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							A crise capitalista numa perspectiva marxista
						
							 [*]
								 Professor de Economia na Universidade de Massachusetts
								 Amherst. Autor de 
								 muitos livros e artigos
								, incluíndo
								(com Stephen Resnick) 
								 Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR
								 (Routledge, 2002) e (com Stephen Resnick) 
								 New Departures in Marxian Theory
								 (Routledge, 2006).  Ver também o vídeo da palestra de Rick Wolff 
								 "Capitalism Hits the Fan: A Marxian View"
								:
								<vimeo.com/1962208> Em termos marxistas, a  crise actual emergiu do funcionamento da
							estrutura de classe capitalista. A história do capitalismo revela
							repetidos booms, quebras e bolhas pontuais. Os ciclos do capitalismo variam de
							forma imprevisível desde o local e superficial até ao profundo,
							longo e global. Manter o capitalismo é sofrer a sua instabilidade
							crónica. Lidar efectivamente com as crises 
							
								recorrentes
							
							 do capitalismo implica a mudança para uma estrutura de classe
							não-capitalista. 
 Desde meados dos anos 70 os 
							 salários médios reais
							 dos trabalhadores [nos EUA] cessaram de subir.  Isto deveu-se em parte à
							deslocação de trabalhadores pela computadorização
							da produção capitalista.  Os capitalistas também decidiram
							mudar mais produção para países estrangeiros a fim de
							obterem maiores lucros. Como os empregadores passaram então a precisar
							de menos trabalhadores nos EUA, puderam e concretizaram o fim da subida
							histórica (1820-1970) dos salários americanos.
 
 Contudo, a 
							 produtividade dos trabalhadores
							 continuou a subir (mais máquinas, mais pressão e mais
							técnica). Produziram sempre mais para os seus empregadores venderem,
							ainda que os empregadores não lhes pagassem mais por isso. A 
							
								mais-valia
							
							 extraída (explorada) pelos empregadores capitalistas  o valor em
							excesso produzido por cada trabalhador sobre o valor pago a esse mesmo
							trabalhador  subiu. Os últimos 30 anos foram a
							realização dos mais altos sonhos capitalistas. Contudo,
							salários estagnados e mais-valias crescentes também mergulharam o
							capitalismo americano na grave crise de hoje.
 
 
  Os principais capitalistas de hoje  os membros dos conselhos de
							administração corporativos  receberam a maior parte desse
							rápido aumento de mais-valias.  A forma como as distribuíram
							molda a nossa história.
							Uma enorme porção foi para 
							 pagamentos a executivos de topo
							.  Outra porção aumentou dividendos
							 dos accionistas das corporações (que, afinal de contas elegeram
							as administrações). Outras porções ainda,
							financiaram a transferência de produção para fora do
							país, o avanço da computadorização para reduzir
							folhas de pagamentos e ainda lobbys para apoiar acções estatais
							favoráveis (ex: redução dos impostos para a empresas e
							permissão do aumento da imigração para baixar
							salários). 
 As corporações depositaram mais-valias crescentes nos bancos. Os
							bancos cresceram e
							inventaram novos instrumentos financeiros para lucrar ainda mais com essas
							mais-valias. Novos instrumentos incluíram títulos como
							"obrigações de dívida colateralizada"
							(dívidas relativas a hipotecas, cartões de crédito,
							corporativas e empréstimos para estudantes); "credit default
							swaps" (seguros desses novos produtos); e outros "derivados"
							para distribuir os riscos da rápida multiplicação de novos
							instrumentos de crédito entre aqueles com mais-valias para investir.
							Devido a estes novos instrumentos operarem completamente fora das
							regulações existentes, num 
							 "sistema de crédito sombra"
							, cada vez maiores riscos foram assumidos para a obtenção de
							lucros cada vez maiores. Empresas especializadas como os hedge funds, surgiram
							para investir os crescentes mais-valias corporativos e fazer explodir os
							rendimentos de executivos nas sombras nebulosas da alta finança.
							Fizeram-se enormes lucros nos últimos 20 anos, mas a exuberância
							capitalista daí resultante, mais uma vez superou os seus limites.
 
