A última fronteira
por A.M. Samsam Bakhtiari
Introdução
A indústria do petróleo internacional cunhou o termo
"área de fronteira" para designar as províncias que
entraram mais recentemente na busca por recursos petrolíferos.
Como matéria de facto, nas suas Olímpiadas quadrienais conhecidas
como 'World Petroleum Congress' (WPC), a indústria do petróleo
costumava ter uma grande sessão em painel dedicada a destacar e rever os
desenvolvimentos mais recentes nas tais áreas de fronteira.
Estas sessões muito especiais eram fascinantes pois davam (numa era
pre-Internet) os primeiros relances acerca das novas regiões a serem
acometidas pela indústria. Portanto, elas habitualmente eram bem
concorridas e eu estava entre as legiões de peritos em petróleo
ávidos de receberem os primeiros relatórios sobre as mais
recentes províncias de petróleo e gás. Recordo-me de
nunca faltar a tais leituras críticas. Eu comparecia ao WPC e, desde
então, coleccionei os panfletos das sessões num dossier especial
(juntamente com os panfletos do WPC sobre 'Reservas Brutas de Petróleo'
e 'Reservas de Gás Natural' com estas últimas a acabarem
no cesto de papeis depois de finalmente ter-me encontrado com o Dr. Colin
Campbell e o Sr. Jean Laherrere).
Foi nestas sessões de 'fronteiras' que tive o primeiro conhecimento do
Mar do Norte, do Alasca e da maior parte das futuras estórias de
êxito Não-OPEP (Oman, Egipto, Casaquistão, etc) antes de
ser devidamente educado acerca do 'petróleo não convencional'
(areias petrolíferas do Canadá e petróleo pesado da
Venezuela) e dos múltiplos offshores primeiro águas rasas,
a seguir águas profundas e finalmente águas ultra-profundas
(exemplo, Golfo do México, Brasil e África Ocidental).
AS FRONTEIRAS SECAM
Em meados da década de 1990 tornara-se evidentemente claro que as
'áreas de fronteira' haviam secado; em consequência, suas
sessões WPC desvaneceram-se sem deixar sinais. A princípio, o
cancelamento das 'fronteiras' pareceu uma surpresa; mas, no entanto, era a
consequência lógica do facto inegável de que não
havia tais áreas deixadas por explorar !! A indústria havia
até então coberto todo o globo, tanto no onshore como no offshore
com excepção das duas regiões polares, o
Ártico e a Antártida, as quais naturalmente estavam fora dos
limites e eram também absurdas para qualquer acompanhamento potencial
(como eu e meu colegas concluímos então)
RESERVAS POLARES DE PETRÓLEO
De acordo com o Dr. Colin Campbell, o mais notável dentre os
especialistas mundiais em reservas de petróleo, a chamadas reservas de
'petróleo polar' são estimadas num grande total de apenas 52 mil
milhões de barris
[1]
menos do que o abastecimento de dois anos
para o actual consumo mundial.
Além disso, o Dr. Campbell previu que a produção total de
'petróleo polar' seria em média aproximadamente 1 milhão
de barris/dia (mb/d) em 2010, aumentando para 2 mb/d em 2020 e finalmente
atingindo o pico em torno dos 2,5 mb/d por volta de 2030 seguindo-se um
rápido declínio a partir daí.
A REGIÃO ÁRCTICA
Quando se aproximava o fim do século XX, entretanto, começou a
emergir que as expectativas acerca das regiões polares, estando 'fora
dos limites', eram indevidamente optimistas. Dentro em breve, o Árctico
expôs-se no radar da indústria petrolífera e focou seus
interesses.
Nos últimos poucos anos, tanto a pesquisa como a
exploração do petróleo dentro do Círculo
Árctico tornaram-se realidade com toda a gente habituando-se a
isto nesta altura (sem mais o franzir de sobrancelhas). Era ainda mais um
sintoma que contava quão desesperada estava a indústria
petrolífera para não deixar qualquer pedra sem virar mesmo
nas altamente inóspitas águas geladas do Oceano Árctico.
Os custos, naturalmente, teriam sido proibitivos não muito tempo
atrás, mas com o bruto nos seus actuais US$ 70/barril eles agora
são prontamente assumidos.
