Causas da degradação da administração
pública em Portugal
A degradação crescente dos serviços públicos
prestados à população é visível já
para a opinião pública. Cerca de 1.700.000 portugueses
estão sem médico de família reconheceu o próprio
ministro da Saúde já em 2011. Nos hospitais, o número de
mortes por falta de assistência médica multiplicam-se e diretores
de serviço de vários hospitais (S. João, Amadora-Sintra,
Santa Maria) demitem-se por falta de condições de trabalho.
Enfermeiros e Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica fazem
greve devido à falta de condições de trabalho e a
insuficiência de profissionais face à carga de trabalho. Nas
escolas, onde já faltam 6.000 auxiliares de educação, os
que estão em funções fazem greve por melhores
condições de trabalho. No IMT, por falta de funcionários,
chega-se a levar cerca de um ano para renovar uma simples carta de
condução.
Os sindicatos da Função Pública decidem realizar uma
greve nacional dos trabalhadores da Função Pública no dia
13 de Março 2015
em defesa dos serviços públicos prestados à
população e por melhores condições de trabalho.
Os exemplos da degradação crescente dos serviços
públicos podiam-se multiplicar mas os apresentados já são
suficientes para mostrar a situação a que se chegou em Portugal
consequência da politica da "troika" e do governo PSD/CDS.
Perante esta ataque à dignidade e à vida dos portugueses e ao
país, só quem nunca soube ou sabe o que é a dignidade,
só os que se habituaram a serem submissos e estar do lado que sopra o
vento do poder
("os que querem ser mais alemães do que os próprios
alemães")
, é que poderão dizer que os portugueses nunca foram atingidos na
sua dignidade pela "troika".
Neste estudo vamos mostrar, utilizando dados oficiais, alguma das causas desta
degradação profunda dos serviços públicos em
Portugal
.
RESUMO DESTE ESTUDO
Entre 31/Dez/2011 e 31/Dez/2014, segundo "A Síntese
Estatística do Emprego Público (SIEP)" da DGAEP do
Ministério das Finanças, divulgada em Fevereiro de 2015, o numero
de trabalhadores da Função Pública diminuiu em 71.365. Se
adicionarmos os que saíram ou foram despedidos durante todo o ano de
2011 e os de 2015, este numero certamente terá já ultrapassado os
100.000. É evidente que esta enorme redução tem efeitos
dramáticas na prestação de serviços à
população, até porque ela atingiu profissionais que
são fundamentais para o bom funcionamento dos serviços
públicos (professores: -23.089; assistentes operacionais: -21.834;
assistentes técnicos administrativos: -10.892; enfermeiros: -2.107;
etc.). Os serviços públicos não funcionam sem
trabalhadores, é uma verdade elementar que é muitas vezes
esquecida.
Segundo dados dos Relatórios dos Orçamentos do Estado, entre 2011
e 2015, as despesas com pessoal das Administrações
Públicas (Central, Local e Regional) sofreram um corte de 27,9% (menos
4.680,3 milhões ), pois passaram de 16.793,2 milhões
para apenas 12.113,5 milhões , enquanto os encargos (juros) com a
divida pública, sofreram, no mesmo período, um aumento de 25,5%.
Em quatro anos apenas, os portugueses pagarão aos credores (o maior
é certamente a Alemanha) 37.834,1 milhões só de
juros. Uma parcela é paga à custa certamente dos enormes cortes
feitos nas despesas com pessoal nas Administrações
Públicas. Dizer, como alguns continuam a afirmar, que a divida é
sustentável e que ela não constitui um obstáculo
sério ao desenvolvimento do país e ao emprego é, no
mínimo, cegueira e irresponsabilidade.
Entre 2010 e 2015, segundo dados do Ministério das Finanças, o
ganho médio liquido mensal real dos trabalhadores da
Função Pública diminuiu em 18,2%, mas o ganho médio
liquido real hora (valor hora) dos mesmos trabalhadores reduziu-se em 28,4%
(ver quadro 3 e quadro 5 no ANEXO). E isto porque, durante o mesmo
período, o seu horário de trabalho semanal aumentou de 35 horas
para 40 horas, mantendo-se a mesma remuneração e cortes. Em 2015,
os 655.000 trabalhadores da Função Pública farão
150,6 milhões de horas de trabalho gratuito, o que corresponde a 1.603,8
milhões que não receberão. Mas não se pense
que os cortes se limitaram apenas às despesas com pessoal. Entre 2011 e
2015, as despesas públicas com a educação e ensino
superior, com a saúde (SNS) e com prestações sociais foram
reduzidas pela "troika" e pelo governo em 2.057 milhões
. Estes cortes enormes neste tipo de despesas tiveram consequências
dramáticas para a generalidade dos portugueses, nomeadamente para os de
baixos rendimentos ou que perderam os rendimentos, por terem perdido o emprego.
|
A REDUÇÃO DO NÚMERO DOS TRABALHADORES DA
FUNÇÃO PÚBLICA
Um dos instrumentos utilizados pela
"troika"
e pelo governo para cortar na despesa pública foi a
destruição de postos de trabalho na Administração
Pública, empurrando dezenas de milhares de trabalhadores para a
aposentação prematura e depois não os substituindo e
despedindo muitos outros milhares, como revela o quadro 1 com dados da
Direção Geral da Administração e Emprego (DGAEP) do
Ministério das Finanças.
