O estado a que Portugal chegou, porque chegou e como sair dele
Contributos para o debate nacional (2ª Parte)

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

O problema da Dívida externa não se circunscreve ao problema da Dívida Líquida externa que analisamos no estudo anterior. No fim de 2010, a Dívida Bruta do País ao estrangeiro atingia 506.075 milhões €, representando a Dívida do Estado ao estrangeiro apenas 17,4%, enquanto a Dívida da Banca correspondia a 34,4%, e a das empresas e particulares representava 36,3% da Dívida Total do País. A banca endivida-se no exterior, e com esses meios e os depósitos que obtém internamente, concede crédito. Em 2010, de um total de 277.196 milhões € de empréstimos concedidos internamente pela banca, 33.485 milhões € (12,1% do total) foram concedidos às Administrações Públicas; 114.623 milhões € (41,4%) às empresas; e 129.088 milhões € (46,6% do total) a "Particulares". Portanto, no crédito interno, e contrariamente ao que muitas vezes se pensa ou se diz, apenas a parcela menor (12,1% do total) foi para o Estado, Autarquias e Regiões. A Dívida total do País, e a Dívida do Estado (que inclui a Dívida externa e interna atingia, no fim de 2010, 160.470 milhões €, segundo o INE), estão a levantar problemas extremamente graves cuja solução temporária passa, nomeadamente,: (1) Pelo BCE ou FEEF assumirem a função de " emprestador de último recurso" (lender of last resort") ; (2) Renegociar a Dívida com o objectivo de alargar os prazos de amortização e reduzir taxas; (3) Obter "ajuda" do FMI/UE nos moldes impostos à Grécia e Irlanda, o que conduziria a um espiral interminável de medidas de austeridade que atirariam o País para recessão prolongada com consequências económicas e sociais graves.

O endividamento vertiginoso do Pais resulta do elevado e constante défice anual das contas externas portuguesas. Só no período 2006-2010, Portugal acumulou na Balança de Pagamentos Correntes, ou seja, nas transacções com o exterior um saldo negativo de -89.849 milhões €. Isto significa que Portugal teve de pagar ao exterior mais 89.849 milhões € do que recebeu do estrangeiro. A resolução deste problema passa pelo aumento da produção nacional de bens transaccionáveis. E contrariamente ao que tem sido a politica do governo, e ao defendido pelo PS (consta do seu programa eleitoral) e do que defende o PSD essa produção deve ser, em primeiro lugar, orientada para substituir as importações e, só depois, para aumentar as exportações. Isso obriga a uma inversão de todos os programas governamentais orientados quase exclusivamente para o aumento das exportações. Basta analisar as importações portuguesas por produtos para concluir que existem imensas potencialidades que não têm sido exploradas.

É urgente inverter a politica de crédito da banca em Portugal que tem promovido a especulação e o consumismo, em prejuízo das actividades produtivas. E mais quando o crédito é escasso. O credito à Agricultura e Indústria (Extractiva e Transformadora), actividades produtivas por excelência representava apenas 7,2% do crédito total em 2005 e 6,6% em 2010, enquanto que, em 2010, o credito à empresas de Construção representava 9,4% do total, ao Imobiliário 6,4%, o crédito à Habitação correspondia a 44,4% e ao consumo 6,1%. A própria CGD, apesar de ser um banco do Estado, tem participado activamente nesta politica. Em 2010, o credito da Caixa à Agricultura, Pesca, Indústria Transformadora representava apenas 6,2% do crédito concedido, enquanto às empresas de Construção e Obras Publicas representava 7,9% e à Habitação e Consumo 50,7%. É urgente inverter toda esta política, começando pela CGD que se tem de transformar num banco de fomento da actividade produtiva, nomeadamente de bens transaccionáveis destinados à substituição de importações

É possível aumentar as receitas do Estado sem aumentar impostos. Para conseguir isto bastava desenvolver um combate eficaz à evasão e fraude fiscal e contributiva, eliminar benefícios fiscais injustos que continuam a gozar os grupos económicos e financeiros, assim como inúmeras isenções. Segundo estimativas realizadas, entre 2005 e 2009, em cinco anos, a evasão e fraude fiscal atingiu 25.141 milhões €, e a fraude e evasão contributiva, e isenções determinaram que a Segurança Social tenha perdido um volume de receita que avaliamos em 14.595 milhões €. Somando estes dois valores, o Estado perdeu um volume de receita que, no período 2005/2009, deve ter atingido 39.736 milhões €, o que dá uma média de 7.947 milhões € por ano.

É urgente renegociar as Parcerias Públicas Privadas, eliminando a taxa de disponibilidade e obrigando os privados a partilhar os riscos pois actualmente, eles têm lucros assegurados à custa do OE. É urgente assinar contratos de serviços públicos com as empresas de transportes com o objectivo de definir as responsabilidades do Estado e combater a má gestão. É urgente desenvolver um esforço planeado sistemático para identificar desperdício e subutilização de meios que continua a existir na Administração Pública (SNS, Institutos, EP, etc.). É necessário que os portugueses que financiam com os seus impostos o ensino em Portugal participem no debate já que o sistema actual não serve as necessidades de desenvolvimento do País (65% dos empregados continuam a ter o ensino básico ou menos), e ele não é uma reserva do ME, MCES, alunos e professores.

