SEAT, o fim da história ou o embrião do novo?
Das pré-reformas aos despedimentos. O acordo da SEAT, um salto
qualitativo para o patronato... O acordo assinado entre o patronato da SEAT e
os sindicatos supõe um salto qualitativo na por agora
interminável sucessão de derrotas do movimento operário
desde a Transição.
Chamar-lhe derrotas é uma forma de dizer porque em muitos casos, como o
da SEAT, trata-se de rendições das cúpulas sindicais,
depois de encabeçarem, gigantescas mobilizações
quando desde princípio tinham aceite a lógica patronal e
sem qualquer consulta aos trabalhadores. As mesmas centrais sindicais que
dirigiram a luta exemplar de há décadas travada pelos
trabalhadores e trabalhadoras da SEAT pactuaram, o que até agora nunca
tinha acontecido nesta empresa: o despedimento obrigatório de 660
trabalhadores e trabalhadoras, além da pré-reforma de 230
com extinção dos seus postos de trabalho e o aumento da
bolsa de horas
[1]
de 30 a 35 dias.. Em contrapartida, a direcção da empresa
compromete-se a não apresentar nenhum novo Expediente de
Regulamentação do Emprego (ERE)... "durante 2006".
Como está a acontecer nos últimos meses em dezenas de empresas,
pactuaram com um ERE, apesar de a SEAT:
-
Declarar lucros de 500 milhões de euros nos últimos 3 anos, sendo
que 134 milhões foram em 2004;
-
Transferir para a empresa mãe, a Volkswagen, 442 milhões de euros
em 2004, como pagamento de patentes;
-
A produtividade real (facturação/trabalhador) ter aumentado 14%
entre 2002 e 2004;
-
Ter recebido enormes somas de dinheiro público desde a sua
privatização em 1986: 200 milhões de euros nos
últimos dois anos.
Apesar de tudo isto, tal como em todos os casos semelhantes (os mais recentes
são Gearbox, Samsung, Philips, Miniwatt), a Generalitat [N do T: Governo
Autónomo da Catalunha] não duvidou em conceder
autorização administrativa, a Plataforma Unitária,
integrada pelas CC.OO. , UGT e CGT, não recusou, frontalmente e desde o
primeiro momento, o ERE e não exigiu a manutenção de todos
os postos de trabalho.
Aceitou-se a redução do quadro de pessoal e de direitos, apesar
de ninguém acreditar no repetido argumento da garantia da viabilidade da
empresa, das injecções de fundos públicos, dos aumentos de
produtividade pela
flexibilidade acordada de trabalhar mais fins-de-semana
e dos vultuosos lucros. Por isso, foi-se para a negociação sem
força, aceitando,
a priori,
que a empresa pudesse eliminar postos de trabalho, jogando no campo
contrário, à defensiva, procurando o mal menor.
Porquê? Com que lógica, quando os trabalhadores e trabalhadoras da
SEAT responderam com força às convocatórias de
manifestação e de greve, apesar da repressão patronal?
...JÁ VEM DE LONGE
Evidentemente que nada disto é novo, nem um fenómeno isolado.
No caso da SEAT, noutros tempos empresa emblemática nas lutas do
movimento operário, há anos que havia um retrocesso de direitos,
um atrás de outro: acordo para introduzir a dupla grelha salarial, o
aumento dos ritmos, a flexibilidade da jornada laboral, a
aceitação de sucessivas reduções do quadro de
pessoal, etc..
As vantagens acumuladas pelo patrão não eram só materiais.
As suspeitas mais que fundadas
[2]
de que os serviços prestados às empresas nas
negociações de acordos e EREs não eram grátis e as
evidências de que "a mão" das "centrais sindicais
maioritárias" assegurava o acesso a diversas prebendas iam e
vão minando, entre os trabalhadores da SEAT e no conjunto da
classe operária, a confiança na representação
sindical.
