Salvamento financeiro: A cleptocracia dos EUA em acção
A maior transformação do sistema financeiro dos EUA desde
a Grande Depressão
por Michael Hudson
Ninguém esperava que o capitalismo industrial acabasse assim.
Ninguém sequer percebeu que evoluía nesta direcção.
Receio que esta falha não seja invulgar entre futurólogos: A
tendência natural é pensar acerca de como as economias podem
crescer melhor e evoluir, não de como podem ser descarriladas. Mas
surge sempre uma estrada imprevista, e então a sociedade arrebenta-se
contra a sua margem.
Que par de semanas!
[1]
Domingo, 7 de Setembro, o Tesouro assumiu a exposição
hipotecária de US$5,3 milhões de milhões
(trillion)
da Fannie Mae e do Freddie Mac, cujos responsáveis já haviam
sido removidos por fraude contabilística.
Segunda-feira, 15 de Setembro, a Lehman Brothers entrou em bancarrota, quando
compradores em perspectiva da Wall Street não puderam ter qualquer
sentimento de realidade a partir da sua contabilidade financeira. Na
quarta-feira o Federal Reserve concordou em tornar bom, por pelo menos US$85
mil milhões, os pretensos prémios "segurados"
possuídos por jogadores financeiros que em transacções
conduzidas por computadores apostaram em hipotecas lixo e compraram cobertura
de contraparte da AIG (o American International Group, cujo responsável,
Maurice Greenberg, já havia sido afastado há uns poucos anos por
fraude contabilística).
Mas é a sexta-feira, 19 de Setembro, que ficará na
história americana como o ponto de viragem da queda. A Casa Branca
comprometeu pelo menos a metade de um milhão de milhões
(half a trillion)
a mais para reinflacionar os preços do imobiliário numa
tentativa de apoiar o valor de mercado das hipotecas lixo hipotecas
emitidas muito além da capacidade dos devedores para pagar e muito acima
do preço de mercado do colateral que está a ser comprometido.
Este milhares de milhões de dólares foram destinado a manter um
sonho vivo as ficções contabilísticas registadas
por companhias que entraram num mundo irreal baseado na falsa contabilidade que
praticamente todos no sector financeiro sabiam ser falsa. Mas eles fingiram
acreditar, com a compra e venda de hipotecas lixo empacotadas, porque era
aí que estava o dinheiro. Como colocou Charles Prince, do Citibank:
"Enquanto eles tocam música, você tem de levantar e
dançar". Mesmo depois de os mercados entrarem em colapso,
administradores de fundos que evitavam participar foram acusados de não
jogar o jogo enquanto ele estava em andamento. Tenho amigos na Wall Street que
foram despedidos por não corresponderem aos retornos que os seus colegas
estavam a fazer. E os maiores retornos eram para ser feitos na
comercialização do maior activo financeiro da economia
dívida hipotecária. As hipotecas empacotadas, possuídas
ou garantidas pela Fannie e pelo Freddie sozinhas excediam toda a dívida
nacional dos EUA os défice acumulados incorridos pelo governo
americano desde que o país venceu a Guerra Revolucionária!
Isto dá uma ideia de quão grande foi o salvamento e onde
jazem as prioridades do governo (ou pelo menos dos republicanos)! Ao
invés de despertar a economia para a realidade, o governo lançou
todos os seus recursos na promoção do sonho irreal de que as
dívidas podem ser pagas se não pelos próprios
devedores, então pelo governo o que é um eufemismo para
"contribuintes".
BANKSTERS = BANQUEIROS + GANGSTERS
Da noite para o dia, o Tesouro e a Reserva Federal dos EUA mudaram radicalmente
o carácter do capitalismo americano. Isto é nada menos que um
golpe de Estado da classe que Franklin Dellano Roosevelt chamou de
"banksters" (banqueiros+gangsters). O que aconteceu nas
últimas duas semanas ameaça mudar o próximo século
irreversivelmente, se eles puderem escapar impunes disto. Trata-se da
maior e mais iníqua transferência de riqueza desde a dádiva
de terra aos barões dos caminhos de ferro durante a era da Guerra
Civil.
Mesmo assim, há poucos sinais de que isso possa acabar com a tagarelice
de livre mercado dos
insiders
financeiros que impediram a vigilância pública com a
nomeação de não-regulamentaristas para as principais
agências regulamentares e portanto criaram a confusão que o
secretário do Tesouro Henry Paulson diz agora ameaçar os
depósitos bancários e os empregos de todos os americanos. O que
ele realmente quer dizer, naturalmente, é simplesmente que os maiores
contribuidores para as campanhas dos republicanos (e para ser justo,
também os maiores contribuidores de candidatos democratas em
comités financeiros chave).
