Até 2011 ficaram por utilizar 6120 milhões € de fundos comunitários do QREN e governo PSD/CDS decide fazer uma reavaliação dos programas que provocará mais atrasos

por Eugénio Rosa [*]

Um dos problemas mais graves que Portugal enfrenta neste momento é a redução muito significativa do investimento público e privado. Segundo o Banco de Portugal, a quebra do investimento, em 2011, atingiu -11,2%, e a já prevista para 2012 é de -12,8%, o que somado dá uma redução superior a -25% em apenas 2 anos. E sem investimento é impossível criar emprego e aumentar e modernizar a capacidade produtiva instalada no país e, consequentemente, o chamado produto potencial, contrariamente ao que escreveu o ministro das Finanças no artigo que publicou na revista Visão. . Apesar do investimento ser fundamental para a recuperação económica e para combater o problema social mais grave que enfrentamos neste momento, que é o elevadíssimo e crescente desemprego, mesmo assim apenas uma parcela reduzida dos fundos comunitários disponíveis foram utilizados até 31/12/2011, como revela o Boletim Informativo nº 14 divulgado recentemente pela Comissão Técnica de Coordenação do QREN, cujos dados utilizamos para construir o quadro 1

Quadro 1- Fundos comunitários disponibilizados pela União Europeia até 31/12/2011 e fundos comunitários utilizados por Portugal até 31/12/2011
PROGRAMAS OPERACIONAIS
FUNDOS COMUNITÁRIOS PROGRAMADOS PARA O PERIODO 2007 A 2013
(Período total de execução do QREN)
FUNDOS COMUNITÁRIOS PROGRAMADOS PARA O PERIODO 1/1/2007 ATÉ 31/12/2011
(Fundos Comunitários que podiam ter sido utilizados até 31/12/2011)
FUNDOS COMUNITÁRIOS UTILIZADOS NO PERIODO DE 1/1/2007 ATÉ 31/12/2011
(Despesa validada até 31/12/2011)
FUNDOS COMUNITÁRIOS NÃO UTILIZADOS ATÉ 31/12/2011
(mas que podiam ter sido)
Fundos Comunitários utilizados até 31/12/2011 em % do Programado para o período 2007-2013
Em euros
Em euros
Em euros
Em % do Programado até 2011
Em euros
Em % do programado 2007-2013
POT Factores Competitividade (FEDER+FC) 3.103.789.000 2.172.669.755 1.103.363.000 50,8% 1.069.306.755 35,5%
POT Potencial Humano (FSE) 6.453.009.000 4.302.045.849 3.099.603.000 72,0% 1.202.442.849 48,0%
POT Valorização Território (FEDER+FC) 4.342.544.000 2.602.935.612 1.504.395.000 57,8% 1.098.540.612 34,6%
POR Norte (FEDER) 2.711.645.000 1.898.166.837 901.525.000 47,5% 996.641.837 33,2%
POR Centro (FEDER) 1.701.633.000 1.191.152.752 590.538.000 49,6% 600.614.752 34,7%
POR Alentejo (FEDER) 868.934.000 608.258.669 192.220.000 31,6% 416.038.669 22,1%
POR´s Açores (FEDER+FSE+DE) 1.156.349.000 809.447.835 568.894.000 70,3% 240.553.835 49,2%
PO Assistência Técnica 146.088.000 117.299.933 59.168.000 50,4% 58.131.933 40,5%
QREN -Total -Convergência 20.483.991.000 13.701.977.242 8.019.706.000 58,5% 5.682.271.242 39,2%
POR Lisboa 306.689.000 214.684.144 104.037.000 48,5% 110.647.144 33,9%
POR Algarve 174.952.000 156.248.766 38.286.000 24,5% 117.962.766 21,9%
PO´s Madeira (FEDER+FSE) 445.928.000 395.553.813 185.697.000 46,9% 209.856.813 41,6%
QREN-TOTAL 21.411.560.000 14.468.463.965 8.347.726.000 57,7% 6.120.737.965 39,0%
Fonte: Boletim Informativo nº 14 - QREN; Programação Financeira de cada um dos programas operacionais

No período 2007-2011, de acordo com a programação aprovada no inicio pela Comissão Europeia, Portugal podia utilizar 14.468,4 milhões € de fundos comunitários, no entanto utilizou, até 31.12.2011, apenas 8.347,7 milhões € (57,7%), ficando por utilizar 6.120,7 milhões €.

No fim de 2011, ou seja, ao fim de cinco anos de QREN (o QREN termina em 2013, portanto faltam dois anos do período inicialmente fixado); repetindo, ao fim de cinco anos de execução do QREN apenas estão utilizados 39% dos fundos comunitários totais, o que revela uma baixa taxa de utilização/execução relativamente ao valor que podia já ter sido utilizado até 2011 o que, como é fácil de concluir, contribui para agravar a recessão económica e a crise social em Portugal.

