Preço do petróleo manipulado a fim de reeleger Bush

por Dan Smith [*]

As próximas eleições intercalares de Novembro nos Estados Unidos podem muito bem depender do petróleo e dos átomos. A questão dos átomos, nomeadamente as ambições nucleares do Irão, é potencialmente mais explosiva. Mas o preço da gasolina, uma vez que mexe nos bolsos dos consumidores, pode ter efeito mais imediato.

Quanto a isto, um artigo em 05 de Outubro de 2006 no Energy Industry Today , um importante sítio Internet que acompanha a indústria do petróleo, notou a especulação generalizada que os sauditas podem estar a orquestrar nos níveis de produção do petróleo a fim de tentar influenciar o resultado das eleições americanas do próximo mês.

Não seria a primeira vez.

Bob Woodward, do Washington Post, no segundo dos seus três (até à data) livros sobre a presidência de George W. Bush, conta que no princípio de 2004 o embaixador saudita em Washington e amigo próximo da família Bush, príncipe Bander bin Sultan, prometeu que o seu país aumentaria a produção de petróleo de modo a que os preços americanos de retalho caíssem pouco antes da eleição de 2004. Não surpreendentemente, os sauditas contestaram a afirmação de Woodward — e sem dúvida farão isto outra vez em 2006 se alguém sugerisse uma relação entre o recente declínio agudo nos preços do petróleo e a rápida aproximação das eleições para um terço do Senado americano e toda a câmara baixa do Congresso.

Toda a política é local, como o congressista Tip O'Neill costumava dizer. Mas as eleições americanas dependem cada vez mais de factores internacionais. Em Novembro, os eleitores americanos agarrarão as políticas americanas no Médio Oriente, desde o abastecimento de petróleo à condução de guerras. O desafio político, de qualquer forma, é muito maior do que simplesmente as próximas eleições. O publico americano pode empreender fazer campanha localmente, organizar-se nacionalmente e cooperar globalmente para recuperar a promessa da governação democrática, cristalizada na Constituição americana, que aqueles aos quais foi confiado o poder têm silenciosa e firmemente usurpado.

Na bomba de gasolina

Se bem que variações significativas no número de barris de petróleo bombeados do chão possam influenciar os mercados futuros de acordo com as regras da oferta e da procura, a indústria petrolífera reconhece mais do que um factor em acção na determinação dos preços. Tentar determinar uma única causa para mudanças de preços é infrutífero assim como virtualmente impossível — especialmente para não peritos. Por exemplo, a maior parte das pessoas sabe e espera que os preços ascendam no princípio do verão quando começa o tempo de férias e caia após o Dia do Trabalho quando as escolas voltam a funcionar.

Mas os preços também podem ser afectados por índices de mercadorias, efectuados por firmas de investimentos, que podem ser sintonizados em resposta a eventos incontroláveis tais como desastres naturais ou previsões de tempo a longo prazo. Tais sintonizações afectam os mercados futuros ao encorajar os especuladores a ajustarem os seus haveres a fim de cortar riscos e evitar perdas. A mesma nota na Energy Industry Today de 5 de Outubro observa que pelo menos um índice de mercadorias com uma conexão directa ao ramo executivo fez ajustamentos cujo efeito líquido é favorecer uma queda de preços. Além disso, Washington decidiu atrasar novas compras para a Reserva Estratégica de Petróleo do país do Outono de 2006 para após o Inverno de 2007 — bem depois da eleição.

Por outro lado, quando o preço do barril caiu abaixo dos US$ 60 no princípio de Outubro, os ministros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) disseram publicamente que a organização podia efectuar uma reunião de emergência para considerar um corte na produção de até um milhão de barris por dia.

Dada a natureza controversa da eleição presidencial de 2000 na qual George Bush foi, no entender de muitos, "seleccionado" e não eleito, o resultado igualmente contencioso da de 2004, e a crescente preocupação entre responsáveis locais acerca da utilização de inauditáveis máquinas electrónicas de votar sem papeis na eleição de Novembro, qualquer manipulação de preços de petróleo nos bastidores certamente gerará novas acusações de conspirações eleitorais.

Objectivo: Irão?

Na eleição deste ano, a condução das relações internacionais pela Casa Branca de Bush parece ter maior peso na votação pública do que em outras eleições intercalares recentes. Não só o Afeganistão e o Iraque estão na lista, aqueles que controlam a Câmara e o Senado podem bem determinar o curso futuro das relações Irão-EUA.

Além do ressentimento americano contra Teerão pela tomada de 1979 da embaixada americana e dos subsequentes mais de 400 dias de cativeiro do pessoal da embaixada, Washington acusou o Irão de esconder um esforço de desenvolvimento de armas nucleares por trás de um programa pacífico de energia nuclear permitido pelo Tratado de Não Proliferação (TNP). Dada a importância que a administração Bush concede à travagem da proliferação de qualquer conhecimento, equipamento ou combustível nuclear, é curioso que os Estados Unidos não se tivessem empenhado mais firmemente em promover conversações multilaterais com o Irão, como ocorreu com a Coreia do Norte no passado.

Na verdade, particularmente no ano passado, os Estados Unidos não cederam o papel de liderança nas conversações como os negociadores iranianos aos "Três" da União Europeia — Grã-Bretanha, França e Alemanha. A retórica da administração pode soar dura. Mas, globalmente, Washington não tem sido consistente em pressionar os outros membros do Conselho de Segurança da ONU para impor sanções duras contra o Irão como o fez para assegurar o apoio da ONU à invasão do Iraque em Março de 2003.