O 'Arctic National Wildlife Refuge' [ANWR] americano e a sua área
costeira '1002' estão constantemente a fazer manchetes a mais
recente até à data foi a US House of Representatives aprovar
uma Lei (por 225-201 votos) para abrir a planície costeira do ANWR
à exploração de petróleo
[2]
. Também no Alasca, o Delta do Rio Mackenzie e áreas do Mar
Chukchi, Bacia Hope e Bacia Norton estão no processo de serem
desenvolvidas.
Mais distante para leste, outras perspectivas são a Bacia Orphan
(noroeste do Canadá) e Gronelândia (seis furos na South Baffin Bay
e um poço seco de US$ 25 milhões da 'Statoil'). Não
esquecer o Mar de Barentes com o campo de gás de 'Snoevhit' (e sua
fábrica de GNL), o campo de petróleo 'Goliat' (com reservas
recuperáveis estimadas de 250 milhões de barris) e o campo de
gás super-gigante 'Shtokman', da Rússia (reservas de 113
milhões de milhões de pés cúbicos).
Além disso, a Rússia está a desenvolver as cinco fases na
sua Ilha Sacalina com parceiros estrangeiros (ExxonMobil e Shell). Além
disso, o 'Circum-Arctic International Consortium' (EUA, Reino Unido,
Canadá, França, Noruega, Dinamarca e Gronelândia)
adjudicaram ao US Geological Survey [USGS] e ao dinamarquês 'GEUS' um
programa de investigação "para mapear estratigraficamente o
Árctivo e compilar sua tectónica original e rochas fontes de
petróleo"
[3]
com resultados que devem ser apresentados em 2007: o 'Ano Internacional
Polar'.
A ÚLTIMA FRONTEIRA
Com o Árctico agora a ser explorado, resta apenas uma 'última
fronteira' no nosso pequeno planeta: a Antárctida. Excepto o
continente gelado do sul, a espraiar-se sobre uns 14 milhões de
quilómetros quadrados, todo o resto já foi perfeitamente
examinado quanto a petróleo e gás. É previsível
que o continente gelado permanecerá por longo tempo fora dos limites dos
equipamentos de perfuração do petróleo e do gás. O
Tratado da Antárctida (agora assinado por 45 estados participantes)
apela a "uma proibição de mineração até
o ano de 2048"
[4]
.
E há boas razões para considerar que a exploração
do petróleo e do gás possa demonstrar-se complicada na
Antárctida pois a Mãe Natureza fez ali condições
tão extremas que mesmo pensar em furar suas vastas extensões
provoca um calafrio de descrença. Não só é o mais
árido, o mais ventoso (rajadas de vento com picos de 288 km/h) e o mais
frio de todos os continentes como também fica na escuridão 24
horas por dia durante o seu longo inverno. E, durante o seu inverno austral
(do princípio de Outubro ao fim de Fevereiro), concede apenas um
espaço de dois meses para o trabalho efectivo de
construção. De modo que apenas os 20 milhões de pinguins
do continente e um punhado de outras espécies animais foram capazes de
adaptar-se às suas condições desumanas.
Também se deve considerar que furar no gelo é um assunto
complicado e muito aborrecido, nada fácil na águas geladas da
Antárctida. E isto sem mencionar a exploração, com seus
imperativos de produção contínua e logística a
jusante de pipelines, tanques de armazenagem e transporte por petroleiros
quebra-gelos.
Mas para um mundo sedento de petróleo nada parece impossível
especialmente quando os preços do barril tiverem
disparado para aquelas alturas estratosféricas que hoje são
difíceis de visualizar mas que nos deixarão saudosos de quaisquer
simpáticos preços com dois dígitos.
ENTRADA NO PICO PETROLÍFERO
Quer gostemos ou não, todas as sociedades desenvolvidas estão
viciadas em petróleo bruto e na sua miríade de derivados. Muitos
tomadores de decisão estão a tentar parquear o 'Peak Oil' no
recanto mais recôndito das suas mentes (orando para que ele se vá
embora), e continuam a negar que não há
substituição para o petróleo, excepto possivelmente a
energia solar (se ela puder ser transmutada em energia 'barata' agora
disponível por muito caros US$ 7000 a US$ 10000 por megawatt produzido).
