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							Declínio e queda do império americano
						
							Quatro cenários para o fim do século americano em 2025
						
							Uma aterragem suave para a América daqui a 40 anos? É melhor
							não apostar. O desaparecimento dos Estados Unidos, enquanto
							superpotência global, pode chegar muito mais depressa do que se imagina.
							Se Washington está convencido que o fim do Século Americano
							será lá para 2040 ou 2050, uma avaliação mais
							realista das tendências internas e globais sugere que em 2025, apenas
							daqui a 15 anos, pode estar tudo acabado excepto a gritaria.
							[*]
								Professor de história na Universidade de Wisconsin-Madison,
								colaborador frequente de TomDispatch, autor de 
								
									Policing America's Empire: The United States, the Philippines, and the Rise of
									the Surveillance State
								
								 (2009). É também o lider do projecto 
								 "Empires in Transition"
								, um grupo de trabalho global de 140 historiadores de
								universidades de quatro continentes. Os resultados das suas primeiras
								reuniões em Madison, Sidney, e Manila foram publicados como 
								
									Colonial Crucible: Empire in the Making of the Modern American State
								
								 e as
								conclusões da sua última conferência aparecerão no
								próximo ano em "Endless Empire: Europe's Eclipse, America's Ascent,
								and the Decline of U.S. Global Power".
 Apesar da aura de omnipotência que a maior parte dos impérios
							projecta, uma olhadela para a sua história devia lembrar-nos que eles
							são organismos frágeis. A sua ecologia de poder é
							tão frágil que, quando as coisas começam a correr mesmo
							mal, os impérios normalmente esboroam-se com uma rapidez impiedosa: um
							ano apenas para Portugal, dois anos para a União Soviética, oito
							anos para a França, 11 anos para os otomanos, 17 anos para a
							Grã-Bretanha e, com toda a probabilidade, 22 anos para os Estados
							Unidos, a contar do ano crucial de 2003.
 
 Os futuros historiadores identificarão provavelmente a imprudente
							invasão do Iraque da administração Bush nesse ano como o
							início da queda da América. Mas, ao contrário do banho de
							sangue que marcou o fim de tantos impérios do passado, com cidades a
							arder e massacres de civis, este colapso imperial do século vinte e um
							pode ocorrer de modo relativamente calmo através dos rebentos
							invisíveis do colapso económico ou da guerra cibernética.
 
 Mas não tenham dúvidas: quando finalmente acabar o domínio
							global de Washington, todos os dias haverá recordações
							dolorosas do que tal perda de poder significa para os americanos qualquer que
							seja o seu estilo de vida. Como meia dúzia de países europeus
							descobriram, o declínio imperialista tende a ter um impacto bastante
							desmoralizante numa sociedade, impondo pelo menos uma geração de
							privações económicas. À medida que a economia
							arrefece, a temperatura política sobe, estimulando frequentemente uma
							grave turbulência interna.
 
 Os dados económicos, educativos e militares indicam que, no que se
							refere ao poder global dos EUA, as tendências negativas
							convergirão rapidamente em 2020 e provavelmente atingirão uma
							massa crítica por volta de 2030. O Século Americano, tão
							triunfalmente proclamado no início da II Guerra Mundial, estará
							esfarrapado e moribundo em 2025, na sua oitava década, e pode pertencer
							ao passado em 2030.
 
 Significativamente, em 2008, o National Intelligence Council dos EUA reconheceu
							pela primeira vez que o poder global da América estava de facto numa
							trajectória de declínio. Num dos seus relatórios
							futuristas periódicos, Global Trends 2025, o Conselho citava "a
							transferência da riqueza e do poder económico globais actualmente
							em curso, grosso modo do ocidente para o oriente" e "sem precedentes
							na história moderna", como o principal factor no declínio da
							"força relativa dos Estados Unidos  mesmo na área
							militar". Mas, tal como muita gente em Washington, os analistas do
							Conselho previam uma aterragem muito prolongada e muito suave para o
							predomínio americano global e albergavam a esperança de que, de
							certa forma, os EUA iriam "manter competências militares
							únicas
 para projectar globalmente o poder militar" durante as
							próximas décadas.
 
 Não vão ter essa sorte. Segundo as actuais
							projecções, os Estados Unidos vão encontrar-se em segundo
							lugar, atrás da China (já a segunda maior economia do mundo) em
							produtividade económica por volta de 2026, e atrás da
							Índia em 2050. Do mesmo modo, a inovação chinesa
							está numa trajectória para a liderança mundial em
							ciências aplicadas e em tecnologia militar algures entre 2020 e 2030, na
							altura em que o actual suprimento de brilhantes cientistas e engenheiros da
							América se reformarem, sem uma substituição adequada por
							uma geração mais nova com deficiente instrução.
 
