Para além do petróleo:
O avistar do Pico de Hubbert
por Kenneth S. Deffeyes
[*]
Estamos a enfrentar um problema sem precedentes. A produção
mundial de petróleo parou de crescer; os declínios na
produção estão prestes a começar. Pela primeira
vez desde a Revolução Industrial, a oferta geológica de um
recurso essencial não satisfará a procura.
Tem havido inúmeras advertências. Em 1969, M. King
Hubbert, geólogo americano, publicou previsões da futura
produção mundial de petróleo.
[1]
Hubbert previu que a produção anual de petróleo seguiria
uma curva em forma de sino; a curva tornou-se conhecida como "Pico de
Hubbert". A mais optimista das suas duas estimativas em 1969 colocava a
dotação de petróleo mundial em 2,1 milhões de
milhões
(trillion)
de barris e o pico de produção no ano 2000. Minha melhor
estimativa actual (pormenorizada no Capítulo 3) põe o
petróleo total em 2,013 milhões de milhões de barris,
atingindo o pico em 2005.
[2]
Não importa qual de nós está correcto, mesmo se ambos
estivermos errados, não estaremos muito errados. Onde quer que esteja o
pico, avistá-lo não é bom.
O meu interesse no problema da oferta de petróleo principiou em 1958,
quando comecei a trabalhar no laboratório de investigação
da Shell em Houston. Hubbert desfrutava o status de super-estrela na Shell,
por muitas razões além das suas previsões
petrolíferas. Eu gostava de trabalhar no laboratório e gostei de
conhecer Hubbert. Por volta de 1963 estava claro que o negócio do
óleo (em Houston, o pão nosso de cada dia) mudaria enormemente em
torno do ano 2000, quando se esperava que eu me aposentasse. A minha
própria análise dos números de Hubbert levou-me a deixar a
indústria do petróleo prematuramente.
Emocionalmente, não foi fácil abandoná-la. Cresci em meio
a petróleo; meu pai era um engenheiro de petróleo da primeira
geração. Nasci em Oklahoma, numa parte de Chickasaw, e posso
recordar-me das suas Tempestades de Pó
(Dust Bowl).
Quando tinha cerca de dez anos, decidi tornar-me geólogo do
petróleo. Na escola secundária, recebi uma bela ajuda: Dois
geólogos, Jack Fanshawe e Paul Walton, gastaram tempo a ajudar-me a
aprender mineralogia. Minha subgraduação (Colorado School of
Mines) e graduação (Princeton) foram focadas nos métodos
utilizáveis na exploração e produção de
petróleo. Tive uma série de empregos de verão que me
ensinaram o lado da indústria do petróleo que suja as
mãos. Durante algum tempo, tive um auto-colante que dizia:
"Sujeira de campo de petróleo, e orgulhoso disso".
Depois de deixar a Shell, ensinei durante um par de anos em Minnesota e no
estado de Oregon, e liguei-me então à faculdade em Princeton.
Ensinar e investigar foram recompensadores, e eu podia continuar a fazer
consultoria a tempo parcial sobre petróleo e mineração. O
meu curso intitulado "Sedimentologia" era um curso camuflado em
geologia do petróleo.
Este livro é acerca dos combustíveis que vêm da terra. Um
bocado de questões acerca da política pública segue-se
naturalmente. Entretanto, a minha perícia acaba onde para a geologia.
Quaisquer opiniões que tenha acerca da sabedoria do aumento dos impostos
da gasolina ou de um imposto sobre as importações americanas de
petróleo têm o mesmo valor que as opiniões de um
cidadão qualquer. Neste livro tento explicar as vantagens e
constrangimentos dos vários combustíveis da terra. Decidir
acerca da política é uma tarefa para todos nós os
cidadãos.
Os capítulos 1 e 2 são breves exposições do
problema da oferta de petróleo. O capítulo 3 é o
resultado de um acidente feliz: descobri uma alternativa para a complicada
matemática de Hubbert. A análise de Hubbert exige páginas
de equações diferenciais para ir de A para B. Ir de B para A
chega aos mesmos resultados mas exige apenas três linhas de
matemática do curso secundário. Os capítulos de 4 a 8
cobrem gás natural, carvão, areia betuminosa, xisto
petrolífero e urânio. O capítulo 9 é uma
esquisitice: Hidrogénio
não
é um combustível que venha da terra, mas há tanta
desinformação a correr acerca do hidrogénio que me sinto
obrigado a explicar mais uma vez acerca do mesmo. O capítulo 10
é um ensaio sobre a visão do mundo através dos olhos de um
geólogo; é o que William Safire chama uma "peça
especulativa"
("thumbsucker").