No caso da SEAT, demonstrando uma vez mais que a luta de classes não se
detém
[3]
, o patrão, agora que já lhes tinha dobrado o braço,
compreendeu que não tinha que pagar "despedimentos não
traumáticos", quando se podia alcançar um novo patamar e
pôr as CC.OO. e a UGT a jogar um papel ligeiramente novo. Como sublinha
o veterano das CC.OO. na SEAT, Carlos Vallejo: passou-se das listas positivas
para o ingresso dos filhos ou para as promoções na categoria,
às listas negativas de incluir ou tirar pessoas entre os despedidos
[4]
.
A ACEITAÇÃO DA LÓGICA DO INIMIGO
O requisito para a autorização administrativa de despedimentos
colectivos, estabelecido no artigo 51º do Estatuto dos Trabalhadores,
é a garantia da casualidade dos despedidos que, logicamente, devia ser
mais inflexível quando as empresas foram reiteradamente beneficiadas com
ajudas públicas. A ironia macabra é que uma conquista
operária de primeira importância esteja sendo pervertida por um
governo de "esquerda" (PSC, ERC e EUIA), precisamente na Comunidade
Autónoma em que mais EREs foram feitos por parte de empresas
deslocalizáveis e beneficiárias de todo o tipo de
subvenções e isenções fiscais. E, para não
ficar em destaque, o governo dos três partidos pressiona às
escondidas os sindicatos. No caso da SEAT, o seu presidente Andreas Schleef,
ao mostrar a sua satisfação pela assinatura do acordo com as
CC.OO. e UGT, dizia: sem o apoio da Generalitat talvez não tivesse sido
possível.
Chamam a isso governar com os votos da esquerda?
Alguém estranhará que o patronato e o governo coloquem a
eliminação da autorização administrativa na nova
reforma laboral?
O que é que dizem a isto os que perdem a tramontana quando se qualifica
essa
esquerda
de inimigo de classe?
A Grande Comissão Tripartida (Governo, CEOE, CC.OO.UGT), vai
pretender que o ERE da SEAT seja o início de uma etapa qualitativamente
nova: a cereja na crista do bolo sobre a qual se edifique um novo
cenário na aplicação da máxima flexibilidade nas
relações laborais, com vista a conquistar as
posições mais favoráveis, na vertiginosa carreira da
competitividade.
Os 659 despedidos da SEAT, despedidos antes que se sancione a precariedade
generalizada, tal e como pretende a nova contra-reforma laboral, são o
símbolo da homogeneização das relações
laborais. O patronato pretende demonstrar que as grandes empresas que
como a SEAT ou a Miniwatt/Phillips "guiavam" as conquistas laborais
do resto do sector não são já ilhas de emprego com
direitos, muralhas de força operária capazes de deter a
extensão do emprego desqualificado. As centenas de despedimentos
forçados, assinados com agravada aleivosia, afectando as pessoas mais
combativas, sem consultar os trabalhadores, sem exigência do reingresso
dos perseguidos durante a luta, executados na primeira empresa da Catalunha,
pretendem demonstrar que não há resistência
possível, que nada mais há a fazer do que aceitar o modelo de
desregulamentação e exploração, que já
está implantado nos contratos e em todas as pequenas empresas.
Para a classe operária é imprescindível analisar o ERE da
SEAT como um salto qualitativo no caldo de cultura propiciado por uma
política e um modelo sindical que se repete há demasiado tempo.
Das pré-reformas, como derrota com anestesia, passou-se à
amputação a frio, aos despedimentos forçados. O que
há que salientar é que ambos os factos fazem parte de uma mesma
lógica: a aceitação por parte dos sindicatos da
competitividade como lei absoluta que rege o funcionamento social no seu
conjunto e que tem como instrumento privilegiado a flexibilidade, da qual
depende a criação de emprego ou a manutenção dos
postos de trabalho.
Assumir a competitividade como critério central, equivale exactamente a
aceitar o axioma central do capitalismo: que a economia está ao
serviço do lucro e não dos seres humanos. É uma
lógica em que se confundem os interesses da empresa e os dos "seus
trabalhadores". Um curioso regresso ao sindicalismo vertical.