 Em 2020, segundo os planos actuais, o Pentágono jogará uma
							última cartada para um império moribundo. Lançará
							uma tripla cobertura letal de modernas armas aeroespaciais robóticas
							como a última esperança de Washington para manter o poder global
							apesar da redução da sua influência económica. Mas
							nesse ano, a rede global chinesa de satélites de
							comunicações, apoiada pelos super-computadores mais poderosos do
							mundo, também estará plenamente operacional, fornecendo a Beijing
							uma plataforma independente para o armamento do espaço e um poderoso
							sistema de comunicações para ataques de mísseis ou
							cibernéticos em todos os quadrantes do globo.
 
 Embrulhada numa arrogância imperial, tal como Whitehall ou o Quai d'Orsay
							antes dela, a Casa Branca parece imaginar ainda que o declínio americano
							será gradual, suave e parcial. No discurso sobre o Estado da
							Nação em Janeiro passado, o presidente Obama voltou a garantir
							que "eu não aceito um segundo lugar para os Estados Unidos da
							América". Dias depois, o vice-presidente Biden ridicularizou a
							ideia de que "estamos destinados a cumprir a profecia [do historiador
							Paul] de Kennedy de que vamos ser uma grande nação que falhou
							porque perdemos o controlo da nossa economia e exagerámos". Do
							mesmo modo, ao escrever na edição de Novembro da revista
							institucional 
							
								Foreign Affairs,
							
							 o guru da política neoliberal Joseph Nye afastou qualquer conversa
							sobre o crescimento económico e militar da China, desdenhando
							"metáforas enganadoras de declínio orgânico" e
							negando que estivesse em marcha qualquer deterioração do poder
							global dos EUA.
 
 Os americanos vulgares, que vêem os seus empregos a fugir para
							além-mar, têm uma perspectiva mais realista do que os seus lideres
							mimados. Uma sondagem de opinião de Agosto de 2010 chegou à
							conclusão de que 65% dos americanos estão convencidos de que o
							país já se encontra "numa situação de
							declínio". A Austrália e a Turquia, tradicionais aliados
							militares dos EUA, já estão a usar as suas armas fabricadas por
							americanos em manobras aéreas e navais conjuntas com a China. Os
							parceiros económicos mais próximos da América já
							estão a distanciar-se de Washington quanto à
							oposição às taxas de câmbio da China. Quando o
							presidente regressou da sua visita à Ásia no mês passado,
							um cabeçalho tristonho do 
							
								New York Times
							
							 resumia a situação desta maneira: "A visão
							económica de Obama é rejeitada no palco mundial, a China, a
							Grã-Bretanha e a Alemanha desafiam os EUA, Conversações
							comerciais com Seul também falham".
 
 Vista numa perspectiva histórica, a questão não é
							se os Estados Unidos vão perder o seu incontestado poder global, mas
							qual o grau de rapidez e de violência que o declínio terá.
							Em vez do pensamento desejoso de Washington, vamos utilizar a própria
							metodologia futurista do National Intelligence Council para sugerir quatro
							cenários realistas para ver como o poder global dos EUA pode chegar ao
							fim nos anos 20, seja com um golpe ou com um gemido (acompanhados de quatro
							análises correspondentes da situação actual). Os
							cenários futuros incluem: declínio económico, choque
							petrolífero, desventuras militares e III Guerra Mundial. Embora estas
							não sejam as únicas possibilidades no que se refere ao
							declínio americano ou mesmo ao seu colapso, constituem uma visão
							sobre um futuro próximo.
 
 Declínio económico: Situação actual
 
 Existem presentemente três ameaças principais para a
							posição dominante da América na economia global: perda de
							peso económico graças à quota minguante do comércio
							mundial, declínio da inovação tecnológica americana
							e fim da situação privilegiada do dólar enquanto divisa de
							reserva global.
 
 Em 2008, os Estados Unidos já tinham descido para o número
							três nas exportações globais de mercadorias, com apenas 11%
							em comparação com 12% para a China e 16% para a União
							Europeia. Não há nenhuma razão para crer que esta
							tendência se vá inverter.
 
