Como o plano de reforma financeira protege o status quo

A rendição (mais recente) de Obama à Wall Street

por Michael Hudson [*]

1. Captura do regulador. A preparar o terreno para futuros ideólogos do "livre mercado" estilo Alan Greenspan
2. Fracasso em dar eficácia significativa à redução da fraude
3. Fracasso em reverter a orientação pró credor das leis da bancarrota
4. Fracasso em re-introduzir o Glass Steagall ou outros limites a prestamistas "demasiado grandes para falir"
5. Fracasso em impedir credit default swaps e outras apostas do "casino capitalista"
6. Fracasso em reformar o sistema fiscal que distorceu o sistema financeiro para promover a dívida predatória extractiva, não o crédito produtivo-industrial

Movimentando-se nos corredores à procura do apoio republicano – e sem dúvida por futuras contribuições do sector financeiro para campanhas, o pres. Obama está a transmutar-se num Joe Lieberman [NR1] . Há também um toque de Boris Yeltsin no seu patrocínio de uma "reforma" financeira odiosamente semelhante àquela que o conselheiro Larry Summers defendeu na Rússia – ceder o poder governamental a uma elite banqueira. A proposta Financial Regulatory Reform promove o "produto" da Wall Street, a criação de dívida, a expensas da economia no seu todo e deixa chefes financeiros continuarem a auto-regular a indústria da dívida – e a manter incólumes todos os seus ganhos da década passada com empréstimos fraudulentos.

Confrontando as ruínas de uma crise da dívida pior do que qualquer outra desde a Grande Depressão, o sr. Obama conseguiu o que nenhum republicano poderia ter conseguido: salvar a política pró-credor da administrador Bush que promoveu a Economia da Bolha. "A maior parte da comunidade lobby do sector financeiro está feliz com o que emergiu", resumiu o Financial Times. Um porta-voz do Financial Services Forum, uma importante organização de lobbying da Wall Street, considerou as propostas "cuidadosas e equilibras". [1] Com tais endossos, as vítimas de empréstimos predatórios têm boas razões para se preocuparem. O plano Obama é simplesmente o oposto da reforma do sistema financeiro de acordo com as linhas que democratas progressistas e outros críticos defenderam.

Os seis defeitos mais fatais do plano são evidentes no seu preâmbulo, o qual apresenta um falso diagnóstico do problema financeiro de um modo que branqueia a Wall Street (em contraste com o lindo discurso populista de Obama na televisão em que fazia a crítica verbal à "cultura da irresponsabilidade"). Um diagnóstico falso deve conduzir a curas erradas. Aqui, invariavelmente, está um beneficiário financeiro que ganha com os pontos cegos num pacote legal de "reforma".

1. Captura do regulador. A preparar o terreno para futuros ideólogos do "livre mercado" estilo Alan Greenspan

O mais sério problema é a "captura regulatória": o controle do processo público regulatório pelos interesses especiais que estão a ser regulados. O discurso do sr. Obama a introduzir a sua reforma era sem rodeios no reconhecimento de que "algumas companhias iam ao regulador da sua escolha... Eis porque, como parte destas reformas, desmantelaremos o Office of Thrift Supervision [OTS] e fecharemos alçapões que permitiram a importantes instituições escolher entre as regras bancárias. Ofereceremos apenas um alvará bancário federal, regulado por um supervisor federal fortalecido". Foi o OTS, afinal de contas, que a AIG e o Washington Mutual escolheram como seu regulador, tal como o fez a GE Capital. O mais incompetente, o mais ideologicamente oposto à regulação séria, a sua ideia de um "mercado livre" na prática era de um mercado livre para prestamistas infestados de fraudes subprime fazerem o que quisessem.

