O mito de que é a Alemanha que financia a União Europeia
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No estudo anterior provamos, utilizando dados da própria Comissão Europeia, como a Alemanha beneficiou com a criação da União Europeia e, nomeadamente, da zona euro. Para isso, mostramos como de uma situação deficitária, em que a Alemanha se encontrava antes da Zona Euro, em que tinha de transferir uma parte da sua riqueza para outros países, ficando com menos do que aquela que produzia, passou para uma situação altamente vantajosa, em que se apropria de uma parcela importante da riqueza criada em outros países, nomeadamente nos da União Europeia, acabando por ficar com uma riqueza muito superior à que produz, o que contribui para o seu nível de desenvolvimento e bem-estar. Neste estudo, como tínhamos prometido, vamos analisar os mecanismos utilizados pela Alemanha para alcançar essa situação vantajosa. Para compreender isso, é preciso ter presente que a Alemanha, contribuindo apenas com 27,14% para o " Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira " , que é responsável pelo apoio aos países da U.E. em dificuldades; e com apenas 17,99% do capital do BCE, e somente com 13% do capital do FMI, no entanto, devido à submissão/vassalagem dos governos e dos " opinion-makers" que dominam os media dos países da União Europeia está a conseguir alcançar, utilizando os mecanismos financeiros subtis, aquilo que não conseguiu com as armas e guerras mas que sempre ambicionou, que é o de impor a sua vontade e domínio a toda Europa, tirando disso elevadas vantagens. A sra. Merkel, à semelhança de Ricardo Salgado, quer ser a "dona de tudo isto" , que é a União Europeia. Assim, a nível do " Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira ", e tomando como exemplo o caso português, a Alemanha obtém nos mercados financeiros dinheiro a uma taxa de juro que ronda os 1% e depois empresta a Portugal, através do MEEF, a uma taxa superior a 2,5%, ou seja, a 2,5 vezes mais, embolsando desta forma anualmente muitos milhões de lucro à custa de enormes sacrifícios impostos aos portugueses. Por outro lado, e como consequência de relações comerciais desiguais, a Alemanha acumulou deste que entrou para a Zona do Euro (2002-2015), segundo dados da própria Comissão Europeia, um gigantesco saldo positivo (excedente) na sua Balança de Transações correntes no montante de 2.030.800 milhões , enquanto a Grécia acumulou um saldo negativo de 279.300 milhões , e Portugal também acumulou um saldo negativo de 162.100 milhões . Se limitarmos a nossa analise apenas às relações comerciais dentro (intra) da U.E., entre os diferentes países que a constituem, conclui-se, com base também em dados da própria Comissão Europeia, que a Alemanha acumulou após a entrada no euro (2002/2015), um gigantesco saldo positivo (excedente) na sua Balança Comercial de 1.293.600 milhões , enquanto a Grécia, no mesmo período, acumulou um saldo negativo de 300.200 milhões , e Portugal também teve um elevado saldo negativo de 230.900 milhões . Portanto, verifica-se no seio da União Europeia profundas desigualdades, que se têm agravado com os anos, mas que a Comissão Europeia ignora, já que para a Alemanha é uma situação que lhe dá grandes benefícios. E o chamado "plano Juncker " é mais um instrumento no agravamento das desigualdades no seio da U.E. pois o país que será mais beneficiado com ele será precisamente a Alemanha. Se analisarmos apenas as relações comerciais entre Portugal e a Alemanha conclui-se que elas foram altamente desiguais e vantajosas para a Alemanha e desvantajosas para Portugal, já que Alemanha, no período 1995/2014, obteve um excedente (saldo positivo) de 40.764 milhões , e Portugal um saldo negativo de igual montante. Uma parcela do emprego e riqueza alemão foi obtido à custa da despesa dos portugueses que se endividaram para isso, e agora acusam de serem consumistas. Afirmar como fez o ministro alemão que " "promessas à custas dos outros não são realistas" leva-nos a dizer que a "riqueza dos alemães obtida à custa do agravamento das desigualdades, da miséria e dos desequilíbrios no seio da U.E., atingindo nomeadamente os países mais frágeis, não é só irrealista como é imoral". |
Criou-se a nível europeu o mito, propagandeado quer pelos burocratas de
Bruxelas quer pelos defensores da Alemanha nos media e nos governos da UE que
é a Alemanha que financia a União Europeia e, segundo eles, "
quem paga manda
". Confrontemos essa mentira que, de tão repetida, passa como
verdadeira junto de opinião pública, com a verdade objetiva dos
números oficiais. Comecemos pelo chamado "
Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira
" (MEEF) agora responsável pelo apoio europeu aos países da
UE em dificuldade. A quota (contribuição) da Alemanha neste
mecanismo é apenas de 27,14%. A quota da França, Itália e
Espanha juntas somam 59,19%, ou seja, mais do dobro da Alemanha. No BCE; a
quota da Alemanha é apenas 17,99%, e no FMI é de 13%. Apesar de
ter uma quota minoritária nestas instituições, a Alemanha
tem na União Europeia um poder totalmente desproporcionado à sua
contribuição. No passado, a Alemanha tentou por duas vezes,
utilizando a força das armas, submeter os países da Europa.
