Império do petróleo:
O saqueio capitalista e a luta pela África
por Michael Watts
[*]
O sangue pode ser mais espesso que a água, mas o petróleo
é mais espesso que ambos.
Perry Anderson, "Scurrying Towards Bethlehem",
New Left Review,
Julho-Agosto 2001
No seu discurso sobre o Estado da União em 2006, George Bush disse
finalmente a palavra que os seus antecessores nunca ousaram exprimir em
público: vício
(addiction).
Os Estados Unidos, disse, estão "viciados" em petróleo
o que equivale a dizer que estão viciados no carro e em
consequência, têm uma dependência pouco saudável dos
fornecedores do Médio Oriente. O que ele se esqueceu de mencionar foi
que a estratégia dos Estados Unidos do pós 2ª Guerra Mundial
de aquisição global de petróleo um ponto central da
política externa americana desde que o Presidente Roosevelt se encontrou
com o Rei Saud da Arábia Saudita e concertaram em conjunto o seu
"relacionamento especial", a bordo do USS Quincy, em Fevereiro de
1945. está em ruínas. Os pilares daquela política
Irão, Arábia Saudita, os Estados petrolíferos do
Golfo Pérsico e a Venezuela já não são
carneiros mansos no redil imperial dos EUA.
Com a capacidade excedentária na OPEP ao nível mais baixo de
sempre e a especulação descontrolada nas bolsas, o
Big Oil
está inundado de dinheiro. Os lucros das empresas não têm
precedentes históricos. A Chevron facturou uns bons US$14 mil
milhões em 2005, e os ganhos do primeiro trimestre de 2006 são
50% mais altos que no ano anterior, um máximo histórico
suficientemente obsceno para pôr o Congresso a resmungar acerca de um
imposto extra sobre lucros. Os chamados riscos de abastecimento no Irão,
Venezuela e Nigéria, juntamente com os impulsos especulativos dos
negociantes petrolíferos, fizeram subir o preço do
petróleo para cerca de US$ 70/barril, e um antigo homem do
petróleo (rodeado por um bando de ex-homens do petróleo) anda
arrogantemente nos corredores da Casa Branca. Como se isso não bastasse,
o
New York Times
(27/Março/2006) noticia que através de uma "lei vaga"
("vague law")
o governo dos EUA vai prescindir, para as grandes companhias
petrolíferas, de cerca de US$7 mil milhões de royalties do Estado
nos próximos sete anos. Tudo isto leva-nos de volta ao embargo
petrolífero de 1973 e ao Projecto Independência do Presidente
Nixon, concebido para alcançar a auto-suficiência em 1980. Tal
política falhou miseravelmente (a dependência americana do
petróleo importado em finais dos anos 60 era de 20% e espera-se que seja
cerca de 66% por volta de 2025) e Nixon tentou maximizar o abastecimento
interno e recorrer a fornecedores estrangeiros fiáveis a custo
mínimo tal como George Bush planeia fazer.
Não é, pois, surpreendente que as fontes alternativas de
petróleo estejam muito presentes no radar de Bush (já que as
estratégias de conservação ou os aumentos dos impostos
sobre a gasolina estão notavelmente ausentes). O
National Energy Strategy Report
de Cheney, em 2001, lamentava o vício americano do petróleo
"uma dependência de potências estrangeiras que
não têm os interesses americanos no coração"
muito antes do discurso do Estado da União. Um relatório
recente no
Financial Times
(01/Março/2006) torna clara a nova agenda. Apesar de a África
não estar tão bem dotada de hidrocarbonetos (tanto gás
como petróleo) como os estados do Golfo, o continente "está
pronto para equilibrar a balança", e em consequência
está "sujeito a uma feroz competição por parte das
companhias de energia." A IHS Energy uma das maiores consultoras
das indústrias de petróleo espera que a
produção africana de petróleo, em especial ao longo do
litoral Atlântico, atraia "um amplo investimento na
exploração", contribuindo com mais de 30% da
produção mundial de hidrocarbonetos líquidos em 2010. Nos
últimos cinco anos, em que as novas descobertas de jazidas foram
escassas, um em cada quatro barris de novo petróleo descoberto fora da
América do Norte foi encontrado em África. Uma nova luta
está a preparar-se. O campo de batalha são os ricos campos
petrolíferos africanos (ver mapa)
.
Segurança energética é o nome do jogo. Não
surpreende, portanto, o apelo do Council on Foreign Relations por uma abordagem
diferente da África no seu novo relatório,
More than Humanitarism
(2005), apontando a "crescente importância estratégica"
de África na política dos Estados Unidos. É o golfo da
Guiné, na África Ocidental, englobando os ricos campos
on
e
offshore
desde a Nigéria até Angola, que representa a peça central
na alternativa de Bush aos cada vez mais voláteis e imprevisíveis
estados petrolíferos do Golfo Pérsico. Só a
Nigéria e Angola representam quase quatro milhões de barris por
dia (quase metade da produção africana) e só as companhias
americanas de petróleo investiram mais de 40 mil milhões de
dólares na região na última década (com outros US$
30 mil milhões esperados entre 2005 e 2010). O investimento
petrolífero representa agora mais de 50% de todo o investimento directo
estrangeiro (IDE) no continente (e mais de 60% de todo o IDE dos quatro
países receptores de IDE do topo), e quase 90% das fusões e
aquisições além-fronteiras desde 2003 têm sido no
sector mineiro e petrolífero. Os interesses estratégicos dos
Estados Unidos certamente incluem não só o acesso a
importações petrolíferas de baixo teor de enxofre, baratas
e de confiança, como também em manter à margem os chineses
(por exemplo no Sudão) e os sul-coreanos (por exemplo na Nigéria)
novos e agressivos actores no negócio do petróleo africano
assim como ao terror islâmico. A África é, de
acordo com a comunidade de serviços secretos, a "nova
fronteira" na luta contra o Islão revolucionário. A
segurança energética, verifica-se, é um híbrido
terrível do velho e do novo: a acumulação primitiva e o
militarismo americano unidos à guerra ao terror.
