SEAT, o fim da história ou o embrião do novo?

por Angeles Maestro [*]

Fábrica da SEAT em Barcelona.
Das pré-reformas aos despedimentos. O acordo da SEAT, um salto qualitativo para o patronato... O acordo assinado entre o patronato da SEAT e os sindicatos supõe um salto qualitativo na – por agora – interminável sucessão de derrotas do movimento operário desde a Transição.

Chamar-lhe derrotas é uma forma de dizer porque em muitos casos, como o da SEAT, trata-se de rendições das cúpulas sindicais, depois de encabeçarem, gigantescas mobilizações – quando desde princípio tinham aceite a lógica patronal – e sem qualquer consulta aos trabalhadores. As mesmas centrais sindicais que dirigiram a luta exemplar de há décadas travada pelos trabalhadores e trabalhadoras da SEAT pactuaram, o que até agora nunca tinha acontecido nesta empresa: o despedimento obrigatório de 660 trabalhadores e trabalhadoras, além da pré-reforma de 230 – com extinção dos seus postos de trabalho – e o aumento da bolsa de horas [1] de 30 a 35 dias.. Em contrapartida, a direcção da empresa compromete-se a não apresentar nenhum novo Expediente de Regulamentação do Emprego (ERE)... "durante 2006".

Como está a acontecer nos últimos meses em dezenas de empresas, pactuaram com um ERE, apesar de a SEAT:

  1. Declarar lucros de 500 milhões de euros nos últimos 3 anos, sendo que 134 milhões foram em 2004;
  2. Transferir para a empresa mãe, a Volkswagen, 442 milhões de euros em 2004, como pagamento de patentes;
  3. A produtividade real (facturação/trabalhador) ter aumentado 14% entre 2002 e 2004;
  4. Ter recebido enormes somas de dinheiro público desde a sua privatização em 1986: 200 milhões de euros nos últimos dois anos.

Apesar de tudo isto, tal como em todos os casos semelhantes (os mais recentes são Gearbox, Samsung, Philips, Miniwatt), a Generalitat [N do T: Governo Autónomo da Catalunha] não duvidou em conceder autorização administrativa, a Plataforma Unitária, integrada pelas CC.OO. , UGT e CGT, não recusou, frontalmente e desde o primeiro momento, o ERE e não exigiu a manutenção de todos os postos de trabalho.

Aceitou-se a redução do quadro de pessoal e de direitos, apesar de ninguém acreditar no repetido argumento da garantia da viabilidade da empresa, das injecções de fundos públicos, dos aumentos de produtividade pela flexibilidade acordada de trabalhar mais fins-de-semana e dos vultuosos lucros. Por isso, foi-se para a negociação sem força, aceitando, a priori, que a empresa pudesse eliminar postos de trabalho, jogando no campo contrário, à defensiva, procurando o mal menor.

Porquê? Com que lógica, quando os trabalhadores e trabalhadoras da SEAT responderam com força às convocatórias de manifestação e de greve, apesar da repressão patronal?

...JÁ VEM DE LONGE

Evidentemente que nada disto é novo, nem um fenómeno isolado.

No caso da SEAT, noutros tempos empresa emblemática nas lutas do movimento operário, há anos que havia um retrocesso de direitos, um atrás de outro: acordo para introduzir a dupla grelha salarial, o aumento dos ritmos, a flexibilidade da jornada laboral, a aceitação de sucessivas reduções do quadro de pessoal, etc..

As vantagens acumuladas pelo patrão não eram só materiais. As suspeitas mais que fundadas [2] de que os serviços prestados às empresas nas negociações de acordos e EREs não eram grátis e as evidências de que "a mão" das "centrais sindicais maioritárias" assegurava o acesso a diversas prebendas iam – e vão – minando, entre os trabalhadores da SEAT e no conjunto da classe operária, a confiança na representação sindical.