 A liderança americana na inovação tecnológica
							também está em decadência. Em 2008, os EUA ainda eram o
							número dois a seguir ao Japão nos pedidos de patentes mundiais
							com 232 mil, mas a China estava a aproximar-se rapidamente com 195 mil,
							graças a um aumento fulgurante de 400% desde 2000. Um arauto de maior
							declínio: em 2009 os EUA atingiram o último lugar na
							classificação entre os 40 países analisados pela
							Information Technology & Innovation Foundation no que se refere a
							"mudança" em "competitividade global com base na
							inovação" durante a década anterior. A dar mais peso
							a estas estatísticas, o Ministério da Defesa da China divulgou em
							Outubro o super-computador mais rápido do mundo, o Tianhe-1A, tão
							poderoso, disse um especialista dos EUA, que "estoira com a actual
							máquina nº 1" na América.
 
 Acrescentem a isto a clara evidência de que o sistema educativo dos EUA,
							a fonte dos futuros cientistas e inovadores, tem vindo a ficar para trás
							em relação aos seus competidores. Depois de liderar o mundo
							durante décadas, no que se refere a gente entre os 25 e os 34 anos de
							idade com graus universitários, o país mergulhou para 12º
							lugar em 2010. O Fórum Económico Mundial classificou os Estados
							Unidos com um medíocre 52º lugar entre 139 países quanto
							à qualidade do ensino universitário de matemática e
							ciências em 2010. Actualmente, quase metade de todos os estudantes
							formados em ciências nos EUA são estrangeiros, a maioria dos quais
							regressará aos seus países, em vez de se manter aqui como
							acontecia anteriormente. Por outras palavras, em 2025, os Estados Unidos
							enfrentarão provavelmente uma escassez crítica de cientistas
							talentosos.
 
 Estas tendências negativas estão a estimular críticas cada
							vez mais duras ao papel do dólar como divisa de reserva mundial.
							"Os outros países já não estão dispostos a
							comprar a ideia de que os EUA sabem o que é o melhor em política
							económica", observou Kenneth S. Rogoff, um antigo economista de
							topo do Fundo Monetário Internacional. Em meados de 2009, quando os
							bancos centrais mundiais detinham um valor astronómico de 4
							milhões de milhões de dólares em notas do Tesouro
							americano, o presidente russo Dimitri Medvedev insistia que era tempo de acabar
							com "o sistema unipolar mantido artificialmente" baseado "numa
							divisa de reserva que antigamente era forte".
 
 Simultaneamente, o governador do banco central da China sugeria que o futuro
							poderá assentar numa divisa de reserva global "desligada de
							países individuais" (ou seja, o dólar dos EUA). Considerem
							isto como indicadores de um mundo futuro, e duma possível tentativa,
							conforme referiu o economista Michael Hudson, "para acelerar a
							falência da ordem mundial financeiro-militar dos Estados Unidos".
 
 Declínio económico: Cenário 2020
 
 Em 2020, depois de anos de gordos défices alimentados por
							intermináveis guerras em países distantes, e conforme esperado
							há muito, o dólar dos EUA perde finalmente o seu estatuto
							especial como divisa de reserva mundial. Subitamente, o custo das
							importações dispara. Impossibilitado de pagar os défices
							enormes através da venda ao estrangeiro das notas do Tesouro agora
							desvalorizadas, Washington é finalmente forçado a reduzir o seu
							inchado orçamento militar. Debaixo da pressão interna e externa,
							Washington faz regressar lentamente as forças americanas das centenas de
							bases ultramarinas para um perímetro continental. Mas agora já
							é tarde demais.
 
 Confrontados com uma superpotência moribunda incapaz de pagar as contas,
							a China, a Índia, o Irão, a Rússia e outras
							potências, grandes e regionais, desafiam provocadoramente o
							domínio dos EUA sobre os oceanos, o espaço e o
							ciber-espaço. Entretanto, no meio de preços altos, de um
							desemprego sempre crescente e de uma queda continuada dos salários
							reais, as divisões internas resultam em choques violentos e debates
							fracturantes, muitas vezes sobre questões totalmente irrelevantes. Na
							crista de uma onda política de desilusão e desespero, um patriota
							da extrema-direita conquista a presidência com retórica
							retumbante, exigindo respeito para com a autoridade americana e
							ameaçando retaliação militar ou represálias
							económicas. O mundo não liga nenhuma quando o Século
							Americano termina em silêncio.
 
 Choque petrolífero: Situação actual
 
 Uma consequência do poder económico moribundo da América
							tem sido a sua dificuldade nos abastecimentos globais de petróleo.
							Ultrapassando a economia ávida de gasolina da América, a China
							passou a ser o maior consumidor de energia este Verão, uma
							posição que os EUA mantiveram durante mais de um século. O
							especialista em energia Michael Klare argumenta que esta mudança
							significa que a China vai "assumir o comando na definição do
							nosso futuro global".
 