Nem o gás natural nem o carvão podem tomá-la facilmente,
assim como as chamadas renováveis apenas proporcionarão nichos de
energia sem serem mesmo capazes de substituir a maciça
utilização dominante do petróleo (ainda a proporcionar
cerca de 40% das nossas necessidades energéticas globais).
Mas, quando a produção mundial do bruto entra no seu
inevitável declínio, ninguém pode estar certo de que algum
executivo da indústria petrolífera americana não
tentará (contra todas as adversidades) a Antárctida ! E
não são as regulações internacionais existentes que
impedirão alguém de tentar. E, embora apenas sete dos grandes
estados participantes no Tratado da Artáctida tenham
reclamações territoriais, ninguém parece concordar pois
"todas as reivindicações estão agora congeladas...
e poucos dos 45 signatários reconhecem-nas
e a maioria dos países constrói estações sem se
preocupar"
[5]
com umas 40 bases nacionais já a operarem e dezanove outras a serem
planeadas (até mesmo uma da micro Estónia).
De uma população total de aproximadamente 4000 pessoas no
verão, a Antárctida cai para cerca de 1000 durante o seu longo e
escuro inverno. Também convém mencionar que o número de
turistas está continuamente a aumentar e é esperado um
récord de 38 mil durante o presente ano.
ATAQUES PRELIMINARES
Além do turismo polar, alguns novos ataques foram cometidos recentemente
na Antárctida. Primeiramente, a "Rodovia do gelo", de US$ 20
milhões, ligando as estações americanas de 'McMurdo' e
'Amundsen-Scott' (no Polo Sul), está a ser traçada ao longo de
1632 km de gelo pelos americanos (alegadamente para potenciar a
investigação científica e facilitar o transporte entre
elas). Nos últimos três verões uns 680 km já foram
completados e estão a ser feitos planos para lançar um cabo ao
longo da 'Rodovia', no valor de US$ 250 mihões, para transferir dados
entre as duas bases. Em segundo lugar, os australianos estão a dar o
toque final à sua nova 'Pista de decolagem no gelo' Wilkins, de US$ 46
milhões, a estirar-se uns 4 km, para permitir voos intercontinentais em
2007. Em terceiro lugar, novas e refinadas estações polares no
estado da arte estão a ser concebidas e construídas a fim de se
tornarem habitações permanentes na paisagem da Antárctida.
A base britânica 'Halley VI' está a ser montada sobre quatro
'bainhas de 60 toneladas' que actuam como esquis para o conjunto da base
"com quartos, laboratórios e salas de depósitos,
bem como ginásio, sáuna, salas de jogos,
uma parede para escaladas e uma estufa
na qualfrutas frescas e vegetais podem ser cultivados
em água enriquecida por nutrientes"
[6]
pode ser deslocada sobre o gelo ao contrário das suas cinco antecessoras
que eram fixadas e então atadas para serem finalmente sacrificadas
(devido ao movimento maciço do banco de gelo) e deixadas a enferrujar na
calota glacial. Em quarto lugar, a Austrália decidiu ultimamente
reivindicar a plataforma continental que confina com os seus 5,6 milhões
de quilómetros quadrados territoriais de terra Antárctida
(aproximadamente 40% da massa de terra total, claramente a fatia do
leão) tendo em vista possíveis desenvolvimentos futuros. Na
verdade, este lance estratégico poderá ser visto no futuro como
uma decisão atempada e sábia.
REUNIÃO CONSULTIVA
De 12 a 24 de Junho de 2006, umas três centenas de delegados de 45
países reuniu-se em Edinburgo para participar da 29ª Reunião
Consultiva do Tratado da Antárctida (ATCM). Nesta reunião as
"Orientações para visitantes à
Antárctida" foi posta sobre a mesa (após sete anos de
negociações) e um delegado observou sensatamente que
"questões a afectarem a Antárctida reflectem-se
sobre o resto do mundo"
[7]
Ainda em outro evento paralelo, o senador australiano Barnaby Joyce, no seu
retorno de uma visita de quatro semanas à Antárctida, causou
furor ao declarar que
"A Austrália deveria escavar os recursos minerais que reivindica
antes que outros países o façam"
[8]
argumentando que
"O desejo pode ser deixar a Antárctida como uma imensidão
pura,
mas a realidade é que ela não vai
ser deixada intacta e inexplorada...
