Benefícios fiscais em Portugal
Quem é mais beneficiado?
RESUMO DESTE ESTUDO
No debate realizado entre Sócrates e Francisco Louçã, uma
das matérias que gerou maior polémica e confronto foi a dos
benefícios fiscais. Por isso, interessa analisá-la com
objectividade, até porque as questões mais importantes foram
ignoradas nesse debate.
Segundo os Relatórios do Orçamentos de Estado, no período
2005-2009, ou seja, com este governo, prevê-se que o Estado perca
13.739,1 milhões de receitas fiscais devido aos benefícios
fiscais. Deste total, 71,8%, ou seja, 9.861,6 milhões , têm
como origem benefícios concedidos a nível do IRC, isto é,
às empresas, e apenas 16,8% têm como o origem benefícios no
IRS, portanto benefícios fiscais concedidos às pessoas. Em
média, neste período, 84,5% da receita fiscal perdida a
nível do IRC tem como origem benefícios concedidos a empresas
localizadas no "paraíso fiscal" da Madeira. Por outro lado,
entre 2005 e 2009, as receitas fiscais perdidas pelo Estado devido aos
benefícios fiscais concedidos às empresas a nível do IRC
aumentaram 46,7%, pois passam de 1.585,1 milhões de euros para 2.325
milhões de euros, enquanto as receitas fiscais perdidas devido a
benefícios fiscais concedidos a nível do IRS, ou seja, às
pessoas, diminuíram -6% pois passaram, entre 2005 e 2009, de 382,3
milhões de euros para 359,5 milhões de euros. (Quadro I), Estes
dados tornam claro que grupos sociais estão ser mais beneficiados.
Um dos sectores que tem sido mais beneficiado com benefícios fiscais
é a banca. De acordo com a Associação Portuguesa de
Bancos, no período 2005-2008, ou seja, com este governo, os bancos
representados pela APB tiveram 10.588 milhões de euros de lucros. Por
estes lucros a banca só pagou 1.584 milhões de euros de imposto,
o que corresponde a uma taxa efectiva média de apenas 15%. Se a banca
tivesse pago a taxa legal (25% de IRC mais 2,5% de Derrama) o Estado teria
arrecadado mais 1.328 milhões de euros de receita. (Quadro II).
Sócrates, o PS e toda a direita sempre se opuseram a que fosse fixada
uma taxa mínima efectiva de imposto sobre lucros que não poderia
ser reduzida, como sucede agora, com recurso a benefícios fiscais.
Existem benefícios fiscais que são autênticos
escândalos e que Sócrates, o PS e a direita sempre se recusaram na
Assembleia da República a eliminar apesar de inúmeras propostas
feitas nesse sentido. Por ex. as mais valias obtidas de acções
transaccionadas na bolsa continuam isentas de IRS desde que estejam na posse do
seu titular mais de um ano (artº 10 do CIRS), e continuam isentos de IRC e
IRS 50% dos dividendos de acções de empresas que foram
privatizadas, e que actualmente estão na sua maioria na posse de grandes
grupos económicos (artº 67º do EBF).
A necessidade de ser repensado todo o sistema de incentivos é uma
questão que tem sido levantada muitas vezes, mas que não mereceu
qualquer atenção por parte dos intervenientes no debate. Um ponto
que gerou grande confronto entre Sócrates e Louçã foi a
dedução de 30% das despesas da saúde no IRS. De acordo com
a Comissão que estudou a sustentabilidade do SNS nomeada pelos ministros
das Finanças e da Saúde do governo de Sócrates, os 10%
mais ricos da população recuperam 27% das suas despesas com
saúde, enquanto os 10% mais pobres recuperam apenas 6% das suas
despesas com a saúde (Quadro III). A injustiça é muito
grande. Quem tem mais imposto a pagar por ter mais rendimento mais desconta. A
esmagadora maioria dos reformados que têm rendimentos muito baixos (
mais de 80% recebem pensões inferiores ao salário mínimo
nacional) , não têm possibilidade de descontar as suas despesas
com a saúde, apesar representarem um encargo pesado, pois como o
rendimento é muito baixo, então ou não pagam imposto ou
pagam um valor muito reduzido. Portanto, não conseguem descontar as suas
despesas de saúde porque o imposto é insuficiente para o fazer.
