,
precisamente devido a um sistema bancário mais orientado para a
indústria. Os bancos ingleses tinham evoluído inicialmente a
partir da banca mercantil dos ourives concedendo crédito de curto
prazo a mercadores para financiar o transporte de bens, especialmente a sua
importação e exportação e depois pelo Banco
de Inglaterra, monetizando os empréstimos para o governo financiar a sua
dívida de guerra (finalidade para o qual o banco fora criado em 1694).
No entanto, desde o início da Revolução Industrial os
bancos mercantis ingleses mantiveram-se afastados do financiamento da
tecnologia manufactureira. James Watt financiou a sua máquina a vapor
com fundos emprestados pela sua família e amigos, e outros industriais
foram subsequentemente obrigados a fazer o mesmo. A maioria do investimento em
capital industrial e outros meios de produção foi
opção afastada pelos financeiros. O sistema bancário
comercial limitou as suas actividades a avançar dinheiro a pronto contra
ordens de exportação e a conceder outros créditos
empresariais de curto-prazo, devidamente colateralizados. Isto ocorre
até aos dias de hoje.
Após a I Guerra Mundial o Tratado de Versalhes atrelou à Alemanha
dívidas de reparação impagavelmente grandes. Enquanto o
país desnudava a sua economia na tentativa de pagar essas
dívidas, os Aliados viram-se amarrados à surpreendente
exigência americana do pagamento das armas que haviam fornecido aos seus
aliados militares. Historicamente, tais dívidas sempre foram perdoadas
aquando da cessação das hostilidades. A exigência deste
pagamento pelos EUA virtualmente obrigou a Inglaterra e a França a
seguirem uma linha dura de cobrança da dívida de
reparação à Alemanha.
Os financeiros teóricos que insistiam que as economias eram capazes de
satisfazer qualquer volume de pagamento de dívida ou de
transferência de capital representam um elo intermediário entre os
'bullionistas' ricardianos do século anterior até aos
monetaristas de hoje. As suas mal orientadas políticas foram
contrabalançadas por John Maynard Keynes em Inglaterra e Harold Moulton
nos EUA, que reconheceram haver limites para a capacidade de pagamento de
dívidas. Mas os governos não responderam aos seus alertas, e o
insucesso da Conferência Económica de Londres tornou a Grande
Depressão inevitável.
No entanto, o capitalismo emergiu da Segunda Guerra Mundial em tão boa
forma que até Estaline anunciou ao Comintern que não haveria
qualquer crise económica pós-guerra. Ao contrário da
Primeira Guerra Mundial, as potências derrotadas não foram
afogadas em pagamentos de compensação, tendo-se
reconstruído sem dívida interna ou externa. Isto proporcionou a
base para os milagres económicos alemão e japonês. No caso
da Alemanha, os Aliados cancelaram as dívidas na sua "Limpeza de
Ficha" de Junho de 1948. O Japão viu a sua ligação
pós-feudal de aristocratas latifundiários, bancários e
industriais militares destruída pela reforma agrária do general
MacArthur e as reformas bancárias associadas. A indústria de
guerra evoluiu para um Ministério do Comércio e Indústria
(MITI) orientado para o futuro.
Nas economias dos Aliados, os consumidores emergiram da guerra livres de
dívidas (pois tinha havido poucos bens de consumo para comprar durante a
guerra e consequentemente poucos motivos para contrair empréstimos), e
com poupanças abundantes, acumuladas durante a guerra. Não houve
qualquer inflação do pós-guerra, nem a espécie de
deflação pós-guerra que havia estrangulado a economia
britânica após a Primeira Guerra.
Os governos estavam relativamente livres de dívida, assim como os
sectores empresariais e de imobiliário. As baixas taxas de juro do
período de guerra haviam permitido que as dívidas amadurecessem,
estendendo-se no tempo, para que os juros e as principais necessidades
não elevassem os custos habitacionais ou da produção
fabril.
Parecia que o futuro do capitalismo seria limitado apenas pelos horizontes
tecnológicos. Ao contrário do medo generalizado dos retornos
decrescentes e da exaustão dos recursos, os preços dos
combustíveis e dos minerais declinaram devido às melhores
técnicas extractivas do petróleo e do gás e às
inovações na mineração como os grandes equipamentos
de movimentação de terras e a peletização do
minério de ferro. Os plásticos substituíram os recursos
não-renováveis na construção, nos automóveis
e em outros produtos.
De facto, uma revolução dos consumidores ocorreu com a
difusão de aplicações que reduziram o trabalho, enquanto
uma cultura difusa do automóvel passou a dominar a paisagem. Os custos
dos telefones foram cortados, enquanto a televisão passou a
transmissão a cor e por cabo. A difusão do entretenimento
associada à computorização permite agora às pessoas
entreterem-se até à morte, se assim o desejarem.
Os custos dos transportes foram amplamente reduzidos pelo despacho
marítimo de cargas em contentores e pelo transporte aéreo mais
económico, enquanto as viagens espaciais e o lançamento de
satélites de comunicações ajudaram a integrar a economia
mundial.
Na esfera da saúde pública, drogas maravilhosas (e DDT) ajudavam
a erradicar as principais doenças, como a malária, enquanto
vacinas inoculavam populações inteiras contra a poliomelite,
varíola e outras mazelas. Os novos métodos de diagnóstico
desde os raios-X às TACs foram acompanhados por inovações
na microcirurgia, transplantes de órgãos e engenharia
genética. As pessoas agora vivem mais tempo. A segurança social e
a criação de planos de reforma a longo prazo providenciara
segurança após a retirada de actividade, enquanto a rede de apoio
social se difundira sobre a população, ajudada por leis de
igualdade de oportunidades.