O caminho para a servidão
O pano de fundo da nova luta é a calamidade da pobreza africana
na linguagem do
Our Common Interest: The Report of The Commission on Africa
(2005), compilado por Tony Blair e Gordon Brown, "a maior tragédia
do nosso tempo". Eles apelidaram o ano de 2005 como o "Ano de
África". Em Junho desse ano, os concertos do
Live 8
tiveram uma audiência global de dois mil milhões, e uma semana
mais tarde o G8 comprometeu-se a dobrar a ajuda à África (US$ 25
mil milhões em 2010) e perdoou as dívidas de 14 estados
africanos. A pobreza africana impôs-se na ribalta internacional, ajudada
e protegida por um grupo heterogéneo de personalidades
humanitárias, de Bono a Jeffrey Sachs e ao Papa. Os marcos na crescente
visibilidade internacional da crise africana incluem a
United Nations Millennium Declaration
em
2000;
o
Millennium Challenge Account;
o
President's Emergency Plan for AIDS Relief (PEPFAR);
e o
African Growth And Opportunity Act,
todos lançados pelo presidente Bush; e agora, o
World Bank African Action Plan.
Colectivamente, estes paliativos foram respostas atrasadas à
situação inaceitável ao fim de duas décadas de
globalização, reformas, e da demanda do Santo Graal da boa
governação. No próprio continente, a
New Economic Partnership for African Development
[NEPAD] (2001) e a relançada União Africana (a antiga
Organização para a Unidade Africana) defendiam que a má
liderança (as patologias do estado africano pós-colonial
são variadamente descritas como o patrimonialismo, a
corrupção, a pilhagem, a condição de quase estado,
o pós-colonialismo, e as políticas do umbigo) eram para serem
levadas a sério pela classe política africana, que aparentemente
representava um novo tipo de abertura democrática desencadeada pela onda
de transições políticas durante os anos 90.
Contudo, encarar a crise africana como um falhanço moral ou ético
da "comunidade internacional" (não apenas no seu
falhanço em cumprir os compromissos assumidos pelos Objectivos de
Desenvolvimento do Milénio, de reduzir a pobreza para metade até
2015) é apenas uma verdade parcial. A verdadeira crise de África
é que depois de 25 anos de reformas neoliberais brutais, de ajustamentos
estruturais selvagens do Banco Mundial e de estabilizações do
FMI, o desenvolvimento africano fracassou catastroficamente.
William Easterly, antigo burocrata
de alto nível do Banco Mundial, na sua nova dilacerante
demolição dos ajustamentos estruturais
"A quarter century of economic failure and political chaos"
ousa afirmar que toda a inenarrável empresa de reforma
planeada é "absurda" (
http://www.nyu.edu/fas/institute/dri/Easterly/
). Foi a África, ao fim ao cabo, o campo de ensaios para a
contra-revolução hayekiana que varreu a economia do
desenvolvimento dos anos 70. Começou com a publicação do
Accelerated Development in Sub-Saharan Africa: An Agenda for Action
(conhecido como o "Relatório Berg"), o primeiro de uma
série de relatórios do Banco Mundial que focavam os problemas do
desenvolvimento da África Subsariana. Esta foi a primeira tentativa
sistemática para estender a experiência do Grupo de Chicago no
Chile pós-Allende e impô-la a um continente inteiro. As ideias de
Elliot Berg e dos seus companheiros de viagem marcaram o triunfo de uma longa
marcha de afins como Peter Bauer, H.G. Johnson e Deepak Lal (habilmente
apoiados pelos
think tanks
monetaristas, tais como o Institute Of Economic Affairs e a Mont Pelerin
Society, e a espantosa subida ao poder de antigos personagens de Leo Strauss e
Fredrich Hayek (da "Escola de Chicago") em instituições
de desenvolvimento como o Banco Mundial. Muito antes da terapia de choque na
Europa de Leste ou mesmo dos "ajustes" motivados pela dívida
levados a cabo na América Latina, a África Subsaariana foi o
campo de recreio do assalto neoliberal. De acordo com as Nações
Unidas, 26 dos 32 países subsaarianos tinham um regime económico
"liberal" em 1998. Quase todos haviam experimentado algum tipo de
programa de ajuste estrutural no rastro do relatório Berg.
Se os anos 80 foram a Década Perdida para África, com os
preços das mercadorias em queda, deterioração dos termos
de troca, e as primeiras ondas de choque de austeridade do FMI
então, como é que se podem caracterizar os últimos 15
anos, nos quais os benefícios da reforma deveriam finalmente ser
sentidos, mas nos quais a esperança média de vida por toda a
África subsaariana caiu continuamente e os rendimentos per capita, na
melhor das hipóteses, estagnaram? E tudo isto durante um período
em que a ajuda oficial estrangeira para o desenvolvimento caiu 40% (de US$ 18.7
para US$ 10 mil milhões).