Este estudo é a continuação (2ª parte) do estudo " O estado a que Portugal chegou, por que chegou a ele, e como sair dele " que publicamos em 17 de Abril p.p. Para que não hajam mal-entendidos queremos já deixar claro que não nos move a pretensão de apresentar quaisquer soluções acabadas para os problemas do País, mas apenas contribuir para um amplo debate democrático nacional sem exclusões, que é tão necessário, disponibilizando dados, reflexões, etc., tal como sucedeu com a 1ª parte. E isto porque as "soluções" que podem surgir do chamado trabalho da "troika" FMI/EU/BCE, e da sua "negociação" com o governo PS, com o PSD e com o CDS, certamente não resolverão os problemas do País, só os agravarão, pois as "receitas" são sempre as mesmas e já conhecidas, pois estão condicionadas por pressupostos ideológicos neoliberais como aconteceu com Greenspan, ex-governador do Fed dos EUA, que agora veio confessar que estava errado. Essas mesmas "soluções" já foram aplicadas na Grécia e na Irlanda com resultados desastrosos para ambos os países, que estão actualmente mergulhados numa profunda recessão económica, e numa "espiral" de taxas de juro e de medidas de austeridade que agravam ainda mais a situação das economias e das suas populações.

DÍVIDA BRUTA EXTERNA DO PAÍS E DÍVIDA INTERNA À BANCA

No estudo anterior (1ª Parte) utilizamos dados da Dívida Líquida Externa, ou seja, os valores que se obtêm subtraindo aquilo que Portugal deve ao exterior (Passivo) aquilo que tem a haver (Activo). No entanto, os devedores e credores poderão e, em muitos casos, não são os mesmos, por isso não será possível utilizar os activos dos credores para reduzir as Dívidas de devedores já que são entidades diferentes. Para além disso, os activos e passivos poderão ter prazos de liquidez diferentes. Por isso, interessa conhecer os valores brutos da Dívida do País (o Passivo) por principais entidades devedoras, para se poder ter uma informação mais correcta da situação que Portugal enfrenta, pois se não descermos a este nível mais concreto de análise podemos cair no irrealismo. O quadro seguinte, construído com dados constantes do Boletim Estatístico de Março de 2011, do Banco de Portugal, permite descer a análise a um nível mais desagregado.

Quadro 1- Dívida Bruta (Passivo) de Portugal ao estrangeiro e Dívida à Banca em Portugal por entidades
ANOS
DÍVIDA BRUTA EXTERNA
(Passivo Total da Posição de Investimento Internacional)
Milhões €
DÍVIDA À BANCA – Crédito bancário interno
Milhões €
PAÍS
Estado
Autoridades Monetárias
(Banco Portugal)
Banca
Empresas e Particulares
Das Administrações Públicas
Das Empresas
Dos particulares (*)
SOMA
2007 449.383 79.428 6.215 192.736 171.005 8.853 101.610 114.375 224.838
2008 448.623 89.003 18.957 181.432 159.232 9.753 115.809 119.917 245.479
2009 493.407 98.687 23.440 193.263 178.017 16.715 117.807 125.566 260.088
2010 506.075 87.862 59.971 174.342 183.900 33.485 114.623 129.088 277.196
Variação 12,6% 10,6% 865,0% -9,5% 7,5% 278,2% 12,8% 12,9% 23,3%
(*) Crédito à habitação e ao consumo;
Fonte: Boletim Estatístico –Março 2011- Banco de Portugal


Em 2010, a Dívida Bruta do País, ou seja, o seu "Passivo" ao estrangeiro atingia 506.075 milhões euros quando a Dívida Liquida era de 185.551 milhões de euros, ou seja, a Dívida Bruta era 2,7 vezes superior à Dívida Liquida Externa. Por outro lado, e em relação também a 2010, a Dívida do Estado representava apenas 17,4% daquele total, enquanto a da banca já correspondia a 34,4%, e a das empresas e particulares representava 36,3% da Dívida Bruta Total do País.

Existe um outro aspecto que deverá ser tido também em conta para uma correcta análise do problema. A banca endivida-se no exterior, e com esses meios e com os depósitos que consegue obter internamente empresta a diversas entidades: Administrações Públicas (Central, Autárquica e Regional), a empresas e particulares. Em 2010, de um total de 277.196 milhões € de crédito concedido pela banca, 33.485 milhões € (12,1% do Total) foi concedido às Administrações Públicas; 114.623 milhões € (41,4% do total) a empresas, e 129.088 milhões € (46,6% do total) a "Particulares". Portanto, no crédito interno, e contrariamente ao que muitas vezes se pensa ou se diz, apenas uma reduzida percentagem (12,1%) foi para o Estado, Autarquias e Regiões. Uma situação preocupante que os dados do Banco de Portugal revelam é a redução do credito às empresas – entre 2009 e 2010, diminuiu de 117.807 milhões € para 114.623 milhões € – o que pode levar, a continuar, ao estrangulamento financeiro de muitas empresas, à sua falência, e ao aumento do desemprego. Este é um dos aspectos mais preocupantes da situação actual que tem sido omitido pela generalidade dos media e até por muitos políticos.

Os dados do Banco de Portugal revelam que embora o ritmo de aumento de Dívida externa e interna do Estado seja um problema grave, é ainda mais grave a dimensão da Dívida externa da banca e das empresas, assim como da Dívida interna de empresas e particulares à banca.

A solução para o problema da Dívida do Estado e das outras entidades é diferente, embora elas se condicionem mutuamente. O problema grave é que se deixou uma e outra chegar a um nível tal, que facilmente se poderá chegar a um ponto que não seja possível pagar aos credores na data acordada. Para além disso, os credores estão a aproveitar a situação a que chegou tanto o País como, em particular, o Estado, para impor, no caso em que se pedem novos empréstimos, quer para cobrir os défices do País e do Estado, quer a concessão de empréstimos para pagar os que vencem este ano (80.000 milhões euros a nível do País e cerca de 35 mil milhões de euros do Estado) taxas de juro incomportáveis, sob a ameaça de "fechar a torneira.

