O mito da redução da TSU
para acabar com o trabalho precário e o novo contrato do PS (?)
para facilitar o despedimento individual
No chamado relatório
"Uma Década para Portugal"
feito a pedido de António Costa existem medidas que merecem uma
reflexão e um debate objetivo e sereno até para ficar claro para
os portugueses as suas consequências no caso de serem implementadas.
Como já referimos, a redução das
contribuições patronais para a Segurança Social
(TSU)
, ou seja, dos "custos do trabalho", é uma das medidas que
tem sido objeto de maior debate no espaço público, e tem sido
defendida por economistas neoliberais como forma de promover a competitividade
e o investimento, e de criar emprego.
João Galamba, um dos doze economistas que elaborou o relatório,
que se assume como não neoliberal, num artigo publicado no
Diário Económico
de 11/5/2015 procurou responder a um artigo nosso onde provamos, utilizando
dados do INE sobre a estrutura de custos das empresas não financeiras,
que a descida da
TSU
não teria quaisquer efeitos quer na competitividade, quer na
promoção do investimento. E fê-lo da seguinte forma: as
justificações aumento da competitividade e
promoção do investimento são as dadas pelo PSD e do
CDS para descer as contribuições patronais, e estava de acordo
com a crítica que fizemos, mas a razão dos "
12 economista
s" para defender a redução da
TSU
era outra. E essa outra razão era a de que a descida iria transformar o
trabalho precário em trabalho permanente, já que as empresas
teriam interesse nisso pois assim pagariam uma
TSU
mais baixa. Num debate em que participamos conjuntamente com João
Galamba, organizado pela revista
CRITICA económica e social
em 14 de Maio, ele repetiu o mesmo argumento:
a redução da TSU dos trabalhadores visava aumentar o seu
rendimento disponível; a redução da TSU dos patrões
visava acabar com o trabalho precário
. Interessa, por isso, analisar estas medidas com objetividade.
A BAIXA DA TSU CAUSARIA PROBLEMAS FINANCEIROS GRAVES À SEGURANÇA
SOCIAL
Antes de tudo interessa mostrar mais uma vez que a redução da
TSU
poderá causar um desequilíbrio financeiro importante na
Segurança Social. Segundo o Relatório e Contas de 2012 da
Segurança Social, as despesas com as pensões de velhice,
invalidez e sobrevivência do Regime geral ou contributivo da
Segurança Social, que abrange os trabalhadores do setor privado e
já cerca de 150.000 da Função Pública
(os que entraram para as Administrações Públicas a partir
de 1/1/2006)
representavam, em 2012, já 94,4% de todas as receitas de
contribuições do Regime Geral da Segurança Social. E para
além das pensões, o Regime Geral ainda tem de suportar as
despesas com o subsidio de desemprego, o subsidio de doença, etc. Como
consequência da crise e da politica imposta ao país pela
"troika"
e pelo governo PSD/CDS que provocou a destruição de
471.700 empregos, que fez disparar o desemprego atingindo valores muitos
elevados, verificou-se uma quebra acentuado no crescimento das receitas de
contribuições. Tal facto associado ao aumento das despesas com o
subsídio de desemprego (2.300 milhões em 2014) teve
reflexos profundamente negativos no equilíbrio e sustentabilidade
financeira do Regime Geral o que obrigou a transferências
extraordinárias elevadas do Orçamento do Estado: de 856,6
milhões em 2012; de 969,7 milhões em 2013; de 1.329
milhões em 2014. E, para 2015, de 894,2 milhões .
É evidente que neste contexto já muito difícil para o
Regime contributivo da Segurança Social, querer reduzir a
TSU
, o que causaria logo em 2016 uma quebra imediata da receita de
contribuições de 420 milhões atingindo, no 3º
ano, 1.800 milhões , segundo as próprias estimativas dos
"12 economistas", causaria certamente um enorme desequilíbrio
no Regime Geral, pondo em perigo o pagamento não só das
pensões aos atuais pensionistas mas também as dos futuros
reformados, e de outras prestações. E mais quando se pretende
substituir receitas certas, por receitas incertas de valor imprevisível.
Tudo isto devia merecer uma séria reflexão por parte dos
defensores da medida
.
UMA MEDIDA QUE JÁ CONSTA DO CÓDIGO CONTRIBUTIVO DA
SEGURANÇA SOCIAL E PARA AUMENTAR O RENDIMENTO DISPONÍVEL SERIA
MELHOR ELIMINAR A SOBRETAXA DE IRS
O que surpreende na proposta de baixar a
TSU
para acabar com o trabalho precário é que parece que os "12
economistas" desconhecem que tal medida já existe no atual
Código contributivo da Segurança Social. É uma medida
defendida no passado por Vieira da Silva, que foi introduzida no Código
contributivo, mas que nunca teve grande acolhimento mesmo por parte dos
patrões, e por isso nunca foi aplicada já que teve sempre a
oposição dos representantes dos trabalhadores e dos
patrões na concertação social. E isto porque todos a
consideraram inadequada e desaconselhável.
