Guerra de classe
Os
salários reais dos trabalhadores americanos
(salários monetários ajustados aos preços que os
trabalhadores realmente pagam) não têm aumentado desde os anos
70.
Dados recentes do Gabinete de Estatísticas do Trabalho
confirmam que os salários reais
continuaram a estagnar durante 2009. Durante este mesmo período de 30
anos, a produtividade da força de trabalho continuou a aumentar: o
trabalhador médio tem vindo sempre a produzir mais e o empregador
médio a vender mais.
Portanto, os rendimentos dos capitalistas aumentaram em relação
aos salários dos trabalhadores.
Os capitalistas utilizaram esses rendimentos crescentes para intensificar a
guerra de classe contra os trabalhadores americanos. Em primeiro lugar, os
capitalistas enfraqueceram os seus adversários emprestando uma parte dos
seus enormes rendimentos aos trabalhadores americanos, sob a forma de
"empréstimos para consumo" a taxas altas. Com salários
sem aumentos, os trabalhadores apenas puderam financiar as suas casas, a escola
dos filhos, os tratamentos médicos, etc de que precisavam,
através de empréstimos ou pondo a trabalhar mais membros da
família, nomeadamente as mulheres. Esta evolução que
beneficiava os capitalistas, provocou graves tensões interpessoais nos
lares dos trabalhadores que se debatiam com dívidas acumuladas.
Durante as últimas décadas, os trabalhadores concentraram-se na
solução desses problemas; gastaram menos tempo e energia nos
assuntos cívicos, nas actividades sindicais, nos problemas da escola dos
seus filhos, etc. Ressentiram-se amargamente com tudo o que o governo pudesse
fazer, como aumentos de impostos, que tornassem ainda mais difícil essa
solução.
Como escreveu um conhecido comentador sobre o actual individualismo dos
trabalhadores, eles passaram a jogar
"bowling sozinhos"
.
Em segundo lugar, os capitalistas utilizaram os seus novos rendimentos para
financiar (1) a relocalização da produção e de
outras instalações fora dos EUA e (2) a
computorização da produção. Através da
globalização, as corporações ameaçaram
empregados e sindicatos de que o aumento de salários ou de outras
melhorias no trabalho podiam traduzir-se na perda de emprego. Através da
computorização, passaram a ser precisos menos trabalhadores e o
seu poder negocial com os capitalistas enfraqueceu.
Em terceiro lugar, os conselhos de direcção capitalistas
utilizaram outra parte das novas receitas para aumentar os salários e os
bónus dos gestores de topo (incluindo-se a si próprios), ou seja,
das pessoas que contribuem com somas significativas para os políticos
que são a favor de leis e regulamentações conservadoras,
viradas para os negócios. Assim, as corporações e os
gestores de topo aumentaram a dependência dos políticos da sua
generosidade coordenada. Simultaneamente, uma grande parte dos trabalhadores
distanciou-se dos assuntos políticos. A política americana
tornou-se cada vez mais um desporto de espectadores extremamente dispendioso.
A política oficial virou-se para a direita mesmo quando a opinião
popular de massas, quando sondada, apontava claramente noutra
direcção. Os políticos perceberam que as suas carreiras
não conseguiriam sobreviver perante o fluxo de dinheiro com que as
corporações capitalistas e os abastados gestores de topo
inundavam as campanhas contra eles. Reagiram ao facto de que os trabalhadores
cada vez percebiam menos de política, nomeadamente de finanças, e
cada vez participavam menos. Foram ultrapassados pelos seus opositores de
classe e perderam a confiança na capacidade ou vontade do Partido
Democrata e dos sindicatos em promover os seus interesses de classe.
E assim, embora as maiorias defendam o fim do envolvimento no Iraque,
mantêm-se lá grandes forças americanas. A maioria agora
opõe-se à ocupação do Afeganistão, mas a
administração prossegue. A maioria é a favor do apoio do
governo ao comum das pessoas, juntamente com a ajuda aos bancos, às
companhias de seguros, etc, nesta crise económica, mas continuamos sem
uma solução real para o desastre das penhoras e sem um programa
público de emprego para os milhões despedidos pelos empregadores
privados.
A maioria é a favor do seguro médico para todos e de cuidados médicos de baixo custo
, mas a legislação que vai aparecendo está muito longe
disso. As maiorias são a favor de
estritas limitações e controlos sobre o financiamento privado das
campanhas políticas, mas o que acontece é o contrário.
