O pico petrolífero e a queda da União Soviética
por Douglas B. Reynolds
[*]
Depois de 70 anos no poder, inesperadamente a União Soviética
desvaneceu-se do dia para a noite e quase toda a tradição
comunista ali se dissolveu. Será que a causa deste colapso
cataclísmico foi realmente o resultado da ineficiência comunista e
da corrida armamentista da Guerra Fria imposta pelo presidente Ronald Reagan?
Ou houve uma crise petrolífera que chocou o sistema soviético?
Ou, se o comunismo marxista-leninista era tão ineficiente, porque
perdurou ao longo de 70 anos, através da Segunda Guerra Mundial e das
antigas tensões da Guerra Fria que também seriam bastante
fortes para tê-lo derrubado?
Este assunto é tratado no meu livro,
Scarcity and Growth Considering Oil and Energy: An Alternative Neo-Classical View
e num artigo a publicar em co-autoria com Marek Kolodziej. Nossa
evidência mostra que um declínio da produção de
petróleo antecedeu o declínio do PIB da União
Soviética e, portanto, que a queda da União Soviética
não foi provocada pela corrida armamentista do presidente Ronald Reagan
ou pela má administração da economia soviética,
como muitos estudiosos conservadores gostariam que acreditássemos. Ao
invés disso, foi causada por uma crise petrolífera.
A União Soviética experimentou o pico petrolífero em
primeira mão um declínio de 43% na produção
interna de petróleo entre 1987 e 1996. Esta crise levou a sociedade
soviética a cair num devastador empobrecimento económico.
Poderá isto ser provado? Sim. Aqui está a estória
rápida. O declínio petrolífero na União
Soviética antecedeu o declínio do PIB. Um teste
estatístico, a causalidade de Granger, mostra isto. O declínio
do petróleo não se seguiu ao declínio do PIB, ele veio
antes, e portanto causou-o. Contudo, a causalidade de Granger nem sempre
é prova suficiente, mais evidências são necessárias.
Poder-se-ia argumentar, por exemplo, que o declínio do petróleo
aconteceu devido ao caos económico interno independentemente da
escassez petrolífera. É possível que devido ao facto de
gastar demasiado do PIB soviético na corrida armamentista, a União
Soviética não tivesse dinheiro para pagar trabalhadores do
petróleo. Mas a produção soviética de
carvão declinou depois de o PIB começar a declinar. Como
poderia este caos interno ter provocado reduções só na
produção petrolífera mas nenhum na produção
de carvão anterior ao declínio do PIB? Se se argumentar que
expansão militar da Guerra Fria impediu gastos no sector
petrolífero a fim de manter elevada a produção do
óleo, então porque não teria também impedido os
gastos no sector carbonífero naquele mesmo período? Além
disso, a produção de gás natural não foi afectada
durante o colapso soviético. Mais uma vez, porque o caos interno antes
do colapso afectaria arbitrariamente o petróleo mas não o
gás natural? Portanto, houve escassez de petróleo e não
ineficiência interna que levasse a produção de
petróleo a declinar.
Ainda assim, porque a produção de petróleo aumentou depois
de os mercados pós-soviéticos serem libertados? Afinal de
contas, se a produção de petróleo aumentou após a
queda da União Soviética isto certamente prova que a
diminuição da produção de petróleo
dever-se-ia
à ineficiência soviética. A resposta é que a
União Soviética era um sistema fechado e tinha suas
próprias tecnologia e mecanismos de mercado dentro daquele sistema.
Assim, os soviéticos batiam contra a escassez dentro dos limites do seu
próprio mundo tecnológico e político. Depois de o sistema
político ter mudado, seus campos petrolíferos foram revigorados
com nova tecnologia e administração de fora do antigo sistema
soviético. Sob o antigo sistema os soviéticos eram capazes de
extrair apenas cerca de dois terços quando muito daquele que é
obtido com modernas tecnologias ocidentais. Mas isto não significou que
a escassez não causasse o seu declínio. A escassez causou o
declínio dentro do seu sistema.
Recordemos: a produção petrolífera soviética
aumentou desde 1930 durante todo o tempo até 1987 sob um sistema
soviético utilizando tecnologia soviética. Se a
ineficiência soviética causasse o declínio
petrolífero pós-1988 então porque a produção
do óleo também não declinou durante as
décadas de 1950 e 1960? É evidente que a sua tecnologia
ineficiente era bastante suficiente para aumentar a produção
enquanto as suas reservas fossem suficientemente vastas. Uma vez que as
reservas de
base tornaram-se menos abundantes, a sua tecnologia alcançou os limites
e seguiu-se a escassez. Qualquer região com uma dada tecnologia e
sistema económico acabaria por atingir o pico, tal como os
próprios Estados Unidos onde produzimos metade do petróleo que
produzíamos em 1970 mesmo com a melhor tecnologia e sistema
económico disponíveis.
Tal como os anasazi, os maias e os próprios romanos, o império
soviético caiu como a nossa própria economia pode cair. Nossa
queda poderia ser exactamente como a queda soviética se não a
prepararmos desde já. Nós estamos confrontados, tal como os
soviéticos, com o cenário mostrado por Jared Diamond no seu livro
Collapse
, em que muitas civilizações entraram em declínio
económico. Penso que as pessoas não querem acreditar que o
"cenário do colapso" de Jared Diamond
está prestes a
desabar sobre nós porque esperam que a tecnologia venha salvar-nos... e
talvez possa. Contudo, o que o colapso soviético mostra é
quão rapidamente e quão severamente uma economia pode ser
atingida pela escassez petrolífera. E de facto os soviéticos
estavam conscientes dos possíveis problemas e investiram em alternativas
tecnológicas tais como energia solar e geotérmica antes da queda,
mas ainda assim foram incapazes de travar o colapso. É fácil
agora dar pouca atenção ao comunismo soviético, apesar de
nós próprios outrora termos sido terrificados pelo Medo dos
Vermelhos
(Red Scare).
Contudo, a queda soviética pode ser uma precursora da nossa
própria queda.
[*]
PhD., professor associado de economia do petróleo e da energia da
Universidade do Alasca, em Fairbanks. Autor de vários livros e
numerosos artigos. Também actuou como consultor do legislativo do
Alasca acerca do gasoduto proposto.
O original encontra-se em
Peak Oil Review
, nº 34, Agosto/2006.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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