Assim, quanto mais elevado é o rendimento mais poderá descontar,
pois para descontar é preciso ter imposto suficiente a que se possa
deduzir a despesa. Os que têm dinheiro para recorrer a clínicas e
hospitais particulares de luxo são certamente os mais beneficiados
porque conseguem deduzir mais, pagando assim muito menos de IRS. As
injustiças são grandes e graves. Vários países da
União Europeia (ex. Espanha, França, Inglaterra) não
têm um sistema como o português, pois não existem
deduções.
Uma alternativa a este sistema, que certamente seria mais justa, pois
beneficiaria quem menos tem, e evitaria as injustiças que o actual
sistema cria, seria reduzir os benefícios fiscais na saúde e
aumentar, em igual volume de despesa, as comparticipações nos
medicamentos. O Estado não perderia nem ganhava. Seria uma medida com
efeitos imediatos. E certamente determinaria uma repartição mais
justa desta despesa do Estado. O mesmo estudo poderia ser feito na
educação, entre gratuidade dos livros no ensino
obrigatório, eliminação das propinas na licenciatura e
redução nos mestrados, e dedução das despesas de
educação no IRS. Os meios financeiros não são
ilimitados e há que fazer opções que devem ser as mais
justas. Isto são alguns contributos pessoais que deixamos aqui para
reflexão dos leitores Mas qualquer mudança exige um estudo
prévio profundo para avaliar as eventuais consequências sociais, e
um grande domínio desta matéria. E isso foram coisas que os
intervenientes no debate revelaram não possuir.
|
No debate realizado entre José Sócrates e Francisco Louça,
uma das questões que gerou maior polémica e confronto foi a
matéria dos benefícios fiscais. Por isso, interessa analisar esta
questão, que é importante, de uma forma objectiva e mais ampla do
que foi no debate. Para isso vamos utilizar dados oficiais.
NO PERIODO 2005-2009 O ESTADO PERDE 13.739 MILHÕES DE EUROS DEVIDO A
BENEFICIOS FISCAIS CONCEDIDOS, E 71,8% DESTES BENEFICIOS SÃO PARA
EMPRESAS
O quadro seguinte construído com dados divulgados nos Relatórios
dos Orçamentos de Estado de 2005-2009, mostra o custo para o estado, em
termos de receita fiscal perdida, assim como os principais
beneficiários, embora de uma forma indirecta.
QUADRO I DESPESA FISCAL Receita fiscal perdida pelo Estado devido
aos benefícios concedidos
IMPOSTOS
|
2005
Milhões
|
2006
Milhões
|
2007
Milhões
|
2008
Milhões
|
2009
Milhões
|
2005-09
Milhões
|
IRS
|
382,3
|
229,8
|
362,0
|
323,8
|
359,5
|
1.657,4
|
IS
|
0,2
|
1,1
|
0,4
|
0,2
|
0,2
|
2,1
|
IA (Imposto Automóvel)
|
56,8
|
59,6
|
95,2
|
143,2
|
95,5
|
450,3
|
IVA
|
99,2
|
118,3
|
99,7
|
88,3
|
101,2
|
506,7
|
ISP (Imp. Sobre Produtos Petrolíferos)
|
210,8
|
240,1
|
261,0
|
274,0
|
269,3
|
1.255,2
|
IABA (Imp. Sobre Bebidas Alcoólicas)
|
0,7
|
0,6
|
0,6
|
0,6
|
0,6
|
3,1
|
IT (tabaco)
|
0,5
|
0,5
|
0,5
|
0,6
|
0,6
|
2,7
|
SUBTOTAL
|
750,5
|
650,0
|
819,4
|
830,7
|
826,9
|
3.877,5
|
IRC
|
259,0
|
255,8
|
238,6
|
448,0
|
325,0
|
1.526,4
|
IRC- Isenção Temporária (Madeira)
|
1.326,1
|
1.356,1
|
1.683,0
|
1.970,0
|
2.000,0
|
8.335,2
|
SUBTOTAL-IRC
|
1.585,1
|
1.611,9
|
1.921,6
|
2.418,0
|
2.325,0
|
9.861,6
|
TOTAL
|
2.335,6
|
2.261,9
|
2.741,0
|
3.248,7
|
3.151,9
|
13.739,1
|
% Benefícios IRS do TOTAL de benefícios
|
24,1%
|
14,3%
|
18,8%
|
13,4%
|
15,5%
|
16,8%
|
% Benefícios de IRC do TOTAL de Benefícios
|
67,9%
|
71,3%
|
70,1%
|
74,4%
|
73,8%
|
71,8%
|
% Benefícios IRC-Madeira do Total IRC
|
83,7%
|
84,1%
|
87,6%
|
81,5%
|
86,0%
|
84,5%
|
Fonte: Relatórios do OE2005, OE2006, OE2007, OE2008 e
OE2009
No período 2005-2009, ou seja, com este governo, prevê-se que o
Estado perca 13.739,1 milhões de receitas fiscais devido aos
benefícios fiscais. Este valor daria para pagar as pensões a
todos os reformados durante um ano.