Alguém poderia fazer a lista de agências de não-aplicação – a Securities and Exchange Commission (SEC) não respondendo a advertências cerca de Bernie Madoff, e a mais desregulatória agência de todas: o Federal Reserve sob o Mestre-da-bolha Alan Greenspan. Tradicionalmente, o Fed tem actuado como lobby para o sistema da banca comercial e na verdade para a Wall Street como um todo. (As suas acções pertencem a bancos comerciais membros do seu sistema.) A recusa do Fed a intervir para travar a bolha das hipotecas subprime, os empréstimos fraudulentos e outros elementos da presidência Greenspan não dão muita confiança em que ele tomará acções que venham a interferir com a feitura de dinheiro da Wall Street a expensas do resto da economia. Mesmo hoje, o Fed está a bloquear o Congresso ao recusar-se a revelar pormenores da sua dádiva de US$2 milhões de milhões de "dinheiro por lixo" ("cash for trash") a instituições favorecidas da Wall Street.

Supõe-se que o papel do Tesouro seja representar o interesse público. Infelizmente, nomear secretários do Tesouro vindos das fileiras da administração da Wall Street – ou dar à Wall Street o poder de veto sobre o nomeado – subverte esta missão. Além do que se supõe ser o sistema regulatório de verificações e equilíbrios público-privados, a simples táctica de subfinanciar o sistema de justiça criminal, o FBI, promotores públicos estaduais e locais – ou bloqueá-los activamente, como fez George Bush – deixa a economia sem protecção adequada contra fraude financeira e crédito predatório. Colocar os responsáveis do comité financeiro do Congresso à venda para os maiores contribuidores de campanha coroa o processo de transformar democracia económica em oligarquia.

Uma regulação significativa deveria começar com a premissa de que o direitos de os bancos criarem crédito a partir do ar (realmente, a partir de toques no teclado de um computador, desde que os banqueiros possam achar tomadores de empréstimos para assinarem títulos de dívida) é um serviço público. O sr. Obama e o seu secretário do Tesouro não concordam. Eles tratam a criação de crédito como um monopólio privado da Wall Street, a ser regulamentado mais nominalmente do que na prática. O resultado é uma dádiva thatcheriana a o sector bancário – e como observou Tim Geithner, instituições da Wall Street de toda espécie, desde casas corretoras a prestamistas de automóveis e lojas de retalho agora estão a declarar-se "bancos" a fim de obter doações do governo para qualquer um de quem sejam credoras (mas nada para os seus devedores). Isto faz parte da Nova Guerra de Classe que a administração Bush-Obama tem patrocinado para polarizar a economia entre credores e devedores.

O meio politicamente astuto de desregulamentar um serviço público – especialmente no rastro de uma crise financeira que tem grande parte da população armada – é chorar lágrimas de crocodilo sobre a "cultura de irresponsabilidade" da Wall Street, como fez Obama na quarta-feira, e então afirmar que está a "centralizar" a regulamentação para torná-la mais forte ao invés de mais fraca. Se você quiser bloquear a futura regulamentação, você naturalmente promete que o seu acto proporcionará maior supervisão pública. O sr. Obama designou o Federal Reserve para este papel. Mas isto foi precisamente o que exacerbou a Bolha Greenspan.

A trama da desregulamentação-pela-centralização atingiu o pico quando o pres. George W. Bush utilzou-a para anular tentativas de procuradores-gerais do estado para processar a Countrywide Financial, Washington Mutual, Citibank e outros vigaristas financeiros como empresas criminosas por fazerem fraudulentos empréstimos hipotecários subprime. O ardil que o sr. Bush utilizou para bloquear os seus processos judiciais foi uma obscura regra em letras pequenas do National Bank Act de 1864 que dava a Washington o poder de anular estados locais que efectuam acusações criminais. A motivação para esta lei da Guerra Civil era bastante clara: Os governos locais e seus tribunais tendiam a ser venais e corruptos. Washington afirmava assim a sua supervisão de modo a processar bancos não regulamentados ("wildcat banking") numa era em que os banqueiros emitiam as suas próprias notas bancárias, muitas das quais valiam muito menos do que o seu valor facial quando os seus possuidores tentavam gastá-las.