Em África, o julgamento do neoliberalismo concluiu-se e o veredicto foi
pronunciado. O quadro não é bonito. Ao longo dos últimos
trinta anos não houve aumento do rendimento do africano médio. A
esperança de vida é de 46 anos. Vinte e três de 47 estados
subsaarianos têm um PIB inferior a US$ 3 mil milhões (o lucro
líquido da ExxonMobil no primeiro trimestre de 2006 foi de US$ 8 mil
milhões). Em 2005, 38 dos 59 países prioritários que
falharam em aproximar-se dos Objectivos do Milénio eram estados
subsaarianos, e segundo o
Chronic Poverty Report 200405,
todos os 16 países dos mais "desesperadamente despojados"
estão localizados na África Subs ariana. Mais de 300
milhões de pessoas vivem com menos de US$ 2 por dia e espera-se
que este número ascenda a 400 milhões em 2015. Um terço
da população do continente é subnutrida; as taxas de
atrofias no crescimento andam quase nos 40%. Segundo uma
avaliação da Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e Agricultura, em Janeiro de 2006 vinte
e sete países precisam ajuda alimentar urgente. Como já escrevi,
a fome na Somália é da ordem da crise catastrófica que
devastou a região em meados da década de 80; o pesadelo em Darfur
estendeu-se ao Chade com a perspectiva de centenas de milhares de refugiados
serem empurrados e atirados para a grande bacia do Chade, de um modo demasiado
parecido com a crise da África Central ocorrida uma década antes.
O tsunami neoliberal abateu-se com uma terrível ferocidade sobre as
cidades africanas e sobre o mundo africano dos bairros da lata em particular.
As reformas a privatização dos serviços
públicos, gerando lucros maciços para as empresas e um
declínio na prestação de serviços, a
destruição de serviços urbanos, a
pauperização de muitos sectores da mão-de-obra do sector
público, o colapso das manufacturas e dos salários reais e,
muitas vezes, o desaparecimento da classe média foram
implacavelmente anti-urbanos nos seus efeitos, como Mike Davis documenta no
Planet of Slums
(Verso, 2005). Em consequência, as cidades africanas enfrentaram as
horrendas realidades de uma contracção económica de 2-5%
por ano, combinada com um crescimento continuado da população de
cerca de 10% ao ano (a mão-de-obra urbana do Zimbábue cresceu 300
mil por ano nos anos 90 ao passo que o emprego urbano cresceu apenas 3% desse
total). Em Dar-es-Salam, as despesas com serviços públicos per
capita caíram 10% ao ano na década de 80; em Cartum o ajustamento
criou um milhão de "novos pobres"; e a pobreza urbana na
Nigéria quase triplicou entre 1980 e meados da década de 90.
Não admira que 85% do crescimento urbano em Nairobi, Kinshasha e
Nouakchott nos anos 80 e 90 tenha sido localizado nos bairros de lata de
cidades ingovernáveis e em expansão. O pior pesadelo urbano de
toda a gente Lagos cresceu de 300 mil para 13 milhões em
50 anos e espera-se que em 2020 se torne parte de um vasto bairro de lata com
60 milhões de pobres no Golfo da Guiné, ao longo de um corredor
litoral de 600 quilómetros, desde o Benin até Acra. A
África Negra terá 332 milhões de habitantes em bairros da
lata em 2015, um número que se prevê duplicar a cada quinze anos.
A pilhagem e a privatização do estado quaisquer que sejam
as suas "patologias" africanas e dos terrenos públicos
africanos é o espectáculo mais extraordinário de
acumulação através do saque
(dispossession),
tudo feito em nome da assistência estrangeira. A
involução da cidade africana, nota Davis, tem como seu
corolário não um
lumpenproletariat
insurgente, mas um vasto universo político de Islamismo e
Pentecostalismo. É este mundo oculto de poderes invisíveis
seja o Islão populista em Kano ou a bruxaria no Soweto que
representa o legado ideológico mais irrefutável da utopia
neoliberal em África.
Como para confirmar o catastrofismo de comentadores como Robert Kaplan, a
calamidade que é o desenvolvimento africano levou directamente a outra:
a epidemia do HIV/SIDA. Embora novos dados epidemiológicos sugiram que
as taxas de prevalência e os possíveis impactos
demográficos e sócio-económicos para a maior parte da
África ocidental e do nordeste possam ter sido exagerados (
Guardian,
21/Abril/2006), a mortalha que a doença tem imposto em algumas
regiões é incontestável. O impacto do HIV/SIDA com
8% de prevalência entre adultos e 28 milhões de infectados, a
África contabiliza 2,3 milhões de mortos por ano pelo
vírus transformou a esperança de vida no sul e leste de
África. Há 20 anos, uma criança podia razoavelmente
esperar viver até aos 60 no Botswana; actualmente a expectatativa
é cerca de 30 anos. Em 2010, haverá mais de 50 milhões de
órfãos em África.
É claro que existem aqueles dentro do negócio do desenvolvimento
para quem o fracasso do desenvolvimento nacionalista laico resulta não
de demasiado neoliberalismo, mas sim de insuficiente. A queixa aqui,
tipicamente daqueles que fazem parte da elite do mercado livre, é de que
o ajustamento e a estabilização nunca foram implementados (uma
visão da direita da afirmação da esquerda de que o
ajustamento estava a pedir às classes dirigentes de África que
cometessem o suicídio político). Há, naturalmente, alguma
verdade nisto (mas o lamento de qualquer fracassado será sempre
"nós fomos derrotados por não irmos bastante longe").
Apesar dos padrões geográficos radicalmente desiguais de
governação, a tendência geral tem sido aumentar a
desigualdade social e expor os pobres à austeridade e
marginalização. E a realidade é que em África as
reformas do Banco Mundial, e as pressões impostas pela OMC a partir de
meados da década de 90, tiveram consequências drásticas
para o comércio e o investimento o teste ácido do
desenvolvimento neoliberal o que pode ser visto no desmantelamento
generalizado das comissões de mercado e das protecções
comerciais dos estados. E aqui o quadro é devastador. Em termos
absolutos, as exportações africanas cresceram bastante depressa
desde 1963 até 2000, mas a um ritmo muito mais baixo do que o
comércio mundial em geral. A parte africana das
exportações mundiais caiu de quase 6% em 1962 para 2% em 2000.