Deste total de 13.739,1 milhões de euros de receitas fiscais perdidas,
71,8%, ou seja, 9.861,6 milhões de euros, teve como origem
benefícios concedidos a nível do IRC, isto é, às
empresas, e apenas 16,8% teve como o origem o IRS, portanto benefícios
fiscais concedidos às pessoas. Em média neste período,
84,5% da receita fiscal perdida a nível do IRC tem como origem
benefícios concedidos a empresas localizadas no "paraíso
fiscal" da Madeira.
Por outro lado, se analisarmos a evolução verificada ao longo dos
anos deste governo constamos o seguinte: entre 2005 e 2009, as receitas fiscais
perdidas pelo Estado devido aos benefícios fiscais concedidos às
empresas a nível do IRC aumentaram 46,7% , pois passaram de 1.585,1
milhões de euros para 2.325 milhões de euros (em percentagem do
total da receita perdida devido a benefícios fiscais, subiu de 67,9%
para 73,8%) , enquanto as receitas fiscais perdidas devido a benefícios
fiscais concedidos a nível do IRS, ou seja, às pessoas
singulares, diminuíram -6% pois passaram, entre 2005 e 2009, de 382,3
milhões de euros para 359,5 milhões de euros (em percentagem das
receitas totais perdidas devido a benefícios fiscais, baixou de 24,1%
para 15,5%)
Estes dados oficiais mostram já de uma forma clara quem tem sido mais
beneficiado pela concessão de benefícios fiscais, e como eles
evoluíram durante o governo de Sócrates, em benefício de
quem.
ENTRE AS EMPRESAS, A BANCA TEM SIDO O SECTOR MAIS BENEFICIADO COM OS BENEFICIOS
FISCAIS
O quadro seguinte foi construído com dados divulgados pela
Associação Portuguesa de Bancos, que estão
disponíveis no seu "site", por essa razão não
podemos ser acusados de parcialidade em relação às
instituições financeiras.
QUADRO II LUCROS DA BANCA E IMPOSTOS PAGOS NO PERIODO 2005-2008
Milhões de euros
RUBRICAS
|
2005
|
2006
|
2007
|
2008
|
2005-08
|
Resultados (lucros) antes de Impostos
|
1.947
|
3.004
|
3.143
|
2.494
|
10.588
|
Impostos sobre Lucros
|
227
|
582
|
457
|
318
|
1.584
|
TAXA EFECTIVA DE IMPOSTO SOBRE LUCROS
|
11,7%
|
19,4%
|
14,5%
|
12,8%
|
15,0%
|
Imposto taxa legal 27,5% (IRC + Derrama)
|
535
|
826
|
864
|
686
|
2.912
|
RECEITA FISCAL PERDIDA
|
308
|
244
|
407
|
368
|
1.328
|
Fonte Associação Portuguesa de Bancos Boletim
Informativo Nº 39, 41 e 43
Assim, no período 2005-2008, ou seja, com este governo, os bancos
representados pela Associação Portuguesa de Bancos tiveram 10.588
milhões de euros de lucros. Deste volume de lucros a banca só
pagou 1.584 milhões de euros de impostos sobre lucros, o que corresponde
a uma taxa efectiva média de apenas 15%. Se a banca tivesse pago a taxa
legal (25% de IRC mais 2,5% de Derrama) ela teria pago neste período
2.912 milhões de euros, ou seja, mais 1.328 milhões de euros do
que pagou. Sócrates, o PS e toda a direita sempre se opuseram a que
fosse fixada uma taxa efectiva mínima de imposto sobre os lucros que
não poderia ser reduzida através da utilização de
benefícios fiscais como actualmente sucede. Estes dados sobre a banca
assim como a posição destes partidos dão bem uma ideia de
quais são as classes sociais mais beneficiadas com o sistema de
benefícios que existe em Portugal, e que interesses defendem aqueles
partidos.