O pres. Bush ressuscitou esta lei, impedindo onze procuradores-gerais de estado de processarem fraudes financeiras. Retirando o assunto das suas mãos, ele remeteu as queixas ao regulador bancário nacional em Washington – que se recusou a processar, afirmando que a fraude fazia parte do maravilhoso livre mercado americano. Isto custou à economia dos mais de um milhão de milhões (trillion) de dólares até agora. Washington preferiu deixar os bancos fazerem os seus empréstimos fraudulentos e a seguir pagar-lhes em pleno (juntamente com as companhias financeiras que eles vitimizaram, mas não naturalmente os devedores pessoais) pelos seus maus empréstimos incumpridos, a fim de "salvar o sistema".

A reforma do sr. Obama não propõe rejeitar ou qualificar esta cláusula do National Bank Act de modo a permitir que qualquer promotor possa processar (mas não para permitir processos de fraude financeira serem bloqueados). Atribuir poder regulador ao Fed tem o potencial para anular qualquer processo sério de fraude. Isto é o mercado livre estilo Robert Rubin e Larry Summers – livre para as finanças criminalizadas prosseguirem sem restrições. E se o sr. Summers tornar-se o próximo presidente do Fed ... bem, você pode imaginar para onde levará no espectro regulação/desregulação entre credores e devedores!

2- Fracasso em dar eficácia significativa à redução da fraude

As regulações sadias contra a fraude estão nos livros, muitos deles da época do New Deal. Mas quando a Economia da Bolha assistiu a níveis de fraude financeira sem precedentes desde a década de 1920, os responsáveis que quiseram impedir abusos depararam-se com os seus departamentos sub-financiados. A proposta do sr. Obama falha na correcção deste problema. "Há ... milhões de americanos que assinaram contratos que nem sempre entendiam proposto por prestamistas que nem sempre lhes contavam a verdade", reconheceu ele a 17 de Junho ao apresentar o seu plano. O sr. Obama prometeu "a fiscalização será a regra, não a excepção". Mas onde está o financiamento para a divisão de fraude criminal do FBI? Onde está a protecção efectiva do consumir em relação a companhias de seguros que não pagam, a empreiteiros vigaristas e companhias hipotecárias utilizando avaliadores de propriedade, advogados e agências de cobranças, ou a corretores que empacotam hipotecas lixo em títulos lixo? Eles obtiveram uma fortuna nos últimos anos – e podem mantê-la para si próprios e até fazerem uma nova matança. Aparentemente será feito tão pouco à fraude financeira quanto foi feito ao torturados de Guantanamo e os figurões que perdoaram as suas acções.

Tem sido dada muita atenção à Consumer Financial Products Agency, cujo papel foi em grande medida definido por Elizabeth Warren da Harvard Law School. O seu principal objectivo é aplicar as leis da verdade na concessão de empréstimos (truth-in-lending) às companhias de cartões de crédito e aos prestamistas hipotecários. (Será que estas leis já não estavam nos livros?) Isto é progresso, mas certamente é necessário muito mais. Um modo de tornar as taxas dos cartões de crédito mais económicas seria o governo proporcionar o seu próprio serviço rival. Afinal de contas, os cartões de crédito tornaram-se uma importante forma de pagamento nos dias de hoje. Não será o pagamento electrónico realmente um serviço público? A diferenças é que ao contrário das empresas de electricidade e gás ou as ferrovias, não há regulação para manter as comissões em linha com os custos básicos economicamente necessários para o emissor do cartão. É bom ouvir que alguém finalmente será capaz de ler claramente quanto está a ser explorado. Mas por que não parar a exploração?

Os republicanos podem simplesmente tornar a Consumer Financial Products Agency apenas "consultiva", sem poder regulatório real. Assim, mesmo que o Congresso não mate a proposta, o sr. Obama não tem de se preocupar demasiado acerca de ofensas ao seu eleitorado doador número um. A regulação séria sobre a Wall Street terá quase o mesmo efeito do gabinete "responsabilidade social" corporativa ao qual as companhias remetem os empregados no seu despedimento. Nas audiências no Senado em 18 de Junho, o senador Robert Menendez de Nova Jersey perguntou ao sr. Geithner "se o conselho que observaria os reguladores financeiros teriam qualquer poder para fazer alguma outra coisa além de recomendações. O sr. Geithner [disse] que pode não existir o equilíbrio exactamente correcto, mas ele não queria que o conselho tivesse a autoridade para unilateralmente forçar mudanças nos reguladores que examina".

