Ponha sangue no seu motor !
A tragédia dos necro-combustíveis
por Dominique Guillet
Campanhas de intoxicação
No Salão da Agricultura 2007, uma parte do hall 2 foi transformada num
salão do automóvel! Estavam todos lá: a Peugeot, a Ford, a
Renault, etc com planetas que pendiam dos tectos e pequenas flores nas portas
dos carros. Comovente: clamavam bem alto que iam salvar o planeta com etanol e
óleo de colza!
Os grandes slogans estão lançados: biodiesel,
biocombustíveis, ou verde, combustíveis verdes, "o
combustível que vê a vida verde"
A edição
especial da Ford, Cahiers de l'Automobile, apresenta o título
"Bio-Combustíveis", Bio com 7 cm de altura e
combustíveis com 1,5 cm de altura: os grandes truques da semântica
para adormecer o povo. A mesma revista, tem na página 7, o
título: "bio em 40 perguntas". Mas qual "bio"?
Será uma nova abreviatura para "biocombustível"? Quanto
maior é a intoxicação, melhor ela passa! Porquê
incomodar-se? (
)
A atribuição do termo "bio"
aos
necro-combustíveis vai, no entanto, ganhando terreno rapidamente. Isso
faz-nos lembrar os iogurtes da Danone. Encontram-se na Internet anúncios
da Volvo, do género: "A Volvo pratica desporto bio", ou da
Ford: "A Ford e a Europcar rodam pelo bio!" ou ainda para o Saab
"300 cavalos ecológicos". Alguns carros movidos a
combustível vegetal contêm mesmo a menção
"bio" na carroçaria.
É o golpe de misericórdia para a agricultura bio, e para mais, a
pressão dos lobbies em Bruxelas procura impor uma agricultura bio de
"segunda geração" com uma pitada de pesticidas aqui e
uma demi-pitada de quimeras genéticas ali! Os cadernos de encargo da
agro-bio estão em vias de se transformar em cadernos de desencargo!
Ponham-nos a mola no nariz. (
)
Os combustíveis vegetais não são bio: eles são
extraídos de plantas cultivadas com toda a artilharia pesada dos input
da agro-química e dos pesticidas. Os termos "biodiesel",
"bioetanol" e "biocombustíveis" passaram para a
linguagem comum num tempo recorde, na sequência de enormes campanhas
publicitárias e mediáticas. Esses combustíveis vegetais
são obtidos graças a processos de extracção
industrial muito complexos. O termo "bio" significa "vida".
É difícil de perceber por que razão é que esses
combustíveis vegetais têm o prefixo bio. Por acaso, fala-se em
bio-trigo ou bio-tomate ou de bio-milho?
Estamos no seio de uma gigantesca impostura semântica. Deveria falar-se
de "necro-combustíveis", de necro-etanol" e de
necro-diesel. Necro significa morte e só este prefixo é que pode
qualificar os aspectos técnicos, ecológicos e humanos desta farsa
sinistra.
Os combustíveis vegetais não são verdes,
eles são vermelhos da cor do sangue.
Eles vão aumentar a tragédia da
subnutrição, da morte pela fome, da miséria social, do
deslocamento das populações, da desflorestação, da
erosão dos solos, da desertificação, da falta de
água, etc.
Os grandes grupos petrolíferos que se aliaram aos grandes grupos da
agro-alimentação e aos grandes grupos da agro-química e
aos grandes grupos sementeiros para lançar esta farsa grotesca tentam
tranquilizar o cidadão fazendo de conta que os combustíveis
vegetais não representam nenhuma "concorrência para as
fileiras alimentares". (
)
Não há "concorrência para as fileiras
alimentares". No entanto, sabiam que:
- o ano de 2006 foi declarado pela ONU, o "Ano Internacional dos Desertos
e da Desertificação";
- as actividades agrícolas geram uma erosão tal que a cada
segundo, 2420 toneladas de solo desaparecem nos oceanos e nos ventos;
- diariamente, por hora, 1370 hectares de terreno ficam desertificados para
sempre;
- 36 mil pessoas morrem de fome todos os dias.
- segundo a FAO, a superfície média de terra cultivável
por habitante era de 0,32 hectares em 1961/1963 (para uma
população mundial de 3,2 mil milhões), de 0,21 hectares em
1997/1999 (para uma população mundial de 6 mil milhões) e
será de 0,16 hectares em 2030 (para uma população mundial
estimada em 8,3 mil milhões);
- segundo alguns especialistas independentes, as projecções acima
são altamente optimistas porque a superfície média de
terra cultivável por habitante nos países pobres será
somente de 0,09 hectares em 2014.
- esses mesmos especialistas não tiveram em consideração,
nos seus cálculos, o boom dos agro-combustíveis e as
alterações climáticas;
- segundo a FAO, a Índia perde a cada ano 2,5 milhões de hectares
de terra e que a esse ritmo não restará mais do que uma grama de
terra cultivável nesse país em 2050;
- no decurso dos últimos 20 anos, cerca de 300 milhões de
hectares (seis vezes a superfície da França) de floresta tropical
foram destruídos para a implantação de domínios
latifundiários e de pastagens, ou de plantações em grande
escala de óleo de palma, de borracha, de soja, de cana de
açúcar e outros produtos;
- em Iowa, o coração do império transgénico do
milho e da soja, as igrejas nas zonas rurais estão 1,5 m mais altas que
os campos à volta porque o Iowa perdeu 1,5 m de solo fértil em
pouco mais de um século. (
)
O Professor Pimentel, da Universidade de Cornell (Ithaca, New York) já
provou há vários anos que o balanço energético
básico da produção de etanol é completamente
negativo, porque a produção de milho tem um custo real (input,
pesticidas, trabalho), sem falar da amortização do material
agrícola que nunca é tido em conta porque o balanço seria
demasiado indecente. Em suma, segundo o Professor Pimentel, o
combustível vegetal aquece mais o planeta do que a gasolina!
- Os agro-combustíveis vão acelerar a destruição
dos ecossistemas contaminando ainda mais o solo, a atmosfera e as águas
com pesticidas e outros elementos nocivos.
- Um litro de etanol leva à erosão de 15 a 25 kg de terra:
entenda-se aqui erosão como desaparecimento puro e simples.
- E no que diz respeito à água? É o descalabro final.
São necessários entre 500 a 1500 litros de água,
dependendo das regiões, para se produzir um quilo de milho. Isso
significa que a produção de um litro de etanol à base de
milho requer a utilização de 1200 a 3600 litros de água!
(
)
Recebemos hoje um email dos nossos amigos da Guatemala. O preço da
tortilha (alimento tradicional à base de milho) aumentou para 80%. A
situação é idêntica no México. O aumento do
preço da tortilha de 40 a 100% origina sérias revoltas em todo o
país. Há alguns anos atrás, os agricultores deixaram de
produzir o seu milho tradicional no Guatemala e no México porque se
tornou mais barato comprar a tortilha à tortilleria industrial do que
cultivar a sua "milpa" devido ao "dumping" de milho
proveniente dos EUA.
Mas, actualmente, a situação mudou: os EUA guardam o seu milho
(20% da colheita de milho é transformada em etanol) e os mexicanos
morrem de fome! (
)
17/Maio/2007
A versão integral encontra-se em
http://www.liberterre.fr/gaiasophia/agriculture/agro-industrie/index.html
O original encontra-se em
http://www.legrandsoir.info/article.php3?id_article=5055
Tradução de Rita Maia.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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