Agora, utilizando mecanismos mais subtis, que são os financeiros,
procura alcançar aquilo que antes não conseguiu com as armas. E
faz isso, utilizando mecanismos que fazem lembrar o do BES/GES: com uma pequena
percentagem de capital (contribuição) domina os outros
países, cuja contribuição é várias vezes
superior. E isto apesar de existir no próprio Tratado de Funcionamento
da UE (artº 20º e 328º e segts.) um instrumento que os outros
Estados podiam utilizar para fazer frente a esta pretensão
hegemónica da Alemanha, que é a "
cooperação reforçada
". Só a fraqueza e o espírito de vassalagem perante a
Alemanha dos outros governos impede isso.
A Alemanha aproveita-se desse domínio consentido pelos outros
países, que se colocam numa posição submissa, para os
espoliar. Um ex., é o caso de Portugal. A UE emprestou a Portugal,
através do MEEF/FEEP, 48.700 milhões . A Alemanha
contribuiu com um valor igual à sua quota (27,14%), ou seja, só
com13.217milhões . Fruto da situação vantajosa
alcançada pela Alemanha após a criação da Zona
Euro, a Alemanha financiou-se nos chamados "mercados" a uma taxa que
ronda 1%. E depois emprestou a Portugal, através do MEEF, a uma taxa de
juro média ponderada de 2,54%, ou seja, 2,5 vezes mais. É um bom
negócio para a Alemanha com lucro de muitos milhões
à custa dos portugueses, já que o governo PSD/CDS para poder
pagar tais juros aumenta impostos e corta nas despesas, cujas
consequências são visíveis para todos no SNS, na
Segurança Social e na Educação. Em relação
ao empréstimo do FMI (25.600 milhões ), a
situação é ainda pior já que Portugal está a
pagar uma taxa de juro de 3,7%. No período 2011-2015, Portugal paga
só de juros relativamente à sua divida total (45% é
à UE e FMI), mais de 37.000 milhões . É um valor
impressionante, trágico para os portugueses, já que são
eles que o pagam à custa de muitos sacrifícios.
O SALDO DA BALANÇA DE TRANSAÇÕES CORRENTES DA ALEMANHA
TORNOU-SE ALTAMENTE POSITIVO APÓS A CRIAÇÃO DA ZONA EURO
A Balança de Transações Correntes de um país inclui
a sua Balança Comercial (importações e
exportações de bens e serviços) e a sua Balança de
Rendimentos. O quadro 1 mostra o saldo da Balança de
Transações correntes da Alemanha, de Portugal e da Grécia
após a criação da Zona Euro.
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Mil Milhões |
Mil Milhões |
Mil Milhões |
2001 | -7,2 | -13,7 | -13,9 |
2002 | 42,6 | -15,3 | -12,5 |
2003 | 33,2 | -19,3 | -10,8 |
2004 | 103,0 | -18,0 | -13,4 |
2005 | 109,1 | -19,4 | -16,2 |
2006 | 141,7 | -27,8 | -17,8 |
2007 | 176,5 | -36,7 | -17,6 |
2008 | 149,1 | -39,5 | -22,5 |
2009 | 148,1 | -31,3 | -17,7 |
2010 | 151,2 | -27,2 | -18,7 |
2011 | 166,7 | -21,9 | -9,9 |
2012 | 198,5 | -8,3 | -4,5 |
2013 | 194,1 | -4,9 | -0,4 |
2014 | 205,6 | -5,1 | -0,3 |
2015 (P) | 211,5 | -4,7 | 0,2 |
SOMA: 2002-2015 | 2.030,8 | -279,3 | -162,1 |
Antes da criação da Zona Euro em 2002, Alemanha, Grécia e
Portugal apresentavam saldos negativos na Balança de
Transações Correntes. Após a sua criação, a
Alemanha passou para uma situação altamente positiva e vantajosa,
enquanto Portugal e a Grécia se afundaram com saldos negativos cada vez
maiores que determinaram grandes desequilíbrios e elevado endividamento
externos, tendo sido interrompidos apenas com o início da
política de austeridade recessiva, que determinou uma
redução brutal no poder de compra da população e,
consequentemente, no consumo e também no investimento, o que determinou
uma quebra significativa nas importações. Mas as
condições estruturais que determinaram a evolução
verificada depois da entrada para o euro destruição da
agricultura, pescas e industrias, etc. não foram alteradas;
agravaram-se com a destruição do aparelho produtivo do
país o que determina que, qualquer indício de
recuperação, cause um aumento das importações. No
período 2002-2015 (q.1), a Alemanha acumulou um gigantesco saldo
positivo na sua Balança de Transações Corrente de
2.030.800 milhões , enquanto a Grécia teve um saldo
negativo de 279.300 mil milhões , e Portugal também um
saldo negativo de 162.100 milhões . É evidente que a
criação do euro foi altamente vantajosa para a Alemanha, que viu
as suas exportações e rendimentos "explodirem", mas
para a Grécia e Portugal foi ruinosa.