Uma classe cleptocrática tomou o comando da economia e substituiu o
capitalismo industrial. A expressão "banksters" de Franklin
Roosevelt diz tudo numa palavra. A economia foi capturada por um poder
estranho, mas não os suspeitos habituais. Não socialismo,
trabalhadores ou "big government", nem pelos monopolistas industriais
ou mesmo pelas grandes famílias da banca. Certamente não pelos
membros da Maçonaria e pelos Iluminati. (Seria magnífico se
houvesse na verdade algum grupo a operar com séculos de sabedoria por
trás de si, assim pelo menos alguém teria um plano). Ao
invés disso, os banksters fizeram um pacto com um poder estranho
não comunistas, russos, asiáticos ou árabes. Não
humanos de todo. O núcleo do grupo é uma nova raça de
máquina. Isto pode soar como os filmes Terminator, mas Máquinas
computorizadas na verdade tomaram o comando do mundo pelo menos o mundo
da Casa Branca.
Aqui está como eles fizeram isto. A AIG emitiu apólices de
seguro de todas as espécies necessárias para pessoas e
negócios: seguros de casas e propriedade, seguros de gado, mesmo
de
leasing de aviões. Estes negócios altamente lucrativos
não constituíam o problema. (Eles portanto serão vendidos
para pagar os maus jogos da companhia). A queda da AIG veio dos US$450 mil
milhões quase a metade de um milhão de milhões
que estavam enganchados por garantir o seguro de contraparte de hedge
funds. Por outras palavras, se dois participantes jogassem um jogo de soma
zero de apostas de um contra o outro sobre se o dólar subiria ou cairia
contra a libra esterlina ou o euro, ou se eles detivessem uma carteira de
hipotecas lixo para assegurar que elas fossem pagas, eles pagariam
uma pequeníssima comissão à AIG por uma apólice
prometendo pagar se, digamos os US$11 milhões de milhões do
mercado hipotecários dos EUA "afundasse" ou se perdedores que
colocassem milhões de milhões de dólares em apostas sobre
câmbios estrangeiros derivativos, acções ou títulos
derivativos devessem de alguma forma encontrar-se na posição em
que estão muitos patrões de Las Vegas, e ficarem incapazes de
produzir o cash para cobrir as suas perdas.
A MÃO INVISÍVEL
A AIG arrecadou milhares de milhões de dólares com tais
apólices. E graças ao facto de que companhias de seguro
são um paraíso Milton Friedman não regulamentadas
pelo Federal Reserve ou qualquer outra agência à escala nacional,
e portanto capazes de obter o proverbial almoço gratuito sem
supervisão do governo a emissão de tais apólices
era feita pelas impressoras dos computadores, e a companhia arrecadava taxas e
comissões maciças sem colocar muito do seu próprio
capital. Isto é o que se chama
"auto-regulação". É como se supõe que
trabalhe a Mão Invisível.
Verificou-se, inevitavelmente, que algumas das instituições
financeiras que fizeram jogos de milhares de milhões de dólares
habitualmente na forma de um milhar de milhão de dólares
jogados no decorrer de uns poucos minutos ou pouco mais não
podiam pagar. Todos estes jogos ocorreram em microsegundos, com toques num
teclado quase sem interferência humana. Neste sentido, não
é improvável que pessoas estranhas tomem o comando. Mas neste
caso elas são como máquinas robot, daí a analogia que fiz
acima com os Terminators.
Sua súbita dominação é tão
imprevista quanto uma invasão de marcianos. A analogia mais
próxima é a dos boys de Harvard, do Banco Mundial e da USAID
a invadirem a Rússia e outros economias pós-soviéticas
após a dissolução da URSS, pressionando dádivas do
mercado livre a fim de criar cleptocracias nacionais. Deveria ser um sinal
preocupante para os americanos o facto de estes cleptocratas terem-se tornado
as Fortunas Fundadoras dos seus respectivos países. Deveríamos
ter em mente a observação de Aristóteles de que a
democracia é a etapa política que precede imediatamente a
oligarquia.
As máquinas financeiras que colocaram as transacções que
levaram a AIG à bancarrota foram programadas por administradores
financeiros para actuarem com a velocidade da luz na condução de
transacções electrónicas que duravam apenas uns poucos
segundos, milhões de vezes por dia. Só uma máquina podia
calcular probabilidades matemáticas decompostas em factores a olhar os
rabiscos para cima e para baixo de taxas de juro, taxas de câmbio e
preços de acções e títulos e preços
de hipotecas empacotadas. E estes últimos pacotes tomavam cada vez mais
a forma de hipotecas lixo, pretendendo serem dívidas pagáveis mas
na realidade vazias.
