Uma reflexão teórica sobre as relações entre
natureza e capitalismo
por João Valente Aguiar
[*]
|
"A unidade da natureza e da história em Marx não significa
uma identidade entre termos, uma identidade absoluta.
A sua concepção não envolve nem uma
redução da sociedade à natureza nem da natureza à
sociedade...
Mas também podemos compreender como o evitar destas duas antíteses
unilaterais em Marx, deve-se precisamente à sua
consideração de unificação num todo. Este todo
é uma totalidade, mas acima de tudo, uma totalidade determinada;
é uma síntese de elementos distintos,
é uma unidade, mas a unidade de partes heterogéneas"
Lucio Colletti,
From Rosseau to Lenin: studies in ideology and society
|
Introdução
As questões ecológicas têm ganho uma amplitude
mediática nunca antes vista na contemporaneidade. Da Conferência
do Rio de 1992, ao polémico imbróglio em torno do Protocolo de
Quioto, muitos têm sido os eventos e acontecimentos que têm
catapultado a reflexão ecológica para um plano de destaque. Na
própria esfera política, não há governante ou
estadista que não tome o ambiente em consideração nos seus
discursos. Ao mesmo tempo, assiste-se a uma crescente produção
nas Ciências Sociais relativa a questões ambientais e
ecológicas.
Face a esta torrente de preocupações e discussões
poder-se-ia esperar, por um lado, uma muito maior
consciencialização dos problemas ambientais junto das
populações e, por outro lado, uma maior efectivação
de políticas e práticas tendentes a resolver os problemas
ambientais
[1]
mais prementes: a destruição de múltiplas florestas
tropicais, a extinção maciça de inúmeras
espécies animais e vegetais, a poluição atmosférica
que campeia por quase todas as grandes cidades do mundo, etc. De facto, nada
disso tem acontecido. Na verdade, a maior projecção
mediática, política e social da questão ecológica
não tem correspondido a propósitos reais de
superação dos problemas ambientais que afectam a humanidade.
Com efeito, como se tentará demonstrar neste ensaio, os problemas
ambientais não são fruto de forças externas ao Homem nem
uma inevitabilidade. Pelo contrário, a crise ecológica
está indissociavelmente ligada a uma forma de organização
social específica: o modo de produção capitalista. Assim,
o objectivo central deste trabalho consistirá, muito sucintamente, em
perspectivar a relação de
apropriação
e
mercadorização
da natureza pelo capitalismo como o eixo fundante da actual
destruição do meio ambiente. Este é, aliás, um
aspecto que tem sido omitido ou esquecido por grande parte dos investigadores
sociais que se debruçam sobre temáticas ecológicas. No
nosso modo de ver, parece-nos que estudar temas ecológicos sem levar em
linha de conta o "metabolismo" existente entre sociedade
(capitalista) e natureza, se afigura como profundamente redutor, parcial e
heuristicamente pobre.
A distinção material entre sociedade e natureza e sua unidade
dialéctica
Para se entender adequadamente a relação que se estabelece entre
natureza e sociedade é essencial abordar o nó que interliga essas
duas macro-esferas.
Nesse sentido, Karl Marx define como "a primeira premissa de toda a
história humana (...), a organização física dos
indivíduos e a relação que por isso existe com o resto da
natureza" (Marx e Engels, 1983, p.8). Por conseguinte, "o modo como
os homens produzem os seus meios de vida depende, em primeiro lugar, da
natureza dos próprios
meios de vida encontrados e a reproduzir
" (idem, p.9) [itálicos nossos]. Daqui releva a ideia que o ponto
de partida para a actividade humana organizada em sociedade se inicia, em
primeiro lugar, pelo contacto directo com os recursos provenientes da natureza.
Ou seja, a base da produção
[2]
humana onde o trabalho surge como a actividade estruturante de
organização das sociedades humanas repousa, num primeiro
momento, no meio natural tal como ele se apresenta aos seres humanos. Marx
é, nesta questão, muito explícito ao chamar a
atenção para o facto de o "trabalho apenas poder produzir
riqueza através do intercâmbio efectivo entre o Homem e a
Natureza; portanto, o trabalhador não pode criar nada sem a natureza.
Vemos assim que o trabalho não é a única fonte de riqueza
material, de valores de uso. Como William Petty afirmou, o trabalho é o
seu pai e a Terra a sua mãe" (Marx citado por Burkett, 1999, p.26).
A dedução que se pode retirar do parágrafo anterior
é a de que natureza e sociedade estão mutuamente interligados e
que esta última repousa na primeira. Todavia, concluir que a sociedade
corresponderia a uma extensão da natureza com tudo o que isto
comporta mesmo ao nível dos paradigmas teóricos nas
Ciências Sociais
[3]
seria uma distorção da relação que
realmente existe entre ambas. Como vem explicitado na epígrafe deste
trabalho, é fundamental interpretar a relação
sociedade/natureza como um todo coerente e articulado entre duas
instâncias com características e propriedades específicas.
Conforme defende Sérgio Lessa, "o facto de a natureza ser a base
indispensável da vida social pode falsamente sugerir que entre natureza
e sociedade existiriam apenas diferenças de grau, como se ambas
constituíssem uma mera continuidade, como se tudo fosse natureza".
Na verdade, "há uma constelação de complexos
(linguagem, trabalho, relações sociais, arte, religião,
etc) que consubstanciam a sociedade como um outro tipo de ser, que não
só é extremamente mais complexo que o ser natural (orgânico
e inorgânico) mas que não pode ser derivado da natureza"
(Lessa, 2005, p.3). Com efeito, sociedade e natureza interpenetram-se sem,
todavia, se esvaziarem uma na outra. Assim, importa perceber o duplo sentido
entre ambos. Daí que se possam enunciar princípios que balizam,
em traços gerais, o circuito metabólico sociedade/natureza:
"a) o princípio da dependência ecológica mostra que os
humanos estão dependentes da natureza para a sua sobrevivência
(
) e que as características da natureza com que se confrontam,
causam um impacto significativo no curso das suas vidas.
b) o princípio do impacto ecológico demonstra que as
acções humanas, acções sociais têm
importantes efeitos (planeados e não planeados) na natureza"
(Hughes, 2000, p.88).
Depreende-se, portanto, que a natureza é a base da sociedade, onde esta
assenta e se suporta. A natureza corresponde às condições
prévias e primárias para a produção de uma qualquer
forma societal (feudal, tributária, capitalista ou outra).
Se a interpenetração entre sociedade e natureza é uma
realidade, por outro lado, torna-se essencial descer de um nível
tão elevado de abstracção para um outro que comporte algum
grau de historicidade. Isto é, a existência de uma
relação sociedade/natureza é uma constante desde que o ser
humano se começou a diferenciar dos restantes animais através da
produção dos seus meios de produção e de
subsistência. Contudo, a
forma
como os seres humanos interagiram (e interagem) com o meio natural não
foi idêntica para todas as épocas e lugares. Aliás, de um
ponto de vista dialéctico, é a
forma
histórica de relação da sociedade com o meio natural
ou seja, o tipo de extracção e apropriação
do excedente económico que é próprio de um determinado
modo de produção que vai determinar o
conteúdo,
por um lado, da configuração estrutural de uma sociedade e, por
outro, do modo de "domínio" da natureza às necessidades
humanas produzidas socialmente.
Portanto, consideramos a sociedade como a "oleira" da natureza,
moldando-a e trabalhando-a de acordo com os desígnios de classe que a
travejam. Em poucas palavras, se a sociedade tem a natureza como substrato
matricial, esta tende a ser crescentemente configurada e subordinada pelos
princípios estruturais do capitalismo e sua classe dominante.