Uma parcela da "aflição" do Estado podia ser adiada com o recurso a activos de instituições controladas pelo Estado cujas aplicações poderiam ser orientações para a Dívida pública portuguesa. Mas mesmo esta possibilidade tem limites estreitos. Alguns exemplos concretos. O Fundo de Estabilização da Segurança Social cujo valor actual, em 31/3/2011, era de 9.189 milhões €, já 47,49% estão aplicados em Dívida pública portuguesa, restando apenas 4.825 milhões de euros, que poderiam ser orientados para aplicações em Dívida pública. Mas mesmo isso, levanta problemas. Em primeiro lugar, a concentração num tipo de activo contraria a norma de diversificação para reduzir o risco. Em segundo lugar, a venda maciça de activos poderia determinar a uma baixa nos seus preços o que determinaria perdas importantes para a Segurança Social.

O mesmo se pode dizer em relação às reservas especiais da CGA, que garantem fundos geridos por ela, em que 4.505 milhões € já estão aplicados em títulos da Dívida pública, o mesmo se podendo dizer do Fundo de Pensões do Banco de Portugal, cujo valor deverá rondar os 1.300 milhões € em que quase 1.000 milhões € já estão aplicados em títulos de Dívida pública. Restaria a carteira de títulos do Grupo Caixa no valor de 30.500 milhões €, sendo 18.925 milhões € da actividade bancária e 11.623 milhões € de actividade seguradora. Mas mesmo estes valores não podiam ser, na sua maioria, utilizados para resolver o problema da Dívida do Estado. Em primeiro lugar, porque uma parte deles já está aplicado em títulos da Dívida pública. Em segundo lugar, porque outra parte foram dados como garantia a empréstimos obtidos junto do BCE. Em terceiro lugar, porque existem aplicações que dificilmente seriam transaccionadas como 3.000 milhões € de títulos do BPN.

Finalmente, se as maturidades dos empréstimos ao Estado não coincidissem com as necessidades de liquidez das seguradoras e dos fundos para pagar sinistros, pensões e levantamentos, estas empresas poderiam ser obrigadas a vender títulos antes de eles vencerem com importantes prejuízos (menos valias). Portanto, a mudança de aplicações dos activos destas exigem previamente complexos estudos ALM que não são conhecidos. Portanto, é uma "solução" limitada para o problema da Dívida do Estado.

Uma alternativa muito mais consistente seria o BCE ou Fundo de Estabilização Financeiro Europeu assumir o papel de "financiador de último recurso" ("lender last resort"), à semelhança do Banco de Portugal quando tinha a competência de emissão monetária, e à semelhança do que se verifica actualmente nos Estados Unidos com o "Fed" que financia o Estado. A não existência de uma entidade com tais funções na UE só poderá ser interpretado como a intenção expressa dos grandes países, como a Alemanha, de colocar os países em dificuldade à total mercê dos "mercados", ou seja, de construir uma UE em que domine o neoliberalismo, e que a coesão social e desenvolvimento equilibrado e sustentado esteja totalmente ausente.

Se tal solução for excluída pela UE, e tendo em conta a gravidade da situação, e não se querendo entrar em "default" (interromper pagamentos), já que isso teria certamente como consequência que o financiamento externo se fecharia e surgiriam pressões/represálias da União Europeia, a solução alternativa a curto prazo, para ultrapassar momentaneamente as dificuldades seria renegociar a Dívida, com o objectivo de aumentar significativamente prazos de pagamento e reduzir taxas de juro da Dívida, pois Portugal não tem condições para aguentar a manutenção da presente situação.

Uma solução semelhante à grega ou à irlandesa atirará o País para uma sucessão interminável de medidas de austeridade que o atirarão para uma recessão económica cada vez mais prolongada e profunda, donde mais dificilmente conseguirá sair. E ainda por cima o País seria obrigado a reestruturar a Dívida pois a "solução" FMI/BCE/UE determinaria a degradação da situação da economia que tornaria tal "solução" inevitável, como já está a suceder com a Grécia.

Portanto, falhando as soluções do BCE ou FEEF de servirem "financiador de último recurso" ou a renegociação da Dívida, Portugal poderá ser rapidamente colocado perante a necessidade de sair, pelo menos temporariamente, da Zona do Euro, para evitar um maior desastre e resolver os seus problemas estruturais. Mas para isso seria importante que contasse com ajuda da União Europeia para que as consequências económicas e sociais dessa saída fossem minimamente controladas e suportáveis pelo País e pelos portugueses. Mas toda esta situação impõe uma negociação muito exigente com a UE, e não uma atitude se submissão e de inevitabilidade como se verifica actualmente por parte do PS, do PSD e do CDS, e de muitos comentadores com acesso privilegiado aos media, se possível articulada com os países que enfrentam dificuldades semelhantes, para encontrar ou um quadro para a renegociação da Dívida ou, no caso de isso não ser possível, uma saída controlada, com o apoio da UE, da Zona do Euro. É uma questão para onde o País, e que se colocará tarde ou cedo.

O DÉFICE ORÇAMENTAL EM 2011, SUA VERDADEIRA DIMENSÃO, E NECESSIDADE DE ALARGAR O PERIODO DE CONSOLIDAÇÃO PARA ATENUAR CONSEQUENCIAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

Esquecendo a situação actual do País, Sócrates, pressionado pelo PSD e CDS e com o objectivo de se apresentar como "bom aluno" para os "mercados", e de total submissão à Comissão Europeia prometeu objectivos irrealistas de redução do défice.

