O OE2009 agrava a injustiça fiscal

– parcela dos salários e pensões é "comida" pela subida da carga fiscal

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

O governo tem afirmado que a Proposta de Orçamento do Estado apresentada para 2009 diminui a carga fiscal que incide sobre as empresas e as famílias. No entanto, a verdade é outra.

Em 2008, os escalões do IRS aumentaram apenas 2,1% e, em 2009, a subida decidida pelo governo é apenas de 2,5% o que dá, para o conjunto dos dois anos, 4,7%, ou seja, um valor que é inferior à taxa de inflação que somou 5,5%. Assim, se um trabalhador tiver no conjunto dos dois anos uma subida salarial igual ao aumento de preços, o seu poder de compra diminuirá devido ao efeito corrosivo do IRS, já que a actualização insuficiente dos escalões do IRS determinará que ele passe para um escalão mais elevado, o que obrigará a pagar mais imposto, ficando com menos salário. É o que acontecerá com os trabalhadores da Administração Pública cujos vencimentos aumentaram, em 2008, apenas 2,1% e, em 2009, o governo pretende impor uma subida de apenas 2,9% o que dá, para o conjunto dos dois anos, um aumento de 5,1%, que é inferior à subida dos preços nos dois anos. O poder de compra destes trabalhadores diminuirá devido não só ao facto dos vencimentos subirem menos do que a inflação mas também porque os escalões do IRS aumentaram menos que a subida verificada nos vencimentos. Neste caso verificar-se-á o efeito corrosivo conjugado da inflação e do IRS o que provocará uma descida mais acentuada do poder de compra dos vencimentos no conjunto dos dois anos

A política fiscal do governo materializada na Proposta de OE2009 determinará um agravamento da injustiça fiscal. E isto porque a percentagem das receitas fiscais que têm como origem os Impostos Indirectos, que são impostos mais injustos porque não têm em conta o rendimento de quem os paga, aumentará de 57,7% para 58,9%. Isto significa que em cada 100 euros de impostos pagos pelos portugueses em 2009, 58,9 euros terão como origem impostos indirectos (IVA, Imposto sobre Produtos Petrolíferos, Imposto de Tabaco, etc). É claro o desrespeito pelo nº1 do artº 103 da Constituição da República que diz textualmente o seguinte: "O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza " (o sublinhado é nosso).

O INE acabou de divulgar dados provisórios sobre o PIB do 3º trimestre de 2008. E esses dados revelam, quando comparamos com os do trimestre anterior, que o crescimento económico em Portugal foi ZERO no 3º trimestre de 2008. No entanto, Sócrates apareceu logo na televisão a dizer que Portugal havia escapado à recessão económica, A ignorância do 1º ministro em economia é só ultrapassada pela desfaçatez como fala dela. E isto porque esqueceu-se de referir que os dados agora divulgados pelo INE são ainda provisórios, pois os definitivos só serão publicados em Dezembro, e os dados definitivos normalmente corrigem os provisórios em baixa, o que poderá significar que o ter "escapado" é transitório e apenas resulta da falta de precisão dos dados provisórios. Para além disso um crescimento zero devia deixar preocupado qualquer governo responsável, mas parece que isso não aconteceu com o 1º ministro pois procurou apenas desvalorizar a situação que é grave. Parece que Sócrates e o seu governo ainda não conseguiram compreender que o País caminha para a recessão económica, realidade para a qual temos procurado chamar a atenção há muito tempo, e que são necessárias medidas urgentes para reduzir as consequências sociais e os efeitos sobre a economia.

O governo tem afirmado que a Proposta de Lei de OE2009 diminui a carga fiscal que incide sobre as empresas e as famílias. Mas isso não corresponde à verdade como se irá mostrar utilizando dados do próprio Relatório do OE2009 e outros documentos oficiais.

ACTUALIZAÇÃO INSUFICIENTE DOS ESCALÕES DO IRS REDUZ AINDA MAIS O PODER DE COMPRA DOS SALÁRIOS E DAS PENSÕES, EM PARTICULAR DOS TRABALHADORES DA FUNÇÃO PÚBLICA

O IRS é pago fundamentalmente por trabalhadores e reformados,. de acordo com dados da Direcção Geral de Contribuições e Impostos (DGCI) de 2006. Estes são os últimos dados divulgados pelo Ministério das Finanças, mas a situação não se deve ter alterado desde esse ano. Repetindo, de acordo com dados da DGCI, 85,8% dos rendimentos declarados para efeitos de IRS têm como origem o trabalhado dependente ou pensões de reforma. Por isso, o aumento insuficiente dos escalões de IRS que se verificou em 2008 e que acontecerá também em 2009 atinge fortemente os trabalhadores e pensionistas. Para concluir isso basta ter presente o seguinte.