Para realmente proteger consumidores, por que não reagir às práticas extorsivas do cartão de crédito reintroduzindo leis anti-usura? As companhias evadiram-se a elas inicialmente incorporando-se em estados com leis "corrida para a base". Se Washington pode ultrapassar promotores estaduais para impedir a punição de fraude financeira, por que não pode ultrapassar tais tramas da indústria da usura? Eis onde leis federais centralizadas realmente deveriam contar para alguma coisa.

3. Fracasso em reverter a orientação pró credor das leis da bancarrota

O plano Obama permite à Wall Street manter-se a vender o seu produto – dívida, crescendo a taxas exponenciais – como se as finanças fossem uma "indústria" como a manufactura. (Neste espírito, o Dow Jones Industrial Average agora contém as principais firmas do sector financeiro, embora tenha desistido do Citicorp quando as suas acções caíram abaixo de US$1, a mais baixa taxa de retorno aceitável). A realidade é que o favoritismo fiscal para as finanças e a alavancagem de dívida é em grande medida responsável pela des-industrialização da economia. Cada vez mais rendimento está a ser desviada da compra de bens e serviços a fim de pagar prestamistas por dívidas incorridas no passado. O que é necessário para libertar economias de tais dívidas é revogar a reversão pró credor que o Congresso aprovou em 2005 em resposta ao lobbying da indústria de cartões de crédito e bancária. Tornando mais difícil aos devedores pessoais irem à bancarrota, esta lei impediu os tribunais de reduzirem dívida de acordo com a capacidade da população para pagar.

O plano de Obama falha na rectificação do assunto. Ele trata a questão dos "serviços" financeiros em isolamento do problema da dívida da economia e do bem estar económico geral. A responsável do Federal Deposit Insurance Company (FDIC), Sheila Bair, propôs limitar o juro hipotecário a 32 por cento do rendimento da família devedora. A alternativa é os arrestos de casas continuarem, expropriando compradores muito recentes e também proprietários que tomaram emprestado contra as suas casas a fim de liquidar a sua dívida com cartão de crédito de juros mais elevados ou simplesmente manterem padrões de vida que os cheques de pagamento já não cobrem.

Desde os tempos coloniais, o estado de Nova York teve a Lei de Transferência Fraudulenta (Fraudulent Conveyance Law) em vigor. Esta sábia legislação declara que se um banco faz um empréstimo a um tomador sem saber como o devedor pode razoavelmente cumprir os termos do empréstimo com o seu rendimento normal, o empréstimo é considerado fraudulento e portanto fica sem efeito (null and void).

4. Fracasso em re-introduzir o Glass Steagall ou outros limites a prestamistas "demasiado grandes para falir"

Ao apresentar o seu programa, o sr. Obama deturpou uma causa importante da Economia da Bolha. Tudo parecia ser causada pela força impessoal da tecnologia "Um regime regulatório", afirmou ele, "articulado basicamente na esteira de uma crise económica do século XX – a Grande Depressão – foi sobrepujado pela velocidade, âmbito e refinamento de uma economia global do século XXI". Não exactamente. O coroamento do New Deal de Franklin Dellano Roosevelt foi o Glass-Steagall Act que separava banca comercial de banca de investimentos. Isto impediu o conflito financeiro de interesses entre servir clientes em bancos de retalho e especulação (profiteering) de bancos de investimento.