No caso da SEAT, demonstrando uma vez mais que a luta de classes não se detém [3] , o patrão, agora que já lhes tinha dobrado o braço, compreendeu que não tinha que pagar "despedimentos não traumáticos", quando se podia alcançar um novo patamar e pôr as CC.OO. e a UGT a jogar um papel ligeiramente novo. Como sublinha o veterano das CC.OO. na SEAT, Carlos Vallejo: passou-se das listas positivas para o ingresso dos filhos ou para as promoções na categoria, às listas negativas de incluir ou tirar pessoas entre os despedidos [4] .

A ACEITAÇÃO DA LÓGICA DO INIMIGO

O requisito para a autorização administrativa de despedimentos colectivos, estabelecido no artigo 51º do Estatuto dos Trabalhadores, é a garantia da casualidade dos despedidos que, logicamente, devia ser mais inflexível quando as empresas foram reiteradamente beneficiadas com ajudas públicas. A ironia macabra é que uma conquista operária de primeira importância esteja sendo pervertida por um governo de "esquerda" (PSC, ERC e EUIA), precisamente na Comunidade Autónoma em que mais EREs foram feitos por parte de empresas deslocalizáveis e beneficiárias de todo o tipo de subvenções e isenções fiscais. E, para não ficar em destaque, o governo dos três partidos pressiona às escondidas os sindicatos. No caso da SEAT, o seu presidente Andreas Schleef, ao mostrar a sua satisfação pela assinatura do acordo com as CC.OO. e UGT, dizia: sem o apoio da Generalitat talvez não tivesse sido possível.

Chamam a isso governar com os votos da esquerda?

Alguém estranhará que o patronato e o governo coloquem a eliminação da autorização administrativa na nova reforma laboral?

O que é que dizem a isto os que perdem a tramontana quando se qualifica essa esquerda de inimigo de classe?

A Grande Comissão Tripartida (Governo, CEOE, CC.OO.–UGT), vai pretender que o ERE da SEAT seja o início de uma etapa qualitativamente nova: a cereja na crista do bolo sobre a qual se edifique um novo cenário na aplicação da máxima flexibilidade nas relações laborais, com vista a conquistar as posições mais favoráveis, na vertiginosa carreira da competitividade.

Os 659 despedidos da SEAT, despedidos antes que se sancione a precariedade generalizada, tal e como pretende a nova contra-reforma laboral, são o símbolo da homogeneização das relações laborais. O patronato pretende demonstrar que as grandes empresas – que como a SEAT ou a Miniwatt/Phillips "guiavam" as conquistas laborais do resto do sector – não são já ilhas de emprego com direitos, muralhas de força operária capazes de deter a extensão do emprego desqualificado. As centenas de despedimentos forçados, assinados com agravada aleivosia, afectando as pessoas mais combativas, sem consultar os trabalhadores, sem exigência do reingresso dos perseguidos durante a luta, executados na primeira empresa da Catalunha, pretendem demonstrar que não há resistência possível, que nada mais há a fazer do que aceitar o modelo de desregulamentação e exploração, que já está implantado nos contratos e em todas as pequenas empresas.

Para a classe operária é imprescindível analisar o ERE da SEAT como um salto qualitativo no caldo de cultura propiciado por uma política e um modelo sindical que se repete há demasiado tempo.

Das pré-reformas, como derrota com anestesia, passou-se à amputação a frio, aos despedimentos forçados. O que há que salientar é que ambos os factos fazem parte de uma mesma lógica: a aceitação por parte dos sindicatos da competitividade como lei absoluta que rege o funcionamento social no seu conjunto e que tem como instrumento privilegiado a flexibilidade, da qual depende a criação de emprego ou a manutenção dos postos de trabalho.

Assumir a competitividade como critério central, equivale exactamente a aceitar o axioma central do capitalismo: que a economia está ao serviço do lucro e não dos seres humanos. É uma lógica em que se confundem os interesses da empresa e os dos "seus trabalhadores". Um curioso regresso ao sindicalismo vertical.