Se o ocorrido na SEAT marca um ponto de inflexão transcendental na
estratégia do patronato, há que dizer que se tratava de um salto
anunciado, à medida que os representantes sindicais, na SEAT e noutras
grandes empresas, aceitavam um ERE atrás de outro, enquanto se
declaravam despudorados lucros, e com o perfeito conhecimento como no
caso da Telefónica que, por cada emprego fixo destruído se
iam criar 3 ou 4 empregos desqualificados em contratos precários.
Da mesma forma que o capitalismo pela sua própria lógica
interna é irreformável, a ingénua ou
cúmplice intenção de suavizar as suas
expressões, mediante a negociação sindical e a
renúncia a questionar a raiz dos interesses de classe da burguesia,
só conduz a debilitar até à exaustão o movimento
operário, num retrocesso, sem limites, dos seus direitos.
Mas se os trabalhadores e trabalhadoras se detiverem a analisar, não
só que o tema tem um carácter geral, mas que é o culminar,
por agora, de uma estratégia sindical entreguista que se mantém
há três décadas e que apenas pode conduzir à
derrota, então é possível que este salto qualitativo seja
o início do processo de reconstrução do sindicalismo de
classe e combativo.
Não foi sempre assim...
A "FRAUDULENTA MUDANÇA" DA TRANSIÇÃO
Há quase 30 anos, em Abril de 1976, com os sindicatos de classe e a
esquerda ainda na clandestinidade, mas com um alto grau de
organização e a combatividade da classe operária,
promulgava-se a Lei das Relações de Trabalho mais avançada
que se conheceu. Nela se reconheciam amplos direitos laborais e, sobretudo,
estabelecia-se pela primeira vez o objectivo geral da estabilidade no emprego e
o carácter básico da contratação indefinida, com
apenas algumas excepções
[5]
. Chama-se a atenção para o facto desta Lei ter sido promulgada
em plena crise económica e quando a maioria dos ordenamentos
jurídicos da Europa ocidental estavam a evoluir para a
"flexibilidade". A classe operária tinha força e a
correlação de forças mandava.
A sua vigência durou pouco mais de um ano.
Os Pactos de Moncloa, a 25 de Outubro de 1977, questionaram frontalmente o
promulgado 18 meses antes. A sua redacção mencionava
explicitamente a introdução da intemporalidade. Um mês
mais tarde publicou-se um Decreto-Lei que autorizava a realização
de contratos temporários para trabalhadores no desemprego e para
trabalhadores "jovens", sem ter que os submeter à
"formalidade" de justificar a sua causalidade.
Contra-reforma atrás de contra-reforma, o que sucedeu depois foi uma
sucessão sem fim de desregulamentações,
generalização progressiva da temporalidade,
subvenções isenções fiscais e
bonificações das contribuições patronais para a
Segurança Social
[6]
.
Paralelamente, o processo de eliminação das conquistas sociais
duramente conquistadas durante a Ditadura, através de anos de
prisão, torturas e mortes primeiro timidamente pelo governo UCD e
depois de forma sistemática pelos sucessivos gabinetes do PSOE
procedeu-se à liquidação daquelas empresas declaradas
não "rentáveis" pelo grande capital europeu, como
tributo pago para a entrada na Comunidade Económica Europeia.
Não se fez a menor investigação sobre os gerentes
responsáveis pelo fracasso empresarial, procedentes em grande parte dos
casos de "famílias do regime" e, na imensa maioria dos casos,
com evidências clamorosas de corrupção.
Do mesmo modo, privatizou-se a quase totalidade das empresas que produziam
vultuosos lucros e de sectores estratégicos: a banca pública
ARGENTARIA , CAMPSA, TELEFÓNICA, ENDIDESA, IBÉRIA,
SEAT, TABACALERA, IBERDROLA, IZAR, etc..
A substituição de centenas de milhares de postos de trabalho
fixos, e com direitos, que se iniciou com a "reconversão
industrial", no princípio dos anos 80 e que continua com a
interminável corrente de "reestruturações de quadros
de pessoal", "desvinculações" ou EREs, tem-se
vindo a levar a cabo, comprando paz social com pré-reformas e falsa
invalidez. Desta forma, enquanto o custo das pensões saía, como
sempre e em última instância, dos bolsos dos trabalhadores, o
importante custo social investido na desactivação da
resistência operária alimentava o discurso da insustentabilidade
do sistema público de pensões, que abriu a porta à sua
privatização.
