Realmente, "É o sistema, estúpido"
No núcleo do sistema capitalista jaz um conflito central. Por um lado,
os conselhos de administração das corporações
buscam extrair sempre mais excedente dos trabalhadores produtivos. Por outro,
os trabalhadores procuram sempre mais salários, benefícios e
melhores condições de trabalho que reduzam o excedente
disponível para os empregadores. O conflito de classe entre
capitalistas e trabalhadores acerca da dimensão desse excedente torna-se
perpétuo. A forma do conflito varia desde o oculto ao aberto e desde o
moderado ao violento.
Os conselhos de administração descobrem continuamente meios para
reduzir os salários. Mas eles queixam-se quando os consumidores, cujos
salários caem, não podem comprar todas as mercadorias que os
capitalistas precisam vender-lhes. Na verdade, o consumo insuficiente
frequentemente contribui para provocar ou agravar uma recessão. A
contradição aqui é que muitos capitalistas parecem
incapazes de vê-la, e muito menos relacioná-la com a estrutura de
classe da produção capitalista e o conflito dela resultante.
Os trabalhadores procuram continuamente melhorar os seus rendimentos,
benefícios e condições de trabalho. Mas com isso
confrontam os empregadores, que respondem terciarizando empregos para
trabalhadores mais baratos ou subservientes ou eliminando empregos
através da automação, mesmo ao custo de por em risco
vendas de mercadorias a trabalhadores, levando a recessões ou
agravando-as. A contradição aqui trabalhadores que
atingem ganhos de risco perdendo seus empregos está subjacente a
outro dos conflitos sistémicos do capitalismo. Como discutido mais
adiante, se os trabalhadores se tornassem os seus próprios conselhos de
administração colectivos eles provavelmente não reduziriam
salários ou terciarizariam empregos. Trabalhadores que se apropriassem
do seu próprio excedente acompanhariam a automação com
reciclagem profissional a sério e apoio de transição para
trabalhadores deslocados o que raramente é feito quando conselhos
de administração capitalistas automatizam.
O conflito entre administradores corporativos e trabalhadores produtivos ajudou
a produzir tanto a estagnação dos salários dos
últimos 25 anos como a resultante bolha de excedente que inchou e acabou
por explodir em 2008. O conflito de classe sempre contribuiu para a
instabilidade sistémica do capitalismo. O gráfico ao lado,
elaborado pelo Center on Budget and Policy Priorities, regista muitas
recessões nos EUA após 1945. A instabilidade do capitalismo foi
uma constante, embora a política e a cultura nacional tenham mudado
muitas vezes desde 1945, pois a Guerra Fria irrompeu e declinou. A estrutura
de classe do capitalismo manteve-se entretanto a martelar seu ritmo de ciclos
de crescimento e queda nas nossas vidas.
Cada recessão desde 1948 custou milhões de perdas de empregos que
prejudicou os trabalhadores envolvidos, as suas famílias, vizinhos e
comunidades (incluindo os seus empregadores). Grande porções da
capacidade produtiva (máquinas, equipamento, escritórios, lojas)
ficaram ociosas: produções no valor de milhares de
milhões que poderiam ter sido produzidas nunca o foram devido à
recessão. Se a produção houvesse sido efectuada e
utilizada para aliviar problemas sociais (pobreza, falta de moradia, cuidados
infantis inadequados, infraestrutura deteriorada, etc) estaríamos a
viver numa país muito diferente. As recessões sempre cortam
receitas para os governos locais, estaduais e federal, forçando a
reduções em educação pública, cuidados de
saúde e assim por diante. A instabilidade recorrente ridiculariza e
invalida toda aquela conversa acerca da "eficiência
capitalista".
Seria razoável identificar, investigar e discutir publicamente toda a
causa possível de tal instabilidade. Os objectivos seriam compensar,
moderar ou eliminar os seus efeitos ou, melhor ainda, a própria
instabilidade. Mas há um tabu que bloqueia a consideração
de uma das suas causas, nomeadamente a estrutura de classe do capitalismo.
Durante o último meio século, análises e políticas
debatidas pela maior parte dos líderes de negócios,
políticos, académicos e mesmo trabalhistas evitaram conectar a
instabilidade económica à estrutura de classe do capitalismo. Ao
invés disso, muitos culpavam os políticos (democratas ou
republicanos), sindicados ou o big business. Outros centravam-se nas fraquezas
humanas ("cobiça", tomada de empréstimos
"irresponsável", etc). Outros ainda culpavam a inadequada
"regulação" estatal dos negócios privados. Com
a maior parte das análises cegas quanto à estrutura de classe
como uma das causas, a mudança na estrutura de classe da
produção raramente figurava nas soluções propostas
para a instabilidade capitalista.