Assim, segundo o artº 55º do Código dos regimes contributivos
da Segurança Social:
"(1) A parcela da taxa contributiva a cargo da entidade empregadora
é
reduzida em um ponto percentual nos contratos de trabalho por tempo
indeterminado; (2) A parcela da taxa contributiva a cargo da entidade
empregadora é acrescida em três pontos percentuais nos contratos
de trabalho a termo resolutivo" (a prazo).
Portanto, o que consta já do Código contributivo, e que nunca foi
aplicado,
não é muito diferente das propostas apresentadas pelo grupo dos
"12 economistas"
já que estas, para além da redução das
contribuições das empresas para a Segurança Social, inclui
uma outra que é de
"associar de forma direta taxas superiores para empresas com um maior
rácio de utilização do seguro
(subsidio)
de desemprego numa média de três anos"
(pág. 33). Pensar que medidas desta natureza levariam à
redução do trabalho precário, incluindo os trabalhadores
com "recibo verde" é, a nosso ver, um exercício de
auto-ilusão ou a intenção iludir. O resultado da
redução das contribuições patronais para a
Segurança Social só poderia ser a perda de receita para esta de
210 milhões já em 2016 e, a partir do 3º ano de 900
milhões por ano, segundo as estimativas dos
"12 economistas",
o que aumentaria os lucros das empresas à custa da
descapitalização da Segurança Social.
Em relação à redução da
TSU
para aumentar o rendimento disponível dos trabalhadores para assim
aumentar o consumo interno e promover a recuperação da economia,
uma medida alternativa com os mesmos efeitos económicos que não
destruiria a Segurança Social seria a eliminação da
sobretaxa de IRS. Os "12 economistas" propõem a
redução em 2016 da sobretaxa de 3,5% para 1,75% o que
determinaria, segundo as suas próprias estimativas, um aumento do
rendimento dos portugueses, nomeadamente dos trabalhadores e pensionistas, de
312 milhões em 2016. Portanto, eliminar totalmente a taxa de 3,5%
determinaria um aumento do rendimento disponíveis dos portugueses em 614
milhões , o que acarretaria uma perda de receita para o Estado e
para a Segurança Social inferior em 108 M ao que causaria a
redução da
TSU
para patrões e trabalhadores só em 2016. E o efeito no consumo
seria maior pois iria aumentar o rendimento disponível das pessoas e
não os lucros das empresas. À semelhança do que sucede em
relação à Contribuição Extraordinária
de Solidariedade que só se aplica às pensões superiores a
4.611 por mês, a sobretaxa de 3,5% ou 1,75% poderia continuar a ser
aplicada aos rendimentos elevados.
DO ;
"CONTRATO DE TRABALHO ÚNICO"
DE MÁRIO CENTENO, AO
"CONTRATO PARA A EQUIDADE LABORAL"
DO GRUPO DE 12 ECONOMISTAS
Mário Centeno, o coordenador dos
"12 economistas"
num artigo publicado em 2012 no Boletim Económico do Banco de Portugal
com o titulo
"Segmentação"
escreveu que
"os trabalhadores com um contrato permanente estão protegidos
através de critérios de despedimento rígidos e por
elevadas indemnizações"
, e que
"
o erro mais grave foi deixar inalterada a regulamentação dos
contratos permanentes
criando assim um diferencial de proteção entre os dois tipos de
contratos
(permanentes e a prazo)"
(pág. 10). E acrescentava ainda que
"a regulamentação do mercado de trabalho deve ser concebida
de
forma a facilitar o ajustamento do emprego às condições
económicas das empresas",
constituindo
"as diferenças processuais de despedimentos entre contratos a prazo
e
contratos permanentes a maior barreira a afetação eficiente da
mão-de-obra. Para reduzir a segmentação do mercado de
trabalho é necessário uma redução significativa
destes custos"
(pág. 23). Daí a defesa de um
"contrato único",
que se aplicaria a todas as contratações de trabalhadores
no futuro, com direitos reduzidos e que permitisse às entidades
patronais fazer despedimentos individuais alegando razões
económicas.
Esta ideia de "contrato único" é recuperada nos seus
objetivos no relatório dos
"12 economistas",
agora com outro nome para o tornar mais aceitável pela opinião
pública, designando-se por
"contrato para a equidade laboral".
