Investimento estrangeiro em Portugal e de Portugal no estrangeiro:
na maioria são aplicações financeiras, muitas delas especulativas

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

O ministro das Finanças, Victor Gaspar, com o seu ar limitado de aluno submisso interessado apenas em ter contas certas para estar nas boas graças do ministro alemão das Finanças – mas nada preocupado com a situação dos portugueses e com a destruição da economia que está a provocar – e também o pensamento económico ultraliberal dominante quer no governo quer nos principais media, têm defendido o investimento estrangeiro em Portugal como a solução para os problemas do país. Para conseguir isso (dizem eles), têm vendido a saldo as participações do Estado em empresas importantes (EDP, REN) assim como tencionam vender as empresas públicas que ainda restam (TAP, CTT, etc.) a estrangeiros. No entanto, como revelam os próprios dados do Banco de Portugal, a esmagadora maioria do investimento estrangeiro em Portugal são aplicações financeiras, muitas de natureza especulativa que visam a obtenção de ganhos elevados e rápidos. Também o investimento de grupos económicos “portugueses" no estrangeiro, que deixaram de investir em Portugal têm, na sua maioria, as mesmas características e objectivos (são aplicações financeiras visando ganhos elevados e rápidos)

No fim de 2011, segundo o Banco de Portugal, o investimento estrangeiro em Portugal, na sua esmagadora maioria feito por grupos económicos e financeiros, atingia 468.806 milhões €, sendo investimento directo em empresas apenas 61.718 milhões € (18% do total); o restante, ou seja, 384.537 milhões € (82%) eram aplicações financeiras (em acções, em títulos da divida pública, etc) com o objectivo de obter ganhos elevados e imediatos. Também no fim de 2011, o investimento "português" no estrangeiro, maioritariamente realizado por grupos económicos, que deixaram de investir em Portugal mas que teve como fonte rendimentos gerados no país, atingia 276.830 milhões €, sendo apenas 19% (52.594 milhões €) investimento directo em empresas, enquanto 224.236 milhões € (81% do total) eram, na sua maioria, aplicações financeiras visando ganhos elevados e rápidos. É evidente que os grupos económicos tanto estrangeiros como "portugueses" estão muito mais interessados em investimentos financeiros, muitos deles especulativos, do que em investimentos produtivos. Será que Victor Gaspar e Passos Coelho, assim como os arautos do pensamento económico dominante, conhecem esta realidade quando, com tanto empenho, defendem o investimento estrangeiro em Portugal e o investimento de Portugal no estrangeiro, e quando o utilizam como justificação para vender a saldo as participações do Estado em empresas importantes e mesmo empresas públicas? Porventura saberão que estão a promover fundamentalmente o investimento financeiro, muito dele especulativo, como revelam os próprios dados do Banco de Portugal?

Esta situação ainda se torna mais clara quando se analisam os fluxos de rendimentos que aqueles investimentos geram. No período 2000/2011, foram transferidos de Portugal para o estrangeiro rendimentos que totalizaram 165.190 milhões €, o que corresponde a cerca do valor do PIB de um ano, provocando uma elevada descapitalização do país. Deste total, apenas 44.788 milhões €, ou seja, 27,1% teve como origem investimento directo realizado em empresas em Portugal; e 116.706 milhões €, ou seja, 70,6% dos rendimentos transferidos para o estrangeiro no período 2000/2011 teve como origem investimentos financeiros, muitos deles especulativos feitos em Portugal. Durante o mesmo período de tempo (2000/2011), Portugal recebeu do estrangeiro, como consequência dos investimentos realizados, 99.104 milhões €, ou seja, menos 66.086 milhões € do que o transferido para o estrangeiro durante o mesmo período. E 72.969 milhões €, isto é, 73,6% dos rendimentos recebidos, teve como origem rendimentos resultantes de aplicações financeiras, na sua maioria investimentos especulativos. Apenas 23.838 milhões €, ou seja, 24,1% dos rendimentos recebidos do estrangeiro teve como origem investimentos directos em empresas. É desta forma que se está a fazer a internacionalização dos grupos "portugueses" tão elogiada pelo pensamento económico dominante e pelos sucessivos governos.