CAPITALISMO DE CASINO
A máquinas empregadas pelos hedge funds, em particular, deram um novo
significado a Capitalismo de Casino. A expressão foi muito aplicada a
especuladores que jogavam no mercado de acções. Ela significa
fazer apostas cruzadas, perder algo e ganhar algo e o obter do governo o
salvamento dos não pagadores. A viragem na tempestade das
últimas duas semanas é que os vencedores já não
podem arrecadar as suas apostas a menos que o governo pague as dívidas
que os perdedores são incapazes de cobrir com o seu próprio
dinheiro.
Alguém poderia pensar que isto exige algum grau de controle sobre o
governo. A actividade provavelmente nunca deveria ter sido licenciada. De
facto, ele nunca licenciou, e portanto nunca regulamentou. Mas parecia haver
uma boa razão: os investidores em hedge funds tinham de assinar um
papel a dizer que eram suficientemente ricos para se permitirem perder o
seu dinheiro neste jogo financeiro. Aos pequenos investidores médios
não era permitido participar. Apesar dos altos prémios que
milhões de minúsculas transacções geravam, elas
eram consideradas demasiado arriscadas para os não iniciados sem fundos
confiáveis para jogar.
Um hedge fund não faz dinheiro a produzir bens e serviços. Ele
não avança fundos para comprar activos reais ou mesmo emprestar
dinheiro. Ele toma emprestado enormes somas para alavancar sua aposta com
crédito praticamente livre. Seus administradores não são
engenheiros industriais e sim matemáticos que programam computadores
para fazerem apostas cruzadas ou
"straddles"
[2]
quanto ao caminho em que se
podem mover taxas de juros, taxas de câmbio de divisas e preços de
acções ou títulos ou preços de hipotecas
bancárias empacotadas. Os empréstimos empacotados podem ser
saudáveis ou podem ser lixo. Isso não importa. Tudo o que
importa é fazer dinheiro num mercado em que a maior parte das
transacções dura apenas uns poucos segundos. O que cria os
ganhos é a fibrilação-volatilidade dos preços.
Esta espécie de transacção pode fazer fortunas, mas
não é "criação de riqueza" na forma que a
maior parte da pessoas reconhece. Antes da fórmula matemática de
Black-Scholes para o cálculo do valor de apostas hedge, esta
espécie de opção
put and call
era demasiado custosa para proporcionar muito lucro para quem quer que seja
excepto as casas correctoras. Mas a combinação de computadores
poderosos e a "inovação" do crédito quase
grátis e o livre acesso às tabelas do jogo financeiro fizeram
possível um frenético movimento de ida e volta.
Então, por que o Tesouro considerou necessário entrar neste
quadro? Por que deveriam estes jogadores serem salvos se eles tinham bastante
dinheiro para perder sem se tornarem protegidos públicos? O
comércio do hedge fund era limitado aos muito ricos, a bancos de
investimento e outros investidores institucionais. Mas ele tornou-se um dos
meios mais fáceis para fazer dinheiro, tomando emprestado financiamento
a juro para que as pessoas os pagassem a partir das suas
transacções cruzadas conduzidas pelo computador. E quase
tão rapidamente quanto era feito, este rendimento era pago em
comissões, salários bónus anuais que recordavam a Era
Dourada da América nos anos anteriores à I Guerra Mundial
anos antes de o imposto sobre o rendimento ser introduzido, em 1913. A coisa
notável acerca de todo este dinheiro era que aqueles que o recebiam
não tinham nem mesmo de pagar o imposto do rendimento normal sobre ele.
O governo deixava-os chamar a isto "ganhos de capital", o que
significava que o dinheiro era tributado a apenas uma fracção da
taxa a que os demais rendimentos eram onerados.
A pretensão, naturalmente, é que toda esta
comercialização frenética cria "capital" real.
Ela certamente não o faz no sentido clássico do século XIX
de capital. O termo foi desconectado da produção de bens e
serviços, contratação de trabalho assalariado ou da
inovação financeira. Isto é "capital" na mesma
medida do direito de dirigir uma lotaria e arrecadar os prémios dos
esperançosos perdedores. Mas assim, casinos desde Las Vegas até
barcos ancorados em rios tornaram-se uma importante "indústria em
crescimento", turvando na linguagem as palavras capital, crescimento e a
própria riqueza.