QUEM É MAIS BENEFICIADO COM AS DEDUÇÃO DE 30% DAS DESPESAS
DE SAUDE NO IRS
Um dos pontos em que o confronto no debate entre Sócrates e Francisco
Louçã foi maior foi na dedução das despesas de
saúde no IRS. E interessa também analisar esta questão com
objectividade, o que não foi feito durante o debate. Para situar o
problema vai-se utilizar dados divulgados num estudo oficial feito sobre o
financiamento do SNS elaborado por uma comissão nomeada por Correia
Campos e Teixeira dos Santos, ministros do governo de Sócrates. O quadro
seguinte foi transcrito da pág. 121 do Relatório Final da
Comissão para a Sustentabilidade do Serviço Nacional de
Saúde constituída por Despacho Conjunto do Ministro de Estado e
das Finanças e do Ministro da Saúde em 13 de Março de
2006.
QUADRO III
De acordo com a Comissão encarregada de estudar a sustentabilidade do
SNS nomeada pelos ministros das Finanças e da Saúde do governo de
Sócrates, os 10% mais ricos da população recuperam 27% das
suas despesas com saúde, enquanto os 10% mais pobres recuperam apenas 6%
das suas despesas com a saúde. A injustiça é muito
grande, ficando claro que classes sociais são mais beneficiados.
A esmagadora maioria dos reformados que têm rendimentos extremamente
baixos (mais de 80% recebem pensões inferiores ao salário
mínimo nacional), não têm possibilidade de descontar as
despesas que têm com a saúde, apesar de serem importantes para
eles, pois não têm imposto para deduzir porque, como o seu
rendimento é extremamente baixo, ou não pagam imposto ou o
imposto pago é insuficiente para deduzir aquela despesa. É
evidente que quanto mais rico se for mais se é beneficiado com o actual
sistema português de dedução das despesas com saúde.
Os que recorrem a clínicas e hospitais particulares de luxo são
certamente os mais beneficiados. Vários países da União
Europeia (ex. Espanha, França, Inglaterra) não têm um
sistema como o português que gera desigualdades.
Uma alternativa a este sistema, que certamente seria mais justa, pois
beneficiaria quem menos tem, e evitaria as injustiças sociais que o
actual sistema cria, seria reduzir os benefícios fiscais na saúde
e aumentar, em igual volume de despesa, as comparticipações nos
medicamentos. O Estado não perderia nem ganhava. Seria uma medida com
efeitos imediatos. E certamente determinaria uma repartição mais
justa desta despesa do Estado. Fica aqui a proposta para reflexão e
debate dos leitores.
E o mesmo podia ser estudado em relação às
deduções das despesas da educação embora de uma
forma também cuidadosa e gradual, pois há ainda muita gente que
é obrigada a estudar em instituições privadas porque
não conseguem arranjar lugar em instituições
públicas. A gratuitidade dos livros nomeadamente no ensino
obrigatório, a eliminação das propinas, incluindo a
redução significativa das dos mestrados que são
extremamente pesadas (actualmente, a propina de um mestrado custa, em
média 5000 euros), que afastam a esmagadora maioria dos filhos das
famílias de menores rendimentos, mas com a reforma de Bolonha
tornaram-se necessários para obter a anterior licenciatura completa,
seriam certamente soluções alternativas ao actual sistema muito
mais justas. O que é preciso ter presente é que os meios
financeiros não são ilimitados e é necessário fazer
opções. Fazer tudo simultaneamente não será
certamente comportável pelo menos com a actual situação do
País. Há que encontrar medidas que sejam mais justas para os
problemas existentes.
No entanto, qualquer mudança exige um estudo sério e profundo
prévio das consequências da mudança, pois pode ter grandes
implicação sociais importantes, e também um grande
domínio desta matéria. E isso foram coisas que os dois
intervenientes no debate revelaram não possuir.
10/Setembro/2009
[*]
Economista,
edr2@netcabo.pt
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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