Electro-DECO
por Demétrio Alves
A DECO Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor,
que tem como missão "a defesa dos direitos e legítimos
interesses dos consumidores", meteu-se numa empreitada de contornos
inéditos: promoveu um
leilão com o objetivo de obter das empresas que comercializam eletricidade ofertas para fornecimento, por um ano, a um conjunto de candidatos a clientes, para o efeito previamente inscritos
.
Antes desta iniciativa as empresas comercializadoras, lançadas na
corrida aberta pela liberalização, já vinham concedendo
alguns descontos "colossais": 2% na EDP e de 5% na Galp, ambos sobre
o preço final da conta, sem IVA. A Endesa dava também um desconto
de 5% sobre o preço da energia. A Iberdrola e a Fenosa têm vindo a
estudar o assunto.
É necessário esclarecer que, grande parte dos consumidores
domésticos de eletricidade se mantém ainda no sistema de tarifas
reguladas. Mas estão, contudo, sujeitos a uma enorme e
inaceitável pressão do regulador para se mudarem para o
"mercado liberalizado".
Formalmente não são obrigados a mudar, mas, através de uma
tarifa transitória que aumentará de três em três
meses, estão a ser empurrados para os braços dos
comercializadores em regime liberalizado. Desde que saiam do sistema regulado,
não poderão regressar.
Ou seja, estamos em período de caça ao consumidor, durante o qual
tudo vale.
A empresa vencedora de leilão foi a espanhola Endesa, liderada em
Portugal pelo ex-secretário de estado Nuno Ribeiro da Silva, que tem
vindo a dizer um pouco por todo o lado que não é possível
haver mercado liberalizado de eletricidade sem aumentar os
preços/tarifas de partida. Há vinte cinco anos atrás dizia
que a liberalização e a privatização eram vitais
para que os preços descessem.
A EDP afirmou que é difícil haver preços mais baixos no
mercado livre e não foi ao leilão.
A Galp também não foi e alegou que as condições
propostas pela Deco "não permitiam a elaboração de
uma oferta competitiva para as famílias portuguesas e com racionalidade
económica".
A mesma coisa se passou com as restantes empresas e, assim, a Endesa concorreu
sozinha.
Parece que a grande competição aconteceu, afinal, na
negociação das condições que a própria Deco
colocava à Endesa. Condições, diga-se, em favor da Deco,
porque entendeu fazer-se cobrar pelo "serviço" exigindo
inicialmente, por cada cliente angariado, cerca de 15 euros, baixando no final
para os 5 euros. Coisa que foi alvo de fortes críticas, com a
associação a ser acusada de estar a usar esta
operação para se financiar.
Consta que as negociações não decorreram nos souks de
Marraquexe.
Dos 578 080 potenciais clientes inscritos na iniciativa "Pague menos
Luz", a Deco espera que cerca cem mil adiram.
A partir de 15 de maio, os inscritos no leilão recebem no correio
eletrónico a proposta de tarifário e as respetivas
poupanças e têm até 30 de junho para subscreverem o
contrato, que é válido para as tarifas simples e
bi-horária.
POUPANÇAS: DE 0,80 A 6,50 EUROS/MÊS
Diz-se que as poupanças anuais que os sortudos futuros clientes da
Endesa poderão montar a uns fabulosos 5%, ou seja, entre 1 euro (oito
cêntimos por mês) e cerca de 80 euros (seis euros e meio mensais)
consoante a dimensão da sua fatura mensal. Para um cliente pobre
significa poder beber dois cafés por ano, e, os consumidores mais
abastados, poderão comer mais uma bifana e um fino.
Nada mau nos tempos que correm dirá a Deco, acrescentando que
além da fabulosa poupança monetária, a Endesa garante um
"tarifário" em estabilidade do preço por um ano. Depois
logo se verá.
Ah! Não esquecer que a Deco impôs uma questão
verdadeiramente superlativa: os contratos não poderão ter frases
escritas em carateres de pequenas dimensões. Para que os clientes
não sejam enganados.
Não se perderá tempo com as envolvências éticas e
legais da atuação da Deco, mas, não é
possível deixar de anotar que esta associação, que faz
parte de órgãos paritários de regulação
pública do setor elétrico, exatamente como representante dos
consumidores, aparece, nesta operação em concreto, como parte
interessada num negócio de comercialização de eletricidade
(a explicação de que o valor que cobra é para as despesas
não colhe).
Ao colaborar desta forma canhestra numa operação que, no fundo,
serve para dar a impressão de que existe "mercado livre" a
funcionar, pôs-se numa posição que a debilita.
Isto, claro, se a Deco pretende ser uma associação de defesa dos
consumidores e, não, uma Electro-DECO S.A.
O original encontra-se em
http://pracadobocage.wordpress.com/2013/05/26/electro-deco/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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