E este contrato é definido da seguinte forma:
"Propõe-se ainda complementar a atual legislação de
cessação de contratos trabalho (portanto, de despedimentos) com
um novo regime conciliatório e voluntário em que as empresas
podem iniciar um procedimento conciliatório, em condições
equiparadas às do despedimento coletivo, englobando ainda os motivos de
razão económica (de mercado, estruturais e tecnológicas)
que tenham posto em causa a sobrevivência do emprego"
(pág. 31). Por palavras mais simples e claras, o que se pretende
é alterar as leis do trabalho para facilitar os despedimentos
individuais com base em razões económicas, uma antiga
reivindicação dos patrões. E para o tornar pretensamente
mais atrativo para os trabalhadores, diz-se que
"as indemnizações por despedimento são mais elevadas
que as atuais: 18 dias por cada ano de antiguidade nos primeiros 3 anos e 15
dias por cada ano adicional, com um mínimo de 30 dias e um máximo
de 15 meses"
(pág. 31). No entanto, tal limite nas indemnizações
só favorece os patrões pois em casos de despedimentos individuais
ou por mútuo acordo por razões económicas os trabalhadores
têm obtido sempre indemnizações muito mais elevadas.
João Galamba confrontado por nós com a contradição
existente no relatório de, por um lado, ter medidas que visavam, segundo
os seus autores, reduzir ou mesmo acabar com o trabalho precário e, por
outro lado, defender alterações no regime de
cessação da relação de trabalho que tornaria mais
fácil o despedimento individual e, consequentemente, mais
precária a relação do trabalho, respondeu que o
trabalhador tinha sempre a possibilidade de recorrer aos tribunais. No entanto,
na sua resposta esqueceu-se de que se o trabalhador aceitar o despedimento e
receber a indemnização fica impossibilitado de o fazer. É
evidente que se este designado
"contrato para a equidade laboral"
fosse implementado, e ainda por cima num período de grave crise
económica e social como é o atual, só poderia determinar,
por um lado, o despedimento em massa dos trabalhadores mais antigos e, por
outro lado, a contratação de trabalhadores mais novos, com
vínculo precário, recebendo baixos salários. Seria mais um
"bónus", a juntar à redução da
TSU,
dado aos patrões.
A FOLHA DE EXCEL DE VITOR GASPAR E OS MODELOS ECONÓMICOS DO GOVERNO E
DOS "12 ECONOMISTAS" DO PS
Após a apresentação do relatório
"Uma Década para Portugal"
tem-se falado muito de modelos económicos como se o utilizado
pelos "12 economistas" fosse diferente dos utilizados pelo governo no
chamado "Programa de Estabilidade 2015-2019", ou do modelo utilizado
pela
"troika"
e por Vitor Gaspar (a
"famosa folha de Excel").
Todos eles falharam completamente na previsão das
consequências da politica de austeridade recessiva imposta ao país
pela "troika" e pelo PSD/CDS. Confrontado com esta questão
João Galamba respondeu que os "12 economistas" apresentaram as
medidas e que o governo não tinha apresentado. A
"troika"
apresentou as medidas desagregadas, quantificadas e datadas e os resultados
foram dramáticos para os portugueses e para o país.
Um modelo é uma representação simplificada da realidade e
baseia-se em relações (correlações) que se
estabelecem entre as varáveis utilizadas no modelo. Por ex., crescimento
do PIB e crescimento do emprego; crescimento do investimento e crescimento do
PIB, aumento das exportações e crescimento do PIB, etc. Os
pressupostos e as relações entre as variáveis são
definidas e introduzidas por quem elabora ou utiliza o modelo, por isso a sua
aderência à realidade, que é muita complexa e não se
compadece com tal simplificação, é sempre muito reduzida.
Para que o leitor se possa aperceber da dificuldade em traduzir em modelos
económicos uma realidade que é muito complexa basta recordar que
a variação homóloga do PIB em Portugal foi de +0,9% no
2º Trim.2014; de +1,2% no 3º Trim.2014; de +0,6% no 4º
Trim.2014, e de +1,4% no 1º Trim.2015 e que, apesar disso, tem-se
verificado uma destruição de emprego
(neste período foram destruídos 37.500 empregos)
e um aumento da taxa de desemprego
(entre o 3ºTrim.2014 e o 1ºTrim.2015 subiu de 13,1% para 13,7%).
Num trabalho realizado por João Andrade da Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra sobre a aplicação da
Lei de Okun
a Portugal concluiu
"que a taxa de crescimento do PIB (anualizada) que não cria
desemprego é 2,7% embora também concluísse a
existência de comportamentos assimétricos na lei"
Apesar desta conclusão, se analisarmos os cenários
macroeconómicos quer do governo quer do grupo de
"12 de economistas"
do PS (ver nosso estudo de 29/4/2015) concluímos que o governo
com uma taxa de crescimento económico médio anual de 2,2% no
período 2015-2019 prevê que a taxa de desemprego passe de 13,9%
para 11,1 % (menos 109.000 desempregados) e os
"12 economistas"
com um taxa média de crescimento anual de apenas 2,4%
(+0,2%/ano), prevêem que a taxa de desemprego passe de 13,6% pata 7,4%, o
que significa menos 302.000 desempregados. Quem poderá acreditar nestas
previsões? Deixo-as aos leitores para reflexão.
16/Maio/2015
[*]
edr2@netcabo.pt
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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