 Em 2025, o Irão e a Rússia vão controlar quase metade do
							abastecimento mundial de gás natural, o que potencialmente lhes
							dará uma vantagem enorme sobre a Europa faminta de energia. Acrescentem
							as reservas de petróleo a esta mistura e, conforme alertou o National
							Intelligence Council, dentro de apenas 15 anos, a Rússia e o Irão
							poderão "emergir como os reis da energia".
 
 Apesar duma espantosa capacidade de invenção, as grandes
							potências petrolíferas estão neste momento a esgotar as
							grandes bacias de reservas petrolíferas que são de
							extracção fácil e barata. A grande lição do
							desastre petrolífero do Deep Horizon no Golfo do México
							não foi o padrão negligente de segurança da BP, mas o
							simples facto que toda a gente viu no "pequeno ecrã": os
							gigantes da energia já não têm alternativa senão
							procurar aquilo que Klare designa por "petróleo
							difícil" a quilómetros abaixo da superfície do oceano
							para conseguir manter os seus lucros.
 
 A agravar o problema, os chineses e os indianos tornaram-se repentinamente
							enormes consumidores de energia. Mesmo que os abastecimentos de
							combustíveis fósseis se mantivessem constantes (o que não
							acontece), a procura, e portanto os custos, aumentará certamente 
							e de forma acentuada. Outras nações desenvolvidas estão a
							enfrentar esta ameaça de uma forma agressiva dedicando-se a programas
							experimentais para desenvolver fontes de energia alternativas. Os Estados
							Unidos seguiram um caminho diferente, fazendo muito pouco para desenvolver
							energias alternativas ao mesmo tempo que, nos últimos trinta anos,
							duplicaram a sua dependência das importações de
							petróleo estrangeiro. Entre 1973 e 2007, as importações de
							petróleo aumentaram de 36% da energia consumida nos EUA para 66%.
 
 Choque petrolífero: Cenário 2025
 
 Os Estados Unidos mantêm-se tão dependentes do petróleo
							estrangeiro que qualquer pequena evolução adversa no mercado
							global de energia em 2025 provoca um choque petrolífero. Em
							comparação, o choque petrolífero de 1973 (quando os
							preços quadruplicaram em poucos meses) não é nada.
							Irritados com a queda do valor do dólar, os ministros do Petróleo
							da OPEP, num encontro em Ryadh, exigem os pagamentos futuros da energia num
							"cabaz" de ienes, iuans e euros. O que só contribui para
							aumentar o custo das importações do petróleo dos EUA. Na
							mesma altura, enquanto assinam uma nova série de contratos de entrega a
							longo prazo com a China, os sauditas estabilizam as suas próprias
							reservas de divisas estrangeiras mudando para o iuan. Entretanto, a China
							injecta milhares de milhões na construção de um enorme
							oleoduto trans-Ásia e no financiamento da exploração no
							Irão do maior campo de gás natural do mundo, em South Pars no
							Golfo Pérsico.
 
 Com a preocupação de que a Marinha dos EUA já não
							seja capaz de proteger os petroleiros que viajam do Golfo Pérsico para
							abastecer a Ásia oriental, uma coligação de Teerão,
							Riad e Abu Dabi forma uma inesperada nova aliança do Golfo e afirma que
							a nova frota da China de porta-aviões ligeiros passará a
							patrulhar o Golfo Pérsico a partir duma base no Golfo de Oman. Sob uma
							forte pressão económica, Londres concorda em cancelar o aluguer
							aos EUA da sua base na ilha de Diego Garcia no Oceano Indico, enquanto
							Camberra, pressionada pelos chineses, informa Washington que a Sétima
							Frota deixou de ser bem-vinda para usar Fremantle como porto de abrigo,
							expulsando assim na prática a Marinha dos EUA do Oceano Indico.
 
 Duma penada, e após alguns avisos sucintos, a 'Doutrina Carter', segundo
							a qual o poder militar dos EUA iria proteger eternamente o Golfo
							Pérsico, é posta de parte em 2025. Todos os elementos que
							há muito garantiam aos Estados Unidos abastecimentos ilimitados de
							petróleo a baixo preço daquela região 
							logística, taxas de câmbio e poder naval  evaporam-se. Nesta
							altura, os EUA ainda conseguem cobrir uns insignificantes 12% das suas
							necessidades energéticas a partir da sua alternativa embrionária
							da indústria energética e mantém-se dependente das
							importações de petróleo para metade do seu consumo de
							energia.
 