O modo de produção capitalista: a centralidade do trabalho
abstracto e a dominância do valor de troca
Tal como se afirmou na secção anterior, a
transformação da natureza pela mão humana atravessa todas
as formas societais existentes. O perene intercâmbio sociedade/natureza
é levado a cabo pela actividade-trabalho, expressa no conceito marxiano
de trabalho concreto: "como formador de valores de uso, como trabalho
útil, o trabalho é, assim, uma condição de
existência do homem, condição independente de todas as
formas de sociedade, uma eterna necessidade natural para mediar a troca
material entre o homem e a natureza e, portanto, a vida humana" (Marx,
1990, p.54). Todavia, não existe universal sem particular. Quer dizer, a
transformação da natureza não se desenvolve
indistintamente ao longo da história, mas depende directamente da
modalidade estrutural de organização da produção (e
apropriação) do excedente económico. Assim, no
capitalismo, com o desapossamento dos meios de produção e de
trabalho e com a condensação crescente dos saberes e destrezas
operárias na maquinaria, opera-se uma cisão entre duas grandes
classes:
[4]
a burguesia e a classe trabalhadora.
Esta situa-se no pólo subordinado das relações de
produção capitalistas, desempenhando práticas colectivas
de classe relativas à produção e circulação
de mercadorias dentro do circuito económico capitalista. Nesse sentido,
o proletariado para além de desapossado dos meios de
produção e do poder de coordenação e
direcção do processo produtivo, vive apenas da venda da sua
força de trabalho a sua capacidade, socialmente adquirida, para
desempenhar determinadas tarefas laborais a troco de um salário.
Ou seja, o trabalhador, num ambiente de trabalho específico
(laboratório, fábrica, exploração agrícola)
e num determinado período de tempo, transforma, através da sua
interacção com os instrumentos de trabalho, um qualquer tipo de
matéria numa mercadoria portadora de valor económico.
Porém, o valor incorporado na mercadoria a mais-valia, que tem um
valor sempre superior ao que o trabalhador recebe sob a forma de salário
é proveniente, não da maquinaria (mecânica, digital
ou outra) empregue no processo de produção, mas do trabalho
operário. Ao mesmo tempo, a mais-valia é apropriada pela
burguesia, sendo posteriormente "distribuída" pelas
várias fracções capitalistas, tendo sempre em conta a
composição orgânica dos capitais respectivos (financeiro,
comercial, industrial) e a capacidade extractiva do excedente económico
de cada uma dessas fracções de classe.
Portanto, o tipo de trabalho realizado no capitalismo expressa-se sob a forma
de "dispêndio de força de trabalho humana no sentido
fisiológico, e nesta qualidade de trabalho humano igual ou trabalho
humano em abstracto ele forma o valor das mercadorias" (Marx, 1990, p.58).
Ora, o trabalho abstracto aqui descrito, submete o trabalho concreto ou
seja, a produção de valores de uso, o intercâmbio com a
natureza aos intentos de ampliação da mais-valia gerada.
Isto significa que a forma como o homem transforma a natureza no capitalismo
é subsumida às necessidades da acumulação de
capital. Aliás, o trabalho abstracto não só subalterniza o
valor de uso em detrimento do valor de troca, como também permite que o
capitalismo progrida no sentido de criar uma dinâmica interna
própria: o movimento D-M-D'. Embora não funcionando de modo
estritamente independente do metabolismo com a natureza, ocorre uma relativa
autonomização da esfera social relativamente ao meio ambiente. Ou
seja, a sociedade capitalista constrói uma série de eixos
relacionais e processuais internos diferenciados e articulados entre si
tendentes a incrementar, enquadrar e rotinizar a
exploração do trabalho operário sem depender directamente
dos ritmos da natureza circundante. Basicamente, "o capitalismo é
muito menos dependente de ecossistemas particulares e outras
condições naturais localizadas (ex., depósitos minerais).
A acumulação de capital é menos constrangida por formas de
vida extra-humanas precisamente porque a separação social dos
produtores destas condições naturais permite um maior e mais
profundo desenvolvimento dos poderes produtivos combinados da natureza e do
trabalho. O capitalismo, mais do que qualquer outra sociedade de classes, tem
uma capacidade para destruir e degradar a natureza, ao mesmo tempo que se
reproduz e expande social e materialmente" (Burkett, 1999, p.68). A maior
capacidade de auto-reprodução das instituições e
estruturas sociais do capitalismo também encontrou ressonância ao
nível técnico-organizacional. A indústria, enquanto
princípio tecnológico do capitalismo na exacta medida em
que a mola motriz da actividade laboral passa dos desejos subjectivos do
trabalhador (como ocorria na manufactura) para a máquina permitiu
ajudar a ultrapassar muitas das limitações biológicas e
fisiológicas que o organismo humano colocava à produtividade do
trabalho.
Consequentemente, o capitalismo apresenta-se como uma organização
societal dotada de relações de produção com uma
lógica específica e que funcionam em paralelo ao meio natural, se
bem que, como já se constatou anteriormente, os vasos comunicantes com
este último não podem nunca ser esquecidos e desprezados. A
estrutura social capitalista funciona de forma paralela mas nunca absolutamente
independente.
O processo de incorporação da natureza na esfera da
acumulação capitalista: o tripé
expropriação apropriação
mercadorização
[5]
Com a Revolução Industrial de finais do século XVIII,
deu-se a consagração do capitalismo como modo de
produção fundamental e dominante da contemporaneidade.
Desde então, todo o tecido social passou a ser alvo de um
redimensionamento tendo em vista a prossecução do sistema de
extracção de mais-valia dum modo mais ou menos estável,
mais ou menos institucionalmente consolidado e enquadrado. Nesse sentido, por
exemplo, o Estado moderno, liberto da ganga feudal das ordens e estamentos, em
sintonia com a criação da figura jurídica do
cidadão indivíduo racional e portador de direitos
formalmente iguais aos demais concidadãos rasgaram novos sulcos
no envolvimento da máquina capitalista a toda a vida social, neste caso,
política. Paralelamente, uma grande parte das actividades humanas foram
e têm vindo a ser transformadas em práticas sociais capitalistas,
isto é, produtoras de valor.
Ora, a natureza não fugiu a este mecanismo de incorporação
por parte do capitalismo. Bem pelo contrário, o processo de
expropriaçãoapropriação
mercadorização
do meio natural foi uma grande vantagem para o modo de produção
capitalista, na medida em que "as forças naturais que não
custaram nada podem ser incorporadas efectivamente como agentes no processo de
produção. O seu grau de eficácia depende portanto dos
métodos e avanços científicos que não custaram nada
ao capitalista" (Marx, 1992, p.431-432). Aliás, a própria
lógica concorrencial capitalista interactua com a natureza de modo a
cumprir o desígnio da obtenção do lucro fácil e
imediato: "quando uma empresa se apropria dos recursos naturais
colectivos, que não são propriedade privada, imediatamente reduz
os custos de produção, concorrendo vantajosamente com aqueles que
pagaram pelas matérias-primas similares" (Foladori, 2001, p.114).
Consequentemente, a natureza, apesar de ser ponto de apoio e suporte das
sociedades humanas, é reduzida a um patamar de
subordinação no capitalismo.
De facto, essa posição e papel da esfera natural defronte do modo
de produção capitalista não é obra do acaso ou de
um acto único e original. Na realidade, há que ter em conta o
processo através do qual o capitalismo "engole" e fagocita a
natureza: o tripé
expropriação apropriação
mercadorização.
Em primeiro lugar, a
expropriação
é pilar essencial do sistema de produção burguês,
sem a qual é impossível criar as bases mínimas para a
exploração capitalista. "A primeira e a mais fundamental
base social para o capitalismo é a produção
histórica de trabalhadores "livres", a qual, simultânea
e contraditoriamente, assegura a concentração da propriedade das
condições de produção" (Fontes, 2005, p.168).