Se o ocorrido na SEAT marca um ponto de inflexão transcendental na estratégia do patronato, há que dizer que se tratava de um salto anunciado, à medida que os representantes sindicais, na SEAT e noutras grandes empresas, aceitavam um ERE atrás de outro, enquanto se declaravam despudorados lucros, e com o perfeito conhecimento – como no caso da Telefónica – que, por cada emprego fixo destruído se iam criar 3 ou 4 empregos desqualificados em contratos precários.

Da mesma forma que o capitalismo – pela sua própria lógica interna – é irreformável, a ingénua – ou cúmplice – intenção de suavizar as suas expressões, mediante a negociação sindical e a renúncia a questionar a raiz dos interesses de classe da burguesia, só conduz a debilitar até à exaustão o movimento operário, num retrocesso, sem limites, dos seus direitos.

Mas se os trabalhadores e trabalhadoras se detiverem a analisar, não só que o tema tem um carácter geral, mas que é o culminar, por agora, de uma estratégia sindical entreguista que se mantém há três décadas e que apenas pode conduzir à derrota, então é possível que este salto qualitativo seja o início do processo de reconstrução do sindicalismo de classe e combativo.

Não foi sempre assim...

A "FRAUDULENTA MUDANÇA" DA TRANSIÇÃO

Há quase 30 anos, em Abril de 1976, com os sindicatos de classe e a esquerda ainda na clandestinidade, mas com um alto grau de organização e a combatividade da classe operária, promulgava-se a Lei das Relações de Trabalho mais avançada que se conheceu. Nela se reconheciam amplos direitos laborais e, sobretudo, estabelecia-se pela primeira vez o objectivo geral da estabilidade no emprego e o carácter básico da contratação indefinida, com apenas algumas excepções [5] . Chama-se a atenção para o facto desta Lei ter sido promulgada em plena crise económica e quando a maioria dos ordenamentos jurídicos da Europa ocidental estavam a evoluir para a "flexibilidade". A classe operária tinha força e a correlação de forças mandava.

A sua vigência durou pouco mais de um ano.

Os Pactos de Moncloa, a 25 de Outubro de 1977, questionaram frontalmente o promulgado 18 meses antes. A sua redacção mencionava explicitamente a introdução da intemporalidade. Um mês mais tarde publicou-se um Decreto-Lei que autorizava a realização de contratos temporários para trabalhadores no desemprego e para trabalhadores "jovens", sem ter que os submeter à "formalidade" de justificar a sua causalidade.

Contra-reforma atrás de contra-reforma, o que sucedeu depois foi uma sucessão sem fim de desregulamentações, generalização progressiva da temporalidade, subvenções isenções fiscais e bonificações das contribuições patronais para a Segurança Social [6] .

Paralelamente, o processo de eliminação das conquistas sociais duramente conquistadas durante a Ditadura, através de anos de prisão, torturas e mortes – primeiro timidamente pelo governo UCD e depois de forma sistemática pelos sucessivos gabinetes do PSOE – procedeu-se à liquidação daquelas empresas declaradas não "rentáveis" pelo grande capital europeu, como tributo pago para a entrada na Comunidade Económica Europeia. Não se fez a menor investigação sobre os gerentes responsáveis pelo fracasso empresarial, procedentes em grande parte dos casos de "famílias do regime" e, na imensa maioria dos casos, com evidências clamorosas de corrupção.

Do mesmo modo, privatizou-se a quase totalidade das empresas que produziam vultuosos lucros e de sectores estratégicos: a banca pública – ARGENTARIA –, CAMPSA, TELEFÓNICA, ENDIDESA, IBÉRIA, SEAT, TABACALERA, IBERDROLA, IZAR, etc..