 O choque petrolífero que se segue atinge o país como um
							furacão, disparando os preços para alturas impressionantes,
							tornando as viagens uma proposta extremamente cara, colocando os
							salários reais (que há muito estavam em declínio) em queda
							livre e tornando não competitivas as poucas exportações
							americanas que ainda restam. Com os termóstatos a descer, os
							preços da gasolina a furar o tecto, e os dólares a fugir mar fora
							em troca do petróleo caro, a economia americana fica paralisada. Com as
							alianças há muito desgastadas no fim e as pressões fiscais
							a aumentar, as forças militares americanas começam finalmente uma
							retirada encenada das suas bases ultramarinas.
 
 Em poucos anos, os EUA estão funcionalmente na falência e o
							relógio aproxima-se da meia-noite do Século Americano.
 
 Aventuras militares desastrosas: Situação actual
 
 Contrariando o bom senso, à medida que o seu poder enfraquece, os
							impérios embarcam frequentemente em aventuras militares desastrosas e
							mal aconselhadas. Este fenómeno é conhecido entre os
							historiadores do império como "micro-militarismo" e parece
							envolver esforços psicologicamente compensadores para salvar o estigma
							da retirada ou da derrota ocupando novos territórios, mesmo que breve e
							catastroficamente. Estas operações, irracionais mesmo do ponto de
							vista imperialista, representam muitas vezes gastos hemorrágicos ou
							derrotas humilhantes que só aceleram a perda do poder.
 
 
  Em todas as épocas, os impérios bélicos sofrem de uma
							arrogância que os leva a mergulhar cada vez mais profundamente em
							aventuras desastrosas até que a derrota se transforma em derrocada. Em
							413 AC, uma Atenas enfraquecida enviou 200 barcos para serem massacrados na
							Sicília. Em 1921, uma Espanha imperialista moribunda enviou 20 mil
							soldados para serem dizimados pelos guerrilheiros berberes em Marrocos. Em
							1956, um Império Britânico em decadência destruiu o seu
							prestígio atacando o Suez. E em 2001 e 2003, os EUA ocuparam o
							Afeganistão e invadiram o Iraque. Com a arrogância que define os
							impérios ao longo dos milénios, Washington aumentou o
							número de efectivos no Afeganistão para 100 mil, alargou a guerra
							até ao Paquistão, e prolongou o seu compromisso até 2014 e
							para além disso, namorando desastres grandes e pequenos neste
							cemitério de impérios com armas nucleares, infestado por
							guerrilhas. 
 Aventuras militares desastrosas: Cenário 2014
 
 O 'micro-militarismo" é tão irracional, tão
							imprevisível, que cenários aparentemente irreais rapidamente
							são ultrapassados pelos acontecimentos reais. Com as forças
							militares americanas esticadas desde a Somália às Filipinas e as
							tensões crescentes em Israel, no Irão e na Coreia, são
							múltiplas as combinações possíveis para uma crise
							militar desastrosa no estrangeiro.
 
 Estamos a meio do Verão de 2014 e uma reduzida guarnição
							americana no Kandahar em guerra no sul do Afeganistão é
							súbita e inesperadamente invadida por guerrilheiros talibãs,
							enquanto a aviação americana está no chão por causa
							duma tempestade de areia que impede a visão. São feitas pesadas
							baixas e, em retaliação, um comandante americano envergonhado
							envia bombardeiros B-1 e caças F-16 para demolir bairros suburbanos da
							cidade que se julga estarem sob controlo dos talibãs, enquanto
							helicópteros equipados com metralhadoras AC-130U "Spooky"
							varrem os escombros com um devastador fogo de canhões.
 
 Imediatamente, os mullahs começam a pregar a jihad nas mesquitas por
							toda a região, e unidades do exército afegão, treinados
							por forças americanas para dar a volta à guerra, começam a
							desertar em massa. Então, os combatentes talibãs desencadeiam uma
							série de ataques extremamente sofisticados, visando as
							guarnições dos EUA em todo o país, fazendo aumentar as
							baixas americanas. Em cenas que fazem recordar Saigão em 1975,
							helicópteros americanos resgatam soldados e civis americanos nos
							telhados de Cabul e Kandahar.
 
 Entretanto, irritados com o beco sem saída interminável que
							já dura há décadas no que se refere à Palestina, os
							lideres da OPEP impõem um novo embargo petrolífero aos EUA como
							protesto pelo seu apoio a Israel, assim como pela matança de
							número incontável de civis muçulmanos nas suas guerras em
							curso por todo o Grande Médio Oriente. Com os preços da gasolina
							a subir em espiral e as refinarias a ficarem secas, Washington toma a
							decisão de enviar forças de Operações Especiais
							para conquistar os portos petrolíferos do Golfo Pérsico. Isto,
							por sua vez, incentiva uma onda de ataques suicidas e a sabotagem de oleodutos
							e de poços de petróleo. Enquanto nuvens negras se acumulam no
							céu e os diplomatas se levantam na ONU para denunciar asperamente as
							acções americanas, comentadores em todo o mundo fazem ressuscitar
							a história para brandir este "Suez da América", uma
							referência explícita à derrocada de 1956 que marcou o fim
							do Império Britânico.
 
