Pico petrolífero: as quatro etapas da transição
por Ali Morteza Samsam Bakhtiari
entrevistado por Byron W. King
[*]
"O mais sábio é aquele que mais sofre com o tempo
perdido".
Dante Alighieri, Canto III do Purgatório
O Dr Ali Morteza Samsam Bakhtiari é um perito em energia com uma
longa carreira, principiada em 1971, na National Iranian Oil Co. (NIOC), de
Teerão, Irão. Durante a sua carreira na NIOC exerceu
posições de confiança muito importantes e cargos de
responsabilidade. Actualmente está aposentado da NIOC, por
exigência obrigatória de idade. Já não tem qualquer
ligação oficial com a companhia. Mas, felizmente para nós
no mundo ocidental, ele está entre os pioneiros da teoria do "Pico
petrolífero" global.
Num futuro não muito distante, prevê o Dr. Bakhtiari, o
petróleo custará de US$100 a US$150 por barril. Ele considera
que haverá "Quatro fases de transição" (as quais
chama de T1, T2, T3 e T4) no declínio da produção mundial
de petróleo convencional. Assim, o que são estas "Quatro
fases de transição"?
Fiz a pergunta ao Dr. Bakhtiari, e a sua resposta foi: "Quanto à
T1, T2, T3 e T4, trata-se de conceitos ainda vagos, mas se me der alguns
dias tentarei explicar-lhe o que penso das mesmas". E, cumprindo sua
palavra, dentro de poucos dias o Dr. Bakhtiri teve a gentileza de enviar-me
algumas ideias mais desenvolvidas sobre o assunto. Aqui está o texto
enviado, que partilho convosco:
"Os quatro períodos de transição (T1, T2, T3 e T4)
decorrerão aproximadamente entre 2006 e 2020. Cada
transição cobrirá, em média, três a quatro
anos.
"A diferença mais significativa entre os quatro Ts é o seu
respectivo gradiente de declínio da produção de
petróleo muito pequeno para T1, perceptível para T2,
notável em T3, e especialmente agudo para T4. De facto, esta
graduação no declínio é uma verdadeira
benção para aqueles que têm de enfrentá-la e
adaptar-se.
"É preciso ter em consideração que estes quatro Ts
são apenas uma estrutura teórica geral para a futura
produção global de petróleo. A estrutura é assim
arrumada porque fornece previsões com métodos
"Pré-Pico", suposições
"Pré-Pico" e um conjunto de regras "Pré-Pico".
AS CONSEQUÊNCIAS DO PÓS-PICO
"O facto de estarmos no "Pós-Pico" provocará
perturbações explosivas de que ainda sabemos pouco e que
são extremamente difíceis de prever. E as ondas de choque destas
explosões a espraiarem-se através da infraestrutura financeira e
industrial poderiam ter miríades de consequências inesperadas para
as quais não temos precedentes e muito pouca experiência.
"Assim, a única Transição que podemos ver de forma
especialmente clara (ou melhor, que temos esperança de sermos capazes de
compreender) é T1. É claro que T1 testemunhará a
inclinação das escalas da "Procura" e da
"Oferta" de petróleo com a primeira como dominante no
início e a segunda a comandar mais próxima do seu encerramento
(digamos, por volta de 2009 ou 2010).
"Mas mesmo durante este especialmente benigno T1, o inesperado pode
tornar-se regra e o metódico 'Pré-Pico' dar lugar rapidamente a
algum caótico "Pós-Pico".
"De qualquer forma, a estrutura global das 'Quatro
transições' é um guia geral para os próximos 14
anos pouco mais ou menos quanto à
produção de petróleo.
"Na prática, a realidade pode demonstrar ser pior do que estas
Transições teóricas; certamente não
será melhor.
O Dr. Bakhtiari é licenciado em química. Tem um B.Sc. e um Ph.D.
em engenharia química concedido pelo Instituto Federal
Suíço de Tecnologia, de Zurique. Trabalhou na indústria e
leccionou na universidade tanto no campo da química como da engenharia
química cerca de quatro décadas.