Se a análise for feita por programas operacionais as conclusões ainda são mais dramáticas, pois relativamente aos programas que podem ter maior impacto no aumento da competitividade das empresas, de que tanto se fala agora, é precisamente nesses que é mais baixa a taxa de utilização/execução. Entre os três maiores programas operacionais – Factores de Competitividade, Potencial Humano e Valorização do Território – cujos fundos comunitários atribuídos (13.899,3 milhões €) representam 64,9% dos fundos comunitários do QREN, é precisamente no Programa Operacional Factores de Competitividade (COMPETE), que tem como objectivo directo aumentar a competitividade das empresas e apoiar a sua internacionalização, que se verifica a taxa de utilização/execução mais baixa. Nos cinco primeiros anos do QREN, dos 7 anos de duração deste programa, apenas foram utilizados o correspondente a 50,8% dos fundos disponibilizados pela União Europeia para o COMPETE, no período 2007-2011, ficando por utilizar 1.069,3 milhões €.

Mas é fundamentalmente nos programas operacionais regionais, vitais para combater as graves assimetrias (desigualdades) regionais e a elevada desertificação do interior do país, que se têm agravado nos últimos anos e ainda mais com a crise, que as taxas de utilização dos fundos comunitários são ainda mais baixas. Até 31/12/2011, no Programa Regional do Norte, apenas foi utilizado 47,5% dos fundos comunitários que podiam ter sido investidos no período 2007-2011, tendo ficado por utilizar 996,6 milhões €; no Programa Regional do Centro apenas foi utilizado 49,6% do que podia ter sido investido, ficando por utilizar 600,6 milhões €; no Programa Regional do Alentejo foi utilizado, até 31/12/2011, apenas 31,6% do que podia ter sido investido no período 2007-2011, ficando por utilizar 416 milhões €; no Programa Regional de Lisboa a taxa de utilização, até 31.12.2011, é apenas 48,5% e, no Programa Regional do Algarve, é somente de 24,5%, tendo ficado por utilizar 117,9 milhões € dos fundos comunitários disponibilizados para o período 2007-2011. Na Região Autónoma do Açores a taxa de utilização, no período 2007-2011, foi de 70,3% (mesmo assim, ficou por utilizar 240,5 milhões €), e na RA da Madeira a taxa de utilização, no período 2007-2011, 46,9%, ficando por utilizar 209,8 milhões €.

É verdade que os fundos comunitários não utilizados poderão ser investidos em anos posteriores, mas também é verdade que a sua não utilização quando já o podiam ser contribuiu para o agravamento da crise (foi capacidade produtiva e emprego que não foi criado), por um lado, e, por outro lado, com atrasos tão grandes perde-se elevado poder de compra (por ex., só no período 2011-2012 os preços deverão subir cerca de 7%), o que determina uma redução significativa, em termos reais, dos fundos comunitários ( um aumento de preços de 7% , determina, relativamente ao volume de 6.120,7 milhões € de fundos não utilizados, uma perda, em termos reais, correspondente a 400 milhões €).

A FALTA DE FINANCIAMENTO NACIONAL ESTÁ A IMPEDIR A UTILIZAÇÃO DOS FUNDOS COMUNITÁRIOS E O GOVERNO NÃO RESOLVE ESTE PROBLEMA E PROVOCA MAIS ATRASOS

A não utilização atempada dos fundos comunitários resulta principalmente da conjugação dos seguintes factores: (1) Dificuldades que as empresas e outros beneficiários, incluindo o Estado, tem enfrentado para obter crédito para financiar a componente nacional dos investimentos apoiados pelo QREN; (2) A recessão económica que tem levado muitas empresas a paralisar os investimentos; (3) Dificuldades burocráticas criadas pelo governo.

Segundo os regulamentos comunitários, apenas entre 50% ou menos e 85% do investimento apoiado pela U.E. é financiado por fundos comunitários, o restante terá de ser financiado pelo próprio país e, na maior parte dos casos, pelo beneficiário final (o Programa Operacional Potencial Humano é uma excepção, já que a parte nacional é financiada pela Segurança Social ou por outra entidade pública e, é por isso, que a taxa de execução do POPH, em 31/12/2011, era de 72%). E o que tem acontecido é que as empresas não têm conseguido obter financiamento interno para cobrir a parcela do investimento que é da sua responsabilidade nem têm fundos próprios para o fazer. Com a crise, associada às restrições ao crédito que a banca está a impor, é previsível que as dificuldades aumentem ainda mais. Para ultrapassar este obstáculo seria necessário que o governo tomasse medidas nesse sentido, o que não tem acontecido, obrigando, por ex., a CGD e os bancos privados, que obtivessem apoio do Estado, a conceder o crédito necessário a essas empresas para que elas pudessem executar os projectos de investimento com financiamento comunitário. E isto é ainda mais necessário se se tiver presente que as empresas, com o agravamento da recessão económica, enfrentam cada vez maiores dificuldades em vender o que produzem, seja para o estrangeiro, seja para o mercado interno. A juntar a tudo isto há ainda os obstáculos e atrasos provocados pelo próprio governo. É isso o que está a suceder neste momento com o governo PSD/CDS. Projectos que tinham sido aprovados, e que deviam arrancar logo no início de 2012, foram suspensos pelos novos gestores nomeados por este governo, com a justificação de que os critérios de aprovação teriam de ser revistos. Segundo comunicado do CM de 1/3/2011, o governo PSD/CDS decidiu paralisar tudo e fazer uma reavaliação de todos os programas, o que vai provocar mais atrasos e não resolver nada enquanto o problema mais grave não for resolvido, que é a incapacidade da maioria das empresas em financiar a parcela do investimento que é da sua responsabilidade. E este problema o governo teima em ignorar.

01/Março/2012
[*] Economista, edr2@netcabo.pt

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
03/Mar/12