Em ambos os casos, os chamados "despedimentos não
traumáticos" deixaram atrás de si desertos industriais em
numerosas concelhos e dramas humanos com pálidos reflexos nas
estatísticas que dão conta, nessas zonas, de elevadíssimo
incremento das taxas de suicídio, de depressões e mortalidade por
outras causas, aparentemente não relacionadas, mas que têm no
desemprego a sua explicação última
[7]
.
A consequência não é apenas a deterioração
das condições de vida, mas a quebra da própria vitalidade
do trabalhador ou trabalhadora e da sua família.
Além disso, como pode ver-se nas antigas zonas industriais das
Astúrias, Galiza, etc, as pensões servem para a
desresponsabilização mediante o álcool e as drogas
perante a situação dos filhos face à ausência
de futuro.
Paralelamente, as grandes empresas privatizadas, as recentemente criadas e as
próprias administrações públicas, desmentindo as
suas próprias razões de quadros de pessoal sobredimensionados ou
os mitificadores discursos acerca da capacidade dos avanços
tecnológicos para acabar com o trabalho, criam em catadupa contratos e
subcontratos, com trabalhadores com cada vez menos direitos e menos
protecção social, com intermináveis jornadas de trabalho,
sem organização sindical, indivíduos isolados... Cada vez
mais próximo o sonho do capitalismo: o combate corpo a corpo entre a
liberdade de contratar do patrão, frente à "liberdade"
de trabalhar do operário
[8]
.
Agora é a precariedade de jovens e imigrantes a justificar o brutal
saldo de 1.000 mortos por ano, ostentando o infame recorde, já há
décadas, de ser o primeiro país da UE na sinistralidade laboral.
São todas mortes evitáveis, directamente relacionadas com a
temporalidade, ou à impossibilidade de reclamar, por quem teme que
não lhe renovem o contrato ou por aqueles que, no emaranhado de
contratos e subcontratos, nem sequer o têm... Assim é a coluna
vertebral das actuais relações de exploração.
Quando o sangue salta para as primeiras páginas dos meios de
comunicação, como no recente acidente de Granada, constitui-se
uma comissão tripartida (patronato, governo e CC.OO.-UGT) e aumentam-se
os fundos para a "formação".
Tudo isto não constitui qualquer óbice a que, sem o menor pudor,
a declaração para o "diálogo social", assinado
pela Grande Comissão Tripartida a 8 de Julho de 2004, tenha por
título
Competitividade, emprego estável e coesão social,
quando como é sabido os seus conteúdos anunciem
novos e transcendentais retrocessos de direitos e garantias laborais e novas
transferências de salários, indirectos e diferidos, para o
patronato
[9]
.
QUAL FOI A RESPOSTA SINDICAL A TÃO BRUTAL OFENSIVA?
Perante o discurso das burocracias sindicais, que pretendem esconder a sua
aceitação prévia de que esta é a única
política possível, face ao desinteresse e à falta de
solidariedade da generalidade dos trabalhadores, é inocultável
que houve desde a Transição três grandes
greves gerais.
Os trabalhadores e trabalhadoras saíram maciçamente à rua,
apesar da brutal repressão, da perda de salário do dia de greve
que ninguém negoceia e de, nas duas últimas greves a de
1994 e a de 2002 a reivindicação estar de antemão
perdida para as cúpulas sindicais, que apenas as convocaram porque
não podiam aguentar a pressão da rua e de, basicamente, irem
aceitar a decisão do governo de turno.
Na maior parte das grandes empresas, nas que procederam à
redução dos quadros de pessoal, houve importantes e duras lutas,
na empresa, na rua mas... individualizadas, isoladas.