Para as tabelas de jogo serem fechadas e o dinheiro ser pago, os perdedores
devem ser salvos Fannie Mae, Freddie Mac, AIG e quem sabe o que mais
está para vir? Isto é o único meio de resolver o problema
de como companhias que já pagaram o rendimento aos seus administradores
e accionistas ao invés de colocá-lo nas reservas irão
arrecadar seus prémios de devedores e companhias de seguros insolventes
(juntamente com as habituais contribuições patrióticas
para os políticos candidatos nos comités chave encarregados de
decidir a estruturação financeira do país).
Isto tem de ser orquestrado com muita antecipação. É
necessário comprar políticos e dar-lhes uma história de
cobertura plausível (ou pelo menos um bem carpinteirado conjunto de
eufemismos testados em inquéritos de opinião) para explicar aos
eleitores porque era do interesse público salvar jogadores. É
necessária boa retórica para explicar porque o governo deveria
deixá-los entrar no casino e deixá-los manter todos os seus
prémios enquanto utilizam fundos públicos para tornar boas as
perdas dos seus contrapartes.
O que aconteceu em 18-19 de Setembro levou anos a ser preparado, tudo
enchapelado por uma falsa ideologia carpinteirada por think tanks de
relações públicas para ser difundida sob
condições de emergência a fim de por em pânico o
Congresso e os eleitores exactamente antes da
eleição presidencial. Isto parece ser a nossa surpresa eleitoral
de Setembro. Sob condições de crise encenadas, o pres. Bush e o
secretário do Tesouro Paulson estão agora a conclamar o
país para se unir numa Guerra aos proprietários em
incumprimento
(War on Defaulting Homeowners).
Dizem ser a única esperança para "salvar o sistema".
(Que sistema é este? Não capitalismo industrial, ou mesmo
bancário tal como o conhecemos). A maior transformação do
sistema financeiro da América desde a Grande Depressão foi
comprimida em apenas duas semanas, arrancando com a duplicação da
dívida nacional dos EUA em 7 de Setembro com a
nacionalização da Fannie Mae e do Freddie Mac. (O corrector
ortográfico do meu computador não me permitirá utilizar o
eufemismo
"conservartorship"
que o sr. Paulson aplicou ao salvamento
dos fraudadores da Fannie Mae e do Freddie Mac
A teoria económica costumava explicar que lucros e juros eram um retorno
para o risco calculado. Mas hoje, o nome do jogo é ganhos de capital e
jogo computorizado sobre a direcção das taxas de juros, divisas
estrangeiras e preços de acções e quando são
feitas más apostas, salvamentos são o retorno económico
calculado conforme contribuições para campanhas. Mas
supõe-se que este não seja o momento para conversar de tais
coisas. "Devemos actuar agora para proteger a saúde
económica do nosso país de riscos sérios", recitou o
pres. Bush em 19 de Setembro. O que ele queria dizer era que a Casa Branca
devia ajudar o maior grupo de contribuidores de campanha do Partido Republicano
isto é, a Wall Street salvando-os das suas más
apostas. "Haverá ampla oportunidade para debater as origens deste
problema. Agora é o momento de resolvê-lo". Por outras
palavras, não fazer disto uma questão eleitoral. "Na
história do nosso país tem havido momentos que exigiram de
nós actuarmos em conjunto acima dos partidos para tratar de grandes
desafios. Este é um de tais momento". Exactamente antes da
eleição presidencial! A mesma insolência foi ouvida antes,
na manhã de sexta-feira, do secretário Paulson: "Nossa
saúde económica exige que trabalhemos juntos para a
correcção, acção bipartidária". Os
noticiários disseram que metade de um milhão de milhões
(half a trillion)
de dólares estavam em discussão nas manobras desse dia.
Grande parte da culpa deveria caber à administração
Clinton por liderar o apelo à revogação do Glass-Steagall,
em 1999, deixando os bancos fundirem-se com os casinos. Ou melhor, os casinos
absorveram os bancos. Foi isto o que colocou as poupanças dos
americanos em risco.
OUTRA BOLHA EM PREPARAÇÃO
Mas será que isto realmente significa que a única
solução é reinflacionar o mercado imobiliário? O
plano Paulson-Bernanke é para capacitar os bancos a venderem os lares de
cinco milhões de devedores hipotecários confrontados com
incumprimentos ou arrestos ainda este ano! Possuidores de casas com
"hipotecas com taxa ajustável a explodir" perderam suas casas,
mas o Fed bombeará suficiente crédito para dentro das
agências de concessão de empréstimos hipotecários a
fim de permitir que novos compradores entrem profundamente em dívida
para retirar as hipotecas lixo das mãos dos jogadores que actualmente as
possuem. É o momento de outra bolha financeira e imobiliária
para salvar os prestamistas e empacotadores de hipotecas lixo.