Isto significa que a expropriação tem uma dupla vertente ao
actuar: a) como motor do desapossamento dos meios de produção (e
seus saberes anexos) em prol da produção e
realização de valor; b) como factor de resgate da terra,
[6]
logo, da natureza, anteriormente pertencente aos camponeses. Daqui assoma a
ideia que a
expropriação
dos instrumentos de trabalho (dos artesãos) e da terra (dos camponeses)
no período pré-industrial constituiria uma singularidade
histórica e apenas presente numa fase de génese e ascensão
do capitalismo. Ora, do nosso ponto de vista, tal não faz sentido. A
expropriação,
vista como fenómeno de resgate da natureza e meios de
produção,
[7]
não se cingiu a um determinado período histórico mais ou
menos longo a acumulação primitiva.
Como afirma Virgínia Fontes, "a expropriação (...)
base das relações sociais capitalistas, incide portanto desde as
pré-condições para a realização de qualquer
produção sob o capitalismo até os elementos de
criatividade gerados no acto do trabalho e não se limita a um momento
primitivo (...)" (Fontes, 2005, p.172), mas antes deve ser entendida como
um
continuum
permanente. Ainda hoje, as "ondas sucessivas de
expropriação dos camponeses em proveito de formas concentradas de
exploração da terra (desflorestamento, plantações,
pecuária extensiva, etc.) para a exportação aos
países capitalistas centrais" contribuem decisivamente para a
ofensiva do capitalismo sobre o (imenso) campesinato da periferia do sistema
capitalista internacional e sobre a pilhagem dos recursos naturais. Daí
que não possamos dissociar a questão social (de classe) da
questão ecológica, já que se está perante "um
processo em que as destruições ambientais e ecológicas
cada vez mais irreversíveis estão acompanhadas por
agressões constantes desferidas contra as condições de
vida dos produtores e de suas famílias" (Chesnais, 2003, p.52).
Uma advertência. A
expropriação
não se resume nunca ao uso da violência
per si,
embora tenha sido esse o sinal mais visível da retirada forçada
da terra dos camponeses na Inglaterra pré-industrial. A violência
é apenas uma possível manifestação, um
método entre outros, que está ao serviço de algo bem mais
substantivo: a retirada de uma actividade ou fenómeno natural as
condições de produção mencionadas na primeira
secção do trabalho do seu estado de existência
anterior para o quadro do capitalismo.
A questão da delimitação das ZEE's a
colonização capitalista dos oceanos ou a crescente e
recente privatização dos serviços municipalizados das
águas são duas exemplificações de como a
expropriação
opera como base da transformação da natureza em mercadoria.
Todavia, a
expropriação
não é sinónimo de produção do meio ambiente
em valor de troca. É antes o primeiro de três momentos que
procedem à incorporação da natureza na esfera da
acumulação de capital. Assim, a
apropriação
surge como o movimento de constituição da propriedade privada.
Quer dizer, se a
expropriação
separa os trabalhadores (e outras classes não exploradoras de
força de trabalho alheia) das condições de
produção, a
apropriação
constitui a acção de transformar por via legal e por via
da constituição de novas práticas económicas,
produtivas ou não o que foi retirado da esfera
não-mercantil em propriedade de um capitalista ou grupo económico.
O carácter inerente da
apropriação
ao capitalismo é por demais evidente. É sabido o papel
fundamental da
expropriação
de agricultores (camponeses) ingleses do século XVI ao século
XVIII, seguido de um movimento de
apropriação
privada dos terrenos comunais em
enclosures
[8]
na transição do feudalismo para o capitalismo.
O elo final da cadeia de incorporação capitalista da natureza
é a
mercadorização.
Basicamente, corresponde ao processo final de articulação entre
a natureza e o processo de trabalho, em que este introduz o trabalho
assalariado como agente transformador da natureza numa matéria
qualitativa diferente, portadora de uma utilidade social e, sobretudo, de valor
de troca. Ou seja, transforma-se numa mercadoria. E isto tanto no que diz
respeito à passagem directa da natureza a uma mercadoria a
sardinha pescada, armazenada e conservada até chegar ao mercado
como no que concerne ao embutimento da natureza na produção de
outras mercadorias as frutas que serão adicionadas e
transformadas com outros ingredientes químicos na produção
de sumos, por exemplo.
Porém, o processo de
mercadorização
vai ainda mais longe. A própria valorização da
mercadoria-natureza na parte final (D') do ciclo de rotação do
capital é uma novidade histórica do capitalismo. Com a hegemonia
da burguesia financeira monopolista no sistema capitalista internacional, toda
e qualquer mercadoria é cotada em bolsa, transformando-se num
título. Desse modo, a natureza não vale pelo que pode
proporcionar ao desenvolvimento colectivo das capacidades e necessidades
humanas, mas pelo que é passível de rentabilizar nos mercados
financeiros. Segundo Chesnais, "as políticas neoliberais
enfatizaram a criação de mercados financeiros especializados cujo
objectivo é a imposição de direitos de propriedade sobre
elementos vitais como o ar, mas também a biosfera enquanto tal, que
devem deixar de ser "bens livres" e tornar-se "esferas de
valorização" fundadas pela instauração de
direitos de propriedade de um tipo novo (os "direitos de poluir") e
de mercados
ad hoc
" (Chesnais, 2003, p.57). Estamos em crer que este aprofundamento da
mercadorização
dos recursos naturais induz um efeito de desmaterialização da
natureza, no sentido em que cria a ilusão que esta é apenas um
recurso contábil e numérico que deambula pelos ecrãs dos
correctores de Wall Street. Este fenómeno, portanto, iguala o ar, a
água, os solos, a uma
junk bond,
a um fundo de pensão ou a uma taxa de câmbio. É o
fetichismo da mercadoria levado ao extremo, onde a raiz social e material da
incorporação da natureza no esquema de reprodução
alargada do capitalismo não só é esquecida, como a
lógica de intercâmbio Homem/natureza é posta de pernas para
o ar.
Rematando esta secção, é de todo pertinente apontar que o
tripé
expropriacedil;ão apropriação
mercadorização
não existe separadamente na realidade social. Só de um ponto de
vista de inteligibilidade expositiva se justifica a abordagem separada dos
três momentos. Na verdade, nenhum deles existe isoladamente. Isso pode
parecer bastante óbvio para a
mercadorização.
O postulado básico do capitalismo para converter uma qualquer
quantidade de matéria (bruta ou transformada por mediações
produtivas sucessivas) em capital-mercadoria, através do trabalho humano
aí condensado, obriga necessariamente à prévia
separação dos trabalhadores das condições de
produção a
expropriação
e a constituição da propriedade privada legalmente
instituída a
apropriação.
Contudo, a
expropriação
não existe sem
mercadorização,
pois esta é o alfa e ómega daquela. Quer dizer, a
expropriação
não ocorre por si mesma e para si mesma. Ao inverso, a
expropriação
é sempre levada a cabo porque existe um objectivo muito preciso a
alcançar: a produção de mais-valia.
Por conseguinte, o movimento
expropriacedil;ão apropriação
mercadorização
é recorrente no capitalismo e é a sua lógica nuclear de
transformação do espaço externo à mecânica
produtiva e, posteriormente, em valor de troca. "Todos os aspectos humanos
ou naturais que interfiram com a acumulação de capital são
considerados como barreiras a ultrapassar" (Foster, 2002, p.96). Nesse
domínio, para o modo de produção capitalista, tudo
é passível de ser mercadorizado. Mas será que a
dinâmica de desenvolvimento do capitalismo assente no (máximo)
lucro é eternamente compatível com os recursos naturais
disponíveis e seu ritmo próprio de reprodução
(química, biológica ou fóssil)?
