Wall Street vs Main Street
O apontar de dedos e a mudança de sistema
por Rick Wolff
Em meio à actual crise capitalista, propaga-se o medo e surgem bodes
espiatórios. Os media e os políticos acusam os suspeitos do
costume. Podem seguir-se prisões. Mas poucos reconhecem o sistema como
sendo o próprio problema, ao invés deste ou daquele grupo que
reage às exigências e pressões do mesmo. É verdade
que a palavra "capitalismo" agora torna-se comum na discussão
pública. Mas ela aqui está a significar o
big business,
os grandes bancos, ou a Wall Street, ao invés do próprio
sistema que liga em conjunto todas as ruas, negócios, trabalhadores,
famílias e governo.
Os da extrema direita mais primária culpam os compradores de casa, agora
incapazes de pagar as suas hipotecas subprime. Aqueles ligeiramente mais
refinados denunciam a intervenção do governo destinada a
ajudar as minorias e os pobres a tornarem-se proprietários de casas
por tudo o que for que aflija a economia. Os mais grosseiros de todos
misturam Wall Street, banqueiros e iniciados vigaristas de Washington em
conspirações para lucro pessoal e/ou vender os EUA ao comunismo
mundial ou ao terrorismo ou talvez a muçulmanos.
À esquerda, entre os favoritos para o chicote incluem-se a Wall Street,
banqueiros, hedge funds, executivos super bem pagos, corporações
vigaristas e políticos comprometidos que deixaram coisas más
acontecerem "à nossa economia". Os da esquerda mais refinada
acrescentam condenações "à
desregulamentação neoliberal". Desde a
eleição de Reagan, dizem eles, as falhas do governo em
regulamentar mercados e controlar empresas privadas facilitaram o mau
comportamento das finanças selvagens que agora nos deixaram tão
em baixo.
Nenhum lado trata o sistema capitalista como o problema básico. Mais
exactamente, ambos sobretudo concordam em que a rede inter-actuante de
corporações com seus conselhos de directores, administradores
assalariados e trabalhadores assalariados são os fundamentos
necessários e adequados "da nossa economia". Tal como aquela
rede, o capitalismo aparece-lhes como inevitável, e portanto não
há alvo apropriado para a direita ou a esquerda. Ao invés disso,
eles debatem quanto de culpa deveria ser atribuída a este ou
àquele grupo por "provocar" a crise: pessoas pobres, ou
demasiada grande/pequena intervenção do governo, ou os ricos
super remunerados com hedge funds, ou as corruptas maçãs podres
que infectam o sistema. Os dedos apontam culpados que estragam um capitalismo
a "nossa economia" que de outra forma funcionaria muito
bem.
Considere-se o debate Wall Street X Main Street
[1]
. Muitos de esquerda e não poucos de direita acusam a Wall Street de
"causar" a confusão das hipotecas subprime (como se
incontáveis bancos da Main Street e correctores de hipotecas não
tivessem vendido lucrativas hipotecas a habitantes locais incapazes de
suportá-las). Eles olham com rancor a Wall Street por ter inventado os
"derivativos", aqueles perigosos novos artifícios financeiros
(como se os tipos da Main Street não houvessem investido e lucrado com
eles). Os de esquerda clamam que a Wall Street levou os políticos a
desregulamentarem a economia (como se muitos negócios na Main Street
não apoiassem da mesma forma a desregulamentação e
lucrassem com ela). Muitos de direita afirmam que a insuficiente
desregulamentação do governo, devido à influência da
Wall Street, provocou a crise (como se a Main Street não se beneficiasse
com a intervenção do governo). Tanto os de direita como os de
esquerda culpam a Wall Street e Washington por produzirem em conjunto a bolha
habitacional e imobiliária (como se a Main Street não
incentivasse os aumentos de preços e a construção de
casas, a procura acrescida por produtos para as casas, os empregos resultantes,
os rendimentos, a arrecadação fiscal, etc).
Quando este mais recente boom do capitalismo entrou em falência, a Wall
Street e a Main Street mudaram da cooperação mutuamente lucrativa
para uma luta pela sobrevivência. A Main Street teme que a Wall Street
venha a utilizar seu poder, dinheiro e influência para despejar os
sofrimentos da crise económica sobre os trabalhadores e os governos
(cortando salários e empregos, pagando menos impostos, e exigindo mais
ajuda e salvamentos do governo). Isto prejudicará a Main Street. O
capitalismo funciona para transferir os custos económicos para baixo na
estrutura económica e os ganhos económicos para cima. Assim, a
Main Street combate com campanhas de opinião pública a culpar a
Wall Street pela crise. Nesta desavença entre ladrões, esquerda
e direita sobretudo tomam partidos ao invés de rejeitar o sistema que
gerou aqueles ladrões. A posição alternativa seria exigir
mudança do sistema.
