FMI, BM e OMC não são reformáveis e devem ser rejeitados

por Michael Hudson [*]
entrevistado por sindicalistas de Espanha

      1. Pensa que o controle sobre o excesso de movimentos especulativos de capitais garantiria que a intermediação financeira actuasse no interesse público? Ou seria necessária a nacionalização para iniciar um novo período de desenvolvimento da economia real?

MH: Controle e "nacionalização" tornou-se hoje um sinónimo para salvar os bancos dos seus empréstimos temerários e até mesmo para salvar hedge funds e instituições financeiras não bancárias das suas perdas no jogo de derivativos do "capitalismo de casino". Assim, a questão real é quem controlará o governo que está a fazer a regulação e a "nacionalizar"?

O perigo é que o governo continue a deixar o próprio sector financeiro determinar como será aplicada a "regulação". Na prática, isto ameaça resultar em não regulação e aumentar ainda mais os estragos. É responsabilidade federal a confusão provocada pela cedência ao protesto do lobby financeiro que não queria "matar a galinha dos ovos de ouro" (isto é, os iniciados que alimentaram a Bolha da Economia transformando o capitalismo industrial no capitalismo de casino). Pelo menos isto é o que se verificou nos Estados Unidos, na Islândia, na Letónia e em outras economias "financiarizadas". As suas experiências deveriam ser consideradas como objecto de lições.

A única regulação significativa pode vir de fora do sector financeiro. De outra forma, os países sofrerão o que os japoneses chamam "a descida do céu": os reguladores são seleccionados entre as fileiras dos banqueiros e dos seus "idiotas úteis". Uma vez retirados do governo retornam ao sector financeiro, recebem empregos lucrativos, "conferências bem pagas" e outros prémios e compensações. Sabendo isto, eles regularão a favor de interesses financeiros especiais, não o do público em geral.

O "excesso de capital especulativo" de hoje resulta em grande medida da prática de financiarizar poupanças de pensões e segurança social. Um caminho para corrigir esta situação é mudar para um plano de pensões, Segurança Social e cuidados de saúde com pagamento imediato (pay-as-you-go) ao invés do de "poupança antecipada" de hoje. Tal "poupança" via pré pagamentos a serem mantidos pelo governo é meramente uma forma de tributação regressiva disfarçada para permitir-lhe cortes progressivos nas taxas de impostos sobre os escalões mais altos de riqueza e rendimento. Até os governos serem tornados democráticos, deveríamos assumir que eles se comportarão de um modo oligárquico utilizando a retórica democrática e mesmo socialista da Era Progressista, pode estar certo.

Outro meio de travar a especulação tipo bolha seria tributar renda económica, não apenas a renda da terra como também a renda de monopólio (e a renda financeira). Actualmente, a maior parte do crédito não é concedida para aumentar a formação de capital tangível e o emprego e sim para capitalizar a renda económica que é não tributada ao fazer o código fiscal regressivo ao invés de progressivo, acima de tudo ao dar ao sector FIRE (finanças, seguros e imobiliário) reduções de impostos que comutam o fardo fiscal para o trabalho.

Os bancos poderiam ser baseados mais no financiamento empresarial (equity-funding) do que no financiamento com base na taxa de juros (interest-rate funding), como os saint simonianos sugeriram no século XIX.

Acima de tudo, o monopólio da criação de crédito deveria ser renacionalizado. Os bancos operariam como bancos de poupança, associações de caixas económicas, bancos de poupança postal, etc, ao invés de lhes ser permitido "criar crédito". O tesouro nacional criaria crédito a ser avançado aos bancos, para a finalidade de fazerem tipos específicos de crédito que sejam considerados industrial ao invés de especulativos.

O crédito dos cartões de crédito e as funções de transferência de dinheiro também se tornariam da responsabilidade do sector público, retirado aos bancos com base no facto de que operar um sistema de pagamentos é um serviço público. (Um imposto sobre a renda económica deveria aplicada ANTES, de modo a reduzir o valor de mercado dos privilégios especiais dos bancos e os direitos de monopólio a zero.)

      2. Podem as políticas dos governos e dos bancos centrais resultar num ajustamento para construir instituições financeiras mais fortes?

MH: A definição de um melhor sistema financeiro é um que esteja subordinado ao investimento tangível e à produção, e que se destine a elevar padrões de vida ao invés de concentrar riqueza e rendimento nas mãos de uma nova oligarquia financeira (e na verdade uma oligarquia cosmopolita que em grande medida opera offshore).