O que correu mal, então? Tendo a produtividade laboral aumentado e tendo
sido abertos novos horizontes tecnológicos, porque é que
não ficou toda a gente rica? Porque é que essas
inovações não melhoraram a qualidade de vida
proporcionalmente?
Um problema associado com a nova cultura de consumo foi a
degradação ambiental. Apesar de reconhecida pelos economistas de
meados do século XIX (em especial por teóricos da tecnologia
americanos, como Erasmus Pahine Smith e Marsh, que cunharam o termo
'ecologia'), esta é apenas uma das dimensões que foi ignorada
pela corrente dominante dos economistas académicos como constituindo uma
"externalidade" (como o capítulo 10 discutirá em maior
detalhe).
A maior parte dos problemas sérios encontra-se na esfera financeira,
onde os encargos gerais da dívida da economia cresceram mais rapidamente
do que a capacidade de a economia 'real' cumprir com a dívida.
Poderíamos chamar às suas exigências de juros e
amortização "a poluição por
dívida", sufocando o ambiente económico tal como o ar e a
água poluídos afectam a biosfera terrestre.
Os gastos em consumo subiram de modo marcante, mas nos anos mais recentes
têm sido financiados crescentemente por dívidas, cujos pagamento
de juros e amortizações absorverão rendimentos futuros.
Estes rendimentos não estão mais em ascensão, mas sim em
queda para a maioria dos trabalhadores. Se as mulheres e as minorias
étnicas ganharam igualdade nos locais de trabalho nos últimos
anos, foi principalmente porque foram forçadas a entrar para o mercado
de trabalho devido a um esmagamento dos salários da maior parte das
famílias.
Uma das maiores conquistas das gerações recentes foi o
desaparecimento de uma guerra mundial como ameaça iminente. O colapso do
Comunismo Soviético prometia um fim da corrida mundial às armas,
mas os governos continuam a incorrer em défices. É como se o fim
da Guerra Fria tivesse posto a guerra de classes de novo em
acção. Os gastos militares não decresceram
significativamente e os governos por todo o mundo descobriram uma nova fonte
para alimentar défices orçamentais: corte de impostos para os
ricos. Nesta nova guerra económica a táctica mais efectiva
é oferecer reduções modestas nos impostos sobre os
rendimentos para as classes baixas, enquanto se compensa esta diferença
deslocando a tributação para os ombros dos consumidores
através de impostos sobre a produção e valor acrescentado,
assim como aumentando a cobrança de encargos para a
manutenção da Segurança Social.
Se a economia mundial está a tornar-se mais estreitamente integrada, as
forças financeiras do globalismo corporativo estão a deixar cada
vez menos espaço para os governos nacionais moldarem o ambiente
económico no qual opera o seu trabalho e capital. Este globalismo emana
dos EUA, tomando uma forma centrípeta em vez de difundir a riqueza a
partir do centro da riqueza para a periferia pobre.
Ao denominarem uma proporção crescente das suas dívidas
públicas e privadas em dólares aumentaram drasticamente o encargo
de dívidas para países com divisas em depreciação.
Prenderam ainda economias estrangeiras à órbita da diplomacia
económica estado-unidense, principalmente forçando-as à
dependência do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da sua
instituição-irmã, o Banco Mundial. Estas
instituições impõem o mesmo monetarismo orientado para o
credor que destruiu a economia mundial nos anos 20, despoletando a Grande
Depressão. Em vez de ajudar as economias devedoras e pobres do mundo a
desenvolverem-se, os programas do FMI e do Banco Mundial
"subdesenvolvem"-nas, polarizando as suas economias entre uma
riquíssima camada superficial e uma paupérrima maioria.
Transformado no braço americano para a Guerra Fria sob a
direcção de Robert McNamara, o Banco Mundial tornou-se um
poderoso braço para uma nova luta de classes global, mais notoriamente
na Rússia e na Ásia Oriental.
O resultado tem sido deixar as economias mais pobres do mundo cada vez mais
afundadas em dívida e tão atadas financeiramente que se vêm
obrigadas a vender a instituições financeiras internacionais os
poucos activos que se mantêm no domínio público. Enquanto a
riqueza e os rendimentos se polarizaram como resultado da
intervenção activa do Banco Mundial e do FMI em nome das
cleptocracias dominantes por toda a África, América Latina e
Ásia, os ambientes físicos destes países devedores
têm sido devastados pelas consequências ecológicas dos
programas de exportação de matérias-primas do Banco
Mundial. Desencadearam-se pandemias graças ao desmantelamento dos
programas públicos de saúde, que foram despojados dos
orçamentos de Estado em favor do pagamento da dívida externa
crescente. Tais condições congelaram a capacidade dos governos
para conter novas doenças e empreender gastos sociais que beneficiem a
sociedade.
Ao invés de serem usados produtivamente, os procedimentos de
privatização têm sido dissipados principalmente para
financiar o corte de impostos para os mais ricos e para não cobrar
impostos sobre o investimento estrangeiro, subsidiando ainda a fuga de
capitais. A privatização do processo político entregou o
controlo aos maiores contribuidores das campanhas e aos proprietários
dos media.
O resultado é bastante diferente do que anunciava a promessa
tecnológica dos primeiros anos industriais pós-guerra. O mundo
confronta-se agora com a desindustrialização sem ter elevado os
níveis de vida para a maioria das populações. As
forças de trabalho são reduzidas sem terem atingido a
prosperidade que lhes foi prometida. O que aconteceu, essencialmente, é
que o capitalismo industrial foi substituído por um capitalismo
financeiro rematado.