As taxas de crescimento das exportações dos produtos
não-petrolíferos (alimentos e manufacturas) entre 1980 e 1998
foram miseráveis. Tem sido discutido que dadas as
condições de África (rendimento, geografia e
condições sócio-económicas), o desempenho é
"médio". Todavia, é incontestável que as
exportações africanas são caracterizadas no seu todo por
uma "desintegração dos mercados do norte" e o
"isolamento dos desenvolvimentos mais dinâmicos na
composição do comércio internacional" (Peter Gibbon &
Stefano Ponte,
Trading Down
[Temple University Press, 2005], 44). A UNCTAD
[1]
mostrou que, das exportações de 26 estados africanos, a
concentração média em exportações
primárias permaneceu basicamente inalterável (à volta de
85%) desde 1980. Em todas as categorias, a África Subsaariana falhou em
ascender na cadeia do valor acrescentado de modo a afastar-se das
produções primárias.
O que é especialmente impressionante é que o medo da
década de 80 de a África ficar largamente à margem dos
circuitos da acumulação capitalista e dos fluxos de recursos
globais e poder ser ainda mais marginalizada, sob certos aspectos provou-se
estar muito aquém da realidade. É quase chocante pensar que na
década de 70 a África representava 25% do IDE do terceiro mundo.
Em 2000, havia caído para 3,8% (actualmente a parte africana no IDE
é menos do que 1%). No período 1981-85, o IDE em África
estava em US$ 1,7 mil milhões por ano; em 1991-95 havia crescido para
US 3,8 mil milhões. Contudo, como percentagem do IDE de todos os
países em desenvolvimento, o número representava um
declínio secular de 9% de todo o IDE, para menos de 5% (de todo em todo
minúsculo quando comparado à Ásia do Sul e Leste e
América Latina). Entre 1995 e 2001, o influxo de IDE aumentou para US$
7 mil milhões por ano, mas quase dois terços da carteira foram
destinados a três países (Angola, Nigéria e África
do Sul, nos quais o IDE em petróleo representava 90% de todo o IDE,
[3]
). Metade dos estados africanos não recebeu efectivamente nada. Dois
terços do IDE vinham dos mesmos três países (Reino Unido,
Alemanha e Estados Unidos) que dominavam o fornecimento de IDE em 1980.
Segundo o
World Investment Report
(2005), o IDE em África é actualmente de US$ 18 mil
milhões; quatro países contam 50% e os dez países de topo
recebem quase três quartos. Para pôr as coisas claras, o grosso do
investimento privado transnacional a marca de êxito do projecto
neoliberal foi monopolizado por um quarteto de economias
energéticas-mineiras. O resto do continente era essencialmente
insignificante. Do ponto de vista do Ano de África, os fluxos de
investimento no continente foram uma grave decepção.
A crise de acumulação africana, e a dinâmica dos fluxos de
capital e de comércio, são na prática complexos e
desiguais. Juntamente com o petróleo (e em poucos casos do crescimento
da manufactura em lugares como a Mauritânia, que são pouco mais do
que plataformas nacionais de processamento de exportação), a
outra fonte de dinâmica económica é a emergência
(desigual) das cadeias de valor globais. Isto pode ser visto sobretudo em
relação a produtos agrícolas de alto valor (frutos frescos
e vegetais) na África do Sul, flores no Quénia, feijões
verdes no Senegal. Tais formas de contratos de produção,
tipicamente cadeias de produtos motivadas pelo comprador, nas quais os
retalhistas exercem um enorme poder, criaram ilhas de capitalismo
agrário que contribuem e aprofundam os padrões de desigualdade
existentes em África e ainda servem os interesses de elites de
negócios, que muitas vezes não são africanas. O
aprofundamento da produção de mercadorias no campo, a par das
pressões demográficas (provocadas tanto pela guerra civil e
deslocação como por regimes de elevada fertilidade) tornou as
lutas pela terra uma parte vivaz da nova paisagem do desenvolvimento africano.
Não é de surpreender que contra este pano de fundo o
establishment
do desenvolvimento se agite desordenadamente. Por um lado, está o
antigo economista do Banco Mundial, William Easterly, para quem toda a ajuda
(ao planeamento) foi um fracasso total (e irresponsável). A
solução [para ele] é não planear, de todo. Ao
invés de planeadores do seu ponto de vista os estenógrafos
do FMI/IBRD
[2]
são na realidade estalinistas em roupagem neoliberal e afins
como Bono e Tony Blair, precisamos de encontrar uma grande quantidade de
"investigadores", como o guru do micro crédito Mohammed Yunus.
No outro lado, está a indústria de um homem só,
também conhecido por Jeffrey Sachs, que procura expandir a ajuda externa
US$ 30 mil milhões por ano para África e iniciar um
Pacto Global através do qual os "ricos irão ajudar a salvar
os pobres", que são muito prejudicados tanto pela fraca geografia
física como pelo fracasso da governação.
Na realidade o que está a ser oferecido é um mundo ainda mais
desolado de neoliberalismo militar. Num polo estão enclaves de
acumulação, muitas vezes fortificados militarmente (de que o
complexo petrolífero é o caso paradigmático) e os mercados
violentos, por vezes caóticos, descritos tão graficamente
descritos no documentário
Darwin´s Nightmare
[3]
. No outro polo estão os buracos negros de recessão, retrocesso
e da mercantilização desigual. Estas complexas
trajectórias da acumulação neste momento estão
dominadas pela centralidade da extracção e um retorno à
produção de mercadorias primárias.
A petropolítica e os novos "Estados do Golfo" africanos
Hoje em dia a África é o centro de um grande boom do
petróleo, um índice da centralidade do sector da
produção primária como a fonte mais importante da
acumulação capitalista no continente. O continente representa
à volta de 10% da produção de petróleo mundial e
9,3% das reservas conhecidas. Apesar dos campos de petróleo em
África serem geralmente mais pequenos e mais profundos do que os do
Médio Oriente e os custos de produção serem,
consequentemente, 3 a 4 vezes mais altos o petróleo bruto
africano tem habitualmente baixo teor de enxofre e é atractivo para os
importadores americanos. Como produtor comercial de petróleo, a
África chegou, contudo, um pouco tarde à era dos hidrocarbonetos.