A substituição de centenas de milhares de postos de trabalho fixos, e com direitos, que se iniciou com a "reconversão industrial", no princípio dos anos 80 e que continua com a interminável corrente de "reestruturações de quadros de pessoal", "desvinculações" ou EREs, tem-se vindo a levar a cabo, comprando paz social com pré-reformas e falsa invalidez. Desta forma, enquanto o custo das pensões saía, como sempre e em última instância, dos bolsos dos trabalhadores, o importante custo social investido na desactivação da resistência operária alimentava o discurso da insustentabilidade do sistema público de pensões, que abriu a porta à sua privatização.

Em ambos os casos, os chamados "despedimentos não traumáticos" deixaram atrás de si desertos industriais em numerosas concelhos e dramas humanos com pálidos reflexos nas estatísticas que dão conta, nessas zonas, de elevadíssimo incremento das taxas de suicídio, de depressões e mortalidade por outras causas, aparentemente não relacionadas, mas que têm no desemprego a sua explicação última [7] .

A consequência não é apenas a deterioração das condições de vida, mas a quebra da própria vitalidade do trabalhador ou trabalhadora e da sua família.

Além disso, como pode ver-se nas antigas zonas industriais das Astúrias, Galiza, etc, as pensões servem para a desresponsabilização – mediante o álcool e as drogas – perante a situação dos filhos face à ausência de futuro.

Paralelamente, as grandes empresas privatizadas, as recentemente criadas e as próprias administrações públicas, desmentindo as suas próprias razões de quadros de pessoal sobredimensionados ou os mitificadores discursos acerca da capacidade dos avanços tecnológicos para acabar com o trabalho, criam em catadupa contratos e subcontratos, com trabalhadores com cada vez menos direitos e menos protecção social, com intermináveis jornadas de trabalho, sem organização sindical, indivíduos isolados... Cada vez mais próximo o sonho do capitalismo: o combate corpo a corpo entre a liberdade de contratar do patrão, frente à "liberdade" de trabalhar do operário [8] .

Agora é a precariedade de jovens e imigrantes a justificar o brutal saldo de 1.000 mortos por ano, ostentando o infame recorde, já há décadas, de ser o primeiro país da UE na sinistralidade laboral. São todas mortes evitáveis, directamente relacionadas com a temporalidade, ou à impossibilidade de reclamar, por quem teme que não lhe renovem o contrato ou por aqueles que, no emaranhado de contratos e subcontratos, nem sequer o têm... Assim é a coluna vertebral das actuais relações de exploração. Quando o sangue salta para as primeiras páginas dos meios de comunicação, como no recente acidente de Granada, constitui-se uma comissão tripartida (patronato, governo e CC.OO.-UGT) e aumentam-se os fundos para a "formação".

Tudo isto não constitui qualquer óbice a que, sem o menor pudor, a declaração para o "diálogo social", assinado pela Grande Comissão Tripartida a 8 de Julho de 2004, tenha por título Competitividade, emprego estável e coesão social, quando – como é sabido – os seus conteúdos anunciem novos e transcendentais retrocessos de direitos e garantias laborais e novas transferências de salários, indirectos e diferidos, para o patronato [9] .

QUAL FOI A RESPOSTA SINDICAL A TÃO BRUTAL OFENSIVA?

Perante o discurso das burocracias sindicais, que pretendem esconder a sua aceitação prévia de que esta é a única política possível, face ao desinteresse e à falta de solidariedade da generalidade dos trabalhadores, é inocultável que houve – desde a Transição – três grandes greves gerais.

Os trabalhadores e trabalhadoras saíram maciçamente à rua, apesar da brutal repressão, da perda de salário do dia de greve que ninguém negoceia e de, nas duas últimas greves – a de 1994 e a de 2002 – a reivindicação estar de antemão perdida para as cúpulas sindicais, que apenas as convocaram porque não podiam aguentar a pressão da rua e de, basicamente, irem aceitar a decisão do governo de turno.

Na maior parte das grandes empresas, nas que procederam à redução dos quadros de pessoal, houve importantes e duras lutas, na empresa, na rua mas... individualizadas, isoladas.