Características do capitalismo rentista de hoje
A pulsão por ganhos de capital em mercados imobiliários e em
mercados de valores
Enquanto o velho capitalismo industrial procurava lucros, o novo capitalismo
financeiro procura ganhos de capital principalmente na forma de preços
de terras mais elevados e preços de outros activos que originem renda.
Esta tendência deve-se em parte a uma tentativa de escapar à
tributação de rendimentos. Desde que o imposto sobre o rendimento
foi introduzido, uma fatia crescente das receitas de negócios foi
reclassificada como "fluxo de caixa" não tributável. No
sector imobiliário o sector dominante na economia em termos de
volume de activos a re-depreciação e mesmo a
sobre-depreciação de edifícios e os pagamentos de juros de
hipotecas deixa os rendimentos tributáveis praticamente a zero! O mesmo
se passa nos negócios do petróleo e do gás, da actividade
mineira, florestal, dos seguros e da banca.
O arrecadador de impostos (um eufemismo para contribuintes) sofre, uma vez que
os investidores por todo o espectro económico tomam empréstimos
para alavancar um retorno mais elevado sobre a situação
líquida. À espera simplesmente de manter um ganho de capital para
si próprios, os investidores têm estado desejosos de comprometerem
virtualmente todo o seu fluxo de caixa junto a bancos e outros prestamistas.
Os antigos capitalistas industriais pelo menos obtinham os seus lucros
construindo fábricas, investindo em equipamento capital para empregar
trabalhadores remunerados e produzindo bens e serviços. Enquanto estes
velhos capitalistas encontraram o seu epítome na manufactura, o novo
capitalismo rentista está centrado no sector dos FIRE (Finance,
Insurance, Real Estate Finanças, Seguradoras e
Imobiliárias). O novo objectivo é reciclar as poupanças da
economia no imobiliário e no mercado de valores para aumentar os
preços de terras e da situação líquida, sem criar
novos activos. No mercado de valores, os ganhos de capital são
conseguidos com a redução da força de trabalho e cortes na
produção de modo a espremer mais receita, em vez de procurar
expandir para novas fatias de mercado através de novos investimentos
directos.
A terra, o maior activo da economia, dificilmente pode ser aumentada, mas seu
preço pode ser aumentado. De modo similar, os preços dos mercados
de acções aumentam não só devido aos fundos de
pensões e outras poupanças encaminhadas para o mercado mas
também devido ao volume de acções, que se vem reduzindo.
As acções vêm sendo retiradas pelos piratas corporativos
por troca com títulos de elevados juros (lixo) e por
corporações, usando os rendimentos para comprar as suas
próprias acções em vez de fazerem novos investimentos
directos (a IBM é o mais notório exemplo disto, frequentemente
gastando 10 mil milhões de dólares por ano nas suas
próprias acções em vez de fazê-lo em pesquisa e
desenvolvimento ou outro investimento de construção de mercados).
Inflação de preço de activos X inflação de
commodities
e de salários
Enquanto os salários nos EUA são mantidos em baixo pela
des-sindicalização,
out-sourcing
(pagando aos trabalhadores com base na produção de um produto em
vez de os empregarem a tempo inteiro) e redução dos
benefícios não-salariais, os salários em outros
países são devorados pela depreciação
crónica da moeda, decorrente dos fluxos para o exterior com pagamento de
dívidas e remessas de rendimentos.
As análises monetárias keynesianas distinguiam entre
inflação de lucros e inflação de salários
(e, por extensão, inflação dos preços de
commodities
). Mas não houve qualquer análise independente da
inflação dos preços dos activos como um fenómeno
distinto. Numa época em que a maioria dos bens foram colocados em
acções, a inflação foi simplesmente vista como
agente de erosão do poder de compra pelo pagamento de dívida, e
não criando procura por títulos. Hoje, enquanto a Reserva Federal
injecta dinheiro na economia ao comprar títulos do governo ao sector
privado, a inflação monetária foi contida principalmente
no interior do Mercado de títulos. O efeito foi aumentar o valor dos
activos financeiros baixando os seus ganhos com juros em vez de requerer
rendimentos mais altos para compensar a inflação dos
preços.
Mobilizando poupanças de fundos de pensões para elevar
preços nos mercados de acções
Marx sustentava que os lucros sob o velho capitalismo industrial derivavam da
utilização do trabalho assalariado, que definia
ipso facto
como exploração (o capitalismo fazia os seus lucros vendendo os
produtos do trabalho a um preço superior ao que o trabalho era
remunerado; O trabalho assalariado era assim a origem da mais-valia). O
capitalismo financeiro moderno encontrou uma nova maneira de explorar o
trabalho: mobilizar fundos de pensões, a Segurança Social e
outras poupanças de reforma para aumentar os valores das
acções dos mercados de valores, acções e
preços dos imobiliários. No entanto, uma crescente fatia de
ganhos com salários é espremida para pagar juros em
dívidas pessoais.
Sob o capitalismo industrial e seus antecessores, as poupanças eram
acumuladas principalmente por rentistas ricos que herdavam as suas terras e
imobiliário,
trust funds
e outros activos. Sob o capitalismo financeiro de hoje, as poupanças da
força de trabalho através de fundos de pensões e
Segurança Social viram crescer o seu papel dominante nos mercados de
acções e de títulos. Tal põe em questão se
as poupanças dos trabalhadores serão utilizadas em seu
benefício como classe, se em benefício dos rentistas.