A produção de petróleo em África começou no
Egipto em 1910 e a sério apenas na Líbia e na Argélia (sob
os auspícios italianos e franceses) nos anos 30 e 40. Actualmente
existem doze grandes produtores de petróleo em África
membros da Associação Africana de Produtores de Petróleo
dominada, por ordem de produção, pela Nigéria,
Argélia, Líbia e Angola que, colectivamente, contabilizam 85% da
produção africana. Todos os grandes produtores de
petróleo africanos estão altamente dependentes da sua
extracção. Entre os seis primeiros estados petrolíferos
africanos, o óleo totaliza 75-95% de todas as receitas de
exportação, 30-40% do PIB e 50-80% das receitas governamentais.
Até à década de 70, o Norte de África dominava a
produção de petróleo e gás no continente, mas nas
últimas três décadas o centro de produção
mudou-se decisivamente para o Golfo da Guiné englobando os ricos campos,
on
e
offshore,
que vão da Nigéria a Angola. O Golfo constituído
pelos chamados Estados do Golfo da África Ocidental emergiu como
o fornecedor africano predominante no cada vez mais tenso e volátil
mercado mundial de petróleo. Os
think tanks
de Washington DC e as falanges de lóbistas do petróleo
estão profundamente preocupados com a segurança do Golfo da
Guiné, os interesses americanos e o envolvimento americano na
região.
O Gabão e a Guiné Equatorial são os únicos estados
africanos com elevada capitação de petróleo (as chamadas
dotações de petróleo), comparáveis a estados
escassamente povoados e ricos em petróleo como o Kuwait e o Catar.
Apenas a Nigéria figura na lista dos 15 maiores produtores mundiais. A
Nigéria, Argélia e Líbia são respectivamente o
oitavo, décimo e décimo segundo maiores exportadores de
petróleo. Estes três estados e o Gabão são todos
membros da OPEP.
Todos os governos africanos organizaram os seus sectores petrolíferos
através de companhias estatais de petróleo que têm alguma
forma de parceria com as maiores companhias transnacionais de petróleo
(que operam normalmente através de
oil leases
e
joint memoranda of understanding
). Em geral, as companhias petrolíferas internacionais que operam em
África têm acordos de partilha da produção com as
companhias estatais de petróleo (A Nigéria é a
excepção, pois opera largamente através de
joint ventures
). Os governos africanos garantem às companhias um mínimo de
lucro de acordo com os critérios geológicos, tecnológicos
e de investimento. A companhia nacional paga
royalties
pela quantidade de bruto produzido, após dedução dos
custos operacionais. Todos estes petro-estados estão marcados pela
chamada maldição dos recursos: corrupção
avassaladora, governo autoritário e desempenho económico
miserável (ver Ian Gary & Terry Karl,
Bottom of the Barrel,
Catholic Relief Services, 2003). As operações
mortíferas da aliança entre empresas petrolíferas e
estados petrolíferos autocratas ajudaram a impor a questão da
transparência das operações petrolíferas na agenda
internacional. A
Extractive Industries Transparency Initiative
de Tony Blair, o programa
Oil Diagnostic
do FMI e o
Revenue Watch
da Fundação Soros, são todos eles esforços de
regulação "voluntária" para dar um verniz de
respeitabilidade a uma indústria grosseira e turbulenta.
Nigéria: Ascensão e queda de um Estado petrolifero
A Nigéria é a jóia da coroa africana do petróleo.
Ninguém duvida da importância estratégica da Nigéria
contemporânea. Um em cada cinco africanos é nigeriano a
população do país é actualmente estimada em 137
milhões e é o sétimo maior exportador de
petróleo que fornece o mercado dos Estados Unidos com aproximadamente 8%
das suas importações. Membro da OPEP há muito tempo, a
Nigéria é o protótipo da "nação
petrolífera". Com reservas estimadas em quase 40 mil
milhões de barris, o petróleo em 2004 representava 80% das
receitas do governo, 90% dos rendimentos do comércio exterior, 96% de
receitas de exportação e, de acordo com o FMI, quase a metade do
PIB. A produção de bruto é actualmente de mais de 2,1
milhões de barris por dia avaliados em mais de US$ 20 mil
milhões, aos preços de 2004. Assente
sobretudo em terra firme,
em 250 campos espalhados ao longo do delta do Níger, o sector do
petróleo da Nigéria representa agora uma vasta infra-estrutura
industrial interna: mais de três centenas de campos de petróleo,
5 284 poços, 7 000 quilómetros de oleodutos, dez terminais de
exportação, 275 estações de bombagem, dez
instalações de gás, quatro refinarias e um projecto
maciço de gás natural liquefeito (GNL) (in Bonny e Brass).