Enquanto se tornava evidente que os governos de turno executavam uma política de carácter geral, perfeitamente planificada, as cúpulas sindicais assistiam impávidas ao desbaratamento de energia dos trabalhadores de cada empresa, sós, enquanto todos o meses, uma atrás de outra, apareciam empresas obedientes à mesma estratégia.

Não se separavam apenas empresas e sectores. Como mostra com genial clareza o filme de Fernando León de Aranoa, Os dias ao sol, a dinamitação da solidariedade e da unidade de classe – cada fragmento de trabalhadores a negociar a sua situação, assobiando para o lado quando despediam as diversas categorias de trabalhadores temporários e subcontratados, cada grupo pensando na sua salvação, até que ficavam os últimos, e já não havia força para resistir – é o rendimento sem preço, para o capital, de um caminho que não terá fim, a não ser que se ponha um ponto final, colectivamente, a um processo que leva ao desastre.

QUANTO MAIS DEPRESSA ENTERRARMOS O MORTO, MELHOR

Há que dizê-lo bem alto e claramente, de uma vez por todas: os interesses das cúpulas sindicais das CC.OO. e da UGT respondem – em cada conflito – mais aos interesses do patronato e dos governos de turno – que aos dos trabalhadores e quanto mais tempo demorarmos a apercebermo-nos disso, pior.

A questão essencial, sem a qual estaremos derrotados de antemão, é a afirmação essencial de que sim, pode-se; não aceitarmos nem um só despedimento, nem a eliminação de um só posto de trabalho em empresas que declaram ou escondem lucros e muito menos toleraremos a represália contra nenhum companheiro.

Não seria interessante perguntarmo-nos o que teria sucedido se a Plataforma Unitária tivesse decidido, desde início: "exigir da Generalitat que recuse o processo e exija à empresa um plano sustentado que garanta a continuidade da marca e do quadro de pessoal. Se a empresa recusar, a Generalitat deveria exigir a devolução das vultuosas subvenções que recebeu, sem descartar, se preciso fosse, a intervenção na empresa e o seu retorno a mãos públicas para preservar os interesses gerais? Não teria sido possível consegui-lo se o objectivo tivesse sido: "conseguir a capacidade máxima de pressão através de um plano de luta sustentado que assegurasse a unidade do trabalhadores; que fossem estes que tivessem a última palavra em toda a decisão importante; que se estendesse a luta a outras empresas do grupo (Gearbox...) e empresas subsidiárias afectadas pelo plano da empresa; que se levasse a solidariedade à generalidade dos trabalhadores e que se comprometessem no apoio as localidades afectadas, câmaras e Parlamento da Catalunha"?

Mas ainda hoje, depois da firme resposta dos trabalhadores deslegitimando frontalmente o acordo, impedindo a humilhação, há algo a fazer: organizar-se e convocar, em cada turno e secção a secção, um referendo sobre o ERE. Não basta a indignação, é preciso que, material e concretamente os trabalhadores se apropriem da democracia operária usurpada e chamem com a sua voz colectiva impostores aqueles que ilegitimamente decidiram em seu nome.

A realização do referendo na SEAT, com todas as mobilizações que se decidam, será a semente do novo. Se não se fizer, não se passará, na minha opinião, de tentar uma "oposição" a faca e o queijo na mão. É esse poder de decidir em nosso nome que temos de acabar por lhes tirar, para evitar que este cenário se volte a repetir com a mesma debilidade no próximo ERE da SEAT ou de qualquer outra empresa.

A CGT é a única central que tem condições para o fazer e estou segura de que não se encontraria só para o levar a cabo. A preparação do referendo permitiria atacar algo tão importante como a sua realização: a reconstrução, a partir de baixo, na primeira empresa da Catalunha, do sindicalismo de classe e combativo, baseado na democracia operária, que é urgente construir. SEAT poderia marcar, para o movimento operário da Catalunha e para todo o Estado espanhol, esse salto qualitativo que, cedo ou tarde, vai dar-se porque, como dizia Lenine, está a acumular-se material altamente inflamável.