Os défices dos orçamentos públicos derivam da nova guerra
financeira, não de guerras militares
As dívidas nacionais sob o velho capitalismo derivavam quase
exclusivamente de guerras. Os défices de hoje derivam principalmente do
corte de impostos sobre os ricos, especialmente nos sectores
imobiliário, financeiro e de seguradoras.
Enquanto o velho capitalismo era militarizado, o novo capitalismo financeiro
levou a dívidas nacionais tais que as economias não mais se podem
dar ao luxo de suportar guerras convencionais (pelo menos não no velho
estilo; o Vietname acabou com isso para sempre). Uma proporção
crescente do orçamento público é agora dedicada a pagar os
juros da dívida pública. Para tornar isto ainda pior, a taxa
fiscal é cortada para os rentistas que recebem os juros, acrescendo ao
seu vasto leque de isenções e reduções de impostos,
que vão conquistando enquanto ganham cada vez maior controlo sobre o
processo político através de contribuições para
campanhas e aumento de propriedade sobre os media. O poder de monopólio
é normalmente enterrado nos balanços, com a categoria de
intangíveis
(good will),
e a sua força é ampliada através de agências
governamentais obedientes. Ao ganhar o controlo sobre as principais escolas de
negócios através de patrocínios, os rentistas moldam o
processo educativo para fazer com que tudo isto pareça natural.
A teoria economia livre de valor do capitalismo rentista
Enquanto a teoria económica clássica era ensinada
maioritariamente por responsáveis religiosos, muitas vezes como
filosofia moral em escolas cristãs, o estudo da Economia mudou-se agora
para as escolas de negócios e empresas, cujo objectivo é
simplesmente ensinar ao aluno como ficar rico, não como ser feliz ou
como promover o bem-estar e a prosperidade gerais.
Os economistas clássicos centravam-se na teoria da renda como um
paradigmático "ganho não-merecido" quando comparado com
a indústria. Mas a economia de hoje ignora a terra como um factor de
produção. A ideia de renda foi basicamente apagada da área
de estudos. O antigo capitalismo usava a retórica de
inspiração popular enquanto confiava no governo como suporte
(incluindo a polícia). O novo capitalismo financeiro usa a
retórica individualista enquanto compra o controlo dos governos e
depende destes para o empréstimo de devedores para os seus
créditos (os cidadãos) e para garantir a segurança dos
seus activos financeiros.
Como antevisto por Marx, o capitalismo industrial caracterizou-se por uma
guerra de classe entre os trabalhadores e os seus patrões. Mas o
capital, industrial, assim como o trabalho, é vitimizado pelo
capitalismo financeiro de hoje. As corporações industriais
são alvos de piratas para serem dilaceradas, enquanto a força de
trabalho é reduzida e externalizada
(out-sourced).
E enquanto o antigo capitalismo usava uma retórica nacionalista para
se expandir por todo o mundo, o novo capitalismo financeiro usa uma
retórica internacionalista de "um só mundo", quando na
prática cria uma polarização económica e
assimetrias entre os centros financeiros e o resto do mundo.
A negação do contraste entre trabalho e investimento produtivo e
improdutivo
A força de trabalho dos EUA empregada na indústria, agricultura,
transportes e produção de energia o que os economistas
clássicos do séc. XIX classificavam como 'trabalho produtivo'
praticamente não aumentou desde 1929. Praticamente todo o
crescimento no emprego ocorreu ao nível dos governos federal, estaduais,
locais, dos FIRE (finanças, seguradoras e imobiliárias) e de
serviços relacionados com estes (como a justiça).
Fazendo distinção entre trabalho produtivo e improdutivo e
crédito, os economistas clássicos classificavam este
último como "improdutivo" e portanto com o carácter de
encargos gerais
(overhead).
Mas hoje isto está a ser saudado como o grande anúncio da
sociedade pós-industrial. O capitalismo financeiro de hoje considera
todo o trabalho, investimento e dívida como produtivos,
independentemente de como são utilizados. Parece então não
haver razões para classificar a proliferação de direitos sobre a riqueza
como uma actividade economicamente improdutiva ou parasitária.
Comutando os impostos para a indústria e os consumidores a fim de
desonerar fiscalmente os retornos dos rentistas
Sob o capitalismo industrial e seus antecessores, os impostos eram cobrados
principalmente sobre a terra e a propriedade de imóveis (inicialmente os
ganhos de capital eram tributados como rendimento normal nos EUA dos anos 20).
Mas o capitalismo financeiro desloca os impostos dos ganhos dos rentistas do
sector FIRE para os ombros do trabalho e da indústria. Os impostos
são cada vez mais extorquidos aos consumidores através das
vendas, impostos sobre o consumo e IVA, ao invés de tributar o
rendimento e a riqueza.
Teoria económica do equilíbrio X crescimento exponencial nos
encargos gerais de dívida da economia
A teoria económica primitiva lidava com taxas de crescimento
exponenciais. Na altura da Guerra Colonial da Grã-Bretanha com a
América, Richard Price contrastava as taxas de crescimento das
poupanças a juros compostos e simples. Em 1798, Thomas Malthus aplicou
esta comparação para contrastar taxas
"geométricas" de crescimento populacional a um (alegadamente)
"aritmético" crescimento na oferta de alimentos.
O modelo básico para crises financeiras era a tendência para o
crescimento exponencial das dívidas até que atingissem o limite a
partir do qual as obrigações não mais pudessem ser
cumpridas. Nesta altura o crédito era destruído e o sistema
económico caía com um "crash". Por contraste, a teoria
moderna assume que estabilizadores automáticos trarão de volta as
economias a um estado de equilíbrio se e quando estas forem perturbadas.
Tais teorias assumem
feedbacks
negativos (tendências que contrariam a perturbação
inicial), desprezando os
feedbacks
positivos, como o crescimento exponencial de dívidas ou retornos em
crescendo.