Na guerra de classe, os capitalistas desviam a ira e a amargura dos seus
adversários com receio de que esses sentimentos mobilizem os
trabalhadores. Enormes despesas em publicidade, grupos de analistas, meios de
comunicação, celebridades porta-vozes, e académicos
conseguem fazer isso responsabilizando o governo, e não os capitalistas,
pelas dificuldades dos trabalhadores. Reparem na actual campanha, financiada
principalmente pelas corporações de seguros médicos
privados, contra a extensão da cobertura pública a milhões
de cidadãos sem seguro médico. Demoniza essa extensão como
a "imposição do socialismo". A campanha explora os
receios dos cidadãos em relação ao que lhes irá
custar mais um programa do governo. Contribui para que as pessoas
"esqueçam" (se é que sabiam) que em 2008 cerca de 87,4
milhões de cidadãos americanos tinham e apoiavam fortemente o
seguro médico público (a Medicare, a Medicaid e o sistema Veteran
Affairs das
forças armadas). Omite qualquer referência a que, entre 2004 e
2008, a dedução duma família média para os
serviços médicos dentro destas redes, na maior parte dos seguros
médicos
privados
proporcionados por empregadores,
aumentou de 1 000 para 1 850 dólares
. Ao suprimir o conhecimento dos crescentes custos privados e ao exagerar,
simultaneamente, os riscos do aumento de custos públicos, a campanha dos
seguradores privados lança o alarme nos cidadãos para que estes
se oponham ao alargamento do seguro do governo. Pelas mesmas razões,
pouco americanos se apercebem de que o sistema médico privado americano
é muito mais caro do que os sistemas públicos de muitos outros
países (que também prestam melhores cuidados de saúde); a
Organização Mundial de Saúde coloca os EUA em 37º
lugar quanto à qualidade do seu sistema de saúde (a França
ocupa o nº 1).
Mas esta guerra de classe centrada no desvio de rendimentos, riqueza e
poder dos trabalhadores para os capitalistas não consegue tirar
aos trabalhadores a sua arma mais poderosa. Os trabalhadores produzem e
entregam aos seus adversários os recursos que depois são
utilizados contra eles aquela diferença entre a sua produtividade
para
os empregadores e os seus salários
dos
empregadores. O dilema do capitalismo é esta contradição:
os trabalhadores que os capitalistas contratam, exploram e tentam dominar
são os mesmos trabalhadores de quem eles dependem para poderem
contratar, explorar e dominar.
A guerra de classes provém de uma estrutura profundamente impregnada de
capitalismo que lança capitalistas contra trabalhadores. O fim da subida
dos salários reais, nos anos 70, aumentou os recursos adicionais nas
mãos dos capitalistas permitindo que estes intensificassem a guerra de
classes enquanto que esta enfraquecia os trabalhadores. Mas a guerra de classes
não foi apenas uma consequência, também foi, desde o
início, a causa de os salários reais deixarem de aumentar. O
capitalismo leva sempre a que os empregadores procurem salários mais
baixos, ou seja, leva à guerra de classes para assegurar salários
mais baixos. Mas a falta de mão-de-obra nos EUA impediu durante muito
tempo que os empregadores o conseguissem (mesmo quando utilizaram
maciças vagas de imigração, automação e
outras armas de guerra de classes). Quando, por volta da década de 70,
essas condições mudaram finalmente (a
computorização e a globalização reduziram a procura
de mão-de-obra enquanto que as mulheres e nova imigração
aumentavam a oferta de trabalho), os empregadores deixaram de aumentar os
salários reais com todos os resultados acima referidos.
Tanto em épocas de prosperidade como em épocas de crise, o
capitalismo precisa da guerra de classe. Só uma mudança de
sistema pode acabar com isso. Os capitalistas têm poucas razões
para mudar o sistema. Como sempre, são os trabalhadores que se
mantêm em posição de provocar a rotura. Entretanto, sofrem
as consequências de não o fazerem.
[*]
Professor de Economia na Universidade de Massachusetts
Amherst. Autor de
muitos livros e artigos
, incluíndo (c/ Stephen Resnick)
Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR
(Routledge, 2002) e (c/ Stephen Resnick)
New Departures in Marxian Theory
(Routledge, 2006). O seu novo livro acerca da crise actual é
Capitalism Hits the Fan
.
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/wolff160909.html
. Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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