Há recursos ali, eles serão explorados.
Isto é simplesmente o modo como o mundo funciona...
As pessoas estão sempre vigilantes para obtê-los...
Uma vez que se torne económico para as pessoas
fazerem isto na Antárctida,
elas aparecerão e farão,
haja ou não haja um acordo em vigor"
[9]
Isto tudo pode soar um tanto pessimista, mas no entanto também é
bastante realista ! Esperançosamente, a questão da economicidade
(affordability)
ajudará a empurrar os primeiros passo dos desenvolvimentos mais para o
futuro. Mas um dia a corrida ao ouro da Antárctida poderá
finalmente ocorrer. Então, a responsabilidade global da
Austrália para administrar e regular as coisas ali poderia ser de
importância crítica para o continente gelado possivelmente
muito mais altas do que a sua fatia do botim potencial...
CONCLUSÃO
Dentro de cinco anos o mundo celebrará o centésimo
aniversário da conquista do Polo Sul pelo heróico pioneiro
norueguês Roald Amundsen (1872-1928) e recordará mais uma vez a
tragédia sucedida ao capitão Robert Scott (1868-1912) e seus
corajosos companheiros na sua viagem de retorno do "Último lugar
sobre a Terra"
[10]
.
Durante o século passado, o 'Último lugar' do planeta foi
gradualmente transmutado na 'Última fronteira' da humanidade um
facto que nem Amundsen nem Scott poderiam alguma vez ter sonhado quando
enfrentavam os elementos no seu caminho para o seu objectivo polar.
Recuando a 1987, a consciência mundial levantou o desafio do 'Esgotamento
do ozono' sobre a Antárctida e estruturou devidamente o Protocolo de
Montreal
[11]
o qual levou ao banimento dos CFCs. Agora, duas décadas após
Montreal, alguém poderia perguntar se a Espécie Humana não
faria melhor em deixar a sua 'Última fronteira' para os seus
milhões de pinguins, colocando-as deliberadamente 'fora dos limites'
tentando assim agradar-se junto a Deus Poderoso que não precisa
das nossas graças, mas delicia-se com um toque de humildade. A
questão final que permanece é se o Homo Sapiens alcançou
finalmente o estado de sabedoria que lhe permitirá fazer tais
decisões cruciais. Decisões das quais a sua sobrevivência
sobre o planeta pode finalmente vir a depender!
Quanto à sobrevivência do planeta, James Lovelock (o pai da
'Teoria Gaia') arriscou:
"Salvar o planeta?? Nós não podemos salvar o planeta...
Nunca pudemos..."
Junho/2006
Referências
[1] Ver 'ASPO Newsletter #66' (May 2006) para as mais recentes estimativas
emitidas pelo Dr. Campbell sobre 'petróleo polar'.
[2] A House of Representatives aprovou esta Lei pela 'décima vez' [!]
segundo o sítio web da 'ANWR'
www.anwr.org
.
[3] Em 'AAPG Explorer' (issue November 2004) p.6.
[4] Barbie Dutter, 'Antarctic Cold Rush levanta receios quanto à
última grande imensidão', 'The Daily Telegraph' (June 4, 2006).
[5] Andrew Darby, 'March of the building workers threatens Antarctica', 'Sydney
Morning Herald' (April 18, 2006).
[6] Catriona Davis, 'New job, Day one', 'The Daily Telegraph' (May 15, 2006).
[7] Ver o sítio web 'ATCM' em
www.atcm2006.gov.uk
.
[8] Barbie Dutter, ref. [4] acima.
[9] Ibid.
[10] Tomado do título do bestseller de Roland Huntford, de 1999.
[11] O 'Ozone Secretariat' do 'U.N. Environment Program'
[UNEP] pode ser encontrado em
http://ozone.unep.org
O original encontra-se em
http://www.sfu.ca/~asamsamb/sb.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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