O pensamento económico primitivo focava-se no problema da dívida,
isto é, a tendência das dívidas a crescer exponencialmente,
excedendo a capacidade das economias de pagar (e de produzir). A economia
moderna assume que o dinheiro é apenas "um véu",
não intervindo nos processos económicos. Concentrando-se na
economia "real" tangível (descrita como operando sem
distorções por dívidas ou encargos gerais relacionados com
endividamento), a teoria económica moderna baniu o problema da
dívida para o reino das "externalidades".
A cultura é outra 'externalidade' económica
ignorada. Há um século, os optimistas imaginaram que ao aumentar
a produtividade o capitalismo industrial proporcionaria mais tempo de lazer e
consequentemente abriria novos horizontes culturais. Mas opondo-se ao papel dos
governos e usando a dívida pública como alavanca para a
privatização dos que eram até então serviços
públicos incluindo televisão pública e
radio-difusão, conselhos nacionais de cinema, arte e outros programas
culturais o capitalismo financeiro tendeu a comercializar a cultura
degradando-a até ao seu mais comum (baixo) nível, que é
também o mais lucrativo denominador comum.
O pensamento económico antigo também via a riqueza e os ganhos
como viciantes. Lidou com a ameaça que levava os ricos a um
comportamento arrogante e abusivo. Uma série de valores religiosos e
sociais foi criada para contrariar esta tendência humana para o
egoísmo viciante. Mas a teoria económica moderna baseia-se numa
visão de natureza humana que de modo irrealista assume uma utilidade
marginal decrescente para cada unidade sucessiva de riqueza. O problema com o
vício da riqueza e consequentemente, com a pulsão para o
poder pessoal não é reconhecido, nem tão pouco os
problemas de adição ao consumo.
A nova mentalidade empresarial é diferente daquela das sociedades
tradicionais. A maioria das comunidades tribais procura socializar os seus, de
modo a não torná-los arrogantes ou excessivamente orgulhosos. Mas
a riqueza de hoje é de tal maneira egoísta que agride os outros,
na ausência de qualquer mecanismo de restrição. As
características pessoais requeridas para a obtenção de
êxito sob o capitalismo financeiro estão associadas com a
ausência de tudo que não esteja directamente com a mentalidade do
"objectivo final".
A "alta" cultura (como a ópera ou orquestras
sinfónicas) tende a sofrer estrangulamento financeiro. Na medida em que
a nova decadência enfatiza os efeitos superficiais, é
provável que o carácter dos filmes se desloque daqueles com
tramas intensas sobre o carácter (e como este lida com as
tentações do excesso de arrogância da riqueza e do
êxito) para os efeitos sensacionais. De certo modo, podemos dizer que a
cultura se torna "proletarizada".
Na década de 1830 o economista britânico William Nassau Senior
iniciou as suas palestras em Cambridge anunciando "Não estou aqui
para falar sobre como fazê-los felizes, mas como torná-los
ricos". A maneira de ficar rico é muito simples. Tudo o que
precisamos é ganância, que é algo que não pode ser
ensinado. Requer a extirpação da cultura e do que muitas
sociedades acreditam ser a sensibilidade social que nos torna humanos.
Bem pagos recém-licenciados são obrigados a trabalhar entre 80 e
120 horas por semana. É assim que as corporações
seleccionam os seus novos empregados de confiança. O mesmo passava-se
com banqueiros, contabilistas e advogados nos anos 60. O objectivo é
excluir quaisquer novos recrutas que tivessem uma vida pessoal, família,
hobbies, interesses intelectuais ou culturais, ou algo que pudesse assumir
precedência sobre a vida corporativa. Todo o seu horizonte pessoal devia
consistir em dedicar a vida a trabalhar para o seu empregador.
Nem toda a gente queria passar por este processo de exclusão. Os
banqueiros costumavam brincar dizendo que os melhores correctores de divisas
estrangeiras, por exemplo, tinham de vir dos bairros de lata do Brooklyn ou de
Hong Kong alguém de uma família pobre, sem cultura
cavalheiresca, frequentemente de uma família imigrante cujo único
horizonte pessoal era fazer tanto dinheiro quanto possível.
Neste sentido a actual cultura dos rentistas é desumanizante. Quando a
liderança das corporações passou do que Thorstein Veblen
chamava os 'engenheiros' para os gestores financeiros, o objectivo deixou de
ser produzir mais ou expandir fatias de mercado e sim aumentar o preço
das acções, outros títulos e imobiliários. Se os
executivos descobriram que o seu próprio interesse é
"trabalhar para os accionistas", é especialmente porque
recebem mais da sua remuneração sob a forma de
opções sobre acções do que em salários. Usam
ganhos corporativos não para financiar novo investimento directo mas
para comprar as suas próprias acções, apoiando os seus
preços. Também cortam nas actividades pouco produtivas para
aumentar os ganhos e consequentemente aumentar o preço por
acção.
A "cultura da cobiça" resultante tornou-se
anti-tecnológica ao procurar ganhos de curto-prazo. Os gestores
corporativos rodaram de departamento em departamento, gerindo-os como centros
de lucro autónomos, desprezando a posição de longo-prazo
da empresa em geral. Vemos nestes novos gestores os "7
barões banqueiros" da Rússia, assim como os gestores
estado-unidenses uma imaturidade adolescente, um estilo de vida infantil
e egoísta. Têm tendência a ver a vida como um jogo, em que
se ganha se se acumular mais brinquedos/dinheiro que os rivais.