Em 2008, os escalões do IRS aumentaram apenas 2,1% e, em 2009, a subida decidida pelo governo constante da Proposta de Lei do OE2009 é apenas de 2,5% o que dá, para o conjunto dos dois anos, 4,7%, ou seja, um valor que é inferior à taxa de inflação. Efectivamente, em 2008 os preços aumentaram já 2,9% e a subida prevista no Índice de Preços no Consumidor pelo próprio governo para 2009 é de 2,5% o que dá, para o conjunto dos dois anos, um aumento de 5,5%, portanto superior à actualização dos escalões do IRS nos dois anos. Assim, mesmo que um trabalhador tenha no conjunto dos dois anos uma subida salarial igual ao aumento de preços, o seu poder de compra diminuirá devido ao efeito corrosivo do IRS, já que a actualização insuficiente dos escalões do IRS determinará que ele passe para um escalão mais elevado, o que obrigará a pagar mais imposto, ficando com menos salário.

É o que acontecerá com os trabalhadores da Administração Pública cujos vencimentos aumentaram, em 2008, apenas 2,1% e, em 2009, o governo pretende impor uma subida de apenas 2,9% o que dá, para o conjunto dos dois anos, um aumento de 5,1%, que é inferior à subida dos preços nos dois anos. Como consequência, o poder de compra destes trabalhadores baixará devido não só ao facto de os vencimentos subirem menos do que a taxa de inflação mas também porque os escalões do IRS aumentaram menos que a subida verificada nos seus vencimentos, apesar da subida ter sido insuficiente para compensar a inflação verificada. Neste caso verificar-se-á o efeito corrosivo conjugado da inflação e do IRS o que provocará uma descida mais acentuada do poder de compra dos vencimentos no conjunto dos dois anos (2008 e 2009). Por aqui se vê o que vale a palavra do 1º ministro que prometeu publicamente que estes trabalhadores não continuariam a sofrer uma diminuição do seu poder de compra.

OS DADOS CONSTANTES DO RELATÓRIO DO OE2009 NÃO DÃO UMA IDEIA VERDADEIRA DO IRS QUE OS TRABALHADORES E REFORMADOS TERÃO DE PAGAR EM 2009

Na pág. 144 do Relatório do OE2009 encontra-se o Quadro IV.9,onde estão as receitas fiscais estimadas para 2008 e as previstas para 2009. Como acontece com outros aspectos, o governo também aqui procura esconder aos portugueses a dimensão dos sacrifícios que lhe são impostos.

Assim, em relação ao IRS, o governo, de acordo com os dados constantes do quadro, informa que, em 2008, os portugueses pagaram 9.339,4 milhões de euros e, em 2009, pagarão 9.380,7 milhões de euros, ou seja, apenas mais +0,4%. Desta forma, o governo pretende fazer passar a ideia de que a subida de IRS é muito reduzida. Mas a realidade é outra. Assim, no total de 2009, o governo "esqueceu-se" de contabilizar a parcela que, de acordo artº 20º da Lei 2/2007 reverte para as Autarquias. Contabiliza apenas o líquido "esquecendo-se" de registar ou, pelo menos, de informar aquilo que, não estando incluindo naquele valor, os portugueses terão de pagar. E esse valor poderá atingir 5% da colecta líquida, o que poderá significar mais 467 milhões de euros de imposto, que terão ser pagos pelos portugueses em 2009.

AGRAVAMENTO DA INJUSTIÇA FISCAL EM 2009, EM CLARO DESRESPEITO PELO DISPOSTO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

O nº1 do artº 103 da Constituição da República diz textualmente o seguinte: "O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza " (o sublinhado é nosso). No entanto, este governo ignora mais uma vez a segunda parte deste preceito constitucional como prova o quadro seguinte, construído com dados constantes da pág. 144 do Relatório do OE2009.