No PEC: 2010-2013, apresentado em Março de 2010, a programação da redução do défice era seguinte: 2010: 8,3% do PIB; 2011: 6,6% do PIB; 2012: 4,6% do PIB; 2013: 2,6% do PIB. No PEC: 2011-2013, apresentado em Março de 2011, a programação da redução do défice era já seguinte: 2010: 7,3% do PIB; 2011: 4,6% do PIB; 2012: 3% do PIB; 2013: 2% do PIB; 2014: 1% do PIB. E esta antecipação significativa da redução do défice orçamental ainda é mais insólita e irresponsável, porque não tinha em conta a grave crise económica e social que o País enfrentava, e quando uma parte importante da redução do défice de 2010 era ilusória, não real, porque tinha sido conseguida com a transferência do Fundo de Pensões da PT e da Marconi para a CGA no valor de 2.278 milhões €, o que corresponde a 1,3% do PIB. Portanto, se o Fundo de Pensões não tivesse sido transferido o défice orçamental real de 2010 teria sido de 8,1% do PIB, o que significa que a redução efectiva relativamente ao de 2009 – 9,3% do PIB – tenha sido apenas de 1,2% do PIB. Mesmo que não se entre em conta com as correcções do défice orçamental impostas pelo FMI – 1,8% + 0,5% – que fez subir o défice de 2010 para 9,1% do PIB, já que estes adicionais não têm como base acréscimos permanentes de despesa pública, mesmo assim a redução do défice orçamental, entre 2010 e 2011, é de 8,1% para 4,6% do PIB, ou seja, uma redução de 3,5 pontos ou seja, quase o triplo da redução efectiva verificada entre 2009 e 2010, o que insustentável sob o ponto de vista económico e social. Portanto, é fundamental diminuir a redução do défice orçamental para menos de 1 ponto percentual do PIB ao ano, o que obriga a duplicar o prazo dos 4 anos previstos (2010/2014) para, pelo menos, 8 anos. E mesmo uma redução do défice orçamental em período de grave crise económica e social constitui um obstáculo à recuperação.

PRODUZIR MAIS PARA DEVER MENOS, E PARA AUMENTAR O EMPREGO E REDUZIR O DESEMPREGO

O endividamento do País só se conseguirá reduzir de uma forma consistente quando se estancar o défice anual permanente e elevado das contas externas portuguesas. O quadro seguinte, com dados do INE, mostra défice acumulado nos últimos cinco anos de governo de Sócrates.

Quadro 2- Saldo da Balança de Pagamentos Corrente
ANOS
BALANÇA DE PAGAMENTOS — Milhões euros
BENS
(Balança Comercial)
Serviços
Rendimentos
(lucros, juros, royalties transferidos para o exterior )
Transferências Correntes
TOTAL
2006 -16.763 4.954 -6.301 2.521 -15.589
2007 -19.206 6.533 -7.004 2.603 -17.074
2008 -22.985 6.602 -7.781 2.464 -21.700
2009 -17.794 5.985 -8.728 2.135 -18.402
2010 -17.931 6.709 -8.037 2.175 -17.084
SOMA -94.679 30.783 -37.851 11.898 -89.849
Fonte: Boletim Estatístico - Banco de Portugal

Só no período 2006-2010, Portugal acumulou na Balança de Pagamentos Correntes, ou seja, nas transacções com o exterior um saldo negativo de -89.849 milhões €. Isto significa que Portugal teve de pagar ao exterior mais 89.849 milhões € do que recebeu do estrangeiro. E isso só foi possível endividando-se muito mais. É evidente que este elevado endividamento só parará quando se acabar ou, pelo menos, se reduzir significativamente o elevado défice anual nas contas externas. Portanto, nem a renegociação da Dívida, nem a chamada "ajuda" externa, nem mesmo a compra pelo BCE ou pelo FEEF de parte da Dívida externa portuguesa resolverá o problema do constante e elevado do endividamento se não se conseguir eliminar o elevadíssimo défice anual das contas externas portuguesas.

Como mostra o quadro 2, este elevado e constante défice resulta da acção conjugada de dois défices: o da Balança de Bens, também chamada Balança Comercial (Exportações-Importações) e o da Balança de Rendimentos. O défice desta última resulta, em grande parte, do endividamento crescente do País, pois são juros, mais-valias e lucros de empresas vendidas a estrangeiros que são transferidos todos os anos para o exterior. Mas o grosso do défice resulta fundamentalmente da Balança de Bens (-94.679 milhões € em 5 anos), devido ao facto das importações de bens serem muito superiores às exportações.

Contrariamente ao que pretende fazer crer o pensamento económico neoliberal dominante, este grave problema não se resolve apenas exportando mais, mas fundamentalmente produzindo muito mais para substituir uma parcela cada vez maior do que se importa actualmente do estrangeiro. E isto até porque o crescimento das exportações tem limites porque a concorrência externa são cada vez maiores e mais agressivas. O quadro seguinte, construído com dados do Comercio Internacional divulgados pelo INE, mostra as importações por produtos no período 2005-2009.