É improvável que seja alcançado um sistema financeiro melhor e mais produtivo enquanto as finanças controlarem o governo, e especificamente enquanto os bancos centrais forem "independentes" do governo, "livre" não para actuar com responsabilidade mas sim, ao contrário, para actuar como lobbyistas para o sector da banca comercial (e, através da sua subordinação ao FMI, em particular como lobbies para as finanças dos EUA e da Grã-Bretanha). Alan Greespan, como presidente da Reserva Federal dos EUA é um bom exemplo, juntamente com Harold Brown na Grã-Bretanha. Enquanto governos, especialmente na UE, forem controlados por interesses financeiros, o sector financeiro permanecerá "extractivo" ao invés de facilitar capital de investimento ao sector produtivo.

O primeira passo para a reforma deveria ser tornar os bancos centrais subordinados ao Tesouro nacional, e realmente operarem fora dele. Antes de 1913 o Tesouro dos EUA e as suas sub-tesourarias regionais cumpriam praticamente todas as funções que o Federal Reserve estava a desempenhar, excepto o papel recente de fazer permutas "dinheiro por lixo" ("cash for trash"), de títulos do Tesouro e depósitos do Fed por hipotecas lixo e derivativos baseados sobre modelos matemáticos lixo. Note que nos Estados Unidos Milton Friedman sugerira que o Fed fosse reduzido a apenas "uma mesa no Tesouro". Boa ideia. (O congressista Republicano Ron Paul concorda, ao passo que o congressista Democrata Dennis Kucinich apoiou uma tentativa nesse sentido no seu Monetary Reform Act.)

      3. Precisamos nós de ferramentas como o FMI e o Banco Mundial? Em caso afirmativo, que papel deveriam eles desempenhar?

MH: O Banco Mundial e o FMI impõem um programa financeiro orientado pelos EUA que objectiva impedir outros países de desenvolverem a sua indústria, modernizarem a sua agricultura e posse da terra, bem como de elevar níveis salariais. A Organização Mundial de Comércio por sua vez procura impedir os governos de tributarem o "almoço gratuito" da renda económica, distorcendo as economias a favor da riqueza do sector FIRE.

Os países precisam retirar-se destas três instituições da "hegemonia americana". Os planos de austeridade do FMI objectivam tributar e além disso manter baixos os salários, com base na premissa errada de que o consumo reduzido "libertará" mais produto para a exportação. Na realidade, o efeito é contrair as economias, tornando-as ainda mais dependentes dos países credores.

De modo que os países precisam rejeitar o FMI, o Banco Mundial e a OMC, não aceitá-los. Eles não são reformáveis, é mais fácil começar com instituições totalmente novas, cujos administradores não estejam "programados" para pensar nos disfuncionais modos neoliberais.

Os seus conselheiros têm liberdade de acção na Rússia e em outros Estados pós-soviéticas. Se quiser ver o seu ideal neoliberal, simplesmente olhe para o que eles fizeram nestes países. Agora eles estão todos em estado de colapso. As suas populações estão em declínio, a emigração a acelerar, os padrões de saúde, expectativa de vida e níveis educacionais estão em queda, o preço da habitação e da compra de uma pensão de reforma está a subir em relação aos salários reais, a fuga de capital é acompanhada por uma fuga do trabalho e da indústria. Isto é o que enfrentarão se aceitarem outra vez o "conselho" do FMI/Banco Mundial.

      4. A dívida pública maciça em vários Estados europeus seria sustentável ao longo do tempo? Levaria à monetização da dívida no Banco Central Europeu? Como será situado o Euro dentro da União Europeia levando em conta o impacto desigual da crise financeira e produtiva?

MH: A única razão realmente necessária para uma dívida publica é para proporcionar dinheiro e crédito (os quais tecnicamente são dívidas publicas, mas daquelas que não são se espera serem reembolsadas) e proporcionar um veículo de investimento para bancos centrais estrangeiros manterem as suas reservas (e, no processo, para o país emissor do papel de dívida obter um "benefício gratuito" por incidir em défices de balança de pagamentos). (Assumo que a razão tradicional para dívidas públicas é travar guerras e esconder o seu custo real do povo pois tomar emprestado dos ricos ao invés de tributá-los é operacional apenas para países imperialistas nestes dias, não a Espanha).