Os Estados Unidos entraram numa nova guerra uma Guerra para salvar
comerciantes computorizados de derivativos. Tal como a guerra do Iraque, ela
baseia-se em grande parte sobre ficções e entrámos nela
sob condições aparentemente de emergência para a
qual a solução tem pouca relação com a causa
subjacente dos problemas. Nos terrenos da segurança financeira o
governo está para tornar boas as empacotadas obrigações
colaterizadas de dívida (CDOs) a que Warren Buffett chamou "armas
de destruição financeira maciça".
Longe de ser surpresa, esta dádiva de dinheiro público
está a ser manipulada pelo mesmo grupo que tão piedosamente
advertiu o país acerca de armas de destruição
maciça no Iraque. O pres. Bush e o secretário do Tesouro Paulson
anunciaram piedosamente que esta não é a ocasião para
desacordos partidários sobre esta comutação de dinheiro
público em favor dos credores, ao invés dos devedores.
Não há tempo para tornar o maior salvamento da história
uma questão eleitoral. Não há tempo adequado para debater
se é uma coisa boa re-inflacionar os preços da
habitação a um nível que continuará a obrigar novos
compradores de casa a incidirem tão profundamente no endividamento que
deverão pagar uns 40 por cento do seu salário líquido na
habitação.
Lembram-se de quando o presidente Bush e Alan Greenspan informaram ao povo
americano que não havia dinheiro para pagar a Segurança Social
(para não mencionar o Medicare) porque em alguma data futura (uma
década a partir de agora? 20 anos? 40 anos?) o sistema poderia incorrer
num défice que actualmente parece ser meramente de um trivial
milhão de mlhões de dólares distribuídos ao longo
de muitos e muitos anos? A moral era que se não podemos imaginar como
pagar, vamos trabalhar arduamente desde já.
Os srs. Bush e Greenspan arranjaram uma solução providencial,
naturalmente. O Tesouro podia transferir dinheiro da Segurança
Social e do seguro médico para o Bear Stearns, Lehman Brothers e seus
irmãos para investir na "mágica do juro composto".
O que teria acontecido à Segurança Social dos EUA se isto tivesse
sido feito? Talvez devêssemos ver os acontecimentos das últimas
duas semanas como tendo destinado aos jogadores da Wall Street todo o
dinheiro que fora posto de lado desde que em 1983 a Comissão Greenspan
comutou o fardo fiscal para a retenção sobre o salários
para o Federal Insurances Contributions Act (FICA). Não são os
aposentados que estão a ser resgatados e sim os investidores da Wall
Street que assinaram papeis a dizer que podiam permitir-se perder o seu
dinheiro. O slogan republicano neste mês de Novembro deveria ser:
"Jogo seguro, não saúde segura".
Não era assim que o muito louvado
"Caminho da servidão" ("Road to Serfdom")
estava programado para funcionar. Frederick Hayek e seus Chicago Boys
insistiam em que a servidão viria do planeamento governamental e da
regulamentação. Esta visão punha de pernas para o ar os
reformados clássicos da Era Progressista que descreviam o governo a
actuar como cérebro da sociedade, a pilotar o mecanismo para moldar
mercados.
A teoria da democracia repousava na suposição de que os eleitores
actuariam no seu próprio interesse. Reformadores do mercado fizeram a
feliz suposição semelhante de que consumidores, poupadores e
investidores promoveriam crescimento económico ao actuarem com pleno
conhecimento e entendimento da dinâmica em acção. Mas a
Mão Invisível verificou-se ser fraude contabilística,
empréstimos hipotecários lixo, negócios de iniciados e um
fracasso em relacionar a sobrecarga de dívida em ascensão com a
capacidade dos devedores para pagar toda esta confusão
aparentemente legitimada por modelos computorizados de
comercialização, e agora abençoada pelo Tesouro.
20/Setembro/2008
[1] Este artigo é anterior ao novo salvamento (mais de US$700 mil
milhões) de bancos arruinados, anunciado
sábado 20 de Setembro pelo secretário do Tesouro Henry Paulson.
[2] Straddles: Combinação de uma opção de compra
(call) com uma opção de venda (put) com o mesmo preço de
exercício.
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/hudson09202008.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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