Enquanto se tornava evidente que os governos de turno executavam uma
política de carácter geral, perfeitamente planificada, as
cúpulas sindicais assistiam impávidas ao desbaratamento de
energia dos trabalhadores de cada empresa, sós, enquanto todos o meses,
uma atrás de outra, apareciam empresas obedientes à mesma
estratégia.
Não se separavam apenas empresas e sectores. Como mostra com genial
clareza o filme de Fernando León de Aranoa,
Os dias ao sol,
a dinamitação da solidariedade e da unidade de classe
cada fragmento de trabalhadores a negociar a sua situação,
assobiando para o lado quando despediam as diversas categorias de trabalhadores
temporários e subcontratados, cada grupo pensando na sua
salvação, até que ficavam os últimos, e já
não havia força para resistir é o rendimento sem
preço, para o capital, de um caminho que não terá fim, a
não ser que se ponha um ponto final, colectivamente, a um processo que
leva ao desastre.
QUANTO MAIS DEPRESSA ENTERRARMOS O MORTO, MELHOR
Há que dizê-lo bem alto e claramente, de uma vez por todas: os
interesses das cúpulas sindicais das CC.OO. e da UGT respondem em
cada conflito mais aos interesses do patronato e dos governos de turno
que aos dos trabalhadores e quanto mais tempo demorarmos a
apercebermo-nos disso, pior.
A questão essencial, sem a qual estaremos derrotados de antemão,
é a afirmação essencial de que
sim, pode-se; não aceitarmos nem um só despedimento, nem a
eliminação de um só posto de trabalho em empresas que
declaram ou escondem lucros e muito menos toleraremos a represália
contra nenhum companheiro.
Não seria interessante perguntarmo-nos o que teria sucedido se a
Plataforma Unitária tivesse decidido, desde início:
"exigir da Generalitat que recuse o processo
e exija à empresa um
plano sustentado
que garanta a continuidade da marca e do quadro de pessoal. Se a empresa
recusar, a Generalitat deveria exigir a devolução das vultuosas
subvenções que recebeu, sem descartar, se preciso fosse, a
intervenção na empresa e o seu retorno a mãos
públicas para preservar os interesses gerais? Não teria sido
possível consegui-lo se o objectivo tivesse sido: "conseguir a
capacidade máxima de pressão através de um
plano de luta sustentado
que assegurasse a unidade do trabalhadores; que fossem estes que tivessem
a última palavra em toda a decisão importante;
que se estendesse a luta a outras empresas do grupo (Gearbox...) e empresas
subsidiárias afectadas pelo plano da empresa; que se levasse a
solidariedade à generalidade dos trabalhadores e que se comprometessem
no apoio as localidades afectadas, câmaras e Parlamento da
Catalunha"?
Mas ainda hoje, depois da firme resposta dos trabalhadores deslegitimando
frontalmente o acordo, impedindo a humilhação, há algo a
fazer:
organizar-se e convocar, em cada turno e secção a
secção, um referendo sobre o ERE.
Não basta a indignação, é preciso que, material e
concretamente os trabalhadores se apropriem da democracia operária
usurpada e chamem com a sua voz colectiva impostores aqueles que ilegitimamente
decidiram em seu nome.
A realização do referendo na SEAT, com todas as
mobilizações que se decidam, será a semente do novo. Se
não se fizer, não se passará, na minha opinião, de
tentar uma "oposição" a faca e o queijo na mão.
É esse poder de decidir em nosso nome que temos de acabar por lhes
tirar, para evitar que este cenário se volte a repetir com a mesma
debilidade no próximo ERE da SEAT ou de qualquer outra empresa.
A CGT é a única central que tem condições para o
fazer e estou segura de que não se encontraria só para o levar a
cabo. A preparação do referendo permitiria atacar algo
tão importante como a sua realização: a
reconstrução, a partir de baixo, na primeira empresa da
Catalunha, do sindicalismo de classe e combativo, baseado na democracia
operária, que é urgente construir. SEAT poderia marcar, para o
movimento operário da Catalunha e para todo o Estado espanhol, esse
salto qualitativo que, cedo ou tarde, vai dar-se porque, como dizia Lenine,
está a acumular-se material altamente inflamável.