Mas nestes tempos, as dívidas públicas resultam da não tributação da riqueza, acima de tudo na não tributação do sector FIRE. É melhor restaurar a espécie de tributação progressiva que impulsionou o crescimento industrial durante a maior parte do século XX, incluindo em particular o crescimento após a II Guerra Mundial. Alto crescimento e ascensão de padrões de vida tradicionalmente vão a par com altas e progressivas taxas de impostos. A des-tributação da riqueza distorce o crescimento, desindustrializa economias e acaba por transferir o rendimento e o poder para uma oligarquia financeira.

O Banco Central Europeu actua como um veículo de lobbying para grandes bancos, especialmente os dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, apesar do facto de estes dois países estarem nominalmente do lado de fora. Não pode haver um BCE significativo até que haja um pan-Parlamento Europeu que tenha o poder de fazer leis, incluindo leis especificamente fiscais incidindo sobre a renda económica tal como descrita acima, e de desfinanciarizar a economia europeia de forma a pagar salários, pensões e cuidados de saúde numa base na medida do seu uso (pay-as-you-go) ao invés da pré poupança financiarizada.

      5. O fim da economia de casino exige que o sector financeiro recupere o seu papel como intermediário orientado para capturar os excedentes dos poupadores e dirigi-los ao investimento produtivo. Mas por que o dinheiro entregue aos bancos não flui para a actividade produtiva? O que deveria ser feito para que isto acontecesse?

MH: Parece que ao invés de a economia de casino terminar, ela está a "fazer tudo para si própria" acabando com a economia industrial produtiva e reduzindo drasticamente a perspectiva dos padrões de vida, especialmente para reformados.

Os bancos já não dependem principalmente de poupanças, mas sim da "livre" criação de crédito. No processo, eles criam bolhas que realmente destroem poupanças. O que há de poupanças será concentrado nos 10% mais ricos da população e emprestado aos 90% da base.

Para focalizar novamente as finanças ao serviço da formação de capital e do empréstimo produtivo é preciso que seja afastada da concessão de empréstimos com base no colateral, acima de tudo do colateral que proporciona renda (imobiliário, monopólios e corporações financiarizadas através de tomadas de controle accionário com títulos lixo, empréstimos para financiar buybacks e pagar dividendos).

O sector financeiro e o sector fiscal são simbióticos; é necessária reforma fiscal para alcançar reforma financeira. Tributar as "más" empresas alimentadas pela "má finança" pode saneá-las antes de caírem nas mãos de "reguladores" desregulatórios. O combate financeiro é portanto em grande medida um combate fiscal.

      6. Do capitalismo industrial ao capitalismo financeiro. Qual é a política fiscal apropriada para travar a crise financeira quando o sector FIRE tornou-se um parasita da economia real?

MH: Tributar a renda económica, a renda da terra (para impedir uma bolha imobiliária e para comutar o fardo fiscal para FORA do trabalho e em direcção à propriedade) e a renda de monopólio (o espectro vasto, bancos, companhias de cartões de crédito, patentes farmacêuticas, serviços públicos privatizados tais como transportes, ferrovias e companhias de aviação, terminais, centrais eléctricos, mineração, petróleo). E os ganhos de capital precisam ser tributados pelo menos tão alto quanto o rendimento. (Hoje eles são tributado a apenas metade da taxa nos Estados Unidos, e não o são de todo em muitos países europeus.) Estes impostos precisam ser aplicados ao nível nacional, de modo a impedir o sector FIRE de jogar um estado ou região contra o outro para localizar escritórios ou sedes de fachada.

Isto deveria efectuar-se em grande medida com restabelecimento da tributação progressiva do rendimento, mesmo sem elevar as taxas do imposto sobre o rendimento.

Entretanto, o investimento estrangeiro em centros bancários offshore deveria ser tratado como fuga fiscal. Qualquer que seja tal investimento deveria ser tributado como se fosse TUDO rendimento tributável, não meramente as suas receitas (não-)declaradas. A falsificação ou o "esquecimento" para declarar rendimento deveria ser penalizado a 100% com perda de activos e ser considerado uma felonia ao nível nacional com as penalidades criminais apropriadas.

A hipótese de trabalho deveria ser que a maior parte dos negócios financeiros foi criminalizada e o objectivo é descriminalizá-la e recapturar as suas receitas para propósitos fiscais. Eu portanto deveria dizer não só que a reforma financeira precisa ir a par com a reforma fiscal, mas também com a criminalização do crime de colarinho branco.