 III Guerra Mundial: Situação actual
 
 No Verão de 2010, as tensões militares entre os EUA e a China
							começaram a aumentar no Pacífico ocidental, outrora considerado
							um 'lago' americano. Ainda um ano antes ninguém teria previsto uma
							evolução destas. Tal como Washington se aproveitou da sua
							aliança com Londres para se apropriar de grande parte do poder global da
							Grã-Bretanha depois da II Guerra Mundial, também a China
							está a utilizar agora os proveitos do seu comércio de
							exportações para os Estados Unidos para financiar o que parece
							vir a ser um desafio militar ao domínio americano nas águas da
							Ásia e do Pacífico.
 
 Com os seus recursos cada vez maiores, Beijing está a reclamar um vasto
							arco marítimo desde a Coreia à Indonésia há muito
							dominado pela Marinha dos EUA. Em Agosto, depois de Washington ter manifestado
							um "interesse nacional" no Mar do Sul da China e de ali ter efectuado
							exercícios navais para reforçar essa pretensão, o Global
							Times oficial de Beijing respondeu asperamente, dizendo, "O confronto de
							forças EUA-China em relação à questão do Mar
							do Sul da China fez subir a parada quanto à decisão de qual vai
							ser o verdadeiro futuro governante do planeta".
 
 No meio de tensões crescentes, o Pentágono relatou que Beijing
							já detém "a capacidade de atacar
 porta-aviões
							[americanos] no Oceano Pacífico ocidental" e visar
							"forças nucleares por todo
 o continente dos Estados
							Unidos". Ao desenvolver "capacidades ofensivas de guerra nuclear,
							espacial e cibernética", a China parece determinada a competir pelo
							domínio daquilo a que o Pentágono chama "o espectro de
							informação em todas as dimensões do campo de batalha
							moderno". Com o desenvolvimento em curso do poderoso super míssil
							Longo Alcance V, assim como com o lançamento de dois satélites em
							Janeiro de 2010 e outro em Julho, num total de cinco, Beijing deu sinal de que
							o país estava a dar passos rápidos na direcção de
							uma rede "independente" de 35 satélites para capacidades de
							posicionamento global, de comunicações e de reconhecimento
							até 2020.
 
 Para conter a China e alargar a sua posição militar globalmente,
							Washington pretende montar uma nova rede digital de robótica
							aérea e espacial, capacidades avançadas de guerra
							cibernética e vigilância electrónica. Os estrategas
							militares esperam que este sistema integrado envolva a Terra numa grelha
							cibernética capaz de ofuscar exércitos inteiros no campo de
							batalha ou de caçar um simples terrorista no campo ou na favela. Em
							2020, se tudo correr conforme planeado, o Pentágono vai lançar um
							escudo de três camadas de pequenos aviões espaciais de controlo
							remoto  que vão da estratosfera até à exosfera,
							armados com mísseis ágeis, ligados por um elástico sistema
							de satélite modular e manobrados inteiramente por vigilância
							telescópica.
 
 Em Abril passado, o Pentágono fez história. Alargou as
							operações dos aviões de controlo remoto até
							à exosfera lançando calmamente o X-37B, um veículo
							espacial não tripulado, para uma órbita baixa a 410 km acima do
							planeta. O X-37B é o primeiro de uma nova geração de
							veículos não tripulados que vão marcar o total armamento
							do espaço, criando uma arena para futuras guerras diferente de tudo o
							que já se viu.
 
 III Guerra Mundial: Cenário 2025
 
 A tecnologia do espaço e a guerra cibernética são coisas
							tão novas e sem estarem testadas que até os cenários mais
							estranhos podem vir a ser ultrapassados por uma realidade que ainda é
							difícil de conceber. Mas se utilizarmos apenas o tipo de cenários
							que a própria Força Aérea usou no seu Jogo de Capacidades
							Futuras 2009, podemos obter "uma melhor compreensão de como o ar, o
							espaço e o ciber espaço se sobrepõem na guerra" e
							começar a imaginar como poderá ser realmente travada uma
							próxima guerra mundial.
 