Uma consequência do Glass-Steagal foi tornar ilegal a fusão entre o Citibank e a Travelers Insurance. Para salvar os responsáveis do Citibank de sofrerem as consequências de infringir a lei – e no processo abrir a portar ao movimento conglomerado que deitou abaixo a economia – o presidente Clinton aceitou o conselho do srs. Summers e Greenspan e em 1999 assinou a lei de revogação do Glass-Steagall. Foi permitido aos bancos comprarem companhias de seguros, imobiliárias, corretoras de acções e firmas legais para empacotar hipotecas lixo transformando-as em apodrecidas collateralized deb obligations (CDOs), cobri-las com apólices de seguro-lixo escritas pela AIG e outras companhias que cobravam comissões para prometer pagar dinheiro que não tinham, e que acabaram salvas com milhões de milhões de dólares de dinheiro do "contribuinte" na forma da permuta "dinheiro por lixo" do Federal Reserve e do Tesouro.

5. Fracasso em impedir credit default swaps e outras apostas do "casino capitalista"

Sob a supervisão do sr. Summers no tempo dos Clintos, a palavra "reforma" veio a significar o que significou na Rússia, onde ele teve liberdade de acção na década de 1990: uma dádiva de activos públicos a iniciados financeiros. Nos Estados Unidos isto envolveu a remoção das verdadeiras reformas postas em vigor desde a Era Progressiva até o New Deal. Dentre as desculpas citadas está a necessidade de libertar a "inovação". Mas a inovação financeira não é como aquela da indústria manufactureira. Ao invés de elevar a produtividade para produzir mais com menos trabalho (e portanto preços em queda), a inovação financeira objectiva extrair mais dos devedores e da administração do dinheiro de clientes e fundos. Sob a livre competição, por exemplo, a moderna tecnologia electrónica permite aos bancos compensarem cheques num único dia. Mas a "engenharia financeira" anda de mãos dadas com a engenharia política, permitindo ao monopólio bancário aderir aos prazos do velho correio a cavalo – e manter o dinheiro dos depositantes como que a "flutuar", isto é, como um empréstimo livre de juros.

A principal façanha da engenharia financeira foi criar derivativos matematicamente opacos. Como observou um especulador como George Soros: "Os engenheiros financeiros afirmaram que estavam a reduzir riscos através da diversificação geográfica: de facto estavam a aumentá-los ao criar um problema de agência. Os agentes estavam mais interessados em maximizar o rendimento da comissão do que em proteger os interesses dos possuidores de títulos. ... Derivativos feitos sob encomenda somente servem para melhorar a margem de lucro dos engenheiros financeiros que os concebem". A única cura é banir os credit default swaps totalmente. Mas eles tornaram-se o principal centro de lucro da Wall Street. A reforma do sr. Obama não interfere com essa vaca leiteira.

Tal como a "tecnologia" da avaliação de crédito, a moderna pesquisa na web deveria permitir a qualquer credor ou comprador infeliz de hipotecas bancárias empacotadas verificar on-line o preço estimado de qualquer casa ou edifício – ou qualquer relatório de pontuação de crédito sobre indivíduos. Os bancos não têm interesse em fazê-lo pois isto interfere com os seus logros. "Vimos um sistema que permitia aos prestamistas lucro proporcionando empréstimos a tomadores que nunca pagariam", explicou o sr. Obama, "porque o prestamista descarregava o empréstimo, e as consequência, para alguém diferente". Grande parte da irresponsabilidade financeira institucionalizada de hoje provém do facto de os bancos actuais não deterem mais as hipotecas que originaram. Ao invés disso, eles "descarregam" os seus empréstimos e dão bónus a responsáveis com base no seu volume de empréstimo sem qualquer consideração pela qualidade do mesmo ou a realidade. Isto costumava ser chamado fraude, e ser processado.

Os sr. Obama propõe que os originadores de empréstimos mantenham um sinal de 5 por cento na sua própria contabilidade. Os críticos destacam que isto dificilmente deterá práticas de hipoteca-lixo e sugerem que a proporção requerida seja pelo menos duplicada, juntamente com o bloqueio de veículos fora do balanço, especialmente em centros bancários offshore de supervisão zero para evitar o fisco. Em vista da condenação quase universal desta prática, o passos delicados do sr. Obama sugerem que o plano foi formulado tendo em vista "Quão pouco teremos nós de ceder à raiva popular e do Congresso com o salvamento de milhões e milhões de dólares que demos a vigaristas financeiros?"