      7. Como é que vamos resolver o défice crescente das contas públicas devido à injecção financeira de dinheiro público nos bancos, se eles não estão em vias de gerar receitas suficientes? Nem regressividade nem falsidade levarão à melhoria das receitas fiscais do Tesouro Público? Que política fiscal seria necessária?

MH: Há pouca necessidade de injectar dinheiro público nos bancos. Bancos insolventes deveriam ser tomados pelo governo federal, e os interesses dos depositantes protegidos, mas não os das grandes instituições financeiras e especuladores. Para fazer isso, é necessário reconhecer que o problema destes grandes bancos NÃO é um problema de "liquidez"; é um problema de dívidas más, resultante das suas temerárias e predatórias práticas financeiras.

Também deveria ser reconhecido que grande parte (mesmo a maior parte) dos fundos de pensão foi roubada ou perdida no jogo. Isto significa que as pensões precisarão ser pagas pelo governo a partir de receitas fiscais actuais.

Na medida em que falta aos bancos os fundos para cobrir depósitos basicamente garantidos, o governo precisará mexer-se contra os seus haveres no exterior. A expectativa deveria ser que assim que os bancos ouvirem acerca das tentativas de fazê-los comportarem-se de um modo honesto, eles transferirão tanto quanto possível do seu dinheiro para o exterior, de modo a deixar cofres vazios atrás de si. (A prática foi refinada no Chile de Pinochet, o ensaio geral para o capitalismo thatcheriano.)

Provavelmente só uma posição punitiva dura poderá travar isto. Um revolucionário proporia a obrigação de prisão perpétua para os perpetradores e as suas famílias e talvez mesmo a pena de morte para crimes financeiros. Obviamente, isto seria muito difícil de alcançar sem uma revolução, de modo que provavelmente muito crime financeiro e evasão fiscal irá continuar.

Deve-se reconhecer que o sector financeiro quase sempre comportou-se violentamente ao longo da história e é provável que recorra à violência para travar qualquer perspectiva de regulação da sua actividade. Portanto, a legislação criminal protector deve anteceder ou no mínimo acompanhar a regulação financeira, ou o sector financeiro simplesmente evadir-se-á. A lição da história é que pessoas combatem pela sua vida para manterem o que têm e não foi ganho através dos seus próprios esforços. A revolução tende a vir da oligarquia, não da democracia (a saber, os Quatrocentos Atenienses e o derrube de Agis e Cleomenes de Esparta no fim século III AC, o destino de Nabis mais tarde, o assassínio de Graco e seus apoiantes pelo Senado Romano em 133 AC, para citar exemplos seguramente no passado.)

      8. O poder dos trabalhadores para influenciar políticas económicas e distribuir a riqueza tem sido posto em causa pelo neoliberalismo. Quais são as estratégias a adoptar pelo movimento trabalhista para melhorar a correlação de forças e o contra poder?

MH: Agora que a representação democrática se tornou em grande medida uma função das contribuições de campanha gastas na compra de tempo nos media, pode ser necessário para o trabalho criar o seu próprio partido político. Parece quase irónico que os partidos mais violentamente neoliberais de extrema direita tenham-se tornado os Partidos Trabalhistas (na Nova Zelândia, Austrália e Inglaterra) e o Partido Democrata nos Estados Unidos.

Ganhar representação parlamentar é mais fácil na Europa do que nos Estados Unidos, Inglaterra ou outros Estados com dois partidos, graças ao sistema de representação proporcional na Europa continental.

Um programa político por sua vez exige um "think tank" político para fazer análise económica contínua e relatórios estatísticos. Exige o seu próprio jornal(is) e presença nos media. E também exige representação académica para "legitimar" seus esforços. Em suma, precisa de um quadro profissional.

      9. Em que medida a necessidade de adoptar políticas económicas e redistributivas ligadas às necessidades do povo requer o acesso ao status de Estado independente no contexto europeu para nações como o País Basco?

MH: Precisarei saber mais acerca da Espanha e do sistema político europeu e o da área basca para responder a esta pergunta inteligentemente.

A resposta depende da capacidade de regiões específicas adoptarem as suas próprias políticas fiscais e financeiras quando estas são mais progressistas e "clássicas" do que as políticas radicais neoliberais de economia da bolha agora a serem seguidas por todos os principais governos nacionais e pela liderança da UE.

[*] Professor de Teoria Económica na Universidade de Missouri – Kansas City, autor de Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance .

Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .
27/Mar/09