 São 11:59 da noite de quinta-feira de Acção de
							Graças em 2025. Enquanto os ciber-compradores se apinham nos portais da
							Melhor Compra para beneficiar dos grandes descontos na última palavra de
							aparelhos electrónicos domésticos chineses, os técnicos da
							Força Aérea dos EUA no Telescópio de Vigilância
							Espacial em Maui engasgam-se com o café quando os seus ecrãs
							panorâmicos se apagam subitamente. A milhares de quilómetros, no
							centro de operações do Ciber-Comando dos EUA, no Texas, os
							ciber-guerreiros depressa detectam binários maliciosos que, embora
							lançados anonimamente, mostram as distintas impressões digitais
							do Exército de Libertação de Pequim.
 
 O primeiro ataque aberto é um ataque que ninguém previra.
							"Vírus" chineses apoderam-se do controlo da robótica a
							bordo de um avião "Vulture" americano, de controlo remoto,
							não tripulado, alimentado a energia solar, quando ele se encontra a 70
							mil pés de altitude sobre o Estreito Tsushima entre a Coreia e o
							Japão. Este dispara subitamente toda a carga de mísseis
							transportada na sua enorme envergadura de 120 metros, enviando dezenas de
							mísseis letais que mergulham inofensivamente no Mar Amarelo, desarmando
							eficazmente essa arma formidável.
 
 Decidido a combater o fogo com fogo, a Casa Branca autoriza um ataque de
							retaliação. Confiante em que o seu sistema satélite F-6
							"Fractionated, Free-Flying" é impenetrável, os
							comandantes da Força Aérea na Califórnia transmitem
							códigos robóticos para a flotilha de aviões espaciais de
							controlo remoto X-37B que se deslocam numa órbita a 400 km acima da
							Terra, ordenando-lhes que lancem os seus mísseis "Triple
							Terminator" contra os 35 satélites da China. Resposta zero. Quase
							em pânico, a Força Aérea lança o seu Cruise Vehicle
							Hipersónico Falcon para um arco a 160 km acima do Oceano Pacífico
							e, 20 minutos depois, envia os códigos de computador para disparar
							mísseis contra sete satélites chineses em órbitas
							vizinhas. Subitamente os códigos de lançamento deixam de estar
							operacionais.
 
 À medida que os vírus chineses alastram descontroladamente pela
							arquitectura dos satélites F-6, enquanto os super-computadores
							americanos de segunda categoria não conseguem decifrar o diabolicamente
							complexo código do vírus, deixam de funcionar sinais de GPS
							vitais para a navegação dos navios e aviação
							americana em todo o mundo. Porta-aviões começam a andar em
							círculos no meio do Pacífico. Esquadrões de caças
							aterram. Mortíferos aviões de comando remoto voam sem rumo,
							despenhando-se quando se esgota o combustível. Subitamente, os Estados
							Unidos perdem o que a Força Aérea americana há muito
							chamava "o supremo terreno elevado ": o espaço. Em poucas
							horas, o poder militar que dominara o globo durante quase um século, foi
							derrotado na III Guerra Mundial sem uma única baixa humana.
 
 Uma Nova Ordem Mundial?
 
 Mesmo que os acontecimentos futuros venham a ser mais sensaborões do que
							estes quatro cenários sugerem, todas as tendências significativas
							apontam para um declínio muito mais impressionante do poder global
							americano em 2025 do que tudo o que Washington parece estar hoje a encarar.
 
 À medida que em todo o mundo os aliados começam a realinhar as
							suas políticas para terem conhecimento dos crescentes poderes
							asiáticos, o custo de manter 800 ou mais bases militares ultramarinas
							vai tornar-se simplesmente insustentável, acabando por forçar uma
							retirada encenada numa Washington ainda renitente. Com os EUA e a China numa
							corrida para armar o espaço e o ciber-espaço, é
							inevitável que aumentem as tensões entre as duas potências,
							tornando pelo menos possível um conflito militar em 2025, embora isso
							não seja garantido.
 
 A complicar ainda mais as coisas, as tendências económicas,
							militares e tecnológicas acima traçadas não
							funcionarão isoladamente. Tal como aconteceu aos impérios
							europeus depois da II Guerra Mundial, essas forças negativas vão
							mostrar-se inquestionavelmente sinérgicas. Vão combinar-se de
							formas perfeitamente inesperadas, vão criar crises para as quais os
							americanos não estão minimamente preparados e vão
							ameaçar precipitar a economia numa súbita espiral descendente,
							mergulhando esta nação numa geração ou mais de
							miséria económica.
 
 Enquanto o poder dos EUA recua, o passado oferece um espectro de possibilidades
							para uma futura ordem mundial. Numa das pontas deste espectro, não se
							pode pôr de lado a ascensão de uma nova superpotência
							global, embora isso seja pouco provável. Tanto a Rússia como a
							China revelam ainda culturas auto-referenciais, escritas difíceis
							não romanas, estratégias de defesa regional e sistemas legais
							subdesenvolvidos, que lhes negam instrumentos chave para um domínio
							global. Portanto, de momento, parece que não há no horizonte
							nenhuma superpotência que possa suceder aos EUA.
 