DESEQUILÍBRIOS PROVOCADOS PELA ALEMANHA NO SEIO DA UE
A situação vantajosa alcançada pela Alemanha criou
profundos desequilíbrios e desigualdades no seio da própria UE.
No lugar de um desenvolvimento equilibrado que fomentasse a coesão
económica e social prometida, assistiu-se a um desenvolvimento desigual
em que os países mais fortes se aproveitaram dos mais fracos para os
espoliar, o que agravou as desigualdades e o descontentamento, criando assim as
condições que levarão, se não forem rapidamente
invertidas, à implosão do chamado "projeto europeu".
Nos próprios regulamentos e tratados existem disposições
que visam combater os desequilíbrios macroeconómicos, como os que
resultam de elevados excedentes nuns países e de grandes défices
em outros fruto das relações comerciais. No entanto essas
disposições têm sido ignoradas pela Comissão
Europeia, porque não interessa à Alemanha, preocupando-se apenas
com os "défices excessivos", agravando a
situação dos países mais frágeis. Os dados do
quadro 2 mostram o que se tem verificado na UE.
É importante ter presente que, para um país exportar mais do que
importa, ou seja, para ter um saldo positivo na sua Balança Comercial,
é preciso que outro ou outros países importem mais do que
exportem, ou seja, que tenham saldos negativos nas suas Balanças
Comerciais. O saldo positivo de um país é obtido à custa
de saldos negativos de outros países, pois as relações
comerciais são uma soma de saldo nulo.
E o que revelam os dados da própria Comissão Europeia constantes
do quadro 2?
Entre 1996 e 2015, a Alemanha nas suas relações comerciais
dentro da União Europeia acumulou um gigantesco saldo positivo
(excedente) de 1.293.600 milhões , enquanto a Grécia
acumulou um saldo negativo de 300.200 milhões , e Portugal
acumulou também um saldo negativo de 230.900 milhões nas
suas relações comerciais dentro da União Europeia.
Portanto, a Alemanha foi altamente beneficiada com as relações
comerciais dentro da União Europeia, enquanto a Grécia e Portugal
foram altamente prejudicados, agravando ainda mais as desigualdades existentes
entre os diversos países. A riqueza alemã e o emprego
alemão foram conseguidos à custa do emprego grego e
português, que se endividaram para comprar produtos da Alemanha. Tudo
isto está provocar profundos desequilíbrios a nível
europeu e mundial e agravar a crise na Europa e no mundo, o que levou o
próprio FMI e Obama a aconselharem Merkel a mudar a sua política
económica, fomentando o consumo e o investimento interno e,
consequentemente as importações, o que ela tem recusado.
AS RELAÇÕES COMERCIAIS DE PORTUGAL COM A ALEMANHA FORAM ALTAMENTE
DESFAVORÁVEIS PARA PORTUGAL
As relações comerciais de Portugal com a Alemanha entre 1995-2014
foram altamente desfavoráveis para Portugal, como mostram os dados do
INE constantes do quadro 3.
Em 1995, o saldo das relações de Portugal com a Alemanha era
negativo mas apenas de 43 milhões . A partir desse ano cresceu
vertiginosamente atingindo, em 2008, 3.641 milhões , ou seja, 84,6
vezes mais. É precisamente este comércio desigual que contribui
para o elevado endividamento externo de muitos países da UE e, em
particular, de Portugal. Parafraseando o ministro de Finanças
alemão podemos dizer que o excedente alemão é não
só, sob o ponto de vista da sua sustentabilidade, irrealista como
imoral.