A ascensão da Nigéria enquanto actor estratégico no mundo
da geopolítica do petróleo tem sido dramática e ocorreu
largamente no seguimento da guerra civil que acabou em 1970. Em finais da
década de 50, os produtos petrolíferos eram insignificantes,
representando menos 2% do total das exportações. Entre 1960 e
1973, a produção de petróleo explodiu de apenas 5
milhões para 600 milhões de barris. As receitas
petrolíferas do governo, por sua vez, passaram de 66 milhões de
nairas em 1970, para 10 mil milhões em 1980. Uma indústria
multibilionária de petróleo provou, contudo, ser um pouco mais do
que um pesadelo (
Nigéria: Want in the Midst of Plenty,
Africa Report 113, Internacional Crisis Group, 2006). Inventariar os
"feitos" do desenvolvimento petrolífero nigeriano é um
exercício salutar: 85% das receitas do petróleo concentram-se em
1% da população; dos US$ 400 mil milhões de receitas,
talvez US$100 mil milhões tenham simplesmente "desaparecido"
desde 1970. O responsável contra a corrupção, Nuhu
Ribadu, afirmou que em 2003 setenta por cento da riqueza petrolífera do
país foi roubada ou desperdiçada; em 2005 foram
"apenas" 40%. Ao longo do período 1965-2004, o rendimento per
capita caiu de US$ 250 para US$ 212; a desigualdade na
distribuição do rendimento aumentou marcadamente ao longo do
mesmo período. Entre 1970 e 2000 o número de pessoas que viviam
na Nigéria com menos de um dólar por dia cresceu de 36% para mais
de 70%, de 19 milhões para uns incríveis 90 milhões. De
acordo com o FMI, o petróleo "não pareceu acrescentar nada
ao nível de vida" e "pode ter contribuído para um
declínio no nível de vida" (Martin & Subramanian,
Adressing the Resource Curse
[FMI, 2003], 4). Na última década, o PIB per capita e a
esperança de vida caíram, de acordo com as estimativas do Banco
Mundial.
Aquilo que se oferece em nome do petro-desenvolvimento é
terrífico e um fracasso catastrófico do desenvolvimento
nacionalista. Por vezes é difícil compreender todas as
consequências e profundidade desta afirmação. Do ponto de
vista do Delta do Níger mas não menos nos vastos mundos de
bairros de lata de Kano ou de Lagos o desenvolvimento e a riqueza
petrolífera são uma anedota cruel. Estes paradoxos e
contradições em nenhum lugar são maiores do que nos campos
petrolíferos do Delta do Níger. Nos ricos estados
petrolíferos de Bayelsa e Delta há um médico para cada 150
mil habitantes. O petróleo apenas trouxe pobreza, violência de
estado e um ecossistema moribundo. Não é grande surpresa que
meio século de negligência à sombra do ouro negro tenha
criado uma política inflamável. Entretanto, o projecto
democrático iniciado em 1999 aparece cada vez mais esvaziado.
A origem da herança de pesadelo da política do petróleo
deve ser procurada nos dias do
boom
precipitado na década de 70. O
boom
detonou um enorme influxo de petrodólares e lançou um programa
ambicioso (e amplamente autocrático) de modernização
levada a cabo pelo estado. Central para as operações da nova
economia do petróleo era a emergência de um "complexo
petrolífero" que se sobrepunha, mas não era idêntico,
ao "petro-estado". Este último é composto de
vários elementos institucionais chave: (1) um monopólio
estatutário sobre a exploração mineral, (2) uma companhia
petrolífera nacionalizada (estado) que opera através de
joint ventures
com as grandes companhias a quem são garantidas concessões
(blocos) territoriais, (3) os aparelhos de segurança do estado (que
trabalham muitas vezes de maneira complementar com as forças de
segurança privadas das companhias) para assegurar que os grandes
investimentos fiquem protegidos, (4) as próprias comunidades produtoras
de petróleo, sob cuja jurisdição estão localizados
os poços, e (5) um mecanismo político através do qual as
receitas do petróleo são distribuídas.
A questão da distribuição das receitas do petróleo
quer seja num sistema federal como na Nigéria ou numa monarquia
autocrática como na Arábia Saudita é uma componente
indispensável do entendimento da política inflamável de
petróleo imperial. Na Nigéria, há quatro mecanismos chave
de distribuição: a conta federal (rendas apropriadas directamente
pelo governo federal); um princípio derivado do estado (o direito de
cada estado a receber uma parte dos impostos que os seus habitantes
supostamente contribuíram para o erário federal); a conta da
federação (ou conta conjunta dos estados) que distribui receita
pelos estados com base na necessidade, população e outros
critérios; uma conta de concessão especial (que inclui verbas
destinadas directamente ao Delta do Níger, por exemplo através da
notoriamente corrupta Comissão para o Desenvolvimento do Delta do
Níger). Ao longo do tempo, as receitas derivada caíram (e por
isso as receitas directamente controladas pelos estados ricos em
petróleo do Delta do Níger encolheram) e a conta conjunta dos
estados cresceu imenso. Em suma, tem havido um processo de centralismo fiscal
radical, no qual os estados produtores de petróleo (compostos de
minorias étnicas) perderam e as maiorias étnicas
não-produtoras de petróleo ganharam por meios honrados ou
asquerosos.
Por cima do petro-estado nigeriano está, por sua vez, uma mistura
volátil de forças que dão forma ao complexo
petrolífero. Primeiro, o interesse geo-estratégico no
petróleo significa que as forças militares e outras constituem
parte do complexo petrolífero local. Segundo, a sociedade civil local e
global participa no complexo petrolífero quer através de grupos
de advocacia transnacional preocupados com os direitos humanos e a
transparência do todo o sector do petróleo, quer através de
movimentos sociais locais e ONGs que lutam contra as consequências da
indústria petrolífera e a responsabilidade do petro-estado.
Terceiro, o negócio transnacional petrolífero as grandes
companhias, os independentes e a vasta indústria dos serviços
está activamente envolvido no processo de desenvolvimento social
através do desenvolvimento comunitário, responsabilidade social
das empresas e a inclusão dos envolvidos. Quarta, a luta
inevitável pela riqueza do petróleo quem a controla e
detém, quem tem direitos sobre ela, e como essa riqueza será
distribuída e usada insere uma panóplia de forças
políticas locais (milícias étnicas, paramilitares,
movimentos separatistas e outros) nas operações do complexo de
petrolífero (as condições na Colômbia são um
caso exemplar). Em certas circunstâncias, as operações
petrolíferas são objecto de guerras civis. Quinto, as
agências de desenvolvimento multilateral (o FMI e o IBRD
[2]
) e as companhias financeiras, como as agências de crédito para
exportação, aparecem como os "corretores" chave na
construção e expansão dos sectores energéticos nos
estados produtores de petróleo (e ultimamente as multilaterais
são pressionadas para imporem a transparência entre os governos e
companhias petrolíferas). E, não menos importante, há uma
relação entre o petróleo e o mundo suspeito das drogas,
riqueza ilícita (roubo de petróleo, por exemplo),
mercenários e economia negra.
