Os zumbis não têm almoços gratuitos
por Krzysztof Rybinski
[*]
É uma história que se poderia chamar
O retorno dos mortos vivos 6.
Um grupo de boas pessoas amontoa-se sobre um telhado, com uma limitada
provisão de carne. Uma multidão de zumbis cerca a casa: famintos,
loucos, agressivos. O medo espalha-se e corpos entram em colapso; o odor
é terrível. Os zumbis cheiram sangue e carne sobre o telhado;
eles gritam e começam a subir pelas paredes.
No momento em que se parar de alimentar zumbis eles irão
buscá-los e todos nós nos tornaremos mortos vivos. De modo que se
continua a alimentá-los na esperança de que na noite seguinte
chegue um novo helicóptero que bem a tempo possa despejar
novos maços de comida para zumbi. É o único meio de
sobreviver. Atacar estas criaturas é muito perigoso: quando um zumbi foi
destruído, há poucos meses, os restantes ficaram tão
raivosos que comeram vivos todos os habitantes da cidade ali próxima.
Esta
dança macabra
dos zumbis pode ser observada na vida real. As pessoas sentadas no telhado
são os contribuintes dos Estados Unidos; os zumbis reunidos em torno
são
banqueiros
a berrarem por mais e mais apoio; o dinheiro dos
contribuintes está a transformar-se em comida de zumbi. Os comandantes
do telhado dizem: "Temos de alimentá-los ou eles virão
buscar-nos, fechando o crédito até ao zero, vendendo todos os
activos mundiais, deprimindo preços ao nível mínimo
e todos nós nos transformaremos em zumbis financeiros. Não
há outra opção senão alimentar os zumbis".
E os novos maços continuam a chegar.
Ben
é um piloto de
helicóptero muito qualificado; as suas manobras de mestre lançam
sempre novos maços de comida para zumbis, no lugar certo e no momento
certo. Ben contratou um novo membro da tripulação,
Barack
, que
chegou com uma ideia nova para manter os banqueiros zumbis afastados da
casa: "Vamos alimentá-los muito mais: pode ser que se tiverem
comida aos montes venham a transformar-se outra vez em humanos, um por um".
Mas o tempo passou, os banqueiros zumbis foram acompanhados pelos fabricantes
de carros zumbis, e com o vírus da morte a propagar-se mais zumbis
estão a caminho. Barack é destemido. Com Ben a acenar ao seu
lado, ele grita para o grupo sitiado no telhado: "Não importa
quantos apareçam, nós os alimentaremos a fim de salvar
vocês".
Dois segredos
Agora vem o primeiro de dois grandes segredos. Barack planeia tomar emprestado
mais de US$2,5 milhões de milhões
(trillion)
do resto do mundo a fim de pagar a comida dos zumbis. Alguém pode ter
pensado que os Estados Unidos são o habitat nativo dos banqueiros
zumbis, tal como a Roménia é o lar do Drácula: mas agora
é o lugar mais seguro sobre a Terra para manter o seu dinheiro. Pelo
menos, é isso que dizem os media financeiros zumbis
("Segurança, Bondade, Transparência, Liquidez,
Confiança, Lar, Amor") e escrevem as agências de
classificação zumbi ("Super-seguro").
Aqui está o segundo segredo, escondido ou distorcido pelo marketing
zumbi: nós, os povos do mundo, continuamos a
por dinheiro
na
pátria dos zumbis. Em 2009, emprestámos ao governo dos Estados
Unidos mais de US$2,5 milhões de milhões (quantia equivalente a
5% do PIB global); e uma grande parte deste empréstimo será
utilizada para alimentar os zumbis. Nós obtemos 2,5% de juros sobre este
empréstimo, quando para os Estados Unidos a única saída
desta armadilha zumbi é criar inflação ou o incumprimento
(default).
Kenneth Rogoff
, antigo economista chefe do FMI, foi cândido na sua coluna
Project Syndicate de Dezembro de 2008 ao
dizer
que os bancos centrais deveriam
criar inflação na amplitude dos 5% a 6%, com o risco de um breve
período de inflação muito mais alta (ele fala em 20%).
Agora pode-se ver porque alimentar os zumbis é tão barato para o
governo dos EUA: se você tomou emprestado à taxa nominal de 2,5% e
a seguir cria inflação de 6% (com um risco de
inflação mais elevada) então os que emprestaram
perderão parte dos seus empréstimos, e o tomador do
empréstimo (Barack) tem um almoço gratuito de zumbi (ou
festança da meia noite). Há muito pouco risco de que uma noite o
helicóptero de Ben e Barack não apareça e os zumbis subam
ao telhado.
O custo verdadeiro
Estou sentado na distante Varsóvia, Polónia, e
observo
esta
dança macabra com preocupação crescente, sob dois
aspectos. Primeiro, sem o meu acordo, 5% do meu rendimento deste ano irá
para a alimentação de zumbis, ainda que eu esteja consciente de
que parte deste empréstimo ao governo dos EUA será perdido,
provavelmente devido à inflação mais alta. Segundo, estou
ainda mais preocupado quando ao facto de que ao invés de alimentar
zumbis podíamos fazer muitas coisas boas com este dinheiro.
Se estamos preocupados acerca da procura mundial, podíamos ajudar a
recuperá-la investindo centenas de milhares de milhões de
dólares em mercados emergentes. Por exemplo, não estamos de modo
algum prestes a atingir os
Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
estabelecidos em 1990. Algumas medidas tais como o número de
pessoas a viverem na pobreza extrema na África sub-sahariana, ou o
número de pessoas infectadas pelo HIV realmente
agravaram-se
ao
invés de melhorar. Pode-se alimentar um banco zumbi com US$100 mil
milhões numa noite e ele dá o fora pela manhã, imagine-se
quantas escolas, estradas e hospitais poderiam ser construídos em
África com US$100 mil milhões. Quantos professores podiam ser
contratados para ensinar pessoas iletradas em países pobres, quantos
salários de médicos podiam ser pagar para providenciar cobertura
de saúde a milhões de crianças pobres que não
têm acesso a um médico. Quanto de bem podia ser feito se os zumbis
saltassem apenas um festança da meia noite e eles continuam a
comer todas as noites.
Fiquei muito desapontado quando vi o grande
plano
de Obama. Promete cuidar de
alguns problemas a curto prazo (queda da procura) e a longo prazo
(segurança social, custos do medicare, altas emissões de carbono)
da economia e sociedade americanas; mas ao mesmo tempo, ao sugar quase todas as
poupanças disponíveis no mundo, priva países emergentes de
terem acesso a mercados de capitais, com o resultado de que muitos
países pobres ou emergentes encontram-se subitamente numa
situação
em que já não podem tomar empréstimos.
Agora pode-se ver o verdadeiro custo de alimentar zumbis. O custo é que
grandes partes do mundo não serão capazes de financiar
investimentos necessários, e alguns países em desenvolvimento
não serão capazes de pagar a sua factura alimentar (que aumenta
outra vez). Assim, os pobres tornar-se-ão ainda mais pobres. Os zumbis
não têm almoços gratuitos.
Será esta a mudança em que acreditámos? Talvez a que os
zumbis acreditaram.
[*]
Sócio da Ernst & Young e professor assistente na Faculdade de
Ciências Económicas de Varsóvia. Foi vice-governador do
Banco Nacional da Polónia (Março/2004 Janeiro/2008). Seu
sítio web é:
www.rybinski.eu
.
O original encontra-se em
http://www.opendemocracy.net/article/the-zombie-solution
e em
http://mrzine.monthlyreview.org/rybinski200309.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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