A esmagadora maioria destes rendimentos estão isentos do pagamento de qualquer imposto em Portugal. A aplicação de uma taxa de IRS só sobre os rendimentos transferidos para o estrangeiro resultantes de aplicações financeiras em Portugal igual à que pagam os cidadãos nacionais e de uma sobretaxa de 10% sobre os dividendo distribuídos, visando impedir a descapitalização das empresas e promover o investimento produtivo e a criação de emprego, por ex., teria dado ao Estado uma receita fiscal adicional, no período 2000/2011, que estimamos em 32.423 milhões €, ou seja, em média 3.243 milhões € por ano. Numa altura em que se impõem tantos sacrifícios aos trabalhadores e pensionistas portugueses, seria mais que justos exigir àqueles que obtém elevadíssimos rendimentos de uma forma tão fácil que pagassem IRS igual ao que é pedido à maioria dos portugueses. Só a cegueira e a insensibilidade deste governo provocada por um politica de classe pode impedir que veja as desigualdades e os sofrimentos causados.

Contrariamente à ideia que muitas vezes existe, e à mensagem que o governo e os defensores do pensamento económico ultraliberal dominante pretendem fazer passar junto da opinião pública, nomeadamente nos media, tanto o investimento estrangeiro em Portugal, como o aquele que os grupos económicos a operar em Portugal fazem no estrangeiro, não é investimento produtivo directo em empresas, mas sim aplicações financeiras que visam a obtenção de ganhos elevados e imediatos. O quadro 1, construído com dados divulgados pelo Banco de Portugal relativamente ao período 2000/2011, mostra com clareza a estrutura dos investimentos realizados tanto em Portugal como no estrangeiro.

Quadro 1- Investimento "português" no estrangeiro e investimento estrangeiro em Portugal
ANOS
INVESTIMENTO DE PORTUGAL NO ESTRANGEIRO - Milhões €
INVESTIMENTO ESTRANGEIRO EM PORTUGAL Milhões €
Directo
De carteira
Outro
Investimento
TOTAL
Directo
% do TOTAL
Directo
De carteira
Outro
Investimento
TOTAL
Directo
% do TOTAL
2002 19.836 59.354 84.665 163.856 12,1% 42.526 71.455 133.375 247.356 17,2%
2003 26.473 77.182 89.541 193.196 13,7% 47.998 86.500 142.265 276.763 17,3%
2004 32.855 88.373 89.451 210.678 15,6% 49.142 99.627 153.015 301.784 16,3%
2005 37.359 110.531 93.440 241.330 15,5% 55.606 129.474 169.562 354.642 15,7%
2006 40.862 121.750 106.335 268.947 15,2% 66.787 147.531 186.279 400.597 16,7%
2007 45.994 129.470 115.562 291.026 15,8% 78.333 166.310 204.740 449.383 17,4%
2008 45.272 126.713 103.488 275.474 16,4% 71.833 180.146 197.552 449.531 16,0%
2009 47.530 146.248 103.610 297.387 16,0% 79.626 216.297 198.431 494.355 16,1%
2010 49.942 145.797 110.848 306.586 16,3% 83.585 197.108 225.630 506.322 16,5%
2011 52.594 115.630 108.606 276.830 19,0% 84.268 145.244 239.293 468.806 18,0%
Média 37.888 106.169 92.088 236.145 16,0% 61.718 136.824 171.677 370.218 16,7%
Fonte: Boletins Estatísticos - Banco de Portugal

No período 2000/2011, o valor médio anual dos investimentos no estrangeiro realizados, na sua maioria, pelos grupos económicos e financeiros a operar em Portugal atingiu 236.145 milhões €, sendo o investimento directo em empresas apenas 37.888 milhões €, ou seja, 16% daquele total; o restante, ou seja, 198.258 milhões € (84%) foram aplicações financeiras (acções, obrigações, títulos da divida pública, etc.) cujo objectivo é a obtenção de ganhos elevados e rápidos. Situação semelhante se verifica em relação ao investimento estrangeiro em Portugal. No período 2000/2011, o valor médio anual do investimento estrangeiro em Portugal atingiu 370.218 milhões €, sendo o investimento directo em empresas apenas 61.718 milhões €, o que corresponde a somente a 16,7% do total; e o restante, ou seja, 308.500 milhões € (83,3% do total) foram aplicações financeiras.