O complexo petrolífero é uma espécie de enclave
corporativo, mas também um centro de cálculo político e
económico que só pode ser entendido através das
operações de um conjunto de forças locais, nacionais e
transnacionais que podem ser apelidadas como "o império do
petróleo". A luta pelo controlo dos recursos, que se tornou
central durante última década na Nigéria à medida
que o Delta do Níger se tornou mais ingovernável (porque a luta
assumiu um molde mais militante), cresce precisamente a partir desta
composição de forças que constituem o complexo
petrolífero.
Petróleo imperial: As contradições da política de
segurança petrolífera dos Estados Unidos
Nesta tela da segurança do petróleo africano e do fracasso
notório da política petrolífera do pós-guerra dos
Estados Unidos, acontecimentos recentes na Nigéria e sobretudo no
Delta do Níger produtor de petróleo tornaram-se manchetes
(e chamaram a atenção dos mercados do petróleo). A
fragilidade da economia petrolífera da Nigéria foi dramaticamente
posta em relevo pelo abandono de representantes políticos da
região produtora de petróleo de um encontro nacional sobre a
distribuição das receitas petrolíferas; a prisão de
um militante do Delta e líder da insurgência sob
acusação de traição, em finais de 2005; uma grande
escalada de ataques violentos às instalação de
petróleo em Dezembro de 2005 e JaneiroFevereiro 2006 pelos
militantes Ijaw, que incluíram a tomada de reféns por um grupo
militante largamente desconhecido, o Movimento para a Emancipação
do Delta do Níger (MEDN). No início de 2006, 630 mil barris por
dia estavam comprometidos pela instabilidade política e pelos ataques.
Mas esta turbulência tem que ser ela própria colocada num quadro
histórico mais vasto. Desde os finais dos anos 90 tem havido uma
substancial escalada da violência nos campos petrolíferos do
delta, acompanhada de grandes ataques às instalações
petrolíferas. A violência civil nas e entre as comunidade
produtoras de petróleo e as forças de segurança estatais
é endémica (estima-se que mais de mil pessoas morrem anualmente
devido a violência relacionada com o petróleo).
Na última década, o Delta do Níger tem sido sacudido pela
insurreição. Uma análise da indústria preparada
pela Companhia Nacional Nigeriana de Petróleo (CNNP) e publicada em 2003
tinha como título
"Back from the Brink".
Mostrava um sinistro "perfil de risco" para o
Big Oil.
Um relatório confidencial que transpirou da Shell, no mesmo ano,
constatava explicitamente que a sua "licença para operar" na
Nigéria estava posta em causa. E com razão. A CNNP estimava que
entre 1998 e 2003, houve 400 "actos de vandalismo" nas
instalações de companhias em cada ano (581 entre Janeiro e
Setembro de 2004), e as perdas de petróleo totalizavam mil
milhões de dólares anualmente. As tácticas e
repertórios usados contra as companhias têm sido variados:
manifestações e bloqueios contra as instalações
petrolíferas; ocupações das estações de
bombagem e plataformas; sabotagem de oleodutos;
bunkering
[4]
de petróleo, ou roubo (desde a pequena violação das
linhas de combustível até às apropriações em
grande escala de bruto nas estações de bombagem);
instauração de processos judiciais contra as companhias; captura
de reféns; e greves. Um grande grupo de mulheres Ijaw que ocupou as
refinarias de petróleo da Chevron perto de Warri em 2002, exigindo
investimentos da companhia e empregos para os indígenas (
New York Times,
13 de Agosto, 2002), revelou a ponta de um vasto icebergue político.
O aumento da violência comunal no ano seguinte resultou em muitas mortes,
em vasta destruição e na deslocação das comunidades
à volta do complexo de petróleo em Warri. Sete trabalhadores das
companhias petrolíferas foram mortos em Março de 2003, levando a
que todas as grandes companhias de petróleo retirassem pessoal,
encerrassem operações e reduzissem a extracção em
mais de 750 mil barris por dia (40% da extracção nacional).
Estes acontecimentos, por sua vez, levaram o presidente Obasanjo a enviar um
vasto contingente de tropas para as zonas produtoras de petróleo. Os
militantes Ijaw, lutando para conseguirem a sua parte do
bunkering
do comércio ilegal de petróleo (algumas estimativas sugerem que
esta forma inovadora de roubo de petróleo escoa uns espantosos 15% da
produção nacional), ameaçaram destruir onze
instalações petrolíferas capturadas. Em Abril de 2004,
outra onda de violência irrompeu à volta das
instalações petrolíferas (no fim de Abril, a Shell perdeu
mais de 370 mil barris por dia de produção, sobretudo no delta
ocidental), desta vez com a presença de insurgentes armados,
designadamente de duas milícias étnicas lideradas por Ateke Tom
(os Vigilante do Delta do Níger) e Alhaji Asari (a Força
Voluntária do Povo do Delta do Níger). Cada um deles era
conduzido, e financiado em parte, pelos dinheiros do petróleo e o roubo
de petróleo altamente organizado. Dez anos após o enforcamento de
Ken Saro-Wiwa e da militarização dos campos petrolíferos
de Ogoni pouco mudou. As condições dos campos petrolíferos
são as mesmas, apenas piores. As forças de segurança
continuam a operar com impunidade, o governo falhou em proteger as comunidades
nas zonas de produção de petróleo, enquanto providenciava
segurança para a indústria petrolífera, e as
próprias companhias de petróleo têm uma quota-parte de
responsabilidade na miséria confrangedora e instabilidade
política da região.