Tabela 1.

Como se sabe os impostos indirectos são mais injustos do que os impostos directos. E isto porque os impostos indirectos, como o IVA, não atendem ao rendimento de quem os paga. Dois portugueses, um que ganhe o salário mínimo nacional (450€ em 2009) e outro que tenha o vencimento do dr. Vítor Constâncio, governador do Banco de Portugal, que com os abonos e outros complementos deverá ser pouco inferior a 20.000 euros por mês, quando compram o mesmo maço de cigarros pagam a mesma importância de IVA ao Estado, apesar de usufruírem rendimentos muito diferentes. Os impostos directos, pelo menos teoricamente, atendem ao rendimento do contribuinte. O imposto pago é tanto mais elevado quanto maior for o rendimento do contribuinte (ex., IRS em que a taxa aumenta com o aumento do rendimento colectável). É por esta razão que se diz que os impostos directos são mais justos que os impostos indirectos.

E como revelam os dados do quadro, em 2009 serão precisamente as receitas dos impostos indirectos que mais aumentarão. Como mostram esses dados as receitas dos Impostos Directos diminuirão em -0,1%, enquanto as receitas dos Impostos Indirectos subirão em +4,8%. E mesmo em relação aos Impostos Directos as que aumentarão mais são as que têm como origem o IRS, imposto este que incide fundamentalmente sobre os rendimentos dos trabalhadores e reformados, pois as receitas de IRC descerão -0,9%. E como foi referido no ponto anterior, o valor do IRS constante do quadro não inclui a totalidade do IRS que os portugueses terão de pagar em 2009, pois exclui a parcela que reverterá para as Autarquias do artº 20 da Lei 2/2007.

Como consequência da política fiscal deste governo, entre 2008 e 2009, a percentagem das receitas fiscais que têm como origem os Impostos Indirectos aumentará de 57,7% para 58,9%. Isto significa que em cada 100 euros de impostos pagos pelos portugueses em 2009, 58,9 euros terão como origem impostos indirectos (IVA, Imposto sobre Produtos Petrolíferos, Imposto de Tabaco, etc). É claro o agravamento da injustiça fiscal que este governo nega na sua propaganda, mas que pratica a nível de decisões e actos.

A IGNORÂNCIA DE SOCRATES SOBRE ECONOMIA

O INE acabou de divulgar dados provisórios sobre o PIB do 3º trimestre de 2008. E esses dados revelam, quando comparamos com os do trimestre anterior, que o crescimento económico em Portugal foi ZERO no 3º trimestre de 2008.

Sócrates apareceu logo na televisão a dizer que Portugal havia escapado à recessão económica, diferentemente do que acontecera com outros países da União Europeia. A ignorância do 1º ministro em economia é só ultrapassada pela desfaçatez como fala dela. E isto porque, por um lado, não é verdade que todos os países da UE estejam em recessão e, por outro lado, esqueceu-se de dizer que os dados agora divulgados pelo INE são ainda provisórios, pois os definitivos só serão publicados no inicio de Dezembro. No 2º trimestre de 2008, o valor definitivo foi inferior ao valor provisório em -0,2 pontos percentuais. Portanto, é de prever que suceda o mesmo em relação ao dados do 3º trimestre de 2008 agora divulgados. A confirmar-se esse facto, o crescimento económico terá sido negativo no 3º trimestre de 2008, sendo necessário apenas mais um trimestre de crescimento negativo para que Portugal mergulhe na recessão económica.. Para além disso um crescimento zero significa estagnação real da economia, o que devia deixar preocupado qualquer governo responsável. Mas que parece que isso não aconteceu com o 1º ministro pois este apenas procurou desvalorizar a situação que já é muito grave, pois crescimento zero é mais um indicador do agravamento da situação económica e social do País. Parece que Sócrates e o seu governo ainda não conseguiram compreender que o País caminha para a recessão económica, realidade para a qual temos procurado chamar a atenção há muito tempo, e que são necessárias medidas urgentes para reduzir as consequências sociais e os efeitos sobre a economia e que a obsessão do défice é uma cegueira inaceitável numa crise com a dimensão desta.. E a proposta de OE2009 continua dominada pela obsessão do défice.

15/Novembro/2008
[*] Economista, edr@mail.telepac.pt

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16/Nov/08