As política realmente debatidas são sempre
variações de (1) Respostas do Estado estado-unidense à
Grande Depressão da década de 1930 e (2)
Intervenções do Estado japonês na sua longa recessão
após o ano de 1990. As propostas de acções estatais na
recessão global de hoje incluem "salvamentos" de
indústrias seleccionadas (especialmente financeiras);
(re)regulamentações de empresas e mercados;
reduções nas taxas de juros do banco central e expansões
da oferta monetária; e cortes fiscais federais e gastos para
"estímulo". Tais intervenções por vezes
ajudaram os EUA ao longo das recessões passadas. Elas nunca resolveram
o problema básico das recessões recorrentes.
As lutas de classe muitas vezes provocam as ascensões e quedas
cíclicas do capitalismo. As recessões mais severas provocam
intervenções do Estado e regulamentações para
ajudar os capitalistas a sobreviverem às convulsões do
capitalismo. Uma vez ultrapassada a crise económica imediata, os
capitalistas tratam de desfazer outra vez as intervenções do
Estado. Enquanto os capitalistas se apropriam dos excedentes, eles sempre os
utilizam para fugirem, enfraquecerem ou destruírem as
intervenções do Estado que os constrangem. Enquanto isso, tentam
manter o debate público e político longe das
soluções sistémicas para as recessões recorrentes.
E assim, os ciclos capitalistas voltam outra vez. Cada ciclo económico
impõe enormes e penosos custos sociais. Num ciclo ideológico
paralelo, a maior parte dos políticos, mass media e académicos
oscilam ridiculamente entre celebrações excitadas da
desregulamentação e (re)regulamentação como "a
solução para os nossos problemas económicos".
A instabilidade do capitalismo é sistémica. Tratar delas sem
considerar mudança sistémica é continuar a história
de fracassos para "resolver" tal instabilidade. O núcleo do
conflito de classe do capitalismo entre trabalhadores e conselhos de
administração nunca foi alterado no fundamental por salvamentos,
(re)regulamentações ou políticas monetárias e
fiscais do Estado. A estrutura de classe do capitalismo tão pouco
é mudada sistemicamente mesmo se substituirmos conselhos de
administração eleitos por accionistas privados por conselhos de
administração de responsáveis do Estado. O capitalismo de
Estado (URSS), também, não apenas o capitalismo privado (EUA),
mostrou instabilidades orientadas por conflitos de classe entre produtores de
excedente e apropriadores. Apesar das diferenças entre as
instabilidades de Estado e do capitalismo privado, ambas ainda provocam
ineficiências e desperdícios que cada uma tão
persistentemente documentou na outra.
Uma mudança sistémica possível elimina o conflito de
classe capitalista reorganizando as empresas de modo a colocar os trabalhadores
produtivos como o seu próprio conselho de administração,
removendo portanto um factor chave da instabilidade capitalista. Tais
decisões de administradores pós capitalistas (acerca de
mudanças técnicas, acumulação de capital,
salários e assim por diante) seriam marcadamente diferentes das
decisões das administrações capitalistas. Conselhos de
administração pós capitalistas difeririam das
administrações capitalistas também nas suas
relações com o Estado. Uma economia sistemicamente pós
capitalista teria os seus problemas de instabilidade, mas eles também
difeririam dos do capitalismo.
O importante não é que esta mudança sistémica seja
a única que poderia (ou poderia só por si) tratar seriamente da
instabilidade do capitalismo. O objectivo aqui é revelar a generalizada
e politicamente auto-derrotante recusa, mesmo na esquerda, em
reconhecer tais causas sistémicas. O centro e a direita sempre
debaterão e oscilarão entre causas não sistémica e
políticas (salvamentos, regulamentações, estímulos,
etc). A única contribuição que a esquerda poderia e
deveria fazer é insistir em que soluções sistémicas
por exemplo, mudanças na estrutura de classe das empresas
façam parte da discussão pública e da política
pública.
[*]
Professor de Economia na Universidade de Massachusetts
Amherst. Autor de
muitos livros e artigos
, incluíndo
(com Stephen Resnick)
Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR
(Routledge, 2002) e (com Stephen Resnick)
New Departures in Marxian Theory
(Routledge, 2006). Ver também o vídeo da palestra de Rick Wolff
"Capitalism Hits the Fan: A Marxian View"
:
<vimeo.com/1962208>
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/wolff311208.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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