6. Fracasso em reformar o sistema fiscal que distorceu o sistema financeiro para promover a dívida predatória extractiva, não o crédito produtivo-industrial

O "produto" que a "indústria" bancária vende é dívida – empréstimos que, sob as circunstâncias financeiras de hoje e o favoritismo fiscal para a Wall Street, são concedidos de um modo cujo principal efeito é inchar preços de activos, não financiar a formação de capital tangível. A elevação de preços de habitação e propriedade comercial, acções e títulos é tomada como justificação para ainda mais empréstimos, apoiados por colaterais cujo preço está em aumento. Ao carregar a economia a jusante com dívida, esta aparente "criação de riqueza" torna-se um círculo vicioso, aumentando os custos financeiros da economia.

O plano de "reforma" do sr. Obama procura sustentar esta dinâmica, não revertê-la. O plano não reconheceu o relacionamento simbiótico entre política fiscal e política financeira. Cortar impostos sobre a propriedade deixa mais renda imobiliária, renda de monopólio e ganhos "gratuitos" nos preços dos activos a serem empenhados junto aos bancos para empréstimos ainda maiores – empenhados para pagar mais juro sobre a dívida em ascensão aceite para comprar activos sendo inchados pela bolha do crédito.

O resultante "empreendimento" financeiro é diferente da inovação industrial. Ele consiste em grande medida em capturar legisladores fiscais do Congresso de modo a que redijam com letras pequenas "alçapões" e mais isenções fiscais deslumbrantes que comutem o fardo fiscal para o trabalho produtivo e a indústria. Aqui está a essência da democracia do dinheiro em troca de serviços ("pay to play") de hoje. A financiarização da economia por este meio anda de mãos dadas com a des-industrialização.

O mais regressivo dos impostos é a retenção sobre salário do FICA (Federal Insurances Contributions Act) para a Segurança Social e o Medicare. Só salários abaixo de cerca de US$102 mil estão sujeitos a este imposto, não os de rendimentos mais altos. E os especuladores da Wall Street pagam apenas uma taxa baixa sobre os "ganhos de capital" do seu comércio. Ao comutar o fardo fiscal para dentro da economia "real", este imposto polariza o rendimento e a riqueza no topo da pirâmide económica enquanto aumenta o custo de vida (impostos são um custo, afinal de contas). Isto esmaga os orçamentos das famílias e contrai os gastos sobre bens e serviços. E como resultado do subsídio fiscal por alavancagem da dívida, o fluxo de caixa industrial é desviado para pagar juros e dividendos ao invés de ser reinvestido em novos meios de produção e ser passível de imposto sobre o rendimento.

Mais empréstimo bancário – isto é, mais dívida – é o centro do problema económico de hoje, não a solução. O capitalismo financeiro está a enfraquecer o capitalismo industrial, substituindo a produção de bens e serviços pela extracção predatória de renda e juro através de "portagens" económicas, desde parquímetros em Chicago a estradas em Nova Jersey. Os estados e as localidades estão a enfrentar perdas fiscais, obrigando-os a liquidar as suas estradas, parquímetros e empresas públicas junto a compradores que erguem portagens caras e extraem ainda mais rendimentos da economia "real" em contracção. A economia está a rumar para a escravidão pela dívida (debt peonage) quando polariza entre o patronato rico e uma força de trabalho reduzida ao relacionamento de dependência patrão-cliente.

Precisaremos nós recomeçar tudo outra vez para uma reestruturação financeira significativa?