Expressões contemporâneas da natureza mercadorizada
A identificação científica dos nexos que edificam o
complexo metabólico natureza/capitalismo implica um ponto de partida que
"no que respeita ao meio ambiente, o capitalismo considera-o não
como algo para ser fruído mas como um meio para a produção
de lucro e para uma cada vez maior acumulação de capital"
(Sweezy, 2004, p.92). Nesse domínio, na linha do que se tem argumentado
neste trabalho, Paul Sweezy chama a atenção para o posicionamento
de subalternização da natureza face ao modo de
produção capitalista. Acerca disto parece-nos oportuno
acrescentar que "o ambiente natural tal como todas as
condições necessárias de produção
é dotado de um certo carácter social na medida em que serve como
condição do trabalho combinado da comunidade. Este
carácter social é capitalista já que a natureza é
apropriada, redesenhada e espoliada pelo capital em linha com os imperativos da
acumulação monetária" (Burkett, 1999, p.178). Ou
seja, para além da percepção da conexão
capitalismo/natureza baseada na mercadorização desta
importa compreender como o circuito económico capitalista actua,
no concreto,
sobre o meio ambiente. Entretanto, o investigador social que se dedica ao
estudo das questões ambientais também deve ter em mente que
"ao reduzir a relação humana com a natureza puramente a
termos de posse individual, o capitalismo, a prazo, representa não tanto
um desenvolvimento frutífero das necessidades humanas e poderes no
domínio da natureza, mas cada vez mais a alienação da
natureza relativamente à sociedade em ordem a fomentar uma
relação unilateral com o mundo" (Foster, 2002, p.31). Por
outras palavras, a
natureza
do capitalismo é capitalizar a natureza. Capitalizar no sentido de a
adequar aos intentos da produção de lucro.
De facto, esta situação não se configura meramente num
plano discursivo, mas ocorre na realidade concreta. Aliás, aqui se pode
encontrar uma das diferenças mais significativas entre o materialismo
dialéctico enquanto método de investigação
e as restantes correntes teóricas do
mainstream
académico. Para o marxismo, o quadro teórico nunca se reduz a si
mesmo. Quer dizer, o arsenal conceptual nunca vale por si mesmo e deve procurar
adequar-se e derivar ao máximo da realidade empírica. O objectivo
da teoria marxista é, portanto, construir um corpo teórico o mas
aproximado possível do real, extraindo-lhe as suas propriedades
estruturais mais características e a riqueza das complexas
contradições que animam a profusão de dinâmicas que
determinam tendências propensas à mudança social. Por
conseguinte, no marxismo, a produção teórica não
é um momento da investigação redigido
a priori
ao qual a realidade terá de encaixar. Inversamente, a teoria deve partir
do real sem se confundir com este de modo a construir uma nova e
renovada caixa de ferramentas categoriais e operativas, isto é, para se
chegar a uma teoria o mais apurada possível no sentido da
interpretação
e
transformação
da sociedade.
Este breve parêntesis epistemológico tem toda a pertinência
face à necessidade que existe em interligar os problemas ambientais mais
concretos com a arquitectura geral do modo de produção
capitalista. Por exemplo, a configuração económica e
social das formações sociais do sistema capitalista internacional
concorre directamente para a degradação do meio ambiente. Nesse
domínio, "a dívida constitui um tributo perpétuo que
só podem continuar a servir pagando o preço da
destruição das populações e da pilhagem dos
recursos naturais. A transferência das actividades industriais dos grupos
multinacionais só diz respeito a uma minoria de países, aqueles
que combinam baixos custos salariais e uma mão-de-obra frequentemente
qualificada e, se possível, uma procura interna de dimensão
importante. Noutros países, a exploração dos recursos
naturais permanece como o maior objectivo do capital acompanhado, hoje em dia,
da apropriação dos processos do vivente pelos grupos financeiros
da química e da farmácia" (Chesnais, 2003, p.69). Por
conseguinte, o
imperialismo total
"o imperialismo total organiza a dominação externa a
partir de dentro e em todos os níveis da ordem social, desde o controlo
da natalidade, a comunicação social, o consumo de massas,
até a educação, a transplantação de
tecnologia ou de instituições sociais, a
modernização da infra e da superestrutura, os expedientes
financeiros, etc." (Fernandes, 1975, p.78) consubstanciado na
actual fase de desenvolvimento do capitalismo à escala mundial, conduz
ao enfraquecimento da capacidade política de soberania por parte das
nações, com evidentes consequências no seu meio ambiente.
Assim, não é de todo crível que não se
reconheçam os efeitos negativos do capitalismo sobre os povos da
periferia, no que ao nível ecológico mais diz respeito. Com
efeito, um dos problemas ambientais que mais tem afectado a periferia nas
últimas três décadas é a recepção de
lixos e refugos provenientes do centro, dos países capitalistas mais
avançados. Os próprios promotores e defensores e defensores das
políticas neoliberais neste campo são, sobre esta questão,
muito claros. Um economista do Banco Mundial, L. Summers, afirmava que "a
medida do custo necessário para enfrentar as consequências da
poluição sobre a saúde depende da amplitude da
redução dos custos induzidos por uma mortalidade e uma morbidade
aumentadas. Desse ponto de vista, a poluição danosa para a
saúde deveria estar nos países onde esses custos são os
menos elevados, que são os países com os custos salariais mais
baixos" (Summers, 1992), ou seja, os países da periferia da
economia-mundo capitalista. A própria OCDE perspectivava que a
"preservação dos recursos da biodiversidade estaria mais bem
assegurada se fosse privatizada, em vez de ser submetida a um regime de livre
acesso, no qual os utilizadores praticariam uma exploração de
curto prazo segundo o princípio "primeiro a chegar, primeiro a ser
servido"" (citado em Chesnais, 2003, p.71).
Contudo, a poluição e a destruição do ambiente
não se restringem ao imenso Terceiro Mundo. Um paralelismo interessante
de analisar é o fenómeno ocorrido dentre os países que
maciçamente receberam vultuosas deslocalizações
industriais e com isso um crescimento desmesurado da degradação
ambiental. Esse é o caso da Coreia da Sul o principal "Tigre
Asiático" dos anos 60 e 70 e da China. A feroz
industrialização destes países resultou em enormes
prejuízos ecológicos, pondo a nu o carácter
intrinsecamente destruidor do capitalismo. "Um estudo nos anos 80 concluiu
que 67 por cento das chuvas em Seul continham níveis elevados de
perigosos ácidos para os humanos (...)" e em 1989, "o governo
descobriu que a água nas estações de tratamento continha
metais pesados como cádmio, ferro, ou magnésio com mais do dobro
dos valores máximos aceitáveis. O uso de pesticidas cresceu 26
vezes entre 1967 e 1985, fazendo da agricultura sul-coreana uma das mais
sobrecarregadas de pesticidas por hectare do mundo. Os pesticidas, como se
sabe, são uma das fontes principais de poluição dos
lençóis de água subterrânea".