O papel perverso da dívida, crédito e poupanças nos dias
de hoje
Enquanto os impostos são utilizados crescentemente para satisfazer a
dívida pública em vez de servir para realizar serviços
públicos e empregar, a deflação da dívida no sector
não-financeiro deprime os preços dos bens e dos serviços,
assim como o nível dos salários. As poupanças consistem
basicamente de juros e dividendos de investimentos financeiros e são
recicladas no pagamento de dívida e mais especulação
financeira em vez de em novos investimentos directos e emprego.
A evolução disfuncional da banca comercial de hoje
Sob o capitalismo industrial que se desenvolveu em França e na Alemanha,
os bancos desempenharam um papel proeminente ao fornecer financiamento a
longo-prazo para a indústria, simultaneamente como credor directo e como
accionista. Mas os bancos de hoje desempenham apenas um pequeno papel
industrial, mesmo como intermediários, e o mercado de
acções não é a fonte principal de fundos para novo
investimento directo. Os bancos limitam-se a oferecer crédito
colateralizado contra recibos de bens já despachados para clientes
aceites de banqueiros e conjuntos de pendentes. Até nesta
área, as grandes empresas estão agora a ultrapassar os bancos
através da emissão do seu próprio papel comercial.
O papel do bens imobiliários mudou fortemente devido aos modos de
financiar os créditos de hipotecas a longo-prazo que apareceram nos anos
30. As Caixas Económicas (Savings and Loans, S&Ls) e bancos de
poupanças mútuas transfiguraram-se de algo destinado aos pequenos
compradores de casas para os grandes construtores imobiliários. Foram
engolidos pelo gigantesco complexo FIRE e tornados parte do processo da
globalização.
Marx previu que o capitalismo se iria industrializar menos no mundo
desenvolvido, mas não previu que o capitalismo industrial se tornaria
subordinado do capitalismo financeiro. Os velhos capitães da
indústria foram substituídos pelos imperadores da finança
e reis do imobiliário, o sector FIRE.
Bohm-Bawerk e outros imaginaram que modos tecnológicos de
produção rotativos ganhariam proeminência, imaginando que o
juro seria um pagamento para a espera ou "preferência de
tempo". Mas o sistema financeiro de hoje está a estraçalhar
a Investigação e Desenvolvimento e tecnologias que demorem tempo
a desenvolver, de modo a receber retornos imediatos, ao invés de andar
de mãos dadas com a tecnologia.
Enquanto o capitalismo industrial era nacionalista e patrocinado pelo estado, o
capitalismo financeiro global de hoje está a desmantelar os governos.
Afirma ser pacífico, uma vez que apenas os governos e
nações-estado podem praticar a guerra.
Mudança do carácter da balança de pagamentos e das taxas
de câmbio
Os pagamentos internacionais e valores monetários na prática e na
teoria do século XIX eram dominados pelas importações e
exportações. Apesar de o investimento e os
"invisíveis" serem já reconhecidos por James Steuart e
por matemáticos 'mercantilistas', desempenhavam um papel
secundário e não foram quantificados numa base estatística
sistemática até ao final da Primeira Guerra Mundial. Os
pagamentos internacionais e valores monetários de hoje são
atolados por movimentos de capital, especialmente acções de
curto-prazo e fundos de títulos. Para os autores antigos de textos de
economia isto seria como se "o cão andasse a perseguir a
cauda" [expressão anglófona que significa ter uma
pequeníssima parte a controlar o todo. NT].
Definição de uma economia de bolha
Uma bolha é essencialmente entendida pelo público como um
situação em que os rácios de preços/vencimentos
aumentam sem uma perspectiva de aumento dos vencimentos que restabeleça
o rácio. O mercado de valores e os valores imobiliários sobem
não devido a cálculos lógicos e ponderados de que estes
activos gerem novas receitas que os façam valer mais, mas simplesmente
devido a um excesso de poupanças sobre as oportunidades de investimento
directo que o absorvam. A inflação dos preços de activos
parece possuir uma inércia própria, criando uma expectativa de
que os activos possam sempre ser vendidos a outrem por um preço superior.
A transição para uma economia totalmente de bolha ocorre no ponto
em que os encargos da propriedade imobiliária que são arrendados
ou juros e custos associados à posse de activos excedem os
ganhos e o fluxo de dinheiro que é gerado. Senhorios endividados optam
frequentemente por abandonar a sua propriedade neste ponto, e os
empresários optam por abandonar as suas dívidas.
Quanto tempo pode uma bolha durar? Se há um limite para o processo,
qual é ele?
O grau até ao qual a dívida pode subir como
proporção dos ganhos pessoais, empresariais e governamentais
depende da taxa de juro cobrada, a maturidade da dívida (
i.e.,
quanto tem de ser pago ou esquecido ao longo de cada ano), e o grau em que os
impostos e outros custos absorvem as receitas. Uma vez que o ponto de
inflexão é ultrapassado quando os juros e outras despesas
essenciais excedam os ganhos a economia começa a contrair. Uma
quebra na corrente de pagamentos ocorre a seguir.
Exactamente quando e onde isto ocorre raramente pode ser previsto. Geralmente
há fraude financeira envolvida, como quando um corrector
monetário em Singapura arrasou a Baring Brothers. Tais comportamentos
tendem a proliferar em situações de bolha. O mercado de valores
começa a parecer um esquema de Ponzi, requerendo um fluxo crescente de
rendimentos todos os meses para premiar os investidores anteriores.
