Uma aldeia andaluza
por Mohamed Belaali
"Avenida da Liberdade", "Rua Ernesto Che Guevara",
"Praça Salvador Allende, "Paz, Pão e Trabalho",
"Desliga a TV, acende a tua mente", "Uma utopia rumo à
Paz", etc são os nomes de ruas, de praças e dos slogans de
uma aldeia andaluza não longe de Córdoba e de Sevilha que o
visitante estrangeiro descobre no fim de uma estrada sinuosa em meio a campos
de oliveiras, de trigo cortado e seco ao sol.
A rua principal da pequena aldeia com cerca de 3000 habitantes conduz
directamente ao
ayuntamiento
dirigido por Juan Manuel Sánchez Gordillo, que ganhou todas as
eleições por uma ampla maioria e isto desde há mais de
trinta anos.
Juan Manuel é um homem simples que recebe os visitantes no seu gabinete,
que ostenta um grande retrato de Ernesto Che Guevara, espontaneamente e
naturalmente sem agendamento nem protocolo. Ele não hesita em deixar o
seu gabinete para mostrar as casas brancas situadas em frente ao
edifício e construídas colectivamente pelos próprios
habitantes em terras oferecidas quase gratuitamente (15,52 euros por mês)
pela comuna. Esta põe igualmente à sua disposição a
ajuda de um arquitecto e de um mestre-de-obras. A região contribui com o
grosso do material de construção. Promotores imobiliários,
especuladores e outros parasitas não têm aqui lugar. A
habitação deixa assim de ser uma mercadoria e torna-se um direito.
Juan Manuel fala com entusiasmo e orgulho das numerosas
realizações dos habitantes do seu município, com números e
gráficos para confirmar.
O empregado do café "La Oficina", um pouco afastado do
ayuntamiento,
relativiza um pouco as afirmações daquele dirigente mas
confirma, no essencial, os avanços sociais da aldeia, nomeadamente a
concessão dos terrenos àquelas e àqueles que precisam de
uma habitação, primeira preocupação dos
espanhóis. Ele confirma também a ausência total da
polícia, símbolo da repressão estatal. Com efeito, os
habitantes não experimentam qualquer necessidade de recorrer aos seus
"serviços". Aqui os problemas de criminalidade, de
delinquência, de vandalismo, etc estão ausentes. Eles pensam gerir
e resolver eles próprios os problemas que possam surgir entre si. De
qualquer forma, desde a partida para a reforma do último polícia,
não consideraram útil substituí-lo.
Frente ao "La Oficina" ergue-se um edifício sobre o qual se
pode ler "Sindicato de Obreros del Campo" e "Casa da
Cultura". Mas esta grande sala serve igualmente como café, bar e
restaurante. É um lugar de inter-relacionamento, debates, festa e
convivialidade. É ali também que se encontram, a partir da
madrugada, os trabalhadores agrícolas para um pequeno-almoço
colectivo antes de partirem juntos para uma jornada de trabalho de 6h30 nos
campo de "El Humoso", a 11 quilómetros da aldeia.
Esta terra andaluza, hoje trabalhada colectivamente, é testemunha de um
passado carregado de acções, ocupações,
manifestações, greves, marchas e processos nos tribunais. E
é graças a esta luta muito dura e realmente popular que esta
terra (1200 hectares) foi arrancada a um aristocrata da região, o Duque
do Infantado. Nesta Andaluzia profunda as mulheres, apesar dos pesos sociais e
dos preconceitos, desempenharam um papel determinante neste combate para que a
terra pertença àquelas e àqueles que a trabalham.
Hoje "estas terras não são a propriedade de ninguém e
sim de toda a comunidade de trabalhadores", como dizem os habitantes da
aldeia.
Mas para estes operários, não se trata apenas de recuperar as
terras, mas também de construir "um projecto colectivo no qual um
dos objectivos é a criação de empregos e a
realização da justiça social".
Foi assim que nasceu o conjunto das cooperativas que produzem e distribuem uma
série de produtos agrícolas de grande qualidade que exigem ao
mesmo tempo uma mão-de-obra abundante: azeite, conservas de alcachofras,
pimentão vermelho, favas, etc. Os produtores directos destas riquezas
trabalham de 2ª feira a sábado com um remuneração
diária de 47 euros, qualquer que seja o seu posto ou seu estatuto. O
excedente que resta é re-investido na empresa comum na esperança
de criar mais empregos e permitir assim que todos trabalhem conforme o seu
projecto colectivo. Eles tentam por a economia ao serviço do homem e
não ao serviço do lucro. O desemprego aqui é quase
inexistente, ao passo que ultrapassa os 25% da população activa
na Andaluzia e 20% em toda a Espanha!