Assim, perguntei ao Dr. Bakhtiari, seria correcto dizer que ele está a
utilizar o termo "Transições" de um modo semelhante ao
que é conhecido como "transições de fase" em
química física? A analogia, naturalmente, não precisa ser
uma descrição química exacta. Mas perguntei-lhe se aquele
conceito da química seria um modo adequado de explicar o seu processo de
pensamento.
A razão porque lhe pus a questão, e utilizei termos da
química física, foi a sua declaração: "A
diferença mais significativa entre os quatro Ts é o seu
respectivo gradiente de declínio da produção de
petróleo". Minha interpretação deste
comentário é que em cada ponto de
"transição" em que muda o gradiente podemos ver isto
como a "mudança de fase" análoga, digamos, a
fusão da água congelada, ou da água fervente.
MUDANÇAS SÚBITAS NOS NÍVEIS DA PRODUÇÃO DE
PETRÓLEO
E, tanto quanto não sabemos de um mundo pós-Pico
Petrolífero, como observou o Dr. Bakhtiari, isto podia ser
análogo ao fenómeno conhecido como "evaporação
relâmpago"
("flash evaporation").
Ou seja, se você elevar a temperatura da água para algum ponto
bem abaixo do seu ponto padrão de fervura, mas a seguir mudar
rapidamente alguma outra condição, tal como a
redução da pressão atmosférica acima da
água, a água "ferve" a temperatura mais baixa e num
regime de pressão mais baixo. Isto pode ser considerado semelhante a
algum evento abrupto, inesperado, que reduza a oferta de petróleo; por
exemplo: guerra, desastre natural, ou esgotamento e declínio
inesperadamente rápido numa grande região do mundo produtora de
petróleo.
O Dr. Bakhtiari respondeu como se segue:
"Eu certamente gosto da sua ideia de 'transição de fase',
... especialmente a analogia do gelo para a água, a qual ocorre
gradualmente. Começa com gelo e termina com água, enquanto
até ao último segundo houver algum gelo presente.
"Também concordo quanto à junção de dois Ts,
aqui deveria haver alguma espécie de ponto notável. Por exemplo:
no encerramento de T1, a Oferta deveria dominar totalmente a Procura ...
Estou a brincar com a ideia, muito preliminar, de que o encerramento de T2
podia ser a produção da OPEP ultrapassar a produção
não-OPEP, embora a OPEP tenha morrido em 2004".
PRODUÇÃO DO MÉDIO ORIENTE
A declaração do Dr. Bakhtiari de que "a OPEP morreu em
2004" é um ponto de vista interessante, à luz da sua ideia
acerca da natureza do T2, quando a produção da OPEP
ultrapassará a da não-OPEP. Para explicar isto, deixe-me
mencionar a newsletter
ASPO-USA
de Fevereiro de 2006, na qual o Dr. Bakhtiari escreveu:
"Não é preciso dizer que quando se examina as reservas de
petróleo do Médio Oriente é preciso andar com cuidado.
Porque, por um lado, a estimativa das reservas é tanto ciência
como arte e, por outro, visto do ponto de vista da maior parte dos
países do Médio Oriente, as reservas de petróleo
são mais políticas do que geológicas. Assim,
visões não-científicas prevalecem sobre a ciência e
mais uma vez reforçam os vários tipos de sombras que levaram a
uma situação geral opaca no Médio Oriente".
O Dr. Bakhtiari escreveu isto no contexto de uma discussão no qual
estimava o total das reservas de petróleo no grupo dos grandes
países produtores de petróleo do Médio Oriente
(Irão, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Emirados Árabes
Unidos) como cerca da metade, ou mesmo menos, do que os respectivos governos
nacionais apregoam.
Naquele artigo o Dr. Bakhtiari notou que:
"Quanto ao Irão, os habitualmente aceites 132 mil milhões de
barris oficiais estão quase 100 mil milhões acima de qualquer
análise realista. Se o número mais elevado fosse real, a sua
indústria petrolífera não estaria a lutar dia a dia para
manter a produção entre 3,0-3,5 milhões de barris por dia
(inclusive do offshore do Golfo Pérsico)".