Quadro 1 Variação do número de trabalhadores da
Função Pública no período 2011-14
Só entre Dez/20111 e Dez/2014, ou seja, em apenas três anos, o
numero de trabalhadores da Administração Pública diminuiu
em 71.365, ou seja, 9,8%, o que dá uma redução
média de 3,3% ao ano, portanto superior em 63% mesmo ao
"exigido" pela
"troika"
que era 2%/ano. Portanto, nesta área o governo de Passos Coelho
foi até para além da
"troika"
como era intenção manifestada publicamente pelo 1º
ministro.
Se analisarmos a redução por categorias profissionais
concluímos que as categorias mais atingidas foram a dos
"educadores de infância e professores do ensino básico
secundário"
(-23.464); a dos
"assistentes operacionais, operários e auxiliares"
(-21.841); a dos
assistentes técnicos administrativos
(-10.892); as Forças Armadas (-3.739); e a dos "
enfermeiros
" (-2.276). Só em quatro categorias profissionais educadores
de infância e professores do ensino básico; assistentes
operacionais, assistentes técnicos, e enfermeiros (não inclui as
Forças Armadas) - a destruição de postos de trabalho
atingiu 57.929, ou seja, 81,2% da destruição do emprego na
função pública, o que contribuiu também para o
aumento do desemprego. E tenha-se presente que os profissionais daquelas quatro
categorias são vitais para o bom funcionamento da
Administração Pública
(por ex., os professores e auxiliares de ação educativa que
faltam nas escolas, os enfermeiros e os auxiliares de saúde que faltam
no SNS, os assistentes administrativos que faltam no IMT, na Segurança
Social, etc., fazem parte dos grupos profissionais que foram mais atingidos
pela redução e cortes).
O número anterior (71.365) diz respeito apenas ao período
31/12/2011 a 31/12/2014. Se adicionarmos a ele, a destruição de
emprego verificada durante todo o ano de 2011, ano em que começou a ser
aplicada a politica da
"troika",
e em 2015, em que a mesma politica foi e continua a ser implementada,
rapidamente conclui-se que a redução de trabalhadores na
Função Publica com a "troika" e governo PSD/CDS
deverá já ser superior a 100.000. É fácil de
concluir que tal facto teve e tem consequências dramáticas na
prestação de serviços públicos à
população. É mesmo uma das causas mais importantes da sua
profunda degradação.
CORTE NAS DESPESAS COM PESSOAL, E AUMENTO NAS DESPESAS COM JUROS
O quadro 2, construído com dados constantes dos Relatórios que
acompanham os Orçamentos do Estado do período 2011-2015 mostra a
dimensão dos cortes que o governo e "troika" fizeram nas
despesas com o pessoal das Administrações Públicas, e o
aumento verificados nos encargos com a divida pública no mesmo
período
Quadro 2 Despesas com pessoal e com juros no período 2011-2015
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RUBRICAS
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Despesas com Pessoal Milhões
|
Juros e outros encargos Milhões
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2011
|
16.793,8
|
6.271,1
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2012
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14.834,3
|
8.391,3
|
|
2013
|
12.738,2
|
7.699,2
|
|
2014
|
13.064,2
|
7.600,4
|
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2015 (*) OE2015
|
12.113,5
|
7.872,1
|
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VARIAÇÃO -Em %
|
-27,9%
|
25,5%
|
(* ) Universo comparável, valor do OE-2015; Fonte: Relatórios
OE-2011/2015
Entre 2011 e 2015, o corte nas despesas com pessoal das
Administrações Públicas (Central, Local, e Regional)
atingiu 27,9 %, o que corresponde a uma redução de 4.680,3
milhões . No mesmo período (2011/2015), os encargos com os
juros pagos pelo Estado (no sentido amplo) aumentaram 25,5%, somando já
37.834,1 milhões . O problema da divida pública, e dos
encargos com ela é, sem duvida, um obstáculo cada vez maior
à recuperação da economia e do emprego e ao
desenvolvimento do país. Só por incompetência, cegueira
ideológica ou submissão ao estrangeiro é que não se
vê isso.
O VALOR REAL DA HORA DE TRABALHO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
EM PORTUGAL SOFREU UMA REDUÇÃO DE 28,4% ENTRE 2011-2015
O quadro 3, mostra de uma forma quantificada, e com base em dados oficiais (os
da DGAEP do Ministério das Finanças), a diminuição
verificada não só no poder de compra dos trabalhadores da
Função Pública, mas também no valor-hora-trabalho
na Administração Pública no nosso país.