Houve uma tremenda comoção em 2004 com a redução
das reservas petrolíferas da Shell. Aqueles de nós que
trabalharam para a Shell ficaram particularmente surpreendidos; tipicamente a
Shell era excessivamente cautelosa acerca de quase todas as coisas. Não
tenho fontes privadas de informação no interior das grandes
companhias de petróleo. Geralmente, tentou avaliar o que elas fazem,
não o que elas dizem. Exemplo: um editorial no número de
21/Junho/2004 da
Business Week
queixava-se que o aumento de 30 por cento nos preços do petróleo
induziu apenas um pequeno crescimento nos orçamentos de
exploração da companhia. Analogamente, as refinarias americanas
estão a trabalhar próximo à sua plena capacidade, mas
não desde 1976 não são construídas quaisquer novas
refinarias. Os navios petroleiros estão plenamente ocupados, mas os
petroleiros superados estão a ser retirados mais rapidamente do que os
novos estão a ser construídos. Ao invés disso, a
indústria parece estar a acumular dinheiro, a recomprar
acções, e a liquidar as contas de dividendos. O que está
a acontecer? Por que preços mais elevados e procura acrescida
não encorajam o investimento? Suponha, por um momento, que a premissa
deste livro é correcta: Nós já descobrimos a maior parte
do petróleo. Furar à procura de umas poucas sobras não
rende frutos nem lucro. Deveriam as companhias petrolíferas
majors
furarem uma série de buracos secos só para manter felizes os
editores da
Business Week
? Se, como afirmo, a produção mundial de petróleo
está prestes a declinar, então não há razão
para acrescentar refinarias ou aumentar o tamanho das frotas de petroleiros.
As grandes companhias de petróleo não estão a dizer
publicamente que o jogo do petróleo está acabado. Se houvesse
perspectivas atraentes disponíveis, as companhias estariam a cavar o seu
caminho umas depois das outras a fim de conseguirem os furos certos. Há
exploração importante a ser feita num certo número de
países. Mesmo que uma companhia assine um contrato com uma companhia
nacional de petróleo ou com o próprio governo, em muitos
países os contratos não podem ser tornados obrigatórios
(unenforceable).
Fure um buraco seco e nada acontece. Consiga uma grande descoberta e
subitamente o contrato está pronto para renegociação.
Durante os últimos quatro anos tem havido considerável interesse
na comunidade financeira acerca do problema da oferta de petróleo.
Além disso, umas poucas pessoas voltadas para a
conservação tem-lhe prestado atenção. Como se pode
reduzir o dióxido de carbono na atmosfera? Esgotando o petróleo.
Os políticos e o publico em geral tem prestado pouca
atenção ao assunto. Aqui está parte da razão:
alguns observadores profissionais do petróleo declaram que a
produção mundial do óleo continuará a aumentar
até ao ano de 2030. Qualquer publicação que pretenda ser
"imparcial" sente-se assim obrigada a apresentar ambos os lados da
estória. Quando os profissionais divergem entre si, significará
isto que não há conhecimento real disponível? Será
seguro ignorar o problema até que os profissionais concordem entre si?
Aqui está a minha resposta: Nada fazer hoje é simplesmente
apostar que Hubbert está errado. A previsão de 1956 de Hubbert
de que a produção americana de petróleo atingiria o pico
no princípio da década de 1970 foi essencialmente correcta. A
previsão de 1969 de Hubbert de que a produção mundial de
petróleo atingiria o pico em torno do ano 2000 está agora a
verificar-se ser verdadeira (pormenores no Capítulo 3). Quinze anos
atrás, deveríamos ter começado a investir pesadamente em
estratégias energéticas alternativas. Tal oportunidade
está agora perdida. Já não há tempo útil
para investigação académica. Já não
há tempo para engenheiros desenvolverem nova maquinaria. Temos de
enfrentar os próximos cinco anos com os equipamentos concebidos que
já estão em produção. Não será
fácil.
Notas
[1] M. King Hubbert, "Energy Resources", in National Research
Council, Committe on Resources and Man,
Resources and Man
(San Francisco: W. H. Freeman, 1969), p. 196.
[2] Kenneth Deffeyes,
Hubbert's Peak: The Impending World Oil Shortage
(Princeton: Princeton University Press, 2001).
[*]
Geólogo, Professor Emérito da Universidade de Princeton.
O texto acima é o prefácio do seu livro
Beyond Oil: The View from Hubbert's Peak
,
Hill and Wang, New York, 2005, 202 p., ISBN 0-8090-2956-1.
Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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