Destruição ecológica que inevitavelmente se estende
à saúde pública das populações: "a
Coreia do Sul tem uma das mais elevadas taxas de doenças profissionais
do mundo, a grande maioria delas derivadas de ambientes de trabalho insalubres,
e onde 2,66 pessoas por 11 indivíduos sofrem deste tipo de
doenças" (Foster, 2002, p.81-82). No que toca à China
[9]
, percebe-se que a introdução e desenvolvimento de
dinâmicas capitalistas na sua formação social induziu
fortes padrões de degradação ecológica. Ou seja,
"tem havido um aumento dramático pela procura de recursos naturais
de todos os géneros, incluindo água, terra e recursos
energéticos. Ao mesmo tempo, os níveis de poluição
da água e do ar dispararam. Mais de 75% das águas dos rios que
percorrem as zonas urbanas da China são impróprias para consumo
ou para pescar. Cerca de 60 milhões de pessoas têm dificuldade no
acesso a água potável, e quase três vezes esse
número bebem água contaminada. A desertificação,
que afecta um quarto da superfície da China, está a forçar
dezenas de milhares de pessoas a migrar todos os anos" (Elizabeth Economy
citada em Magdoff, 2004, p.6). No fundo, apresenta-se a tese de que a
super-concentração de indústria capitalista em
determinadas zonas do globo comporta fortes desfigurações do meio
ambiente e da saúde pública.
No centro do sistema capitalista internacional, é constantemente
veiculada a virtualidade do modelo neoliberal inspirado na proporcionalidade
directa entre aumento dos níveis de competitividade e correlativa
elevação dos padrões de desenvolvimento sustentável
(social e ambiental). O paradigma neoliberal considera igualmente que a
sociedade caminha no sentido da desmaterialização da
produção económica, coexistente com uma descolagem do
crescimento económico relativamente ao uso de energia e materiais
poluentes para o meio ambiente. Nesta visão, nada deve ser levado a cabo
para diminuir os efeitos da expansão económica sobre a natureza,
na medida em que se argumenta que a constante inovação
tecnológica capitalista e o mercado livre resolvem este problema por si
mesmos. Assim, "numa economia desmaterializada, o crescimento
económico tem sido "desconectado" [delinked] da
poluição, pois práticas ambientais não-agressoras
do ambiente são incorporadas no stock do capital" (Charles
Leadbeater citado por Foster, 2002, p.22). Na verdade, a
consideração das externalidades o ambiente como um
mero custo monetário pelo mercado não resolve em nada os graves
problemas ecológicos que ferem o planeta de morte. A euforia patenteada
na década de 90 de que a "Nova Economia"
[10]
constituiria um momento histórico do capitalismo liberto de
contradições, de desigualdades sociais e de desastres
ecológicos revelou-se uma noção falaciosa.
Quadro 1 -
Emissões de dióxido de carbono na década de 90
(1990=100, valor inicial de referência)
Anos
|
Japão
|
Estados Unidos
|
União Europeia
|
1990
|
100,0
|
100,0
|
100,0
|
1991
|
103,8
|
98,5
|
99,6
|
1992
|
105,3
|
101,6
|
96,8
|
1993
|
105,0
|
102,5
|
95,7
|
1994
|
111,5
|
103,7
|
94,9
|
1995
|
111,2
|
105,0
|
97,8
|
1996
|
112,0
|
109,3
|
99,4
|
1997
|
114,7
|
110,1
|
100,1
|
1998
|
111,4
|
110,2
|
101,7
|
1999
|
113,6
|
112,7
|
100,8
|
Fonte: US Department of Energy, Energy Information Administration,
International Energy Annual. In (Foster, 2002, p.17).
De facto, como se pode ver pela leitura do quadro 1, a oscilação
das emissões de gases de estufa é mais ou menos coincidente com
os ciclos económicos dos pólos da Tríade. Mesmo na
União Europeia, não deixa de ser interessante constatar que a
quebra na emissão de gases de estufa (neste caso, o CO2) no exacto
período de estagnação económica que atravessou no
início da década (1991-1993). Com efeito, o crescimento
económico mesmo no capitalismo avançado não se encontra,
afinal, vinculado a uma expansão de tecnologias não poluentes,
mas,
tendencialmente,
concorre para o agravamento da poluição ambiental.
Portanto, o capitalismo mesmo na sua forma económica e
tecnologicamente mais desenvolvida não produz nem selecciona as
tecnologias ou recursos energéticos com uma menor carga poluente.
Recorrendo ao petróleo como exemplificação, a sua
dominância quase hegemónica no panorama energético
não se deve a qualquer tipo de preocupação ambiental por
parte dos grandes grupos económicos, mas porque essas mesmas
multinacionais oligopolísticas são hegemónicas na
instância económica. Isto significa que são as
indústrias petrolífera e automóvel
[11]
que mais beneficiam com a persistência do uso deste recurso natural,
ocultando até o facto de se tratar de um recurso com uma
existência finita.
Por conseguinte, a utilização de recursos energéticos de
cariz alternativo e não-poluentes (energia solar, eólica,
marés, etc.) está longe de ser uma questão estritamente
técnica, na medida em que "no capitalismo, são os recursos
energéticos que geram lucros para o capital que são promovidos e
não os que comportam maiores benefícios para a humanidade e para
a Terra" (Foster, 2002, p.100).
A temática da tecnologia no modo de produção capitalista
acalenta uma vasta discussão, nunca ficando circunscrita à
temática dos recursos energéticos. Aliás, o capitalismo
demonstrou ter uma dupla face contraditória na relação que
o homem foi estabelecendo com a natureza. Ou seja, por um lado, é
inegável que o desenvolvimento da tecnologia no capitalismo teve um
alcance civilizacional espantoso no plano do domínio das forças
da natureza e mesmo do seu conhecimento. A explosão das Ciências
Naturais na modernidade tomando o lugar da filosofia e da
metafísica como o principal campo legítimo do saber
é fruto do desenvolvimento extraordinário das forças
produtivas no capitalismo. Porém, por outro lado, o desenvolvimento
científico e tecnológico no capitalismo está adstrito e
estruturalmente dependente da mecânica evolutiva do processo de
produção de valor. Quer dizer, com a dominância societal da
produção de mais-valia, a ciência é fomentada,
apoiada e estimulada quando permite elevar o volume de extracção
de valor proveniente do trabalho humano. Noutros termos, a ciência
é desenvolvida fundamentalmente nas áreas onde pode, de
múltiplas formas umas mais directas, outras mais indirectas
elevar a produtividade do trabalho e, consequentemente, a taxa de
exploração. Contudo, a ciência instrumento essencial
no conhecimento e na mediação sociedade/natureza é
separada dos produtores directos. Isto implica que a
autonomização (do controlo do exercício) da ciência
relativamente aos trabalhadores provoca a desvinculação do
trabalhador das funções de coordenação,
direcção e gestão do processo de trabalho e de
concepção dos bens a produzir.
Daí que "a sujeição da ciência ao capital tenha
um carácter anti-ecológico enraizado no tratamento do capital
à natureza como veículo para a produção de valores
vendáveis. Com a produção capitalista, a natureza
transforma-se num mero objecto, numa mera utilidade; deixa de ser reconhecida
como um poder em si mesmo; e a descoberta teórica das suas leis
autónomas aparecem então como uma prática para subjugar a
natureza ao capital, seja como objecto de consumo, seja como meio de
produção. Este processamento instrumental da natureza, conduzido
pelo quantitativamente ilimitado e qualitativamente homogéneo objectivo
da acumulação monetária, prossegue sem qualquer
preocupação pelas diversidades, interconexões e
capacidades que governam a reprodução dos humanos com a natureza
não-humana. Como resultado, as denominadas "vitórias humanas
sobre a natureza" conquistadas pelo capitalismo acabam por se tornar
ilusórias" (Burkett, 1999, p.161). No fundo, a ciência
nomeadamente as Ciências Naturais como um código social de
leitura do natural, encontra-se submetida à lógica capitalista. O
resultado acaba por ser a sua
tecnologização,
exactamente o oposto do princípio socialista da
cientifização da tecnologia.