Quadro 3 – As importações de bens por Portugal no período 2005-2009
PRODUTOS
Milhões €
% TOTAL
Agrícolas 25.250 8,9%
Alimentares 10.461 3,7%
Combustíveis Minerais 40.221 14,2%
Químicos 25.315 8,9%
Plásticos e Borrachas 13.496 4,8%
Peles e Couros 2.743 1,0%
Madeira e Cortiça 3.512 1,2%
Pastas Celulósicas e Papel 6.587 2,3%
Matérias Têxteis 8.289 2,9%
Vestuário 7.704 2,7%
Calçado 2.418 0,9%
Minerais e Minérios 4.609 1,6%
Metais Comuns 25.460 9,0%
Máquinas e Aparelhos 56.423 19,9%
Veículos e Outro Material de Transporte 36.007 12,7%
Óptica e Precisão 6.012 2,1%
Outros Produtos 8.657 3,1%
TOTAL 283.162 100,0%
Fonte: Estatísticas do Comercio Internacional: 1993-2009-INE

No período 2004-2009, Portugal importou bens no valor de 283.162 milhões €, o que correspondente a 1,7 vezes o valor do PIB de 2009. Se analisar as importações por produtos, conclui-se que o País importou 35.711 milhões €, de produtos agrícolas e alimentares; 22.963 milhões e de produtos de "Peles e Couros", "Madeira e Cortiça", Pastas Celulósicas e Papel", Vestuário" e "Calçado", ou seja, de produtos que o País tem condições para os produzir ou, pelo menos, uma parte importante. O mesmo se pode dizer de "Plásticos e borrachas", "minerais e minérios", etc. Portanto, um esforço nacional com esse objectivo é urgente pois terá resultados.

O aumento da produção nacional de bens transaccionáveis para, em primeiro lugar, substituir as importações e, só depois, aumentar exportações não é uma tarefa fácil e que se possa resolver num curto período de tempo. Exige um grande esforço nacional e nomeadamente por parte do governo. Um exemplo apenas. Produtos alimentares e agrícolas que representam, em média, 12,6% das importações portuguesas. Os principais importadores são os grupos de distribuição (Pingo Doce da Jerónimo Martins, Continente da Sonae, Dia, LIDL, Intermaché). Não se conseguirá reduzir as importações destes produtos sem se conseguir reorientar estes grupos económicos que estão mais interessados em obter lucros do que em contribuir para um esforço nacional para reduzir importações e fomentar a produção nacional estabelecendo contratos com produtores nacionais. Aqui o papel do Estado é fundamental assim como dos portugueses. Estes últimos podiam ser orientados para a compra de produtos nacionais com base numa forte campanha em que comprar produtos portugueses era também uma forma de dar emprego a mais portugueses. Neste momento muito difícil para o País e para os portugueses seria importante criar uma consciência nacional de que comprar produtos estrangeiros, quando existem portugueses, é lançar no desemprego mais portugueses. Esta é uma questão que os media sistematicamente ignoram. Será que os sindicatos que tanto lutam contra o desemprego estariam dispostos a apoiar uma campanha deste tipo? Mas seria também importante assegurar que os resultados de mais produção fossem também melhor distribuídos. Um esforço desta natureza para ter resultados teria que ser planeado, nacional e com grande visibilidade.

CORRIGIR AS PROFUNDAS DISTORÇÕES QUE EXISTEM NA POLITICA DE CRÉDITO DA BANCA

A politica de crédito da banca não se tem orientado pelas necessidades de desenvolvimento do País, mas sim visando obter lucros elevados e garantidos, o que levou a banca a fomentar e apoiar a especulação e o consumismo em prejuízo das actividades produtivas, como mostra o quadro seguinte construído com dados sobre o crédito do Banco de Portugal.

Quadro 4 – Os sectores mais prejudicados e os mais beneficiados com a politica de crédito da banca
ANOS
Crédito Total
(Sociedade não Financeiras e Particulares)
Agricultura, Pescas e Indústria
Construção
Imobiliário
Habitação
Consumo
2005-Milhões€ 186.491 13.352 21.651 10.716 79.237 9.406
2006-Milhões€ 206.834 13.299 21.664 13.231 91.591 11.379
2007-Milhões€ 228.888 14.646 24.140 14.922 100.585 13.790
2008-Milhões€ 248.383 16.940 26.152 16.995 104.465 15.452
2009-Milhões€ 255.773 17.508 26.223 17.187 109.835 15.731
2010-Milhões€ 255.834 16.917 24.034 16.316 113.604 15.484
2005-% Total 100,0% 7,2% 11,6% 5,7% 42,5% 5,0%
2006-% Total 100,0% 6,4% 10,5% 6,4% 44,3% 5,5%
2007-% Total 100,0% 6,4% 10,5% 6,5% 43,9% 6,0%
2008-% Total 100,0% 6,8% 10,5% 6,8% 42,1% 6,2%
2009-% Total 100,0% 6,8% 10,3% 6,7% 42,9% 6,2%
2010-% Total 100,0% 6,6% 9,4% 6,4% 44,4% 6,1%
Var. 2005-2010 37,2% 26,7% 11,0% 52,3% 43,4% 64,6%
Fonte: Boletim Estatístico - Março 2011 - Banco de Portugal

O credito concedido à Agricultura, Silvicultura, Indústria Extractiva e Transformadora, actividades produtivas por excelência, representa uma parte muito pequena do crédito total concedido a empresas e particulares (7,2% em 2005 e apenas 6,6% em 2010) e tem revelado uma tendência de diminuição. Em relação ao credito total concedido pela banca a percentagem é ainda mais reduzida (menos de 6%). Enquanto se verificava esta politica de credito em relação às actividades produtivas por excelência, em 2010, o credito concedido às empresas de Construção representava 9,4% do total concedido a empresas e particulares, ao Imobiliário 6,4%, representando o crédito à Habitação 44,4% daquele total e ao consumo 6,1%. Pode-se dizer com propriedade que as actividades produtivas são o parente pobre da política de crédito da banca em Portugal. Esta tem estado mais interessada em promover a especulação e o consumismo.