Uma definição alternativa para a Economia de Bolha foca-se
então na inflação do preço dos activos
ascensão dos mercados de acções, mercados de
títulos e de preços imobiliários em face de uma
deflação generalizada de dívida por toda a economia. Os
encargos crescentes de dívidas excedem o crescimento dos
salários, das rendas imobiliárias, dos lucros corporativos e das
receitas fiscais do governo. Uma deflação de dívida ocorre
quando os encargos com juros absorvem todos os rendimentos gerais. Após
subtrair os impostos e pagar custos de rendas, serviço de dívida
e outros gastos básicos, o salário mediano e os níveis de
consumo caem e o serviço da dívida já não
consegue novos empréstimos e especular.
A polarização económica entre credores e devedores
é agravada pelos cortes fiscais para os ricos e uma
reclassificação dos ganhos financeiros e de valores
imobiliários como ganhos de capital ou formas variadas de fundos de
"reserva" não-tributáveis.
Como a saúde da bolha requer uma economia moribunda
A saúde da bolha (se é que nos podemos referir a um cancro
financeiro como sendo saudável) deriva da perda de força da
economia em geral, empregando as suas poupanças de um modo doentio.
Qualquer tentativa de restauração de saúde séria na
economia "real" ameaça destruir a bolha da Wall Street, pois
para estas não só as poupanças devem aumentar como devem
ser desviadas do investimento em capital tangível para continuar a
inflacionar os preços das acções, títulos e
imobiliário. O que é saudável para a Wall Street é
então um anátema para a economia em geral. É por isso que
os investidores de Wall Street se retraem instintivamente quando o emprego e o
investimento sobem.
A essência da bolha financeira global é que as poupanças
são desviadas para inflacionar o mercado de valores, o mercado de
acções e os preços imobiliários em vez de serem
utilizadas para construir novas fábricas e empregar mais trabalho. O
sistema ameaça entrar em colapso de tal maneira que deixará um
legado de custos de limpeza financeira das dívidas por pagar que tem um
equivalente nas "más poupanças", isto é,
poupanças emprestadas a especuladores que usam o dinheiro simplesmente
para comprar propriedades existentes em vez de utilizá-lo para criar
novos activos.
Este reconhecimento pelos estrategas financeiros da Wall Street fundamenta a
pressão para privatizar a Segurança Social. O sistema da
Segurança Social não está doente, mas não é
esse o ponto-chave. O objectivo real não é aliviar o sistema, mas
sim aliviar o mercado de acções. Se as vastas somas investidas em
títulos do governo pudessem começar a ser comutadas para o
mercado de acções, o efeito seria elevar os preços das
acções. Claro que, quando for altura de o sistema começar
a pagar quando o número de reformados exceder o número de
novos empregados que contribuem para o sistema o resultado será
um fluxo de saída do mercado de acções.
Mas isso, como diria Rudyard Kipling, é outra história. A maior
parte dos gestores de fundos de hoje estará regaladamente reformada, a
viver dos seus bónus acumulados. A população geral
será aconselhada a manter as suas acções a longo-prazo.
Ser-lhes-á recordado que as acções têm ultrapassado
os títulos ao longo dos últimos dois séculos.
Os jogadores financeiros operam a curto-prazo. Ao primeiro sinal de uma queda,
saem, procurando surfar as ondas para cima e para baixo. Nunca os seus
conselhos aos seus clientes foram tão diversos da sua própria
actuação.
Além do ciclo dos negócios rumo a uma mudança de fase
Enquanto o capitalismo industrial era caracterizado por ciclos de
negócios, o novo capitalismo financeiro não é
primariamente cíclico no seu carácter. Representa uma
mudança estrutural pois, como Hegel apontou, um aumento na quantidade
torna-se, a partir de certo ponto, uma mudança na qualidade.
O capitalismo industrial era alimentado a tecnologia. A produção
mecanizada cortou os custos do trabalho, tendendo a tornar o trabalho
especializado e altamente instruído mais importante (por outras
palavras, a ênfase dada por Veblen aos planeadores e engenheiros
económicos da sociedade). Mas o capitalismo financeiro de hoje parece
afastar-se do avanço tecnológico, da Pesquisa e Desenvolvimento e
de mais produção. Desvaloriza a educação, prezando
algo que não pode ser ensinado nas escolas: ganância, cujas
sociedades anteriores associava com falta de visão.
O sistema financeiro global (
i.e.,
baseado nos EUA e estendido por todo o lado) é algo novo, mas no
entanto é também uma regressão para o problema
"pré-capitalista" da usura, das dívidas reclamadas
superarem a capacidade das economias de produzir e de ganhar. A dívida
com juros a capitalizar de modo composto tem andado por aí desde a
milenar Suméria. Depois de polarizar as sociedades e de ser um grande
catalisador da concentração da propriedade fundiária (ver
Isaías e historiadores romanos), acabou por estrangular as sociedades da
Antiguidade.
O problema das formações rentistas pré-capitalistas
sobreviveu, no entanto, na molécula do DNA capitalista. Este DNA pode
ter no entanto trazido consigo uma falha fatal para o capitalismo moderno, uma
doença que se disseminou como um cancro. O pico de dívida que se
ergue para esmagar os arranques económicos assinala a dominância
das finanças sobre a indústria, da "riqueza virtual"
(dívida não cobrada assumida como riqueza) sobre aquilo que os
economistas ainda chamam de riqueza "real", como se as
finanças fossem menos reais que as estruturas físicas
tangíveis.