Esta implicaria, em primeira instância, o controlo dos meios e das
condições de produção sob a alçada da classe
trabalhadora. Consequentemente, a ciência não seria mais dominada
por uma força exterior aos produtores o capital logo,
encontrar-se-ia livre dos constrangimentos da produção de valor
de troca. Ora, com o fim da cisão produção de
bens/conhecimento científico, novas modalidades tecnológicas
derivarão desta nova relação social de
produção. Assim, a tecnologia num modo de produção
que não assente mais na propriedade privada, será tendente a
corresponder a necessidades humanas desligadas do lucro e a um crescimento do
saber humano que permita um efectivo intercâmbio saudável,
equilibrado e não destruidor com a natureza. Por seu turno, a
tecnologização da ciência
corresponde, em traços gerais, à transformação da
ciência em saber utilitário para posterior aplicação
directa ou indirecta nas esferas da produção e
circulação de capital e não centrada no desenvolvimento
das potencialidades intelectuais de
todos
os seres humanos. Por exemplo, na agro-biotecnologia, o conhecimento tem sido
adquirido e aplicado no sentido de manter, quando não aprofundar, a
monocultura em vários países da periferia. As sementes
terminator
[12]
são um produto da ciência no capitalismo, pois apenas visam
aumentar o controlo das grandes corporações do
agrobusiness
sobre as terras dos camponeses do Terceiro Mundo e, simultaneamente,
reproduzir uma configuração económica mundial assente na
dependência económica e no subdesenvolvimento de amplas faixas
territoriais da periferia.
De facto, na análise de todas estas questões uma
interrogação se levanta: que limites se impõem a este modo
de intercâmbio com a natureza nas suas múltiplas vertentes acima
abordadas? A partir deste ponto ganha importância a necessidade de se
repensar a articulação entre o estado actual dos biossistemas
terrestres e as balizas possíveis para o desenvolvimento do capitalismo
enquanto forma de organização social.
Crise ecológica e crise estrutural do capitalismo
De que modo é que a crise estrutural do capitalismo
(sobreprodução e dificuldades de realização da
mais-valia produzida; crescimento acentuado da capacidade produtiva
inutilizada; queda das taxas de crescimento económico; hipertrofia
financeira) se relaciona com a actual crise ecológica? Ou seja,
até onde é que a crise ecológica delimita as
possibilidades materiais de desenvolvimento do capitalismo?
Partindo desta perspectiva, importa indagar a raiz da crise ecológica
que perpassa o nosso planeta. De facto, "as crises ecológicas
são geradas pelo desencontro temporal e espacial que existe entre a
diferenciação social e a expansão da
produção humana, e os limites quantitativos e as capacidades de
absorção presentes na natureza. Mesmo neste nível geral,
é claro que as relações sociais de produção,
através da moldagem das formas e planos de apropriação
humana da natureza, são um determinante primordial do grau e do
padrão de desequilíbrios humano-ecológicos" (Burkett,
1999, p.21-22). Desta perspectiva ressalta a existência de uma
descoincidência entre os ritmos de desenvolvimento da
valorização do capital, por um lado, e dos processos de
reprodução orgânica e inorgânica do mundo natural,
por outro. Ora, as fricções e hiatos daí resultantes,
derivam do facto de o metabolismo natural se processar numa escala
extraordinariamente extensa, claramente incompatível com o horizonte
curto e restrito que a busca do máximo lucro imprime às
sociedades contemporâneas e às relações que
estabelecem com a esfera natural. Geralmente, a natureza actua na
produção de determinados recursos ao longo de dezenas (como o
crescimento de árvores) ou milhares de anos (como a
transformação de matéria orgânica em carvão e
petróleo). O apetite voraz do capitalismo pela
mercadorização de todo o social e natural existentes conduz ao
desbaratar frenético do que a natureza "oferece" à
humanidade. Ao mesmo tempo, os resíduos também são
reabsorvidos pela natureza quando isso é possível
muito lentamente, isto é, a um ritmo muitíssimo inferior à
capacidade de exogénese da produção capitalista.
Desta forma, a ausência de um planeamento societal global
[13]
que regule a produção de bens de acordo com critérios de
efectivo controlo económico e político por parte de quem, de
facto, produz a riqueza social os trabalhadores e,
concomitantemente, tenha em conta e respeite a especificidade da
reprodução metabólica natural, é endémico ao
capitalismo. Daí que, recorrendo a uma terminologia muito em voga nas
instâncias política e mediática da burguesia, o
desenvolvimento (realmente) sustentável seja uma impossibilidade no modo
de produção capitalista.
As diferentes velocidades a que se desenrolam os processos metabólicos
social e natural, e seu entrecruzamento, apontam, dando uma breve
exemplificação, para a exponencial criação de lixo
nas sociedades capitalistas. Para além do "predomínio
crescente da produção de descartáveis" (Teixeira,
2000, p.88), a questão que se coloca é o que fazer com os
milhões de toneladas de resíduos, tomando em linha de conta a
forma como a natureza absorve o lixo. Pensa-se que "metade a três
quartos dos
inputs
físicos anuais das economias industriais retornam ao ambiente sob a
forma de lixo e desperdícios todos os anos" (Foster, 2002, p.23),
demonstrativo do "entulhamento" que a natureza tem sido alvo.
Se o capitalismo coloca em causa a reprodução do meio natural, em
última análise podendo levar à sua completa
aniquilação, que limites naturais se levantam ao prosseguimento
da lógica capitalista de mercadorização incessante da vida
social e natural?
"O capitalismo tem um efeito duplo nos limites naturais da
produção humana. Por um lado, através da
apropriação de valores de uso produzidos pelo trabalho e pela
natureza e da expansão da sua variedade e escopo da
produção material, o capitalismo enfraquece os constrangimentos
colocados à produção em condições naturais
particulares. Por outro lado, com desenvolvimento explorador das forças
produtivas, a sua tendência para se reproduzir numa escala constante e
crescente, o capitalismo é a primeira sociedade capaz de uma verdadeira
catástrofe ambiental planetária, tal que pode mesmo colocar em
risco os requisitos materiais para a sua existência" (Burkett, 1999,
p.68). Este é o ponto de vista de Paul Burkett que se baseia no
reconhecimento da degradação da natureza como um obstáculo
palpável à reprodução do modo de
produção capitalista. Em resumo, esta seria a
contradição magna para o desenvolvimento histórico do
capitalismo enquanto sistema social dominante e hegemónico.
Num sentido moderadamente divergente, encontramos François Chesnais, que
rejeita a ideia de que "pelo viés da destruição ou de
danos graves ao ambiente natural, o capitalismo poria em perigo, e até
destruiria, suas próprias condições de
reprodução e de funcionamento enquanto capitalismo". Para
este autor "é no âmago dos mecanismos de
criação e de apropriação da mais-valia que jazem as
contradições que fazem com que "a verdadeira barreira da
produção capitalista seja o próprio capital". Na
esfera do ambiente natural, o capital representa uma barreira, ou, mais
exactamente, uma ameaça premente para a humanidade e, no
imediato, para certas parcelas específicas dela mas não
para o capital em si" (Chesnais, 2003, p.42). O significado desta
asserção reflecte-se na constatação de que a crise
ecológica é sobretudo um efeito do capitalismo e que eventuais
retroactivos sobre a máquina de sucção de trabalho
operário não a emperraria, na medida em que esta parece depender
de si mesma para continuar a operar.
A nossa posição procura articular as perspectivas de ambos os
economistas. Assim, consideraremos, a partir de duas ordens de razões, a
natureza como um
limite externo
ao desenvolvimento do capitalismo. Em primeiro lugar, porque como aponta
Burkett "o capitalismo é a primeira sociedade capaz de uma
verdadeira catástrofe ambiental planetária, tal que pode mesmo
colocar em risco os requisitos materiais para a sua existência" (vd.