A própria CGD, apesar de ser um banco do Estado, tem participado nesta actividade especulativa. Para além dos casos que vieram a público em que a CGD concedeu empréstimos de milhões de euros a Manuel Fino para especular com acções da CIMPOR, e quando não amortizou esse empréstimo ter sido obrigado a entregar à CGD acções no valor de quase 10% do capital da CIMPOR, e de ter feito empréstimo semelhante a Joe Berardo para este comprar acções do MIllennium e quando este entrou em incumprimento ter aceite a renegociação da Dívida, o Relatório e Contas da CGD de 2010 revela que, neste ano, o credito da Caixa à Agricultura, Pesca, Industria Transformadora representou apenas 6,2% do credito total concedido, enquanto às empresas de Construção e Obras Publicas representou 7,9% e à Habitação e Consumo 50,7%.

É evidente que esta politica de crédito só podia ter conduzido o País ao estado em que se encontra e ao crescimento económico endémico. É urgente inverter toda esta politica de especulação, de consumismo e de atraso em que a banca em Portugal tem participado activamente, começando pela CGD que se deve transformar preferencialmente num banco de fomento à actividade produtiva, nomeadamente de apoio à produção de bens transaccionáveis destinados fundamentalmente à substituição de importações. A aplicação dos Fundos Comunitários devia ser reorientada também com esse objectivo. Recorde-se que até 31/12/2010 ficaram por utilizar 6.439,6 milhões € de fundos do QREN (ver nosso estudo de 5/2/2011 disponível em www.eugeniorosa.com ).

AUMENTAR AS RECEITAS DO ESTADO SEM AUMENTAR OS IMPOSTOS É POSSIVEL ATRAVÉS DE UM COMBATE EFICAZ À EVASÃO E FRAUDE E ELIMINANDO BENEFICIOS FISCAIS INJUSTOS

Em Portugal, as receitas fiscais e as receitas da Segurança Social podiam aumentar significativamente sem aumentar taxas de impostos ou taxas contributivas, que é a solução adoptada habitualmente quer pelo governo quer pelo FMI. Os dados do quadro seguinte obtidos com base em cálculos a partir de dados oficiais prova com clareza isso.

Quadro 5- Acréscimo de receitas fiscais e da Segurança Social que podia ser obtido com o aumento da eficácia do combate à evasão e fraude e eliminando isenções injustas
ANOS
EVASÃO E FRAUDE FISCAL
Milhões €
SEGURANÇA SOCIAL
(Evasão e Fraude contributiva e isenções)
Milhões €
SOMA
Milhões €
2005 5.073 2.663 7.736
2006 5.129 2.717 7.846
2007 4.910 3.063 7.973
2008 4.128 2.991 7.119
2009 5.901 3.161 9.062
SOMA 25.141 14.595 39.736
Fonte: Eurostat, INE e Relatorio OE-2005/2011

Os dados da evasão e fraude fiscal foram obtidos tomando com base a capitação média da receita fiscal na UE, e depois calculando uma proporção que tem como base a proporção que o PIB per capita português representa em relação ao PIB per capita da UE, e determinado depois a diferença em capitação da receita fiscal por habitante em Portugal. A evasão e fraude contributiva em relação à Segurança Social foi calculada com base no valor dos Salários e Ordenados pagos no País, a que se retirou as remunerações da Administração Pública. No entanto, este valor está subestimado, pois um número já importante dos trabalhadores da Função Pública descontam para a Segurança Social, e nos nossos cálculos esse facto não foi considerado. No entanto, os dados obtidos já são suficientemente esclarecedores.

No período 2005-2009, a evasão e fraude fiscal e contributiva determinou que o Estado tivesse perdido um volume de receitas que estimamos em 39.736 milhões €, o que dá uma media de 7947,2 milhões €/ano. Portanto, uma importância que permitiria reduzir o défice sem ter as consequências que um aumento das taxas de impostos determinam. Para além disso seria até uma forma de estabelecer em Portugal uma maior justiça fiscal. Se este combate fosse associado a eliminação de privilégios fiscais injustos que continuam a gozar os grupos económicos e financeiros em Portugal, de que são exs. os artº 14º e 51º do Código do IRC, que isenta os lucros de empresas a operar em Portugal a grupos económicos desde que estes detenham mais de 10% do capital daquelas empresas, e a introdução e de uma taxa adicional de 25% a nível do IRC que incidiria sobre os lucros distribuídos, a fim de evitar a descapitalização das empresas, seriam dados passos importantes não só na sustentabilidade Financeira do Estado, mas também na criação de condições que permitissem ao País sair da grave crise em que se encontra mergulhado. Mas um combate eficaz à evasão e fraude em Portugal exigem meios que a Administração Fiscal e a inspecção contributiva da Segurança Social não possuem, que o governo tem-se recusado a disponibilizar, já que estão cada vez mais fragilizadas devido à aposentação prematura de quadros qualificados e experientes e à falta de outros meios devido à obsessão do défice.

