Uma vaga de incumprimentos está a aproximar-se
Políticos falam de rebentos verdes, o que sugeriria que o pior da crise
está para trás e que uma recuperação sólida
está prestes a começar. Infelizmente, tal conversa é
prematura e com toda probabilidade factualmente errada. Surpresas sérias
ainda permanecem logo ali na esquina. O máximo que podemos hoje dizer
é que o pior do pânico financeiro, e a queda resultante no produto
global, provavelmente está ultrapassado. A crise foi contida. Isto na
verdade deve ser saudado. Mas será que ela desapareceu para sempre?
O que ainda não vimos, e começamos agora a observar, é
como uma economia enfraquecida alimentará outra vez o sector financeiro.
Ou seja, ainda não levámos plenamente em conta os incumprimentos
por parte de empresas e famílias e o seu impacto sobre uma
indústria financeira já aflita. A questão chave hoje
é quão generalizados serão estes incumprimentos? Qual
será o seu impacto sobre os balanços dos nossos bancos já
aflitos?
Há várias razões para considerar esta questão
seriamente e para sermos cautelosos quanto ao futuro. Primeiro, os
incumprimentos surgem com longos intervalos e tendem a persistir por longo
tempo. A maior parte das firmas entra numa recessão com bastante
liquidez de activos que servem como um amortecedor mesmo quando sofrem de
vendas decrescentes e fluxos de caixa em encolhimento. Elas podem liquidar
alguns activos para conseguir a liquidez de que precisam para evitar
incumprimentos custosos. Os bancos também têm fortes incentivos
para garantirem liquidez àquelas companhias na esperança de uma
recuperação rápida. Graças a estes estabilizadores
sistémicos, os incumprimentos tendem a ocorrer na ponta final do ciclo e
muitas vezes quando a recuperação já se está a
verificar. Na Itália, por exemplo, durante a recessão de 1992, os
incumprimentos atingiram o pico um ano após o fosso mas permaneceram
quase 30% acima da média durante os quatro anos seguintes.
Segundo: incumprimentos provocados por uma incapacidade de reembolso do tomador
do empréstimo podem disparar um outro, um incumprimento de tipo mais
insidioso: o incumprimento estratégico, o incumprimento de tomadores
solventes que potencialmente podem reembolsar mas preferem não
fazê-lo. Quando incumprimentos se tornam generalizados, o custo social do
incumprimento é grandemente reduzido. Isto torna mais fácil
incumprir o empréstimo, mesmo por firmas e consumidores que sob
circunstâncias normais seria capazes e estariam dispostos a reembolsar.
Avaliar a importância desta vertente é crítico mas
difícil de fazer. Uma das razões é que os incumpridores
estratégicos podem plausivelmente durante uma recessão afirmar
que são incapazes de reembolsar e geralmente é difícil
provar o contrário.
Um inquérito muito recente
[1]
perguntou a uma amostra de famílias americanas se incumpririam a sua
hipoteca mesmo se fossem capazes de reembolsá-la. Descobriu-se que
até 17% dos inquiridos incumpririam mesmo se fossem capazes de pagar a
sua hipoteca. Quando o défice de situação líquida
atinge 50% do valor da casa, o número de incumprimentos
estratégicos eleva-se para 26%. O inquérito também
documenta que a propensão das pessoas para incumprirem mesmo quando
capazes de reembolsar é fortemente influenciada pela
observação de que os seus vizinhos incumpriram. Este incentivo
para imitar pode resultar numa ampliação dos incumprimentos de
firmas incapazes de reembolsar devido à recessão.
Terceiro: há evidência de que grandes bancos estão a
retirar crédito a pequenas empresas, forçando-as dessa forma ao
incumprimento e à bancarrota. Sem tal racionamento de crédito,
estas firmas sob circunstâncias normais seriam viáveis. A
razão é que muitos bancos acham difícil e custosos avaliar
a capacidade de uma pequena companhia reembolsar um empréstimo. Isto
pode não ser uma preocupação séria em países
tais como a Holanda ou vários outros do Norte da Europa com
negócios relativamente grandes. Mas pode ser um problema sério em
países tais como a Itália, Alemanha ou Espanha onde a
importância relativa dos pequenos negócios é muito mais
alta. A extensão do problema depende grandemente da medida em que
pequenas firmas possam ter acesso a fontes alternativas de financiamento,
particularmente empréstimos de pequenos bancos locais que têm uma
vantagem comparativa na avaliação da qualidade do crédito
a pequenos tomadores.
Quarto e final: incumprimentos podem ser acelerados pelas mesmas forças
que os provocaram primeiro no princípio da crise: a ascensão das
taxas de juro outra vez ao normal a partir da actual baixa histórica.
Isto acontecerá mais cedo ou mais tarde e é uma questão
já na agenda de banqueiros centrais, os quais estão a pensar
acerca de uma estratégia de saída da crise.
Na generalidade, a ameaça de uma onda de incumprimentos maciço
prestes a atingir nossas economias sugere que o nosso actual optimismo
provavelmente é inapropriado. Tudo o que podemos permitir-nos hoje
é apenas uma sensação de alívio por termos sido
capazes de escapar ao pior do pânico.
24/Julho/2009
[1]
L. Guiso, P. Sapienza and Luigi Zingales, "Moral and Social Constraints
to Strategic Default on Mortgages", Financial Trust Index Working Paper
Series.
[*]
Professor de teoria económica no European University Institute,
Florença.
O original encontra-se em
http://www.eurointelligence.com/article.581+M5707fb181c8.0.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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