Vindo de um antigo alto responsável da NIOC, trata-se de um
comentário absolutamente espantoso e com imensas
implicações. Isto pode explicar muito acerca dos actuais pontos
de vista do governo iraniano quanto às suas opções pelo
estabelecimento de futuras políticas industriais, económicas,
militares
e políticas, embora o Dr. Bakhtiari certamente não diga isto, e
não quero por palavras na sua boca.
Em Fevereiro de 2006 o Dr. Bakhtiari mais uma vez resumiu as suas ideias sobre
o assunto das estimativas das reservas de petróleo da forma como se
segue:
"Não obstante a importância das reservas de petróleo
convencional, os seus dias podem agora estar contados (tanto no Médio
Oriente como alhures).
"As estimativas de reservas de petróleo foram úteis na era
anterior ao 'Pico Petrolífero'. Mas na sequência do poderoso Pico
(como por exemplo no actual período T1), elas tendem a tornar-se caducas
e especialmente inúteis, pois as análises e previsões
campo a campo prvalecem (exemplo, Ghawar, Cantarell).
"Assim, agora já não falta muito para termos de dizer adeus
a todos estes números hipnotizantes das reservas de petróleo e
jogarmos todo o ficheiro das reservas dentro do 'caixote de lixo da
história' ".
Em outra declaração recente, o Dr. Bakhtiari afirmou isto:
"O declínio da produção global de petróleo
parece agora irreversível". Está destinado a ocorrer ao
longo de um certo número de transições, a primeira das
quais chamei T1, a qual acaba de começar em 2006. A T1 é de um
gradiente
de declínio muito benigno, e levará meses até que
alguém
a perceba de todo. Mas a T2 será muito mais aguda. O meu modelo
World Oil Production Capacity
previu isto durante os próximos 14 anos, a
actual produção global de 81 milhões de barris por dia
diminuirá em aproximadamente 32%, reduzindo-se a cerca de 55
milhões de barris/dia por volta do ano 2020.
"Portanto, face ao Pico Petrolífero e suas múltiplas
consequências, as quais estão destinadas a provocar impacto sobre
quase todos os aspectos dos padrões de vida humanos, parece
imperioso ficarmos preparados para enfrentar todas as inevitáveis ondas
de choque resultantes. A preparação deveria ser executada
aos níveis individual, familiar, societais e nacionais tão logo
quanto possível. Todo o passo de preparação tomado hoje
demonstrar-se-á mais barato do que qualquer passo tomado
amanhã".
Na mensagem que me enviou, o Dr. Bakhtiari declarou que "a
gradação no declínio (entre T1, T2, T3 e T4) é uma
verdadeira benção para aqueles que têm de
enfrentá-la e adaptar-se". Na verdade é uma
benção, mas só se pessoas informadas e os decisores
industriais e políticos do mundo realmente tomarem o Pico
Petrolífero como um assunto sério e estabelecerem
políticas em conformidade.
Quanto a isto, quanto aos seus esforços para explicar o Pico
Petrolífero a um público à escala mundial, o Dr. Bakhtiari
é um profeta. Ele está tanto a prever a coisa como a dar uma
estrutura de tempo de 14 anos para que ela se verifique. Portanto, os seus
esforços, os seus escritos e o seu trabalho encarnam o antigo ditado de
que "O tempo não toma férias". Permitam-me
simplesmente exprimir os meus mais profundos agradecimentos ao Dr. Bakhtiari
por partilhar as suas ideias comigo, e recordar as palavras de Dante Alighieri,
que no Canto III do Purgatório escreveu: "O mais sábio
é quem mais sofre com o tempo perdido".
[*]
Promotor em Pittsburgh, Pennsylvania. Doutor em Ciências
Jurídicas pela Universidade de Pittsburgh e graduado
cum laude
pela Universidade de Harvard.
Outros artigos do Dr. Ali Bakhtiari publicados por resistir.info:
O original encontra-se em
http://www.dailyreckoning.com/Issues/2006/DR083006.html
.
Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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