É NECESSÁRIO RENEGOCIAR AS PPP PARA QUE OS PRIVADOS PARTILHEM OS RISCOS, E NÃO SEJA APENAS O O.E. A TER DE OS SUPORTAR COMO ACONTECE ACTUALMENTE

As Parcerias Publico Privadas (PPP), nomeadamente as rodoviárias foi um investimento elevadíssimo que distorceu profundamente o sistema nacional de transportes, com consequências para o País, e que vão custar aos portugueses mais de 60.000 milhões €. Mais de metade delas PPP são as relativas a auto-estradas, promovendo-se assim o transporte rodoviário que é mais caro, mais poluente e mais dependente do estrangeiro, mas que deram e continuam a dar elevados lucros aos grandes grupos da construção civil que são simultaneamente também concessionários. Para agravar ainda mais a situação, o governo assinou com esses grupos económicos contratos leoninos em que não existe qualquer partilha de risco cabendo todo o risco ao Estado. Assim, nesses contratos existe uma chamada " clausula de disponibilidade ", que estabelece mesmo que não se verifique tráfego suficiente para gerar uma receita mínima (e sucede isso em mais de um terço das auto-estradas), o Estado, através do OE, garante uma receita mínima aos privados, ou seja, assegura os seus lucros. É necessário renegociar todos estes contratos para eliminar esta clausula nos contratos em que ela exista, e se se revelar mais vantajoso para o Estado substituir a gestão privada pela gestão publica, como sucedeu no Hospital Amadora Sintra, seria a solução a adoptar. No entanto, é preciso não esquecer que se não existirem portagens, essas receitas que assim não se obtêm, têm de ser substituídas por receitas de mais impostos, porque os custos dessas auto-estradas têm de ser pagos. Como diz o ditado popular "não existem almoços grátis". É necessário não ter essa ilusão.

É URGENTE ASSINAR CONTRATOS DE SERVIÇOS PÚBLICOS COM AS EMPRESAS PÚBLICAS DE TRANSPORTES QUE O GOVERNO SE RECUSOU PARA APURAR AS CAUSAS DA SITUAÇÃO ACTUAL

Já no fim de 2009, o Passivo das empresas públicas de transportes colectivos era superior ao seu Activo, em cerca de 5.000 milhões €, resultante de elevados prejuízos acumulados, estando elas profundamente endividadas (em mais de 10.000 milhões €. Os encargos financeiros eram já superiores às despesas com Pessoal. A situação destas empresas resulta, por um lado, da recusa continuada do governo em assinar com elas contratos de prestação de serviços com o objectivo de definir com rigor as responsabilidades do Estado (quanto a indemnizações compensatórias e investimentos) e das administrações das empresas e, por outro lado, da má gestão dos "boys" que os sucessivos governos têm colocado nestas empresas. É urgente fazer esse trabalho que não foi feito para apurar quanto o Estado deve realmente a essas empresas e as responsabilidades das suas administrações. Era importante que "a culpa não morresse solteira". A solução da"troika" (FMI/BCE/UE) será inevitavelmente a privatização da parte rentável destas empresas e aumentos brutais dos preços dos transportes colectivos (em intervenções anteriores do FMI, os preços dos transportes subiram 30%).

É NECESSÁRIO DESENVOLVER UM COMBATE EFICAZ AO DESPERDICIO E À MÁ GESTÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E NAS EMPRESAS PÚBLICAS

É urgente fazer um levantamento rigoroso do desperdício, da subutilização de meios, e da má gestão que existe nas Administrações Públicas (SNS, Institutos, empresas públicas, empresas municipais, etc), com o objectivo de tomar as medidas adequadas para os eliminar. É inaceitável que o Tribunal de Contas tenha feito em 2003 uma auditoria ao SNS e que tenha concluído que 20% da despesa podia ser reduzida, o que corresponde a cerca de 1800 milhões €, e que nenhum governo tenha ainda mandado fazer um levantamento rigoroso do desperdício, da subutilização de meios, de actos de má gestão existentes em cada unidade de saúde e, caso se confirmem as conclusões daquele Tribunal, tomar as medidas para as eliminar. Esta é altura de fazer e de tornar publica as suas conclusões. A situação do País e dos portugueses não se compadece com o desperdício, com a subutilização de meios, com a má gestão que continua a existir. A recusa do PS e do PSD em aprovar a lei que obrigava os médicos a receitarem com base no principio activo está a custar anualmente ao SNS cerca de 400 milhões €, e também representa um adicional pesado que os utentes do SNS têm de pagar, mas é uma fonte de lucros para as multinacionais dos medicamentos.

UMA POLITICA EFECTIVA DE APOIO SOCIAL, E NÃO UMA POLITICA DE INSENSIBILIDADE SOCIAL COMO TEM SIDO A DO GOVERNO DE SÓCRATES

Como consequência da politica do governo de Sócrates o número de desempregados a receber o subsídio de desemprego, o número de famílias a receber o abono de família ou rendimento social de inserção diminuiu significativamente no último ano, apesar da situação social se ter agravado muito. Assim, entre Março de 2010 e Março de 2011, segundo os dados da Segurança Social que estão disponíveis no seu "site", o número de desempregados a receber subsídio de desemprego diminuiu de 359.873 para 294.116 (-65.757); o número de crianças a receber abono de família passou de 1.726.810 para 1.118.953 (-607.857), e o número de famílias a receber o rendimento social de inserção reduziu-se de 159.404 para 118.745 (-40.659). Foi um verdadeiro ataque aos mais desfavorecidos, atirando muito deles para a miséria. É urgente inverter esta politica de insensibilidade social, e de redução do défice à custa dos que menos têm, nomeadamente prolongando o subsídio social de desemprego para os desempregados que deixaram de receber subsídio e que não tenham meios para viver e alterar "a condição de recursos", que aumentou administrativamente e apenas no papel o rendimento "per-capita" das famílias, excluindo milhares de portugueses de apoio social, numa altura que mais precisavam.