Mudança de sistema não quer dizer o que Paulson e Bernanke agora
planeiam: comprar acções de bancos privados dos EUA. Neste
"nacionalização" parcial dos bancos, o governo
estado-unidense comprar e possuirá acções de bancos e
possivelmente colocará responsáveis do Estado nos conselhos
directores dos bancos. Empresas privadas tornar-se-ão portanto,
parcialmente e provavelmente temporariamente, empresas públicas. Esta
mudança é grande para Bush, Paulson e Bernanke porque eles sempre
denunciaram empresas públicas como socialismo ou comunismo.
Mas substituir membros privados de conselhos de administração de
bancos (eleitos por e responsáveis perante accionistas privados) por
membros públicos (nomeados por e responsáveis por
funcionários do Estado) basicamente não muda o sistema. Os
trabalhadores ainda trabalham das 9 às 17; eles ainda seguem as ordens
da direcção; e os bens, serviços e lucros que eles
produzem pertencem aos conselhos de administradores para servirem os seus
interesses. Tais conselhos, sejam privados ou públicos, ainda
dão as ordens, vendem os produtos, recebem os rendimentos e decidem como
utilizar os lucros. As profundas desigualdades entre trabalhadores e conselhos
de administração permanecem. A profunda ausência de
democracia no lugar de trabalho capitalista permanece. Tanto conselho de
administração públicos como privados historicamente
procuraram evadir, enfraquecer ou eliminar controles e
regulamentações do Estado que limitavam sua liberdade de
acção e sua lucratividade (tanto na URSS como nos EUA).
O capitalismo tem oscilado por toda a parte entre fases privadas e
públicas. O capitalismo privado minimizou intervenções
governamentais e sobretudo manteve funcionários do Estado fora de
conselhos de administração. Em fases públicas do
capitalismo, intervieram governos e por vezes substituíram membros
privados de conselhos de administração por outro públicos.
Crises de uma fase muitas vezes provocaram transição para a
outra. A crise de 1929 do capitalismo privado dos EUA conduziu à
intervenção do Estado do New Deal de Roosevelt (estabelecendo
segurança social, seguro de desemprego e outros custosos para os
negócios programas e regulamentos). A crise da década de
1970 do capitalismo regulado pelo Estado devolveu os EUA a outra fase
capitalista privada, a era Reagan-Bush, a qual desfez a maior parte do New
Deal. O que se seguirá à crise de hoje do capitalismo privado?
Será que o pêndulo oscilará de volta ao capitalismo
re-regulamentado pelo Estado? Se assim for, a comunidade de negócios
dos EUA utilizará décadas de perícia acumulada em evadir,
enfraquecer e finalmente eliminar a regulamentação do Estado. A
re-regulamentação terá portanto vida curta. Ou
poderá a alternativa da mudança do sistema tornar-se importante?
A mudança do sistema completaria a re-regulamentação com
uma transformação dentro das empresas. Suponha que antigos
conselhos de administração sejam substituídos por novos
conselhos cujos membros entendem e partilham os objectivos da
regulamentação ao invés de encarar a
regulamentação como limitações a serem minadas.
Isto pode acontecer se os novos conselhos abrangerem a colectividade dos
próprios trabalhadores. As descrições de tarefa de todos
os trabalhadores daí por diante combinariam o trabalho particular de
cada um com a sua plena participação nas tarefas colectivas do
conselho de administração.
Deste modo, trabalhadores-também-como-patrões poderiam conformar
as regulamentações económicas juntamente com outros
trabalhadores dirigindo outras empresas e então
executá-las dentro de cada empresa. O conflito de interesses entre
empregadores e empregados seria transformado uma vez que já não
haveria grupos diferentes e opostos. Isto seria uma mudança real do
sistema. Sem isto, conselhos de administração, privados e/ou
públicos, continuarão a funcionar no futuro como o fizeram no
passado. Eles minarão regulamentações destinadas a fazer
com que a economia sirva a sociedade, continuarão a dirigir as suas
empresas não democraticamente, manterão desigualdades
económicas e continuarão a gerar crises económicas como
aquela hoje impõem sobre todos nós.
14/Outubro/2008
[1] Nos EUA diz-se dos pequenos negócios que são da "Main
Street".
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/wolff141008.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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