Não sobram ideias, experiência acumulada pelos mais velhos,
força, entusiasmo e até raiva, por parte dos jovens? Não
há consciência suficiente de que o capital é
insaciável, de que se está maribando para a angustia das pessoas,
de que é capaz de tudo? Vale ou não a aposta em estender pontes
que não podem levantar-se se não na luta para unir
a ruptura geracional? A reconstrução da unidade de classe
não deve cimentar-se sobre a afirmação essencial de que
"nativa ou estrangeira somos a mesma classe operária"? Frente
à globalização do capital não é
imprescindível, mais do que nunca, fortalecer o internacionalismo?
Talvez o que ainda não seja evidente para a maioria dos trabalhadores e
trabalhadoras é que há que superar o espanto contemplativo de
como o modelo sindical de aceitação da derrota e a burocracia
complacente nos roubou as nossas organizações e as converteu em
ninhos de passaritos ao seu serviço, em estruturas mortas como
instrumentos de luta.
O que é certo é que muitos estamos decididos a não morrer
com elas. Não é a primeira vez, nem por desgraça
será a última, que o inimigo de classe compra dirigentes e
integra estruturas políticas e sindicais.
Mas os povos não se suicidam e é seguro que, também agora,
encontraremos a forma como sempre, a partir de baixo, aprendendo com os
erros e com toda a vontade unitária de recriar as nossas
organizações e converte-las em adequados instrumentos de luta.
Quanto mais cedo deitarmos mãos à obra, melhor.
Notas:
[1] Bolsa de horas: tempo de trabalho extra que o trabalhador está
obrigado a executar, em dias de folga, quando o patrão decida, em
função das variações da procura.
[2] O Citibank reconheceu num tribunal de Madrid o pagamento de mais 650.000
euros aos sindicatos CCOO, UGT e FITC pelo "esforço que
realizaram" durante as negociações de quatro acordos
laborais de acordo com a revista
Interviú.
Abel Alvarez (revista
Interviú)
[3] O presidente da SEAT declarou em Maio de 2005, aquando da
renovação do convénio, que ficava garantida por 5 anos a
paz social.
[4]
http://kaosenlared.net/noticia.php?id_noticia=14455
[5] A Lei das Relações Laborais, no seu artigo 14 estabelece : O
contrato de trabalho presume-se por tempo indefinido, sem outras
excepções que as contempladas no artigo seguinte.
[6] Uma exaustiva crónica das reformas laborais pode ver-se em Aguilera
Izquierda, R. (2005) Princípio da causalidade na
contratação de trabalho.
http://derecho-laboral.blogcindario.com/2005/05/00283.html
Também em Gálvez, S. La generación de las reformas
laborales. A "precariedade" como destino? Exposição
apresentada no Encontro de Jovens da Corriente Roja, Outubro de 2005.
[7] A correlação entre as taxas de desemprego e a mortalidade,
por causas como úlceras no tubo digestivo ou enfarte do
miocárdio, a correspondência entre a esperança de vida e as
categorias socio-profissionais ou a do nível socio-económico e a
incidência de enfermidades infecciosas, revela a
determinação da estrutura socio-económica sobre a
doença e a morte das pessoas. Pode ver-se em: San Martín, H
(1985) Crisis mundial de la salud. Págs 126, 138, 142, e 146.
[8] A extensão da temporalidade foi vertiginosa. Em poucos anos, o
Estado espanhol situou-se à cabeça da UE no que respeita ao
trabalho temporal. Os dados mais recentes são os seguintes: passou-se
de uma taxa de 30,88% no quarto trimestre de 2004, para 34,39% no terceiro
trimestre de 2005, um crescimento igualmente sem precedentes.
[9] Estes aspectos foram analisados recentemente em Maestro, A. (2005)
Zapatero,
el talante del trilero.
Proposta Comunista do PCPE. Também em
http://www.lahaine.org/index.php?p=10561
. (N do T: A tradução portuguesa,
O desplante de Zapatero
, foi publicada em 05/Nov/2005).
[*]
Militante da Corriente Roja.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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