O problema financeiro da América exige portanto soluções mais profundas do que aquelas que têm sido discutidas até agora. Paul Krugman queixou-se na sua coluna no New York Times acerca de duas lacunas óbvias no plano Obama. "Para estar à altura da sua própria análise, a administração Obama precisa actuar mais duramente sobre as agências de classificação e, ainda mais importante, tornar-se muito mais específica acerca da correcção do modo como os banqueiros são pagos". As agências de classificação de títulos certamente têm um conflito de interesses inerentes ao serem pagas pelos seus clientes para apresentarem exames – habitualmente uma maravilhosa classificação AAA – de títulos lixo. Mas por trás deste problema jaz outro muito mais profundo, de modo que é compreensível que o sr. Geithner, quando perguntado quinta-feira acerca da melhor regulação das agências de classificação no seu testemunho no Senado, tenha dito que isso teria de aguardar por outro momento. Como explicou o sr. Obama: "estamos a propor um conjunto de reformas para exigir aos reguladores que olhem não só para a segurança e estabilidade de instituições individuais como também – pela primeira vez – para a estabilidade do sistema como um todo.

Mas isto é exactamente o que não está a ser feito. O plano silencia quando chega aos relatados 25 por cento do imobiliário dos EUA afundados num estado de situação líquida negativa e o 1/8 já em atraso a caminhar para arrestos quando a dívida hipotecária ligada a ele excede o seu (cadente) preço de mercado. O imobiliário comercial parece ser o próximo grande sector a ruir. O serviço da dívida enquanto isso está a acumular-se a partir dos gastos do consumidor com bens e serviços, contraindo o mercado interno e agravando o desemprego.

A economia precisa de um Franklin Dellano Roosevelt, mas tem o seu oposto. O sr. Obama prometeu mudança, mas está a defender o status quo. Será o seu papel histórico o de ter feito uma tentativa condenada de sustentar o crescimento dos encargos gerais de dívida da América? Desgastar as verificações da Era Progressiva sobre a dinâmica financeira foi a tendência política e económica dos últimos trinta anos. É a ideia do conselheiro Summers de "reforma", a qual ele e os seus bandos neoliberais impuseram à Rússia nos meados da década de 1990, favorecendo uma cleptocracia e impondo pobreza à população como um todo, desnudando o capital industrial.

A "reforma" financeira do sr. Obama objectiva sustentar o capitalismo de casino ao rejeitar um século de valiosa legislação fiscal e financeira progressista. Após o seu discurso a Média Industrial Dow Jones subiu na quinta-feira, principalmente porque a maior parte dos "industriais" são agora companhias financeiras, reflectindo o grau em que a engenharia financeira substituiu a engenharia industrial.

Os bancos queixar-se-ão do plano Obama (realmente o Plano Paulson) para centralizar a regulação financeira numa Reserva Federal fortalecida. Mas naturalmente isso é exactamente onde eles querem acabar, sob um presidente acomodatício (o próprio sr. Summers?) nomeado sob o conselho e consentimento da Wall Street. "Nascido e criado no seu quintal", vociferou B'rer Rabbit [NR2] triunfantemente depois de ser expulso dali. A salvo de futuros Eliot Spitzers! [NR3]

22/Junho/2009
Notas
1. Edward Luce, "White paper sets out skilful compromises," Financial Times, June 18, 2009.
NR1. Joe Lieberman: político reaccionário dos EUA. Foi candidato à vice-presidência em 2000, na lista encabeçada por Al Gore.
NR2. B'rer Rabbit: personagem folclórica dos EUA que Walt Disney aproveitou em filmes de animação.
NR3: Eliot Spitzers: governador de Nova York demitido em 2008 na sequência de um escândalo com prostitutas.


[*] Antigo economista da Wall Street especializado em balança de pagamentos e imobiliário no Chase Manhattan Bank (agora JPMorgan Chase & Co.), Arthur Anderson, e posteriormente no Hudson Institute (nenhum parentesco). Em 1990 ajudou a estabelecer o primeiro fundo de dívida soberana do mundo para a Scudder Stevens & Clark. Foi Conselheiro Económico Chefe de Dennis Kucinich na última campanha primária presidencial dos democratas, e aconselhou os governos americano, canadiano, mexicano e lituano, bem como o United Nations Institute for Training and Research (UNITAR). Professor Investigador Emérito da Universidade do Missouri – Kansas City (UMKC), autor de muitos livros, incluindo Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance . Email: mh@michael-hudson.com

O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/hudson06222009.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
25/Jun/09