Em "El Humoso" as operárias e os operários falam com
uma certa emoção da sua cooperativa, do seu trabalho, dos seus
produtos, da solidariedade e da convivialidade que reinam entre eles. Mas
evocam igualmente o temor de ver a sua unidade estalar por causa dos seus
inimigos que pensam ser numerosos na região e mesmo em toda Espanha. Nos
seus relatos revela-se muita convicção e muita humanidade.
Manolo, um operário da cooperativa, fala com carinho, como se se
tratasse de uma pessoa, da máquina de extrair o azeite da azeitona, de
que ele cuida. Não hesita em explicar o seu funcionamento, a
manutenção de que precisa, etc a todos os visitantes. Fala
igualmente com respeito do seu companheiro de luta, o presidente Juan Manuel
que considera como "el ultimo" desta categoria de homens capazes de
arrostar um tal desafio e de conjugar num mesmo movimento pensamento e
prática. Manolo evoca também a vida ascética do autarca da
aldeia, as prisões e as perseguições judiciais que sofreu
e o atentado do qual escapou. Com insistência, Manolo convida o visitante
a retornar à cooperativa no mês de Dezembro ou Janeiro para
admirar o trabalho de extracção do azeite.
Mas na aldeia não há nem hotel nem pensão para uma
eventual estadia. Entretanto, a municipalidade põe graciosamente
à disposição dos visitantes pavilhões os quais
podem igualmente, se quiserem, partilhar o alojamento de alguns habitantes por
uma quantia simbólica como em casa de António na avenida
principal da aldeia. António acolhe calorosamente seus convidados com os
quais gosta de falar da originalidade da sua aldeia e parece feliz por viver
ali: "agora, dizia ele, vivemos em harmonia aqui".
Vivem igualmente em harmonia com os habitantes da aldeia os trabalhadores
imigrdos, também eles contratados pela cooperativa de "El
Humoso". Segundo diz o empregado do café da delegação
sindical estes homens e mulheres fazem parte integrante da comunidade dos
trabalhadores e participam como os outros nas decisões tomadas em
assembleias-gerais. Com efeito, estas famosas assembleias fazem-se numa grande
sala junto à delegação sindical onde ao lado das cadeiras
brancas de plástico há toda espécie de louça e de
toalhas armazenadas, provavelmente à espera de uma próxima festa
popular. A sala é também ornamentada por um imenso e
esplêndido quadro no qual se podem ver homens e mulheres em linhas
cerradas antecedidos por dois homens e uma mulher com uma criança nos
braços, todos a marcharem para a mesma direcção.
"Hoje às 20h30, assembleia-geral na delegação
sindical", diz a menagem difundida incansavelmente por uma camioneta que
percorre todas as ruas da aldeia, convidando os habitantes à
reunião para decidir os seus assuntos.
Eles organizam também os chamados "Domingos vermelhos" em que
voluntários encarregam-se gratuitamente, entre outras coisas, de limpar
e embelezar a sua comuna: manutenção dos passeios e jardins
públicos, plantação de árvores, etc. A aldeia
é não só uma das mais seguras como também a mais
limpa da região!
A aldeia é relativamente rica em equipamentos colectivos em
comparação com as comunas vizinhas. Os habitantes podem banhar-se
durante todo o Verão na piscina municipal pela módica quantia de
três euros. O infantário para crianças não lhes
custa senão 12 euros por mês, refeições
incluídas. O complexo desportivo "Ernesto Che Guevara", bem
conservado, permite-lhes que pratiquem vários desportos como futebol,
ténis ou atletismo.
Durante o Verão, os habitantes assistem regularmente à
projecção de filmes ao ar livre no parque natural. Debates,
conferências, filmes e apoio aos povos oprimidos, nomeadamente aqueles
que estão injustamente privados do seu território, fazem parte da
vida cultural e política da aldeia. Juan Manuel usa muitas vezes,
ostensivamente, o lenço palestino.
O desporto, a cultura, as festas etc são direitos abertos a todos, tal
como o trabalho e a habitação. O desenvolvimento tanto material
como intelectual de cada indivíduo é, aqui, a
condição do desenvolvimento de todos.
Vá a Marinaleda ver e verificar a realidade desta "utopia".
Vá ao encontro destes homens e destas mulheres admiráveis que
conseguiram construir, graças ao seu trabalho diário e às
suas convicções e em meio a um oceano de
injustiças, desgraças e servidão uma sociedade
diferente. O capitalismo, pelas suas crises repetitivas e o perigo que
representa para o homem e a natureza, não tem futuro. O exemplo concreto
e com êxito de Marinaleda mostra que uma outra sociedade é
possível.
22/Agosto/2010
Ver também:
Sítio web oficial de Marinaleda
Marinaleda: un modèle d'auto-gestion unique en Europe
O original encontra-se em
http://www.legrandsoir.info/Un-village-andalou.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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