Em parte, esta reticência pode reflectir o fracasso do Congresso em aprovar um conjunto realmente duro de sanções ao Irão para substituir a legislação que expira. Outros factores também desempenharam um papel. Em Setembro de 2006, a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) forneceu ao Conselho de Segurança da ONU um relatório não ambíguo sobre o cumprimento pelo Irão do Tratado de Não Proliferação. Discussões em curso com altos responsáveis da UE não permitiram qualquer avanço. A Rússia e a China são duvidosas mesmo acerca das sanções da ONU "dirigidas" a indivíduos e companhias que contribuem para o programa nuclear do Irão. E relatos de que Teerão está a experimentar dificuldades técnicas na sua tentativa de instalar cascatas de centrifugadoras mais extensas reduzem o sentido de urgência.

A administração e os seus aliados na Câmara também tentaram interpretar o relatório da AIEA ao Conselho de Segurança com a afirmação de que agência havia encontrado urânio com teor para armas na centrifugadora piloto do Irão. De facto, a AIEA encontrou urânio enriquecido adequado para a utilização apenas em centrais nucleares para a produção de electricidade. Os Estados Unidos também alegaram que um alto inspector da AIEA fora removido porque ia declarar na sua conclusão que o Irão estava a construir uma arma nuclear. De facto, o inspector ainda está a trabalhar na mesma tarefa na AIEA.

Ninguém atribuiu estas interpretações americanas a meros erros. Diplomatas há muito na ONU traçaram paralelos entre as manobras acima mencionadas e os esforços americanos antes da Guerra do Iraque de 2003 para desacreditar o trabalho da AIEA. Outros observadores e analistas militares escolheram este tema no fim de Setembro quando o Pentágono anunciou que o grupo de batalha USS Eisenhower estava a dirigir-se para a região do Golfo Pérsico onde substituiria o grupo de batalha USS Enterprise no fim de Outubro ou princípio de Novembro. Com dois porta-aviões de batalha em frente à costa do Irão, as tensões seriam mais elevadas e as possibilidades de confrontação — tanto intencional como acidental — maiores do que de costume e bem antes das eleições americanas.

Os Estados Unidos tem estado a efectuar, confirmadamente, operações de Forças Especiais no Irão durante bem mais de um ano, reunindo informação e identificando objectivos chaves para um ataque naval e aéreo combinado que um certo número de analistas acredita que Bush pretende lançar, e quanto mais cedo melhor desta perspectivas. Mas com mais de 20 mil soldados no Afeganistão e 140 mil no Iraque, com aqueles no Iraque virtualmente refens da Brigadas Badr xiitas e do exército Madhi do Iraque, se os Estados Unidos atacassem os xiitas do Irão, e com forças terrestres adicionais potencialmente necessárias para manter o controle de Bagdad ou reforçar forças da NATO no Afeganistão, a Casa Branca mal pode permitir-se comprometer forças terrestres num muito mais vasto e mais populoso Irão que não daria as boas vindas aos Estados Unidos como um libertador tal como os iraquianos.

As questões do petróleo e do Irão estão, naturalmente, ligadas. Se os mercados viessem a acreditar — antes das eleições de Novembro de 2006 — que a guerra é iminente, os preços do petróleo subiriam outra vez e desgastariam novamente o apoio entre os eleitores aos aliados da administração no Congresso. Reciprocamente, se nada provocar alarme e as sanções continuarem a ser nada mais do que irritações, os iranianos provavelmente poderiam dominar os impedimentos técnicos e avançar com o seu programa nuclear. A questão é se ele parariam o enriquecimento ao nível adequado apenas para a produção de energia ou prosseguiriam para os níveis necessários para armas.

Tempo a acabar?

Com a aproximação das eleições, a interpretação da administração das actividades do Irão merece observação estreita. O Irão não está a desafiar a comunidade internacional, como alega a administração, mas a desafiar a interpretação americana das posições da comunidade internacional. O seu desenvolvimento da energia nuclear pode ser suficientemente monitorado para detectar e retardar suficientemente, se não impedir, o desenvolvimento de uma arma nuclear num intervalo de tempo curto a médio. Mais na generalidade, negociações são possíveis se os interesses de cada parte não forem descartados sumariamente como ilegítimos.

A questão é: de que lado está o tempo? Em 5 a 15 anos o Irão pode adquirir uma arma nuclear e mudar assim a região e o mundo. Mas 5 a 15 anos proporciona bastante tempo para conversações, negociações e estabelecer um acordo com o Irão para a renúncia a armas nucleares. Sobre esta trilha, o tempo está do lado de um porvir pacífico.

Um ataque americano ao Irão no próximo mês ou nos próximos dois anos, contudo, garantiria uma mudança fundamental e altamente maligna na região e no mundo. Em caso de guerra, o tempo não está do lado de ninguém.

Em Novembro, os eleitores decidirão sobre a política do Médio Oriente da administração Bush. Eles idealmente focarão mais sobre a guerra no Iraque e a guerra potencial no Irão do que sobre o preço da gasolina nas bombas. Ainda há uma oportunidade para uma nova política do Médio Oriente e um novo relacionamento com o Irão. Ainda há uma oportunidade de que possamos reafirmar nossos direitos constitucionais e restaurar a democracia em Washington.

[*] Coronel retirado do U.S. Army, analista de assuntos militares da Foreign Policy in Focus , investigador senior de assuntos militares do Friends Committee on National Legislation. Email: dan@fcnl.org

O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/smith10132006.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
15/Out/06