 
  Os lucros financeiros dependiam da subida do aumento das mais-valias, que
							dependiam de salários estagnados. Os lucros financeiros também
							dependiam do reverso da medalha dos salários estagnados, nomeadamente
							dos 
							 maciços empréstimos contraídos pelos trabalhadores
							.  Como o aumento do consumo tornou-se a medida do êxito pessoal na vida,
							a estagnação dos salários desde os anos 70 tornou a
							maioria dos trabalhadores americanos extraordinariamente vulneráveis
							às novas ofertas de crédito para consumo. Entram aí os
							bancos, implacavelmente, a oferecerem cartões de crédito,
							empréstimos sobre a situação líquida das casas
							hipotecadas, empréstimos a estudantes e muito mais. Os trabalhadores
							endividaram-se numa soma recorde. Os bancos empacotaram essas dívidas em
							novos títulos (os agora infames produtos MBS e CDO) e venderam-nos a
							todos os que procuravam investir seu mais-valias crescentes. 
 Efectivamente, o capitalismo americano substituiu assim o aumento dos
							salários pelo aumento dos empréstimos aos trabalhadores.
							Tirou-lhes duas vezes:  em primeiro lugar, o mais-valia que o seu trabalho
							produziu; em segundo lugar, o juro sobre as mais-valias emprestadas de volta
							aos mesmos. Este duplo esmagamento dos trabalhadores foi o fundamento do boom
							americano entre os anos 70 até 2006.
 
 Finalmente, a ascensão dos custos deste duplo esmagamento estrangulou o
							boom.  O endividamento crescente das famílias significava que
							doenças, perdas de emprego e divórcios somavam-se agora,
							agravando-a, a tragédia dos incumprimentos de dívidas.  A subirem
							firme e ameaçadoramente ao longo de 2007, os incumprimentos sobre
							cartões de crédito, empréstimos para automóveis,
							empréstimos para estudantes e 
							 hipotecas
							 levantaram voo em 2008.  As novas espécies de títulos baseados
							nas dívidas dos trabalhadores começaram a perder valor nos
							mercados. Bancos, hedge funds, e outros titulares desses produtos enfrentavam
							perdas crescentes.  As corporações que seguraram estes
							títulos através de credit default swaps, etc não puderam
							pagar quando o valores de muitos deles entraram em colapso.  Os bancos tinham
							de usar o dinheiro dos seus depositantes e tomarem emprestado ainda mais para
							comprar tais títulos. As perdas dos bancos impediam-nos de reembolsar
							aqueles empréstimos ou garantir o dinheiro dos seus depositantes. Os
							mercados financeiros congelaram quando prestamistas e prestatários 
							 deixaram de confiar
							 
							 uns nos outros
							 e reduziram drasticamente as transacções. A quebra seguiu-se
							à bolha após o boom, mais uma vez.
 
 Os conselhos de administração corporativos americanos haviam
							tomado três medidas interligadas para produzir esta sequência.
							Congelaram o salário real dos trabalhadores, extraíram demasiado
							mais-valia da sua produtividade crescente, e distribuíram essas
							mais-valias crescentes de formas cumulativamente insustentáveis. A
							exuberância capitalista irracional mais uma vez extravasou os seus
							limites. O sistema capitalista de produção e
							distribuição de mais-valias demonstrou-se mais uma vez
							fundamentalmente propenso a crises.
 
 Se este sistema capitalista tivesse sido substituído por outro, um em
							que os trabalhadores que produziram a mais-valia em cada empresa também
							funcionasse como o apropriador e distribuidor colectivo dessas mesmos
							mais-valias, a história dos Estados Unidos desde os anos 70 teria sido
							muito diferente. Trabalhadores que se apropriassem da sua própria
							mais-valia provavelmente NÃO congelariam os seus salários reais
							(consequentemente não haveria explosão da dívida relativa
							ao consumo). Trabalhadores que colectivamente se apropriassem da sua
							própria mais-valia provavelmente NÃO dariam imensos novos
							pagamentos aos administradores de topo. A distribuição do
							rendimento pessoal portanto NÃO se tornaria tão desigual ao longo
							dos últimos 30 anos. Trabalhadores que se apropriassem da sua
							própria mais-valia NÃO aplicariam imensas porções
							da mesmo para transferir os seus empregos para o outro lado do oceano. E por
							aí afora.
 
 É claro que uma tal estrutura de classe teria suas próprias
							contradições e problemas. Iria interagir com
							instituições políticas de maneiras diferentes da forma
							como o fazem nas estruturas de classe capitalistas. Igualdade de sexo,
							sustentabilidade ambiental e muitos outros problemas ainda precisariam de
							atenção, mas não seriam agravados, entretanto, pelo duplo
							esmagamento acima mencionado.
 
 Assim, as questões urgentes são: Irão as respostas a esta
							última crise capitalista continuar a ignorar ou a negar o papel da
							estrutura de classe no capitalismo?  Será que a causa da crise  a
							permissão dada aos conselhos de administração capitalistas
							para se apropriarem e distribuírem mais-valias  permanecerá
							não reconhecida?  Se assim for, as perdas pessoais, políticas,
							económicas e culturais infligidas por esta mais recente crise
							capitalista falharão no ensino da lição chave: a
							solução genuína exige progresso para além da
							estrutura de classe capitalista.
 
 O original encontra-se em
								 http://mrzine.monthlyreview.org/wolff141208.html
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								 Tradução de 
								 José Magalhães
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 Este artigo encontra-se em
								 http://resistir.info/
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