Se a análise se limitar apenas ao ano de 2011, portanto um ano recente, as conclusões anteriores continuam a ser válidas. Assim, no fim de 2011, o investimento realizado no estrangeiro por grupos económicos e financeiros a operar em Portugal atingia 276.830 milhões €, sendo o investimento directo em empresas apenas 52.594 milhões €, ou seja, 19% do total, enquanto 224.236 milhões € (81% do total) eram aplicações financeiras. E inversamente, em 2011, o investimento estrangeiro em Portugal atingia 468.806 milhões €, sendo investimento directo em empresas apenas 61.718 milhões € (18% do total); o restante, ou seja, 384.537 milhões € eram aplicações financeiras com o objectivo de obter ganhos elevados e imediatos.

Se analisarmos os fluxos de rendimentos provocados por estes investimentos, eles alcançam valores extremamente elevados e têm estrutura semelhante. Segundo dados divulgados pelo Banco de Portugal, no período 2000/2011, foram transferidos para o estrangeiro rendimentos que totalizaram 165.190 milhões €, e foram recebidos do estrangeiro rendimentos que somaram 99.104 milhões €, ou seja, menos 66.086 milhões € que o transferido para o exterior. Por outro lado, dos 165.190 milhões € transferidos para o estrangeiro no período 2000/2011, apenas 44.788 milhões € (27,1% do Total) tiveram como origem investimento directo em empresas em Portugal; os restantes 116.708 milhões € (70,6%) resultaram de aplicações financeiras. Se a mesma análise for feita em relação aos 99.104 milhões € de rendimentos recebidos do estrangeiro, durante o mesmo período, conclui-se que apenas 24,1% (23.838 milhões €) tiveram como origem investimento directo em empresas no estrangeiro, enquanto 73,6% , ou seja, 72.969 milhões € resultaram de aplicações financeiras feitas no estrangeiro. Tanto num caso como no outro, a preferência dos grupos económicos e financeiros é por investimentos financeiros, muitos deles especulativos, com objectivo de obter ganhos elevados e imediatos, em prejuízo do investimento directamente produtivo. Desta forma, os grupos económicos e financeiros contribuem para a financeirização da economia, e para o " capitalismo de casino ", apropriando de uma parte significativa do valor criado pelas empresas produtivas e por aquele que o Estado arrecada às famílias e demais contribuintes (segundo o Relatório do Orçamento do Estado para 2012 que foi aprovado, em 2012, o Estado vai despender com juros e outros encargos financeiros 8.013 milhões €, mais do que vai gastar com o Serviço Nacional que é 7.498 milhões €, ou que vai transferir para a Segurança Social que é 6.457 milhões €)..

A quase totalidade dos 165.190 milhões € de rendimentos transferidos para o estrangeiro no período 2000/2012 não pagaram qualquer imposto em Portugal. Se fosse aplicada a estes rendimentos a mesma taxa de IRS que é aplicada se fossem recebidos por contribuintes individuais (20% sobre mais valias, e 21,5% em 2012; 25% sobre juros e outros rendimentos e, em 2012:, 26,5%), e 10% sobre os dividendos distribuídos, para desincentivar o seu levantamento e, consequente, descapitalização das empresas, e promover o investimento produtivo e a criação de emprego, o Estado teria obtido uma receita fiscal adicional que estimamos em 32.423 milhões €, ou seja, em média 3.245 milhões € por ano. E não referimos os 99.104 milhões € recebidos do estrangeiro durante este mesmo período. Quando se exigem tantos sacrifícios aos trabalhadores e pensionistas portugueses, exigir a estes grupos que pagassem o mesmo valor de IRS que é exigido à maioria dos portugueses, o que certamente contribuiria para aliviar a carga fiscal brutal que incide sobre os portugueses e para reduzir as dificuldades do Estado, seria certamente mais que justo. Só a insensibilidade social e humana total deste governo e a cegueira motivada por razões de classe, orientada em defender os interesses dos grupos económicos e financeiros, é que o poderá impedir de ver as desigualdades e o sofrimento que está a provocar.

24/Maio/2012

[*] Economista, edr2@netcabo.pt

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
26/Mai/12