 Numa versão sombria, medonha, do nosso futuro global, uma
							coligação de corporações transnacionais, de
							forças multilaterais como a NATO e duma elite financeira internacional
							talvez pudesse forjar um único elo supra-nacional, possivelmente
							instável, que tornaria sem sentido continuar a falar de impérios
							nacionais. Enquanto as corporações desnacionalizadas e as elites
							multinacionais governariam assumidamente um mundo assim em enclaves urbanos
							seguros, a multidão seria relegada para a desolação urbana
							e rural.
 
 No 'Planeta Favela' 
							 (Planet of Slums)
							, Mike Davis apresenta pelo menos uma visão parcial de um mundo desses.
							Defende que os mil milhões de pessoas já amontoadas em
							fétidos bairros pobres, tipo favelas, em todo o mundo (e que
							chegarão aos dois mil milhões em 2030) formarão "as
							'cidades falhadas, selvagens' do Terceiro Mundo
 o campo de batalha
							característico do século vinte e um". À medida que a
							noite se instala nalgumas das futuras super-favelas, "o império
							pode impor tecnologias orwelianas de repressão" como
							"helicópteros com metralhadoras, tipo vespas, a caçar
							inimigos enigmáticos pelas ruas estreitas dos bairros pobres
 Todas
							as manhãs os bairros respondem com bombistas suicidas e explosões
							eloquentes".
 
 A meio caminho do espectro de possíveis futuros, pode emergir um novo
							oligopólio global entre 2020 e 2040, com potências em
							ascensão como a China, a Rússia, a Índia e o Brasil
							colaborando com potências em decadência como a Grã-Bretanha,
							a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos para imporem um domínio
							global ad hoc, parecido com a aliança solta dos impérios europeus
							que governaram metade da humanidade por volta de 1900.
 
 Outra possibilidade: a ascensão de hegemonias regionais num regresso a
							algo que faz recordar o sistema internacional que funcionou antes de tomarem
							forma os impérios modernos. Nesta ordem mundial neo-westfaliana, com as
							suas imagens infindáveis de micro-violência e de
							exploração sem controlo, cada hegemonia dominará a sua
							região  a Brasília na América do Sul, Washington na
							América do Norte, Pretória na África do Sul, e por
							aí afora. O espaço, o ciber-espaço e as profundezas
							marítimas, libertos do controlo do antigo "polícia"
							planetário, os Estados Unidos, até podem tornar-se áreas
							públicas globais, controladas por um Conselho de Segurança das
							Nações Unidas alargado ou qualquer órgão ad hoc.
 
 Todos estes cenários são extrapolações de
							tendências existentes para um futuro no pressuposto de que os americanos,
							cegos pela arrogância de décadas de um poder historicamente sem
							paralelo, não possam ou não queiram tomar medidas para gerir a
							erosão descontrolada da sua posição global.
 
 Se o declínio da América está de facto numa
							trajectória de 22 anos, de 2003 a 2005, então já
							esbanjámos a maior parte da primeira década desse declínio
							com guerras que nos afastaram dos problemas a longo prazo e, tal como a
							água despejada nas areias do deserto, desperdiçaram
							milhões de milhões de dólares de que precisamos
							desesperadamente.
 
 Se restam apenas 15 anos, ainda se mantém alta a possibilidade de
							esbanjá-los todos. O Congresso e o presidente encontram-se actualmente
							manietados; o sistema americano está inundado de dinheiro público
							destinado a emperrar as obras; e poucas indicações há de
							que quaisquer questões de significado, incluindo as nossas guerras, o
							nosso estado de segurança nacional, o nosso esfomeado sistema de
							educação, e o nosso antiquado fornecimento de energia, sejam
							tratadas com a necessária seriedade para assegurar o tipo de aterragem
							suave que podia maximizar o papel e a prosperidade do nosso país num
							mundo em mudança.
 
 Os impérios da Europa acabaram e o império da América
							está a acabar. É cada vez mais duvidoso que os Estados Unidos
							venham a ter algo parecido com o êxito da Grã-Bretanha em moldar
							uma ordem mundial sucedânea que proteja os seus interesses, preserve a
							sua prosperidade e exiba o carimbo dos seus melhores valores.
 
 O original encontra-se em
								 www.tomdispatch.com/...
								. Tradução de Margarida Ferreira.
 
 Este artigo encontra-se em
								 http://resistir.info/
								.
 
 
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