O SISTEMA DE ENSINO NÃO PODE CONTINUAR A NÃO SERVIR AS NECESSIDADES DE DESENVOLVIMENTO DO PAÍS

O quadro seguinte, construído com dados do INE, mostra de uma forma clara que o actual sistema de ensino em Portugal (básico, secundário e superior) não tem correspondido às necessidades de desenvolvimento do País e, também das próprias pessoas, constituindo um importante obstáculo à saída da crise e ao aumento do nível de vida dos portugueses.

Quadro 6 – Repartição da população empregada e da população desempregada por níveis de escolaridade – 2003/2010
NIVEIS DE ESCOLARIDADE
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2010-03
Milhares de indivíduos
POPULAÇÃO EMPREGADA -Total 5 118,0 5 122,8 5 122,6 5 159,5 5 169,7 5 197,8 5 054,1 4 978,2 -139,8
Até ao básico - 3º ciclo 3 867,4 3 748,6 3 694,8 3 668,1 3 660,1 3 629,4 3 405,6 3 244,0 -623,4
Secundário e pós-secundário 669,9 697,9 740,9 777,3 776,6 791,8 848,8 904,4 +234,5
Superior 580,6 676,3 686,9 714,1 733,0 776,6 799,7 829,8 +249,2
Até ao básico - 3º ciclo - % Total 75,6% 73,2% 72,1% 71,1% 70,8% 69,8% 67,4% 65,2%  
POPULAÇÃO DESEMPREGADA - Total 342,3 365,0 422,3 427,8 448,6 427,1 528,6 602,6 +260,3
Até ao básico - 3º ciclo 255,4 275,1 311,2 307,5 320,2 301,9 383,1 423,8 +168,4
Secundário e pós-secundário 49,9 52,1 64,8 71,9 69,1 67,6 90,6 115,0 +65,1
Superior 37,0 37,9 46,2 48,4 59,3 57,6 55,0 63,8 +26,8
Fonte: Estatísticas de Emprego – 4º Trimestre de 2010 – INE

No fim do primeiro decénio do séc. XXI, ainda 65,2% da população empregada portuguesa tinha apenas o ensino básico ou menos. E mesmo esta percentagem só foi conseguida, por um lado, através de elevado número de despedimentos de trabalhadores de baixa escolaridade (com o ensino básico ou menos) provocados pela crise (entre 2003 e 2010, o número de empregos ocupados por trabalhadores com uma escolaridade até ao ensino básico diminuiu em 623,4 mil, tendo o desemprego destes trabalhadores disparado (70,3% do desemprego total no 4º Trimestre de 2010) e, por outro lado, o governo, para branquear as estatísticas, já que através do Programa de Novas Oportunidades tem distribuído milhares de certificados do 9º ano e do12º ano. A crise está a alterar mais o nível de escolaridade da população empregada do que o próprio sistema de ensino, expulsando do mercado de trabalho principalmente os trabalhadores de baixa escolaridade. Entre 2007 e 2010, ou seja, em quatro anos, a população empregada com o ensino básico ou menos diminuiu 5,6 pontos percentuais – passou de 70,8% para 65,2% –, enquanto entre 2003 e 2007, ou seja, nos cinco anos anteriores, diminuiu apenas em 4,8 pontos percentuais, pois passou de 70,8% para 65,2% da população empregada. Estes dados objectivos mostram que o sistema actual de ensino não está a corresponder às necessidades de desenvolvimento do País, constituindo a situação nesta área – o baixo nível escolaridade da maioria dos portugueses – um dos maiores obstáculos que impedem que se atinjam elevadas taxas de crescimento económico e de desenvolvimento. E é preciso ter a coragem de dizer, que o problema não é só a escassez de meios financeiros como se pretende muitas vezes crer. É urgente saber quantos anos leva em média um aluno para obter o 12º ano nas diversas escolas do Pais, ou para obter uma licenciatura em Portugal, nas diversas universidades, estudo este que nunca foi feito em Portugal, cujos resultados não se conhecem. E ele era fundamental para identificar os problemas e causas. É inadmissível também que devido à inadequabilidade das saídas do ensino às necessidades de desenvolvimento do País muitos licenciados sejam obrigados a trabalhar em áreas que nada têm a ver com o que aprenderam ou a fazer novas licenciaturas ou mestrados para mudar de área de qualificação (até existe um programa pago com dinheiros públicos para 5000 licenciados poderem mudar de profissão). São duplicações de custos que o País e as famílias não podem continuar a suportar.

É urgente introduzir uma cultura de exigência, de rigor, de responsabilidade e de esforço (aprender, como qualquer coisa na vida, exige trabalho e esforço) para alterar profundamente a situação existente. Para além disso, o ensino, seja básico, secundário ou superior não poderá ser considerado uma "coutada" que diz respeito apenas aos alunos, aos professores e/ou ME e MCES, porque todo o País está a sofrer as consequências da situação existente nele, por um lado, e, por outro lado, cerca de 4/5, ou mesmo mais, da despesa do ensino em Portugal é paga com impostos pagos por todos os portugueses e não por este ou aquele grupo particular. É urgente um grande debate nacional sobre a situação do ensino em Portugal e sobre o seu papel/responsabilidade no desenvolvimento do País, pois o ensino não é apenas uma questão individual.

30/Abril/2011
A primeira parte deste artigo encontra-se em http://resistir.info/e_rosa/estado_do_pais_1.html

[*] Economista, edr2@netcabo.pt , www.eugeniorosa.com


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
01/Mai/11