Supra
). Quer dizer, o capitalismo apesar de subalternizar a natureza, não se
desvincula completamente desta, logo, num caso absolutamente extremo, o
desaparecimento das condições naturais de produção
promoveriam o fim do capitalismo e a extinção da espécie
humana. Em segundo lugar, no sentido em que a natureza é a última
fronteira para o processo de
apropriacedil;ão apropriação
mercadorização.
Por outras palavras, a subjectividade humana, o genoma, a biotecnologia, as
nanotecnologias ou as neurociências surgem como elementos que só
recentemente foram alvo de uma completa mercadorização e,
simultaneamente, constituem-se como das últimas áreas
possíveis de exploração por parte do capitalismo. Quando o
ciclo de
apropriacedil;ão apropriação
mercadorização
destes elementos de base biológica, química e/ou física
tiver atingido toda a sua extensão, todos os seus limites, o modo de
produção capitalista, muito provavelmente, ficará com uma
margem de manobra muito reduzida para a reprodução alargada dos
mecanismos de produção de mais-valia.
Todavia, a natureza não é mais do que um
limite externo
para o capitalismo. Isso não é mais do que atender ao facto de
que a dinâmica D-M-D' o núcleo central da economia
capitalista pode, na melhor das hipóteses, ser afectado mas nunca
absolutamente alterado ou superado pela crise ecológica. Com efeito, as
relações de produção capitalistas têm
limites internos
e em última instância determinantes ao seu funcionamento: a
produção de mais-valia a partir da exploração de
força de trabalho desapossada dos meios e das condições de
produção, obriga a um crescimento constante da produtividade do
trabalho de modo a elevar o volume de valor apropriado por toda a classe
capitalista. Logo, e tendo em atenção a fortíssima
concorrência entre capitais do mesmo e de diferentes ramos
económicos, o incremento da massa total de capital constante investido
no processo de produção capitalista é uma necessidade de
modo a elevar a taxa de mais-valia. Numa primeira fase, este é um
poderoso balão de oxigénio para o sistema capitalista: eleva o
volume de mais-valia produzida e vai retirando os capitais tecnologicamente
menos competitivos do mercado. O obstáculo real e material surge a
partir de determinada altura, o volume de maquinaria aplicado e investido no
processo produtivo global torna-se muito superior à própria taxa
de (extracção de) mais-valia. Daqui resulta a tendência
para a queda da taxa de lucro, funcionando como o mais pujante
entrave material interno às relações de
produção capitalistas.
Daí que Marx tenha referido que "a verdadeira barreira da
produção capitalista é o próprio capital"
(Marx, 1991, p.358), ou seja, o vector estrutural que actua simultânea e
contraditoriamente como alavanca e entrave
[14]
ao desenvolvimento do capitalismo é a própria
produção capitalista, sendo este o eixo nuclear onde se decide a
evolução deste modo de produção do viver social.
Em resumo, não é a crise ecológica que dita a
orientação fundamental das relações de
produção capitalistas, apesar de ter um importante papel na
definição das balizas exteriores ao prosseguimento da
acumulação de capital.
Conclusão
O apagamento da questão da propriedade privada pela grande maioria dos
ambientalistas, para além de reflectir a natureza de classe das
organizações políticas ou movimentos em que actuam
classe média , demonstra o efeito da penetração da
ideologia dominante sobre o pensamento e a acção dos ecologistas
e dos cientistas sociais que estudam a evolução do estado
ambiental do planeta.
Com efeito, as apostas sucessivas:
a) na defesa acrítica, isto é, esquecendo as profundas
limitações do Protocolo de Quioto;
b) em meras campanhas de consciencialização esparsas e muitas das
vezes meramente simbólicas, como sessões públicas de
esclarecimento a crianças e jovens, como se a raiz da crise
ecológica estivesse nos comportamentos individuais de cada agente social
e não em instâncias materiais duradouras, estáveis e
estruturantes da vida social;
c) em apelos ingénuos dirigidos a instituições nacionais e
internacionais como o Fórum de Davos, a OMC ou o FMI directamente
ligados à criação e consolidação de
políticas económicas reprodutoras da actual crise
ecológica;
fazem com que a luta ecológica seja facilmente desarmada na
prática, por muito impacto mediático que possam ter certas
acções e iniciativas de algumas organizações
ambientalistas internacionais.
Ora, como se procurou demonstrar neste ensaio, a actual crise ecológica
tem uma causalidade assente na complexa e intricada rede de
mediações que compõem a estrutura económica do modo
de produção capitalista. O tripé
apropriacedil;ão apropriação
mercadorização
ocupa neste processo o lugar central do estado de completa
degradação dos ecossistemas terrestres. Daí que seja de
todo inviável imaginar o fim da crise ecológica global sem uma
superação do modo de produção capitalista. Por
conseguinte, a luta de classe proletária é sempre uma luta
ecológica, mas uma luta ecológica não é
necessariamente uma luta de classe. Assim, uma luta ecológica que
pretenda pôr em xeque a abissal destruição da natureza e
dos recursos dela derivados terá de partir de um eixo simultaneamente de
interpretação/explicação e
transformação social vincadamente anti-capitalista, onde a classe
trabalhadora actua como motor do movimento social mais geral. Só a luta
das classes exploradas (classe trabalhadora, campesinato da periferia e outras
camadas intermédias) e a instauração de
relações de produção libertas de qualquer tipo de
exploração, poderão alterar profunda e radicalmente
isto é, até à raiz o modo como as sociedades
humanas dominam a natureza e, desse modo, estabelecer um relacionamento
harmonioso e realmente sustentável do Homem com a Natureza.
Notas
[1]
Tomou-se em consideração a definição de problema
ambiental/ecológico apresentada por Jonathan Hughes: "devemos
definir problemas ecológicos como aqueles que surgem da
relação entre a sociedade como um todo e o seu ambiente o
mundo não-humano, a natureza" (Hughes, 2000, p.11).
[2]
Paul Burkett, economista norte-americano que forneceu boas pistas para a
redacção deste ensaio, argutamente explica que "apesar de
reconhecer que a produção é estruturada por
relações históricas entre produtores e entre estes e os
apropriadores do excedente económico, Marx insiste que a
produção como um processo simultaneamente social e material
é configurada e constrangida por condições naturais"
(Burkett, 1999, p.1).
[3]
Basta recordar a assunção positivista de que as leis ou
postulados que regem as duas esferas são as mesmas, para se percepcionar
o efeito pernicioso de
naturalização das dinâmicas sociais
que perpassam o tecido social.
[4]
Evidentemente que tanto a burguesia como o proletariado têm
fracções de classe e diferenciações internas. Por
uma questão de simplificação descritiva, mas também
porque nos encontramos num plano de abstracção teórico ao
nível do modo de produção "puro",
utilizar-se-ão estes termos que apontam para a dicotomia
antagónica fundamental das sociedades contemporâneas.
[5]
Importa diferenciar os conceitos de mercadorização e de mercantilização, já
que se tratam de categorias teóricas distintas. Em traços gerais, a
mercadorização é a transformação de uma qualquer matéria (proveniente da
natureza ou não) numa mercadoria (naturalmente, portadora de mais-valia). A
mercantilização refere-se à posterior colocação dessa mercadoria no mercado
tendo em vista a sua venda. Portanto, tratam-se de momentos distintos do
circuito económico.
[6] Como Marx apontou, "a expropriação da massa da
população do solo forma a base para o desenvolvimento do modo de
produção capitalista" (Marx citado por Burkett, 1999, p.60).