Como mostra o quadro 3, entre 2010 e 2015, o ganho médio líquido
mensal real dos trabalhadores da Função Pública, portanto
depois de deduzido o IRS, a sobretaxa de IRS, a CGA e a ADSE, diminuiu em
18,2%, mas o ganho médio liquido real hora dos mesmos trabalhadores
reduziu-se em 28,4%. E isto porque, durante o mesmo período, o seu
horário de trabalho semanal aumentou de 35 horas para 40 horas,
mantendo-se a mesma remuneração e cortes. Dito de outra forma, em
2015, os 655.000 trabalhadores da Função farão 150,6
milhões de horas de trabalho gratuito, o que corresponde a 1.603,8
milhões que, embora trabalhando a mais, não
receberão, o que significa um aumento brutal da exploração
a que foram sujeitos pela "troika" e pelo governo PSD/CDS
CORTES SIGNIFICATIVOS NAS DESPESAS COM A EDUCAÇÃO, SAÚDE E
PRESTAÇÕES SOCIAIS
Mas não se pense que os cortes na despesa pública impostos pela
"troika"
e aplicados pelo governo PSD/CDS foram apenas nas despesas com pessoal.
Eles também atingiram as despesas com a educação e ensino
superior, com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e com as
prestações sociais como mostram os dados oficiais do quadro 4, o
que agravou as desigualdades no acesso à educação e
à saúde, e atirou milhares e milhares de portugueses para a
miséria e para a exclusão social, contribuindo também para
agravar as condições de funcionamento e da
prestação de serviços à população
pela Administração Pública (Central, Local e Regional)..
Entre 2011 e 2015, as despesas públicas com a educação e
ensino superior, com a saúde (SNS) e com prestações
sociais foram reduzidas em 2.057 milhões pela "troika"
e pelo governo PSD/CDS. Estes cortes enormes neste tipo de despesas teve
consequências dramáticas para a generalidade dos portugueses e,
nomeadamente, para os de baixos rendimentos ou que perderam os seus
rendimentos, por terem perdido o emprego, que são a maioria da
população, tendo afetado também, e de uma forma profunda,
a prestação de serviços pela Administração
Pública...
É também à custa destes sacrifícios que Passos
Coelho, a ministra das Finanças, e comentadores nos media como
José Gomes Ferreira, cegos pela ideologia e submissos ao poder
alemão ou, para empregar as palavras do ministro das Finanças
grego,
"mais alemães que os próprios alemães",
ainda dizem que a
"austeridade resulta",
que
"o governo e a sra. Merkel têm razão"
("os portugueses são muito resilientes" com afirmou a ministra
das
Finanças de Passos Coelho
para agrado do ministro das Finanças alemão, que a exibiu
como boa aluna e exemplo para a Grécia, que ela se prestou, e dos
alemães que a escutavam numa conferencia realizada em Berlim em
18/2/2015).
Para terminar, interessa lembrar que esta destruição calculada
dos serviços públicos em Portugal, que se tem assistido com a
"troika"
e governo PSD/CDS, abre e facilita a privatização crescente da
saúde e da educação, que já se está a
assistir, o "negócio do século XXI" segundo os
próprios representantes dos grupos económicos, mas com
consequências dramáticas para o futuro dos portugueses.
22/Fevereiro/2015
[*]
edr2@netcabo.pt
ANEXO
Quadro 5 - Ganhos médios nominais ilíquidos e nominais
líquidos dos trabalhadores da Função Pública, e
variação do seu poder de compra entre 2010 e 2015
(Atenção: aqui não se calculou o efeito do aumento do
horário semanal, entre 2010 e 2015 de 35 horas para 40 horas)
Fonte: A Síntese Estatística do Emprego Público (SIEP),
4º Trimestre de 2014, DGAEP, Ministério das Finanças
Notas para uma interpretação correta dos dados do quadro 5
1- Os valores dos
ganhos médios nominais ilíquidos
, com exceção do referente a 2015 que é estimativa nossa,
são os constantes na Síntese Estatística de Emprego
Público 4º Trimestre de 2014, divulgada pela
Direção Geral de Administração e Emprego
Público do Ministério das Finanças em Fevereiro-2015.
2- Os valores dos
ganhos médios nominais líquidos
são obtidos dos valores anteriores deduzindo as
contribuições para a ADSE e CGA e o IRS e, no caso de 2015, da
sobretaxa de IRS (para cálculo do IRS utilizaram-se as tabelas de
retenção de IRS de 2010 e 2015 para "Trabalho dependente -
dois titulares casados com um dependente")
3- Para cálculo da
variação do poder de compra entre 2010 e 2015
, que tem no quadro a designação de "
redução ganho médio liquido real entre 2010-15
" deduziu-se ao ganho liquido nominal de 2015 o efeito do aumento de
preços verificado entre 2010 e 2014, e depois comparou-se o valor obtido
com o ganho médio liquido de 2010
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