O que é novo hoje é então que na História anterior
apenas no final da Antiguidade em Roma é que houve
dinâmicas da dívida (a que Einstein chamava o milagre da natureza)
não controladas. Na terra-mãe mesopotâmica da dívida
com juros, as dívidas não-comerciais foram anuladas por decreto
real quando começaram a tornar-se demasiado grandes. Nos tempos
modernos, a bancarrota limpou dívidas à escala individual e
empresarial, e até governamental. Mas o fenómeno da dívida
agora libertou-se de quaisquer impedimentos, tornando-se autónomo,
não subordinado aos processos económicos "reais",
i.e.,
a acumulação tangível de riqueza e a capacidade de pagar.
Chamar ao capitalismo financeiro de hoje "moderno" implicaria que
fosse progressivo. Mas é retrocessivo na medida em que representa um
retorno aos problemas pré-capitalistas da usura (mas não a
escravatura directa). O que é moderno é que enquanto o fardo da
dívida era denunciado na antiguidade clássica, hoje o seu
florescimento é bem-vindo na sua imagem reflectida
"poupanças" no lado dos activos dos balanços da
economia como que a apregoar uma próspera sociedade
pós-industrial.
Supõe-se que as poupanças (que encontram o seu reflexo nas
dívidas dos outros) são inerentemente associadas à
capacidade de atingir novos horizontes tecnológicos, médicos e
culturais. Mas na medida que dívidas/poupanças andam agora de
mãos dadas com a polarização económica, estes
horizontes estão a ser limitados em vez de expandidos.
A questão é: O que fazer? Como deveria a genética do nosso
sistema ser redesenhada de modo a torná-la imune ao cancro da
dívida?
O capitalismo industrial tornou-se notório por criar prejudiciais
efeitos ambientais "externos" como a poluição,
acidentes industriais e sofrimento social. O capitalismo financeiro
ameaça exacerbar em vez de curar estas "externalidades". A
privatização do processo político provavelmente
deterá a implementação de barreiras comportamentais tais
como obrigar as indústrias a serem responsáveis pela limpeza do
que poluem, pela poluição que produzem ou pelos custos
médicos associados a doenças relacionados com o fumo.
O capitalismo financeiro de hoje também decepcionou as esperanças
de maiores progressos na tecnologia médica. A privatização
dos sistemas de saúde muda o objectivo decisivo: desloca-se de curar
doenças para fazer lucro. Como a banca e a finança, a tecnologia
médica de maior custo poderá deslocar-se para centros
bancários onde a tributação esteja ausente e onde a nova e
cara tecnologia médica não precise ser disseminada por um grande
número de pacientes.
Tendo-se tornado autónomo, o cancro da dívida tomou controlo
sobre as políticas nacionais e globais. De facto, vemos hoje a
dolarização da dívida em certos países,
forçando uma depreciação monetária crónica
pelo pagamento da mesma. No final dos anos 70, os municípios canadenses
conseguiram poupar alguns décimos de um ponto percentual de juro ao
contrair dívida em marcos alemães e francos suíços.
Quando o dólar canadense caiu, o pagamento de dívidas nestas
divisas subiu. De modo similar na Ásia de hoje, quando a fuga do capital
minou as unidades monetárias tailandesas, indonésias, coreanas e
de países vizinhos, fê-las cair e levou à bancarrota muitas
empresas endividadas.
O processo de privatização exacerba este fenómeno por todo
o mundo. As receitas da electricidade e outros monopólios que eram
até hoje públicos estão em divisa local, mas as suas
dívidas são renomeadas em dólares. Este problema de
transferências cria pressão sobre as divisas e quanto mais
a divisa cai, mais dolarizado se torna o fardo da dívida.
Há que imaginar os problemas que resultariam da criação de
um mercado de hipotecas russo para privatizar os bens imobiliários. Os
retornos seriam em rublos mas os pagamentos de juros para o estrangeiro seriam
feitos em dólares. Enquanto o rublo caía, o custo de pagamento da
dívida subia.
Fenómenos tais ameaçam impor uma deflação
permanente da dívida, invertendo a tendência mundial persistente
que existia até há muito pouco tempo. Uma pista do que
está a caminho pode ser vista nas deflações após a
Guerra Civil americana, da década de 1870 e as deflações
dos anos 20 na Inglaterra pós Primeira Guerra Mundial. Enquanto o
capitalismo industrial beneficiou de muitas maneiras da
monetização das dívidas de guerra da Europa e da
América do Norte, podemos pensar na distopia financeira que vem a
caminho como uma deflação de dívida de pós-guerra.
A reciclagem das poupanças no financiamento de bolhas
imobiliárias e de mercados de valores é algo que nunca aconteceu
deste modo antes. Em tempos passados, as pessoas contraíam
empréstimos imobiliários apenas por necessidade (hipotecar a
casa). As Caixas Económicas (
Savings & Loans)
e
Jusen
japoneses são fenómenos relativamente recentes, do pós
Grande Depressão. Os bancos de poupanças foram inventados no
século XIX para emprestar dinheiro aos trabalhadores de bairro,
não a grandes construtores imobiliários da Florida,
Califórnia ou Texas. O "mutualismo" dos bancos de
poupanças está agora a ser destruído.
Estas mudanças estruturais no sistema económico não
são periódicas, excepto na medida que as economias também
eram estranguladas pelo sobre-crescimento de dívida na Antiguidade. A
sociedade cai numa depressão crónica. Novas estruturas
poderão emergir enquanto a energia económica se vai perdendo,
permitindo que novas formas se desenvolvam (embora de modo diverso daquele em
que os seus antecessores se desmoronaram).
[*]
Contribuição para
The Other Canon Conference on Production
Capitalism vs. Financial Capitalism,
Oslo, 3-4/Setembro/1998.
mh@michael-hudson.com
O original encontra-se em
http://www.michael-hudson.com/
. Tradução de João Camargo
Este ensaio encontra-se em
http://resistir.info/
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