Não sobram ideias, experiência acumulada pelos mais velhos, força, entusiasmo e até raiva, por parte dos jovens? Não há consciência suficiente de que o capital é insaciável, de que se está maribando para a angustia das pessoas, de que é capaz de tudo? Vale ou não a aposta em estender pontes – que não podem levantar-se se não na luta – para unir a ruptura geracional? A reconstrução da unidade de classe não deve cimentar-se sobre a afirmação essencial de que "nativa ou estrangeira somos a mesma classe operária"? Frente à globalização do capital não é imprescindível, mais do que nunca, fortalecer o internacionalismo?

Talvez o que ainda não seja evidente para a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras é que há que superar o espanto contemplativo de como o modelo sindical de aceitação da derrota e a burocracia complacente nos roubou as nossas organizações e as converteu em ninhos de passaritos ao seu serviço, em estruturas mortas como instrumentos de luta.

O que é certo é que muitos estamos decididos a não morrer com elas. Não é a primeira vez, nem por desgraça será a última, que o inimigo de classe compra dirigentes e integra estruturas políticas e sindicais.

Mas os povos não se suicidam e é seguro que, também agora, encontraremos a forma – como sempre, a partir de baixo, aprendendo com os erros e com toda a vontade unitária – de recriar as nossas organizações e converte-las em adequados instrumentos de luta.

Quanto mais cedo deitarmos mãos à obra, melhor.

Notas:
[1] Bolsa de horas: tempo de trabalho extra que o trabalhador está obrigado a executar, em dias de folga, quando o patrão decida, em função das variações da procura.
[2] O Citibank reconheceu num tribunal de Madrid o pagamento de mais 650.000 euros aos sindicatos CCOO, UGT e FITC pelo "esforço que realizaram" durante as negociações de quatro acordos laborais de acordo com a revista Interviú. Abel Alvarez (revista Interviú)
[3] O presidente da SEAT declarou em Maio de 2005, aquando da renovação do convénio, que ficava garantida por 5 anos a paz social.
[4] http://kaosenlared.net/noticia.php?id_noticia=14455
[5] A Lei das Relações Laborais, no seu artigo 14 estabelece : O contrato de trabalho presume-se por tempo indefinido, sem outras excepções que as contempladas no artigo seguinte.
[6] Uma exaustiva crónica das reformas laborais pode ver-se em Aguilera Izquierda, R. (2005) Princípio da causalidade na contratação de trabalho. http://derecho-laboral.blogcindario.com/2005/05/00283.html Também em Gálvez, S. La generación de las reformas laborales. A "precariedade" como destino? Exposição apresentada no Encontro de Jovens da Corriente Roja, Outubro de 2005.
[7] A correlação entre as taxas de desemprego e a mortalidade, por causas como úlceras no tubo digestivo ou enfarte do miocárdio, a correspondência entre a esperança de vida e as categorias socio-profissionais ou a do nível socio-económico e a incidência de enfermidades infecciosas, revela a determinação da estrutura socio-económica sobre a doença e a morte das pessoas. Pode ver-se em: San Martín, H (1985) Crisis mundial de la salud. Págs 126, 138, 142, e 146.
[8] A extensão da temporalidade foi vertiginosa. Em poucos anos, o Estado espanhol situou-se à cabeça da UE no que respeita ao trabalho temporal. Os dados mais recentes são os seguintes: passou-se de uma taxa de 30,88% no quarto trimestre de 2004, para 34,39% no terceiro trimestre de 2005, um crescimento igualmente sem precedentes.
[9] Estes aspectos foram analisados recentemente em Maestro, A. (2005) Zapatero, el talante del trilero. Proposta Comunista do PCPE. Também em http://www.lahaine.org/index.php?p=10561 . (N do T: A tradução portuguesa, O desplante de Zapatero , foi publicada em 05/Nov/2005).


[*] Militante da Corriente Roja.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
16/Jan/06