Contudo, a nova violência e instabilidade é de certa forma um
divisor de águas decisivo. Entre as exigências do MEDN estava a
libertação de dois líderes importantes do Ijaw, sendo os
Ijaw o maior e mais militante grupo minoritário no Delta Nigeriano. No
dia 29 de Janeiro de 2006, estes reféns foram libertados ilesos apesar
de os líderes Ijaw em questão permanecerem presos em Abuja, a
capital nigeriana. Na primeira semana de Fevereiro, o MEDN apelou à
comunidade internacional para evacuar do Delta do Níger até 12 de
Fevereiro ou enfrentar ataques violentos. Duas semanas depois, o MEDN
reivindicou o ataque a um navio federal e o rapto de nove trabalhadores da
companhia de serviços petrolíferos Willbros, aparentemente em
retaliação ao ataque dos militares nigerianos a uma comunidade no
delta ocidental. O governo nigeriano alegou que tinham atacado barcaças
envolvidas no contrabando de petróleo. O objectivo principal do MEDN
era reduzir a produção nigeriana em 30%. Nos primeiros
três meses de 2006, perderam-se mil milhões de dólares em
receitas petrolíferas; e vinte e nove soldados nigerianos foram mortos
na sublevação, e enquanto escrevo, foram tomados 40 reféns
numa estação de bombagem da AGIP no estado de Bayelsa. A
situação nos campos petrolíferos é agora tão
carregada como em qualquer altura desde o fim da guerra civil em 1970. Em
finais de Julho de 2006, a produção de petróleo fora
reduzida em 700 mil barris por dia (ver
The Swamps of Insurgency: Nigeria´s Delta Unrest,
Africa Report 115, International Group, 2006).
A crise actual aponta para o facto de a região produtora de
petróleo na Nigéria estar agora no centro da política
nigeriana por quatro motivos. Primeiro, os esforços realizados
por um certo número de estados do Delta do Níger pelo
"controlo dos recursos", acesso alargado e controlo sobre o
petróleo e sobre as suas receitas. Segundo, a luta pela
autodeterminação de povos minoritários na região e
o clamor por uma conferência nacional de soberania para reescrever a base
constitucional da própria federação. Terceiro, há
uma crise de autoridade na região à medida que inúmeros
governos estaduais e locais se tornam impotentes face aos movimentos juvenis de
militantes, insegurança crescente e violência dentro das
comunidades, inter-étnica e de estado, que como os acontecimentos
indicam podem ameaçar o fluxo do petróleo e a muito
louvada segurança energética dos Estados Unidos. E não
menos importante, há a emergência de uma chamada Aliança
Sul-Sul, criando uma coligação poderosa de pequenos estados
produtores de petróleo até aqui politicamente marginalizados
(Akwa Ibom, Bayelsa, Cross River, Delta, Ondo e Rivers), capaz de desafiar as
maiorias étnicas dominantes (os Hausa, os Yoruba e os Ibo) na corrida
para as eleições de 2007.
Sem surpresa, as operações mortíferas do petróleo
corporativo, os petro-estados autocráticos, e as potencialidades
violentas do complexo petrolífero impuseram a questão da
transparência e responsabilidade das operações de
petróleo à agenda internacional. A Iniciativa de
Transparência das Indústrias Extractivas de Tony Blair, o programa
diagnóstico do FMI e a
Revenue Watch
da Fundação Soros são esforços
(voluntários) para dar um pouco de credibilidade a uma indústria
rica e turbulenta. Porém, a verdadeira questão está
noutro lado. O perigo é que a contínua
militarização americana na região possa amplificar a
presença de mercenários e paramilitares, criando
condições como as da Colômbia. Em Fevereiro de 2006, o
vice-presidente da Nigéria Atiku Abubakar pediu, sem sucesso, 200 barcos
de patrulha e um pacote de ajuda militar aos Estados Unidos. Assim, a
Nigéria pediu directamente ajuda militar à China, dizendo que os
Estados Unidos foram lentos em apoiá-los nesta zona. O
Financial Times
(1 de Março de 2006) citou o director para os assuntos africanos do
Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, em Washington, Stephen
Morrison, que disse que os "chineses são actores muito competitivos
e nós temos de nos mentalizar disso. Eles vão aos locais que
realmente interessam."
A disponibilidade de armas tanto para o governo como para os grupos insurgentes
"democratizou" o acesso a meios de violência na luta pelo poder
político. Na corrida para as eleições de 2007, a
herança futura dos rendimentos do petróleo irá, tal como
em 1999 e 2003, financiar toda a espécie de banditismo político e
o armamento dos partidos políticos e militantes locais para votar e
intimidar eleitores. A perspectiva da militarização
norte-americana ao sul para proteger os campos petrolíferos, e ao norte
para controlar o terror islâmico, através da Iniciativa Contra
Terrorista Pan-Sahel, é uma receita para a violência
política maciça. A Nigéria é, neste sentido, um
microcosmo da nova luta pela África sob o neoliberalismo militar e a
guerra contra o terror. Pode muito bem ser o próximo Iraque.
Notas do tradutor:
1- UNCTAD: United Nations Conference on Trade and Development
2- IBRD: International Bank for Reconstruction and Development,
outro nome para o Banco Mundial
3-
"O pesadêlo de Darwin"
, filme de Hubert Sauper, 2004
4- Bunkering: Fornecimento de combustível a navios e aviões.
"Bunkers" em português traduz-se por "bancas".
[*]
Dirigente do Centro de Estudos Africanos da Universidade da
Califórnia, Berkeley.
O original encontra-se em
http://www.monthlyreview.org/0906watts.htm
, Volume 58, Nº 4, Setembro/2006. Tradução de PS/RT.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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