[7]
A ligação
intrínseca
da
expropriação
tanto sobre o trabalho como sobre a natureza é demonstrada da seguinte
forma por Guillermo Foladori: "a despeito de em todas as formas de
organização económico-social pré-capitalista ter
existido uma união ainda que relativa e variável
entre o trabalhador e seus meios de vida, ou seja, o trabalhador e sua natureza
externa, a organização capitalista separa de forma absoluta o
trabalhador de seus meios de vida. O trabalhador assalariado cumpre com todos
os requisitos de ruptura do metabolismo com a natureza: está separado da
terra como condição natural de produção;
está separado dos instrumentos como intermediários de seu corpo
em relação à natureza externa; está separado de um
"fundo de consumo" prévio ao trabalho depende de vender
sua força de trabalho para comer ; e está separado do
próprio processo de produção como actividade
transformadora à diferença, por exemplo, do servo feudal.
É livre, mas esse liberdade deve ser entendida como isolamento,
alienação com respeito à natureza externa; é livre
porque foram esgarçados os laços do metabolismo com o meio
ambiente. É livre no sentido de isolado" (Foladori, 2001, p.108).
[8]
Propriedades agrícolas que depois da expulsão e repressão
do campesinato inglês das suas terras, passaram a ser utilizadas como
local de pastagem de carneiros. Daí que Thomas More tenha falado no
fenómeno de
sheep devouring men,
dando nota da sobreposição dos interesses do capital sobre a
própria vida humana neste caso, para a valorização
dos solos de forma a elevar a extracção da renda fundiária
capitalista. Mais tarde, os
enclosures,
primeiro tipo de propriedade privada nos campos da modernidade, vieram a ser
o local onde se plantou boa parte do algodão matéria-prima
vital no arranque da Revolução Industrial inglesa assente na
indústria têxtil.
[9]
Referimo-nos aqui apenas às ZPE's (Zonas de Processamento de
Exportações, restritas a certas zonas da costa Sul chinesa como o
Cantão) onde o capitalismo privado foi "autorizado" pelo
governo de Pequim e não ao restante território onde a propriedade
social ou estatal se tem mantido. Portanto não é nosso
propósito entrar na discussão acerca da natureza capitalista ou
socialista da China, mas antes chamar a atenção para os perigos
que a incorporação de elementos capitalistas representam na
destruição ambiental.
[10]
Termo que perdeu muita da sua projecção mediática a partir
da crise asiática de 1997/98 e com a estagnação da
economia dos EUA em 2001 e 2002. Queda da taxa de crescimento económico
(PIB) neste país ainda mais visível nesses mesmos sectores
anteriormente laureados com o epíteto de imunes à crise: novas
tecnologias da comunicação e da informação e
serviços financeiros.
[11]
"É o complexo industrial automóvel que está no
coração da nossa dependência actual do petróleo
(...)" (Foster, 2002, p.99).
[12]
Sementes modificadas geneticamente, tornadas estéreis se usadas em mais
do que um ciclo agrícola, de modo a retirar a possibilidade de uso das
sementes tradicionais dos camponeses. Assim, estes ficam, por um lado,
desarmados do conhecimentos centenários de cultura das terras e, por
outro, dependentes das intenções económicas das
multinacionais do ramo, como a Monsanto ou a Syngenta. A redução
drástica da biodiversidade condição essencial para
uma maior capacidade de adaptação de qualquer espécie
vegetal (e animal) às mudanças ambientais e dos ecossistemas
ocorridas ao longo do tempo é outra consequência do uso
desta tecnologia. Ver os seguintes artigos relativos a esta temática
(Ribeiro, 2006); (Galindo, 2005); (Rosa, 2004).
[13]
Ou seja, de uma organização económica, política e
social que supere a anarquia da fragmentação da
produção económica global em unidades produtivas que
actuam monadicamente. No capitalismo, o único planeamento existente
refere-se à planificação que é desenvolvida dentro
de qualquer empresa. Contudo, ao contrário de uma perspectiva
socialista, os produtos criados nas unidades produtivas de diferentes empresas,
e portanto toda a actividade económica, desenvolve-se a partir do lucro
que
cada grupo económico
capitalista pretende almejar com a venda de mercadorias no mercado. Assim,
não é possível visualizar uma optimização de
recursos em função das
necessidades globais da sociedade,
em detrimento dos interesses individualizados, particulares de cada empresa.
[14]
Portanto, é a conjunção de três mecanismos que
poderão permitir a superação do modo de
produção capitalista: 1) a crise do sistema de
extracção de mais-valia, expressa na tendência para a queda
da taxa de lucro; 2) uma crise da condensação entre as estruturas
de uma formação social capitalista, ou seja, quando ocorre uma
desarticulação entre as instâncias política,
económica e ideológica; 3) o papel primordial das lutas entre as
várias classes pela dominância dos princípios de
organização de uma sociedade.
Referências bibliográficas
BURKETT, Paul (1999)
Marx and Nature: a red and green perspective.
New York: St. Martin's Press.
CHESNAIS, François (2003) "Ecologia" e
condições físicas da reprodução social:
alguns fios condutores marxistas. In
Crítica Marxista nº16 revista do Centro de Estudos Marxistas
(Cemarx) da Universidade Estadual de Campinas
. São Paulo: Boitempo Editorial. p.39-75.
FERNANDES, Florestan (1975)
Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina
. 2ªed. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
FOLADORI, Guillermo (2001) O metabolismo com a natureza: marxismo e
ecologia. In
Crítica Marxista nº12 revista do Centro de Estudos Marxistas
(Cemarx) da Universidade Estadual de Campinas
. Rio de Janeiro: Editora Revan. p.105-117.
FONTES, Virgínia (2005) Interrogações sobre o
capitalismo na actualidade: trabalho e capital, economia e política. In
Marxismo e socialismo no século XXI: conferências apresentadas no
3º colóquio Marx/Engels no Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Campinas.
p.167-196.
FOSTER, John Bellamy (2002)
Ecology against capitalism.
New York: Monthly Review Press.
GALINDO, Laura Alizia (2005)
Monopólio cerealífero.
In
http://resistir.info/varios/monopolio_graneleiro.html
HUGHES, Jonathan (2000)
Ecology and Historical Materialism.
Cambridge: Cambridge University Press.
LESSA, Sérgio (2005)
Trabalho e trabalho abstracto
. [policopiado]
MAGDOFF, Harry (2004) Editors' foreword to the study "China and
Socialism" by Martin Hart-Landsberg and Paul Burkett. In
Monthly Review Vol.56 Nº3.
p.2-7.
MARX, Karl (1990 [1867])
O Capital, Livro I: o processo de produção do capital, tomo 1
. Lisboa: Edições Avante.
MARX, Karl (1991 [1895])
Capital, Book III: the process of capitalist production as a whole.
London: Penguin Books.
MARX, Karl (1992 [1884])
Capital, Book II: the process of circulation of capital.
London: Penguin Books.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich (1983)
A Ideologia Alemã.
Lisboa: Edições Avante.
RIBEIRO, Silvia (2006)
Terminator, rumo à bioescravidão.
In
http://resistir.info/mexico/terminator.html
ROSA, Rui Namorado Rosa (2004)
O complexo agro-industrial e a alienação da relação
do homem com a terra.
http://resistir.info/rui/complexo_agro_industrial.html
SUMMERS, L. (1992) Let them eat pollution. In
The Economist,
8 de Fevereiro de 1992.
SWEEZY, Paul (2004 [1988]) Capitalism and the environment. In
Monthly Review Vol.57,Nº5;
p.86-93.
TEIXEIRA, Francisco José (2000) O capital e suas formas de
produção de mercadorias. In
Crítica Marxista nº10 revista do Centro de Estudos Marxistas
(Cemarx) da Universidade Estadual de Campinas.
p.67-93.
[*]
Estudante de Sociologia na Faculdade de Letras do Porto.
O original encontra-se em
http://joaovalenteaguiar.googlepages.com/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|